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Registros de representação semiótica: experiência no ensino de funções quadráticas com alunos do Ensino Médio Integrado

Records of semiotic representation: experience in teaching quadratic functions with students of Integrated Middle School

Linus Tannure Santana
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil
Jorge Henrique Gualandi
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil
Maria Rosana Soares
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil

Registros de representação semiótica: experiência no ensino de funções quadráticas com alunos do Ensino Médio Integrado

Educação Matemática Debate, vol. 3, núm. 7, pp. 8-30, 2019

Universidade Estadual de Montes Claros

Recepción: 02 Agosto 2018

Aprobación: 01 Octubre 2018

Publicación: 02 Enero 2019

Resumo: Diante do contexto em que se vê a necessidade de proporcionar aos alunos condições para representar um objeto matemático de várias formas, foi desenvolvida a pesquisa como forma de investigar como os alunos transitam entre diferentes registros de função quadrática. Esta foi desenvolvida de forma qualitativa, com uso de um estudo exploratório com os alunos do 1º ano do Ensino Médio Integrado a partir de listas de tarefas, além de ser realizada por etapas, dentre elas, a discussão das tarefas de forma a abarcar os diversos registros apresentados pelos alunos. Toda a pesquisa teve suporte na Teoria dos Registros de Representação Semiótica, de Raymond Duval, com ênfase na conversão. Os resultados verificados podem contribuir para que se repense a prática pedagógica de como os conteúdos matemáticos podem ser trabalhados com os alunos em suas várias abordagens e formas, possibilitando reflexões nos processos de ensino e de aprendizagem.

Palavras-chave: Representação Semiótica, Funções Quadráticas, Ensino, Aprendizagem.

Abstract: In the context of the need to provide students with conditions to represent a mathematical object in various ways, research was developed as a way of investigating how students move between the forms of quadratic function registers. This was developed in a qualitative way, with the use of an exploratory study with the students of the 1st grade of the Integrated High School through lists of tasks, besides being realized in stages, among them, the discussion of the tasks in order to comprise the various records presented by the students. All research had support in Raymond Duval's Theory of Semiotic Representation Records, with emphasis on conversion. The results verified can contribute to rethink the pedagogical practice of how mathematical contents can be worked with students in their various approaches and forms, allowing reflections in the teaching-learning process.

Keywords: Semiotic Representation, Quadratic Functions, Teaching Learning.

1 Introdução

A disciplina de Matemática como componente curricular tem sido tema de diversas pesquisas, não apenas buscando entender os objetos matemáticos, mas também rumo ao aprofundamento destes, alertando para conceitos e conteúdos não contemplados no currículo básico dos diferentes níveis de ensino, que poderia causar uma ruptura nos processos de ensino e aprendizagem da matemática. Nesse sentido, Rico (1997) destaca ser devido à preocupação com a finalidade da Educação Matemática que muitos trabalhos teóricos têm sido elaborados.

Os processos de ensino e de aprendizagem são um diálogo entre os conteúdos do currículo básico, o professor e os alunos. Vale ressaltar que as vivências de cada sujeito influenciam na forma como ele se apropria e significa os conteúdos estudados, neste caso, a Matemática. No entanto, é interessante que os alunos se apropriem de diferentes formas para registrar e representar um objeto matemático (DUVAL, 2003, 2009), de forma a proporcionar que os estudantes estabeleçam relações entre esses registros. Devido aos vários registros possíveis, destacamos o conteúdo de funções, dada a sua relevância.

Para o conteúdo de funções, Braga (2006) destaca ser crescente a importância dada às diferentes formas de representação para que sejam feitas relações com outras áreas da Matemática, além de outras ciências e situações do dia a dia dos alunos. Esse autor salienta que

[...] o avanço do educando em direção a um conhecimento maior do conceito de função deverá levá-lo a uma compreensão melhor do seu dia-a-dia, disponibilizando lhe ferramentas úteis ao exercício de sua cidadania como, por exemplo, o reconhecimento de variáveis em situações do cotidiano e o estabelecimento de relações entre elas. Esse alcance confere ao referido conteúdo uma relevância incontestável na matemática escolar. (BRAGA, 2006, p. 17).

