Artigos
Recepción: 01 Octubre 2018
Aprobación: 15 Noviembre 2018
Publicación: 02 Enero 2019
DOI: https://doi.org/10.24116/emd.v3n7a05
Resumo: Este artigo, recorte de uma pesquisa de mestrado, tem como objetivo discutir a respeito da utilização do contexto musical para o ensino de números fracionários racionais a partir de uma revisão bibliográfica de trabalhos que associam esses dois temas. Partindo da necessidade de situações que envolvam os significados parte-todo, medida, quociente, razão e operador para o ensino desses números, buscamos articular os elementos musicais presentes na estrutura rítmica da escrita musical ocidental, que apresentam esses significados, com a finalidade de ter um instrumento que ajudasse a analisar os referidos trabalhos. Esse estudo mostrou que esse contexto musical mobiliza apenas o significado parte-todo associado aos números racionais escritos na forma fracionária e que permite construir algumas de suas representações e conhecimentos da relação de equivalência e das operações adição e multiplicação por um número natural, o que não daria conta da complexidade da conceituação de tais números para os alunos.
Palavras-chave: Música, Números Fracionários Racionais, Concepções de frações.
Abstract: This article aims to initiate a reflection on the use of the musical context for the teaching of rational fractional numbers and had as a motivator the accomplishment of a bibliographical review of the works that associate these two themes for a dissertation of master in progress. Starting from the necessity of situations that involve the conceptions part-whole, measure, quotient, reason and operator for the teaching of these new numbers (for the students) we seek to articulate the musical elements present in the rhythmic structure of Western musical writing with these conceptions in order to have a instrument to assist in analyzing such work. This study showed that this musical context mobilizes only the part-whole conception associated with the rational numbers and allows to construct some of its representations and some knowledge of the relation of equivalence and the operations of addition and multiplication by a natural number, which would not account of the complexity of the conceptualization of such numbers for the student.
Keywords: Music, Rational Fractional Numbers, Conception of fractions.
1 Introdução
A proposta deste artigo surge de observações realizadas em nossa revisão bibliográfica, parte de uma pesquisa de mestrado em Educação Matemática, que trata de Matemática e Música. Em geral, os trabalhos mapeados têm o objetivo de contextualizar o ensino de números racionais na escrita fracionária, associados aos elementos de Música, focando, principalmente nas estruturas rítmicas.
Por outro lado, há algum tempo no Brasil, pesquisadores em Educação Matemática se debruçam no aprofundamento das problemáticas e debilidades do ensino desses números. Dias (2018) foca, em seu mestrado, as contribuições de Nunes e Bryant (1997), Silva (1997,2005) e Onuchic e Allevato (2008), apontando para semelhanças e diferenças entre eles. A autora mostra, por exemplo, que Nunes e Bryant (1997) usam a expressão números racionais de forma geral e o termo frações para problemas parte-todo e ainda tratam de cinco significados: número, parte-todo, medida, quociente e operador multiplicativo. Já Onuchic e Allevato (2008) utilizam o termo diferentes personalidades em contraponto à pluralidade de significados que os números racionais podem assumir e sugerem, para o ensino, uma abordagem com problemas geradores das diferentes personalidades, ou seja, a personalidade quociente, a personalidade medida e a personalidade relação da parte com o todo, as quais estariam implícitas na personalidade fração do número racional. Há ainda a personalidade operador e a personalidade razão.
Não é nosso objetivo questionar tais escolhas neste artigo, mas afirmar que tomaremos outro caminho, nos baseando em Silva e Almouloud (2018) que apresentam as concepções necessárias para a construção do significado dos números fracionários, ou seja, parte-todo, medida, quociente, razão e operador, associadas a representações e situações. Nossa escolha se justifica em Silva (2005) quando afirma, apoiada em Artigue (1990), que além da concepção estar associada ao saber e aos problemas em que intervém em sua solução, pode ser tanto um instrumento de análise do saber em jogo e para a elaboração de situações de ensino quanto de análise dos comportamentos dos alunos. Para Dias (2018), houve avanços nos trabalhos de pesquisa que abordam números fracionários por suas diferentes concepções em todos os aspectos.