Para estudar e compreender funções, é importante conceituá-la e buscar suas definições, que percorrem desde a relação definida entre dois conjuntos, até a relação de dependência entre duas grandezas ou variáveis. Caraça (2016) destaca que “o conceito de função aparece-nos, no campo matemático, como o instrumento próprio para o estudo das leis” (p. 121). Leis estas que são próprias para a especificidade do tipo de função.

Diante desse contexto, percebe-se a necessidade de proporcionar aos alunos vivenciar situações nas quais o professor explore tarefas matemáticas em que a valorização das diversas formas de registrar uma situação matemática seja evidenciada. Para tanto, propomos elaborar um estudo que será norteado pela seguinte questão: Como os alunos do 1º ano do Ensino Médio Integrado transitam entre diferentes formas de registrar uma função quadrática?

Com esse estudo objetiva-se investigar como os alunos lidam com a transição entre tipos de registros da função quadrática. A apropriação será identificada por meio da naturalidade que o aluno tem ou não, em transitar entre as diferentes formas de registro das representações possíveis, sejam elas representações gráficas, algébricas, na língua materna, ou em uma linguagem matemática específica.

A preocupação e o foco escolhido em Registro de Representações Semióticas (RRS) aplicado na Matemática, parte das observações das dificuldades enfrentadas pelos alunos em operar matematicamente e manipular uma única questão em suas diversas abordagens, em que “a atividade matemática consiste na transformação de representações semióticas. A noção de registros se impõe para analisar o funcionamento cognitivo e, consequentemente, para analisar as dificuldades de incompreensão profundas que a aprendizagem matemática levanta” (DUVAL, 2011, p. 97).

Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2018) descreve como umas das competências específicas da Matemática, “compreender e utilizar, com flexibilidade e fluidez, diferentes registros de representação matemática (algébrico, geométrico, estatístico, computacional etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas, de modo a favorecer a construção e o desenvolvimento do raciocínio matemático” (BRASIL, 2018, p. 523).

O conteúdo de funções foi destacado em relação aos demais, devido às suas aplicações e à importância nas outras áreas de conhecimento, tornando-se base para análises e interpretações de dados e informações. A conversão[1] entre as várias representações sobre um estudo de determinado conteúdo viabiliza a construção do conhecimento deste, tornando-se uma condição necessária aos processos de ensino e de aprendizagem. O sentido do termo conversão utilizado é “a originalidade da atividade matemática está na mobilização simultânea de ao menos dois registros de representação ao mesmo tempo, ou na possibilidade de trocar a todo o momento de registro de representação” (DUVAL, 2003, p. 14).

Destaca-se que a forma como o aluno se apropria do conteúdo matemático tem relação com a clareza do objetivo planejado pelo professor, pois assim traça estratégias coerentes para conduzir a aula e a explicação do conteúdo, dando bases para o discente ter uma melhor compreensão deste. Acerca disso, “[...] poderemos falar em conceitualização, aquisição de conhecimentos, somente a partir do momento em que o aluno “transitar” naturalmente por diferentes registros. Para isso, é necessário que o professor tenha claro o objetivo matemático a ser ensinado [...]” (DAMM, 2008, p. 176).

Percebe-se que para se trabalhar a Matemática de forma mais efetiva, é necessário dar relevância às suas diversas formas de registros, evidenciando como se transita entra essas formas.

2 Uma breve história sobre o conceito de funções

O desenvolvimento do conceito de funções pode ser analisado a partir de três momentos históricos: Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna.

Conforme Garbi (2006), a função como uma forma intuitiva e como uma dependência de valores apareceu na Antiguidade (4000 a.C. ao séc. V). Já na Idade Média (séc. V ao séc. XV), o conceito de função está relacionado às representações mecânicas e geométricas. Na Idade Moderna (séc. XV ao séc. XVIII), passa a ser significada por expressões analíticas.

A associação entre dois objetos ou duas representações, corrobora e exemplifica o que Boyer (1996) diz ser uma correspondência entre objetos. Por exemplo, em uma loja, para cada peça de roupa vendida, o vendedor coloca uma ficha corresponde à sua cor em uma caixa. Nesse simples mecanismo de controle, já podemos perceber a noção de dependência que está ligada ao conceito de funções. Além disso, o autor também destaca que foi na Idade Média que função foi percebida como um conceito mais geral, e que só a partir do século XIV que a Matemática reaparece como objeto de análise dos cientistas.

O conceito de função foi se desenvolvendo de forma linear e sendo ressignificado, assim como a Matemática. De acordo com Davis e Hersh (1998), cada geração, em sua época específica, desenvolve a Matemática necessária que atenda suas demandas.

Caraça (2006) apresenta a seguinte definição para função:

Sejam x e y duas variáveis representativas de conjuntos de números; diz-se que y é função de x e escreve y = f(x). Se entre as duas variáveis existe uma correspondência unívoca no sentido x y . A x chama-se variável independente, a y variável dependente. (CARAÇA, 1951, p. 129).

Trabalhar funções requer o uso de diversas estratégias para conduzir o aluno na formação deste conceito matemático, o que não ocorre de maneira eficiente quando a fórmula lhe já é apresentada de modo inicial.

Uma das estratégias que pode ser utilizada para que o aluno compreenda a estruturação de uma fórmula, é comentada por Braga (2016):

[...] A fórmula é frequentemente encarada como um recurso em que, através da substituição de algumas variáveis, calcula-se um valor desconhecido. Não se costuma fazer, em sua abordagem, menção à relação de dependência das variáveis que ela envolve, o que poderia ser feito antes mesmo de se iniciar o processo operacional, numa atividade preambular (BRAGA, 2016, p. 83).

Nesse sentido, percebe-se a necessidade de uma visão ampla quando se fala de função, pois não existia um consenso que a definisse de forma única, fazendo-se necessário entender de forma geral, se apropriar do conceito e adaptar para a necessidade do momento.

Ainda nota-se ser necessário trabalhar o pensamento de função no ensino de Matemática como uma forma de criar conexões da mesma com outras áreas de conhecimento, ou ainda criar relações entre outros conteúdos dentro da própria área de conhecimento matemático, tornando-a uma área ampla, mas com relações passíveis de estudos e análises, excluindo a ideia de isolamento do conhecimento ou da fragmentação deste.

3 Estudos correlatos

Foram pesquisados estudos sobre o ensino de funções e a teoria dos Registros de Representação Semiótica (RRS), além de verificar como é trabalhado o ensino de Matemática de forma geral.

Bonoto, Soares e Martins (2010) analisam e discutem sobre o estudo de funções exponenciais envolvendo juros compostos, segundo a teoria dos RRS, verificando as conversões entre os tipos de registros algébricos e o registro gráfico, não verificando a prioridade no sentido de conversão, se é no sentido algébrico para o gráfico, ou do gráfico para o algébrico.

Andrade (2013), em sua monografia, analisa o ensino atual de Matemática e como isso influencia no cotidiano do aluno. Como metodologia utilizada, foram aplicados questionários a alunos e professores, com o objetivo de constatar a importância da Matemática na vida prática dos alunos. Também foi feita uma abordagem teórica e um estudo baseado em coleta de dados, para pontuar qual seria o conteúdo matemático considerado mais difícil para os alunos e professores. Ao final, a autora concluiu ser necessária uma nova abordagem diante do padrão de ensino atual da disciplina de Matemática, focando no aprendizado do aluno por meio de formas concretas, para estimular o interesse deste pela matéria.

O artigo escrito por Lucas e Gualandi (2015) relata uma abordagem da teoria de Duval, com um recorte específico no conteúdo de funções exponenciais, tornando-se um instrumento para contribuir com o entendimento do processo cognitivo do pensamento matemático dos alunos.