A Música e os números fracionários nos conduziram a realizar um estudo para verificar quais concepções desses números estão presentes nas estruturas rítmicas musicais. Nossa abordagem foca na importância de reconhecer os fenômenos quantitativos implícitos na linguagem musical, em especial em suas representações simbólicas, pois entendemos que a compreensão da escrita musical, articulada com objetos matemáticos, seja a porta de entrada para compreensão dos aspectos quantitativos implícitos na Música, que é muito bem estruturada por meio de uma simbologia peculiar. A escrita musical ocidental — nosso sistema de escrita — abarca conceitos matemáticos, principalmente frações, que muitas vezes passam despercebidos quando a educação musical se dá pela oralidade.
Assim, neste estudo bibliográfico, articulamos elementos de Música com as concepções associadas à representação fracionária dos números racionais necessárias para a sua apropriação, bem como, as operações implícitas na linguagem musical que dependem dessas bases matemáticas. Os resultados de tal articulação nos servirão para a construção de um instrumento de análise da revisão de literatura que trata de Música e Matemática.
Dessa forma, apresentaremos, no que segue, a justificativa para o recorte que apresentamos neste artigo com as motivações que o originaram; depois, uma breve apresentação das concepções de números fracionários que utilizaremos; seguida da articulação que construímos entre música e frações e; finalmente, tecemos nossas considerações.
2 Justificativa
Quanto ao ensino de números racionais, as discussões se estendem à formação de professores, não só nos anos finais do ensino básico, mas também nos anos iniciais do Ensino Fundamental. No entender de Silva (1997), o ensino de frações, no Brasil, “é apresentado a partir da segunda ou terceira série do primeiro grau e, a cada ano, é, teoricamente, aprofundado. Entretanto, estudos em vários países têm mostrado, o mau desempenho dos alunos ao trabalhar com frações, em todos os níveis do ensino” (p. 3).
Tal fato pode ser constatado, na questão do Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM (BRASIL, 2009), apresentada na Figura 1, que relaciona a representação fracionária de números racionais com música.
O Relatório Pedagógico ENEM 2009-2010, nas análises da Área de Matemática e suas Tecnologias, destaca as seguintes habilidades inerentes à essa questão: “reconhecer, no contexto social, diferentes significados e representações dos números naturais, inteiros, racionais ou reais e operações” (BRASIL, 2014, p. 45) e, quanto aos resultados ponderam que
o item aborda os diferentes significados culturais dos números racionais, relacionando os tempos das notas musicais com frações. Em termos de comportamento de resposta, apesar de sua resolução poder ser alcançada sem a necessidade de muitos cálculos, o item teve confirmado seu elevado nível de dificuldade: 813,4. (BRASIL, 2014, p. 45)
O Relatório, baseado no gráfico ilustrado na Figura 2, acrescenta que ele “indica que o distrator B foi atrativo para estudantes com proficiência em torno dos 650 pontos na escala. Os participantes que escolheram tal alternativa consideraram apenas um compasso e não oito, como exigido pelo enunciado” (BRASIL, 2014, p. 45).
O Relatório apresenta uma análise sustentada na proficiência matemática, mas não analisa outros fatores, como a compreensão do enunciado ou a necessidade, ou não, de algum conhecimento de Música. Analisando a questão, podemos observar que bastava compreender que se a fórmula do compasso é , significa que cada compasso comporta ou três semínimas de duração. Como o trecho musical, em questão, possui oito compassos com fórmula de , então temos ou, ainda, . A partir dessa constatação, verificar qual das alternativas era a correta, ou seja, o item (d). Podemos inferir, então, que conhecimentos musicais não interferiram nas respostas dadas, mas sim a compreensão da estrutura do problema que envolve conhecimentos matemáticos de nível fundamental.
Parece-nos que existem muitas fragilidades relativas à resolução de problemas dessa natureza; que abranjam tanto conhecimentos matemáticos, no caso números racionais, quanto conhecimentos elementares de Música ou outros contextos extra matemáticos. Vemos que, embora o enunciado do problema tenha apresentado as caracterizações das figuras do sistema musical, nota-se que alunos candidatos não conseguiram mobilizar conhecimentos matemáticos suficientes para obter êxito nessa questão. Um ponto a se pensar seria que parte dos alunos não estão acostumados a mobilizar conhecimentos matemáticos em situações que não sejam matemáticas, especialmente, neste caso, que apresenta uma nova forma de representação, para a música, desconhecida por muitos.