Após a leitura dos estudos correlatos, a pesquisa foi direcionada para o ensino de funções quadráticas e como os alunos registram as soluções das tarefas usando pressupostos da teoria de Registro de Representação Semiótica, com foco nas transições entre diferentes registros.

4 Procedimentos metodológicos

A pesquisa desenvolvida foi de abordagem qualitativa, na qual foram aplicadas tarefas sobre funções quadráticas, e analisadas as formas como os alunos lidam com os registros relacionados ao estudo do conceito de funções.

Em relação a tarefas e atividades, Ponte (2014) define a atividade como sendo a ação pela qual o aluno aprende e realiza as tarefas, que foram pré-selecionadas e desenvolvidas pelo professor, sendo a ação deste.

A escolha da turma se deu no campus Cachoeiro de Itapemirim do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) que oferta o Ensino Médio Integrado com os cursos de Informática e Eletromecânica. Nessa modalidade de ensino, o estudante cursa o Ensino Médio simultaneamente com as disciplinas do curso técnico escolhido no ato do processo seletivo e posterior matrícula. O diploma é único e não pode ser desvinculado. Existem, portanto, duas turmas de 1º ano do Ensino Médio que ingressaram no ano de 2018 na instituição.

A escolha da turma para o desenvolvimento da pesquisa ocorreu após verificação dos horários de aula em que os alunos estudavam a disciplina de Matemática, além de ser verificado o quantitativo do número de aulas. Uma turma tem duas aulas semanais e a outra, três. Assim, conversamos com a professora regente da turma e ela sugeriu que desenvolvêssemos a pesquisa na turma com três aulas semanais.

A turma escolhida já havia estudado o conteúdo de funções quadráticas com a professora regente da turma, sendo considerada pela mesma, uma forma do conteúdo ser retomado para melhor apropriação por parte dos alunos.

Foram planejados cinco encontros, sendo um por semana, e, em todos eles, estiveram presentes os pesquisadores e a professora regente.

O primeiro contato com a turma foi reservado ao convite para a realização da pesquisa. Os pesquisadores tiveram uma conversa informal com os alunos, explicitando o interesse em realizar uma investigação a partir de tarefas trabalhadas com eles.

Após a conversa informal, os 45 alunos da turma manifestaram interesse em participar da pesquisa. Posteriormente, entregamos o termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e solicitamos que pedissem aos responsáveis para que, se concordassem, assinassem o Termo para devolver, aos pesquisadores, no próximo encontro.

Os alunos foram orientados que nenhuma tarefa seria divulgada com identificação nominal, que apareceria na pesquisa com identificação fictícia para a preservação da identidade e da privacidade dos mesmos.

Devido ao número de alunos que se disponibilizaram a participar da pesquisa, optamos por desenvolver as tarefas em grupo, de forma que as interações entre os alunos acontecessem de forma mais direta. No entanto, organizamos a turma em trios e decidimos analisar as tarefas dos estudantes que participaram de todos os encontros. Entendemos que o trabalho em grupo é de extrema importância para o desenvolvimento dos alunos, pois o indivíduo consegue se expressar em linguagem própria e se fazer entender, além de criar seus próprios mecanismos de entendimento do que está sendo trabalhado no grupo. Conforme Vygotsky (1989), a construção do conhecimento implica em uma ação partilhada, exigindo uma cooperação e troca de informações mútuas, com consequente ampliação das capacidades individuais.

A primeira lista de tarefas foi elaborada após o primeiro contato com a professora regente da turma, pois foi conversado com ela acerca do tipo de tarefas que os alunos estavam habituados a realizar, para que se pudesse planejar uma primeira lista de forma a se fazer uma análise inicial do nível de apropriação da turma. A primeira tarefa da lista fornecia aos alunos duas funções quadráticas, solicitando que eles realizassem cinco comandos para cada uma delas. Comandos que consistiam em calcular a imagem de alguns números, organizar os resultados obtidos na forma que eles achassem melhor, além de construírem os respectivos gráficos e fazer algumas inferências sobre eles.