Entendemos ser necessário desmistificar os elementos musicais e fazer uma real articulação com conhecimentos matemáticos ou de outras áreas, como é o caso da Física. Uma das questões por trás dessa problemática pode estar em algumas competências que os alunos devem construir. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1998) sugerem que, para o Ensino Fundamental, o objetivo é
que os alunos sejam capazes de: utilizar diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação. (BRASIL, 1998, p. 7)
Já o documento que trata do ensino de Artes (BRASIL, 1997), considera que durante o Ensino Fundamental
o aluno poderá desenvolver sua competência estética e artística nas diversas modalidades da área de Arte (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), [...] para que possa, progressivamente, apreciar, desfrutar, valorizar e julgar os bens artísticos de distintos povos e culturas produzidos ao longa da história e na contemporaneidade. (BRASIL, 1997, p. 39)
O referido documento acrescenta que “para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessário que todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores, dentro e fora da sala de aula” (BRASIL, 1997, p. 54).
Os blocos de conteúdos sugeridos são: Comunicação e expressão em música: interpretação, improvisação e composição e, neste, especificamente a “utilização e elaboração de notações musicais em atividades de produção” e “percepção e identificação dos elementos da linguagem musical em atividades de produção, explicitando-os por meio da voz, do corpo, de materiais sonoros e de instrumentos disponíveis” (BRASIL, 1997, p. 55). No bloco Apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical, “percepção e identificação dos elementos da linguagem musical (motivos, forma, estilos, gêneros, sonoridades, dinâmica, texturas etc.) em atividades de apreciação, explicitando-os por meio da voz, do corpo, de materiais sonoros disponíveis, de notação ou de representações diversas” (BRASIL, 1997, p. 55). No entanto não explicitam o que seriam “notação” ou “representações diversas”. O exposto nos leva a concluir que as diversas representações utilizadas na música, nem seus aspectos quantitativos são tratados.
Conforme orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental, o aluno deve
Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos presentes nas práticas sociais e culturais, de modo a investigar, organizar, representar e comunicar informações relevantes, para interpretá-las e avaliá-las crítica e eticamente, produzindo argumentos convincentes. (BRASIL, 2018, p. 267).
Não resta dúvida que a Música é uma prática cultural e que, de fato, poderia ser utilizada para desenvolver essas competências nesse nível de ensino, o que refletiria nos resultados dos alunos do Ensino Médio.
Além dessas competências, há o problema das diferentes representações utilizadas tanto na Matemática quanto na Música. Nesse sentido a BNCC (BRASIL, 2018, p. 201) orienta para a disciplina de Arte, na unidade temática Música, como habilidade a ser desenvolvida: “explorar diferentes formas de registro musical não convencional (representação gráfica de sons, partituras criativas etc.) bem como procedimentos e técnicas de registro em áudio e audiovisual, o reconhecer a notação musical convencional” Quanto à Matemática o documento considera que “os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática [...] potencialmente ricos para o desenvolvimento de competências fundamentais para o letramento matemático (raciocínio, representação, comunicação e argumentação) e para o desenvolvimento do pensamento computacional” (BRASIL, 2018, p. 264).
Sobre a importância da diversidade de representações, a Base Nacional Comum Curricular apresenta a seguinte orientação em relação ao ensino de Matemática no Ensino Fundamental:
As competências que estão diretamente associadas a representar pressupõem a elaboração de registros para evocar um objeto matemático. Apesar de essa ação não ser exclusiva da Matemática, uma vez que todas as áreas têm seus processos de representação, em especial nessa área é possível verificar de forma inequívoca a importância das representações para a compreensão de fatos, ideias e conceitos, uma vez que o acesso aos objetos matemáticos se dá por meio delas. Nesse sentido, na Matemática, o uso dos registros de representação e das diferentes linguagens é, muitas vezes, necessário para a compreensão, a resolução e a comunicação de resultados de uma atividade. (BRASIL, 2018, p. 529).
Entendemos que a Música, enquanto forma de linguagem, possa articular diversas competências, inclusive as que se relacionam com a Matemática. Assim, dando continuidade ao que pretendemos articular neste artigo, cabe agora fazer uma breve apresentação das concepções de números fracionários.
3 As concepções associadas aos números fracionários racionais
Para Silva (2005), a conceituação de números racionais depende dos conhecimentos de medida, de distribuição e de comparação que são construídos, respectivamente, a partir das concepções de medida, parte-todo e razão; quociente, parte-todo e razão; e razão, parte-todo, quociente e operador. No entanto, como entende que a fração é uma representação, assume o estudo dos números fracionários, aqueles que podem ser escritos na forma de fração, durante todo o ensino básico, pois essa representação está presente no ensino de álgebra, números complexos, polinômios etc. O início do ensino, nos anos iniciais, compreende então a constituição desse sistema de representação com as operações possíveis de serem realizadas e a conversão de uma representação fracionária em outros sistemas de representação, como a figural, por exemplo.
Há ainda que considerar que um estudo da gênese histórica dos números fracionários realizada por Silva (2005) aponta que as necessidades de medir, distribuir e comparar e a busca de técnicas para realizar tais tarefas aparecem simultaneamente desde a antiguidade juntamente com a necessidade de representação, tanto dos números quanto de seus cálculos. O cumprimento dessas tarefas vai conduzindo à construção das concepções de medida, quociente e razão, utilizando em segundo plano as concepções parte-todo (divisão de uma unidade de medida, por exemplo) e a concepção de operador (transformação de medidas, por exemplo). Assim, há um equívoco quando se inicia o ensino querendo construir a concepção parte-todo a partir de contagem, primeiro porque não apresentam situações realísticas e segundo porque continuam focando apenas os números naturais, o que interfere na percepção do ensino de um novo campo numérico.
Para que o ensino desse novo campo numérico, de acordo com Silva e Almouloud (2018), é necessário associar cinco concepções à representação fracionária dos números racionais, ou seja, parte-todo, medida, quociente, razão e operador, enfatizando que o ensino privilegia a primeira. Para esses autores, a concepção parte-todo
depende da divisão de uma grandeza contínua ou de uma coleção de objetos em partes ou séries iguais (equivalentes como quantidade de superfície ou quantidade de objetos) e envolve duas representações visuais: o símbolo e as regiões ou conjuntos divididos em partes de mesma quantidade (SILVA e ALMOULOUD, 2018, p. 98).
Essa concepção permite articular dois registros de representação: o figural e o numérico, como mostra a Figura 3.
No entanto, Silva (2005, p. 107) alerta para um ponto importante a ser considerado nas situações que envolvem essa concepção, quando afirma que “como o inteiro foi dividido em b partes, total de partições, a quantidade representada por a, não pode exceder o número b, o que obriga o número fracionário a ser no máximo igual a um."
Quanto à concepção de medida, Silva e Almouloud (2018) caracterizam as situações que as envolve como aquelas que associam, geralmente, à fração :
a um ponto situado sobre um segmento de reta tomado como unidade, que foi dividido em b partes de mesma medida (ou em um múltiplo de b) das quais foram tomadas a partes. Sob este ponto de vista a fração não se associa a uma parte de uma região ou a algum conjunto de objetos, embora mobilize a concepção parte-todo na subdivisão da unidade. (SILVA e ALMOULOUD, 2018, p. 108-109)
Esses autores apresentam um exemplo de representação figural e numérica para essas situações, ilustrado na Figura 4. No entendimento de Silva (2005), as situações que envolvem a concepção de medida são ideais tanto para introduzir a notação, quanto para tratar dos números fracionários maiores que um, a notação mista, a operação de adição e a noção de equivalência.
Segundo os autores, com a concepção de quociente podem ser tratadas distribuições de objetos ou divisão de figuras por meio da operação de divisão dependendo assim, como na concepção parte-todo, de uma partição. Além disso, o conhecimento de distribuição construído em situações que relacionam tanto a concepção de quociente, quanto parte-todo e operador, contribuirá para a conceituação dos números fracionários. O que, primordialmente, caracteriza essa concepção é a possibilidade de associar a fração à operação . A representação figural e numérica de uma situação associada à essa concepção, considerando como grandeza contínua a área de uma figura. pode ser vista na Figura 5.