A segunda questão relacionava função quadrática com o cálculo da área de um quadrado, pedindo para que os alunos calculassem as áreas de alguns quadrados a partir de valores estabelecidos e novamente solicitando que anotassem e organizassem os resultados de uma forma que eles entendessem e fosse possível efetuar a construção do gráfico correspondente.

O cálculo de valor máximo ou mínimo para uma função dada foi trabalhado na terceira tarefa da primeira lista, requerendo dos alunos a interpretação e análise do que significa as especificidades do gráfico, para que desse suporte aos alunos a resolverem possíveis problemas de aplicação do conteúdo.

Na quarta tarefa da lista, foi fornecido o gráfico de uma função quadrática (parábola) com pontos destacados, solicitando que os alunos marcassem a opção que correspondia a sua representação algébrica, sendo necessário que os alunos transitassem entre o registro gráfico e o algébrico.

Iniciamos o segundo encontro recolhendo o TCLE e solicitando que os alunos se agrupassem em trios. Feito isso, receberam, para resolução, a primeira lista de tarefas exploratórias, sem a intervenção dos pesquisadores e da professora regente.

Ponte (2014) define tarefas exploratórias como uma forma de desenvolvimento da Matemática dos alunos, tendo características específicas para permitir o uso de diferentes possibilidades e estratégias de resolução.

Dessa forma, foi sugerido que as tarefas fossem realizadas de forma livre e que os alunos registrassem as formas com as quais desenvolveram as questões, e ainda que interagissem apenas com os integrantes do seu trio, e não com os demais.

A realização das tarefas ocorreu de forma tranquila e dentro do período programado e disponibilizado para o encontro.

Alguns alunos questionaram e queriam tirar dúvidas sobre como realizar as tarefas, porém foi informado que, no momento, eles deveriam realizá-las apenas com as orientações contidas na lista de tarefas.

Ao final da aula, foi recolhida a lista de tarefas de cada grupo juntamente com os registros usados para desenvolver as tarefas.

No terceiro encontro, fizemos uma devolutiva sobre a forma como os alunos registraram as respostas das tarefas apresentadas no segundo encontro.

Este encontro reservado às discussões acerca das resoluções das questões foi direcionado pelo conceito metodológico de argumentação dialógica, em que a interação entre o professor e o aluno é valorizada e destacam-se as contribuições dos alunos, com suas diversas estratégias de resolução. Boulter e Gilbert (1995) destacam, principalmente, a participação ativa dos alunos na discussão e explicitação de ideias utilizadas nas estratégias de resolução, além de direcionar ao professor o papel de mediador dos conceitos e das opiniões dos alunos que possuem relevância acadêmico-científica.

Nas discussões, os alunos foram instigados com perguntas como “Vocês acham que podemos resolver apenas dessa forma?”, “Como podemos anotar e organizar as informações e resoluções das tarefas?”, “Essa resposta significa eu representar a função de que forma?”. Com isso, os alunos foram dando suas contribuições, tentando explicar como haviam resolvidos aquela tarefa em questão, além de se questionarem porquê não haviam percebido tal forma de resolução antes.

A condução do encontro foi planejada com o objetivo principal de investigar se os alunos iriam se apropriar das diversas possibilidades de formas para registrar um objeto matemático, no caso função quadrática, além de transitar com naturalidade entre elas, uma vez que foram explicados e explicitados, durante as resoluções, os diversos meios de registros e a transição entre eles.

Durante as discussões, um aluno, aqui denominado Aluno X, questionou dizendo:

Professor, eu fiz a resposta de forma diferente, porém eu creio que está certo. Escrevi os resultados em forma de pares ordenados e não na tabela. Será que isso pode atrapalhar na hora de fazer o gráfico ou em outra parte da resolução da questão?

Esse questionamento evidencia que nem sempre os alunos conseguem identificar as várias formas de representar um objeto matemático. O questionamento do aluno, também chamou atenção para que se faça uma reflexão, em que não há caminho de resolução certo ou errado, mas sim maneiras diversas de registrar as resoluções de um mesmo objeto matemático.

A segunda lista de tarefas foi elaborada a partir das discussões estabelecidas no terceiro encontro. As tarefas dessa segunda lista tinham o mesmo nível de dificuldade da primeira, com o propósito de oportunizar aos alunos, momentos em que eles pudessem transitar entre diferentes registros de representação de função. A lista também possuía quatro questões, e foi elaborada para ser aplicada em uma aula de 50 minutos.

Na primeira questão foi relacionado o conteúdo de perímetro e área com função quadrática, permitindo que o aluno, ao resolvê-la, transitasse entre os vários registros, sem ser direcionado para nenhum deles.

Na segunda questão, os alunos deveriam relacionar o número de lados de um polígono com o número de diagonais. Essa tarefa visava verificar se os alunos saberiam inferir que os valores possíveis para o número de lados de um polígono e para o número de diagonais estão no campo dos números naturais, em que o número de lados é sempre n ≥ 3 e o número de diagonais é sempre d ≥ 2.

Na terceira questão propomos um gráfico, remetendo à uma questão que estava presente na primeira lista, solicitamos aos alunos que realizassem análises e tentassem resolver, caso houvesse, por mais de uma forma a tarefa.

A quarta questão possui dois gráficos construídos sobre o mesmo eixo de coordenadas, sendo oportunizado aos alunos o trânsito entre o registro gráfico e o algébrico.

O quarto encontro foi destinado para que os alunos fizessem a resolução de uma segunda lista de tarefas, contendo quatro questões semelhantes às da primeira lista. As orientações quanto à resolução da lista foram as mesmas apresentadas no segundo encontro.

Orientações estas que foram evidenciadas para que os alunos não se esquecessem de resolver as questões de mais de uma forma, permitindo que estabelecessem as relações entre os conteúdos matemáticos. De acordo com Gualandi (2012), esse é um momento importante para relacionar os conteúdos matemáticos entre si, além de fazerem anotações de tudo que forem pensando e resolvendo, procurando serem claros e objetivos.

No quinto encontro com a turma foi feito um momento de agradecimento pela participação na pesquisa e por todas as contribuições que deram durante o processo. Além dos agradecimentos, esse dia foi reservado principalmente para fazer uma devolutiva para a turma, explicando os objetivos que a pesquisa tinha quando foi iniciada e o que foi alcançado, além de informar o que foi percebido após as análises das tarefas realizadas por eles.

Desta forma, foi feito uma retomada na resolução das tarefas propostas, dessa vez explicando as formas de registros da função quadrática, evidenciando como transitar entre essas formas. As tarefas foram resolvidas a partir de vários registros, mostrando aos alunos que não existe apenas um caminho, mas diversos, desde que se compreenda o conteúdo de forma que se tenha um olhar crítico para analisar as tarefas e saber o que se deve fazer para chegar a um resultado correto e de forma consciente.

Vale ressaltar que para a análise das tarefas, observamos que dos 15 trios, 12 estiveram presentes em todos os encontros, dos quais oito realizaram todas as tarefas das duas listas. Sendo assim, destes escolhemos de forma aleatória quatro trios para análise dos dados, e de cada lista, escolhemos duas tarefas.

5 Discussão e análise das tarefas

Para analisar as resoluções, foi feito um quadro com as tarefas selecionadas de cada lista, para assim, comparar os diferentes registros realizados pelos trios.


Quadro 1
Registros das resoluções da questão 1 – Primeira lista de tarefas
Registros das resoluções da questão 1 – Primeira lista de tarefas
Dados da Pesquisa

Podemos observar que os trios calcularam as imagens dos valores fornecidos na tarefa e registraram. Os trios A, B e D fizeram o registro de forma algébrica, já o trio C fez o registro na forma algébrica e também na forma tabular, para que facilitasse a construção do gráfico que, aliás, nota-se que todos os trios tiveram dificuldades para transitar do registro algébrico ou tabular para o registro gráfico, se equivocando em sua construção.

Percebe-se que os alunos transitaram com naturalidade do registro algébrico, para o registro em forma de tabela e depois para o gráfico. Segundo os alunos, quando se tem a fórmula da função quadrática (registro algébrico) e foi pedido que se calculassem alguns valores para construir o gráfico, é algo mais fácil, pois é a forma como o conteúdo foi trabalhado no ano anterior, 9º ano do Ensino Fundamental. Neste sentindo, para Duval (2003) “[...] é necessário distinguir cuidadosamente o que sobressalta [...] em uma conversão, esta consistindo em uma simples mudança de registros ou em uma mobilização em paralelo de dois registros diferentes” (p. 24).


Quadro 2
Registros das resoluções da tarefa 2 – Primeira lista de tarefas
Registros das resoluções da tarefa 2 – Primeira lista de tarefas
Dados da Pesquisa

Nos registros da segunda tarefa da primeira lista, percebemos que os trios tiveram certa facilidade, embora o trio B equivocou-se ao calcular f(1,5) = (1,5)², o que prejudicou o registro na forma gráfica, porém houve dificuldade em transitarem para o registro gráfico. Os trios A e B não fizeram o gráfico, já os trios C e D fizeram, mas não se atentaram para a escala, de forma que a representação ficou semelhante a uma função polinomial de 1º grau. O trio C representou o gráfico em forma de reta, quando se sabe que o gráfico da função quadrática é uma parábola. O trio D representou a parábola, porém com os valores negativos para o lado, o que, neste caso não pode ser explicitado, pois estamos lidando com área de um quadrado.

A tarefa de número 2 da segunda lista também foi uma que os alunos tiveram naturalidade para tratar o registro algébrico; os trios B e D fazendo de forma mais explicada e com o auxílio do registro em língua materna, explicando o que fizeram.

O trio A não fez o registro gráfico da função. Os trios B, C e D fizeram o registro, porém de forma equivocada, pois não se atentaram para os valores que poderiam ser representados para o número de lados do polígono (n pertencendo ao conjunto dos naturais, sendo n ≥ 3). O trio D representou o gráfico na forma de uma reta, o que caracteriza dificuldade em transitar para o registro gráfico.


Quadro 3
Registros das resoluções da tarefa 2 – Segunda lista de tarefas
Registros das resoluções da tarefa 2 – Segunda lista de tarefas
Dados da Pesquisa

A forma como o conteúdo foi trabalhado em sala de aula pode ser um fator relevante na falta de naturalidade em transitar do registro algébrico para o gráfico. Nesse sentido, Duval (2009, p, 99) enfatiza que

uma aprendizagem especificamente centrada sobre a conversão de representações e efetuada fora de toda tarefa de tratamento parece, então, necessária ao início de todo ensino que dá acesso a um novo domínio ou uma nova rede conceitual.

Trabalhar o conteúdo matemático dando relevância na transição entre os diversos tipos de registros poderia ser algo inerente ao ensino de Matemática, e não como estratégia complementar, que se usa em apenas alguns momentos.


Quadro 4
Registros das resoluções da tarefa 3 – Segunda lista de tarefas
Registros das resoluções da tarefa 3 – Segunda lista de tarefas
Dados da Pesquisa

A tarefa 3 da segunda lista exigia o tratamento do registro gráfico para depois transitar para o algébrico. Verificamos que esta foi a maior dificuldade dos alunos, sendo que o trio A nem apresentou registro para essa questão.

Os trios C e D ainda tentaram transitar do registro algébrico para o registro gráfico, porém cometeram equívocos nos cálculos, o que dificultou que eles definissem a forma algébrica da função e assim encontrassem o valor solicitado.

Ao analisar as tarefas dos trios, verificou-se ser realmente necessário o conhecimento das formas de representações, ideia que ecoa quando Damm (2008) diz que “[...] não existe conhecimento matemático que possa ser mobilizado por uma pessoa, sem o auxílio de uma representação” (p. 137).

Ainda percebemos, durantes as análises, que os alunos possuem grandes dificuldades em operar um objeto matemático quando o mesmo não é trabalhado de forma natural quanto à conversão entre registros diferentes. A respeito deste pensamento, Duval (2009) afirma que

[...] em outros termos, recorre-se à atividade cognitiva de conversão das representações como a uma atividade natural ou adquirida, desde o nível do Collège[2], por todos os alunos; atividade sobre a qual as aprendizagens de tratamentos e as aprendizagens conceituais poderiam se apoiar (DUVAL, 2009, p. 64).

Para verificarmos de maneira geral os registros utilizados pelos alunos nas resoluções das tarefas, foi feita a Tabela 1, constando o tipo de registro verificado e o quantitativo de vezes que foram utilizados.

Tabela 1
Quantidade de vezes que cada tipo de registro foi utilizado
Quantidade de vezes que cada tipo de registro foi utilizado
Dados da Pesquisa

Analisando a tabela acima, verifica-se que os alunos possuem maior facilidade para registrar e tratar a forma algébrica de um objeto matemático, recorrendo à língua materna para explicar o que não conseguiu desenvolver algebricamente ou na forma de gráfico. A tabela foi utilizada apenas para auxiliar na construção do gráfico, não sendo um registro muito utilizado pelos trios. Ressaltamos que foi verificado se o registro foi utilizado e não se ele foi feito de maneira correta.

6 Considerações

Após análise dos dados obtidos, observamos que vários fatores justificam os fatos de os alunos apresentarem dificuldades em transitar entre as formas de registros de um objeto matemático, tais como: a) dificuldade de visualização; b) de representação algébrica partindo do registro gráfico, sendo esta, justificada pelos alunos, como a forma mais difícil de entender função quadrática; c) quando é solicitada a fórmula algébrica e é dado o gráfico com os pontos destacados.

Alguns alunos destacaram que o fato deles não saberem trabalhar muito com os gráficos é dado pelo motivo que o sistema cartesiano não foi bem trabalhado em anos anteriores, prejudicando a compreensão deles no que tange ao significado de um ponto marcado sobre o gráfico da função quadrática e sua possível substituição na forma geral desta. Fato esse que pode ser derivado da não evidenciação do tratamento e da conversão entre as formas de registros como foco no ensino dos conteúdos matemáticos de forma natural.

Duval (2003) considera que a relação entre as formas de registro de um objeto matemático só é percebida quando essas relações são estabelecidas e, assim, os alunos passam a diferenciar as várias representações necessárias para a compreensão de um conteúdo matemático.

Entende-se que a maior dificuldade dos alunos é trabalhar com a parte gráfica da função quadrática e suas possíveis interpretações e aplicações, ainda mais quando se faz necessária a articulação entre as várias formas de registros de representação de um mesmo objeto, sendo uma condição para a compreensão do conhecimento matemático, ainda que várias estratégias de ensino não contemplem esse pensamento. Ideia esta abarcada pelas afirmações de Duval (2003).

Além disso, é necessário, por parte do aluno, a ressignificação do seu conhecimento adquirido para que consiga resolver outras tarefas em novas situações-problema propostas e não apenas repetir ou seguir um modelo de solução pré-estabelecido.

Referências

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DAVIS, Philip J.; HERSH, Reubem. A experiência matemática. Lisboa: Gradiva, 1998.

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DUVAL, Raymond. Semiósis e pensamento humano: registros semióticos e aprendizagens intelectuais. São Paulo: Livraria da Física, 2009.

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Notas

[1] A conversão acontece quando mudamos de forma de registro. Exemplo: a função f(x) =x2 – 4 (registro algébrico) também pode ser representada graficamente. Sendo assim, houve uma conversão do registro algébrico para o registro gráfico. Já o tratamento ocorre quando se trabalha dentro de um mesmo registro, por exemplo, f(x) = x² - 4 e f(x) = (x + 2).(x - 2), em que os dois registros estão na linguagem algébrica.
[2] Collège é o período de estudo obrigatório do sistema educacional francês correspondente aos quatro anos finais do ensino fundamental do sistema educacional brasileiro.

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