Para os autores, a concepção de razão se diferencia das anteriores porque, geralmente, as situações que a envolvem tratam da comparação entre medidas de duas grandezas que permite comparar quantidades de dois inteiros (todo-todo); quantidades de duas partes de um inteiro ou partes de dois inteiros (parte-parte) ou ainda parte-todo. Essas relações podem ser representadas pela fração ou por e, em geral, verbalizadas como uma relação de “a para b”. Por outro lado, conduz naturalmente para a percepção da proporcionalidade que pode ser representada numericamente por ou se constituindo em uma importante ferramenta para resolução de problemas, entre eles os que se referem a ampliação e redução de figuras. Como exemplo, apresentam a situação que solicita a “razão de ampliação e de redução entre as figuras A e B” como mostra a Figura 6.
Para Silva (2005), a representação ou utilizada nas situações que solicita a mobilização da concepção de razão nem sempre se associa às outras concepções e quando é entendida como um índice comparativo não necessariamente transmite a ideia de número.
Os autores afirmam que o número racional associado à uma situação que envolve a concepção de operador tem o papel de provocar uma transformação, pois atua sobre a situação e a modifica conduzindo à percepção de que se tem um estado inicial e um estado final. Exemplificam com o número racional que atuando como operador em um comprimento qualquer provocam o encontro de um outro segmento que tem do comprimento do segmento inicial. Apresentam como exemplo a situação ilustrada na Figura 7.
Há necessidade de perceber, na Figura 7, que existe uma razão de 3 para 2 que permite a redução da figura — para cada 3 unidades na figura inicial, toma-se 2 na figura final —, bem como existe o número fracionário racional que atuará diretamente na medida do lado do quadrado, ou seja , que por sua vez encaminha a uma ordem operatória em que se realiza primeiro a divisão de 9 por 3, para depois multiplicar o quociente por 2. Cabe alertar aqui que no ensino usamos um número fracionário como razão de semelhança que, na realidade, não é utilizado como razão, mas sim como operador.
Embora muitas outras situações e representações possam se articular com essas concepções, este não é o foco deste artigo, as apresentamos como base para a articulação com os elementos rítmicos de Música que, com certeza propiciarão outras situações. É essa articulação que faremos na próxima seção.
4 Articulação entre elementos rítmicos de música e concepções de frações
Med (1996) considera a altura sonora como a característica mais importante do som, pois ela é que define as sete notas musicais que são representadas pelos monossílabos Dó – Ré – Mi- Fá – Sol –Lá – Si. No entanto, para facilitar nossa visualização, elas são relacionadas à letras do nosso alfabeto, ou seja, a letra C representa o Dó; a letra D, representa o Ré; o E, o Mi; o F, o Fá; o G, o Sol; o A. o Lá; e o B, a nota Si, como podemos observar na Figura 8, em que as notas musicais estão dispostas em um teclado musical.
Já a escrita musical é realizada em um esquema composto por cinco linhas paralelas e equidistantes que dão origem a quatro espaços que são denominados pentagrama (Figura 9). A primeira regra de constituição dessa escrita é iniciar a representação colocando o símbolo chamado de Clave de Sol, que se origina da letra G e tem a função de indicar que a nota Sol (G) deve ser representada na segunda linha de baixo para cima. Assim, podemos ver na Figura 9 as sete notas musicais ocupando diferentes posições — linhas ou espaços — representadas por símbolos ovalados seguindo a ordem do som mais grave para o mais agudo. Cabe salientar que existem situações em que linhas suplementares podem ser inseridas no pentagrama.
A representação de uma escrita musical por um pentagrama, como definido acima, se relaciona com a Matemática apenas pela representação figural de retas paralelas.
Além da altura das notas, um ponto crucial de nossa abordagem é o tempo de duração de cada nota. Os símbolos de forma ovaladas representados no pentagrama associados à altura musical recebem novas formas e o atributo de representar a duração ou quantificar o tempo sonoro ou do silêncio. Assim, o som e o silêncio passam a ter símbolos que os representam na pauta musical, como mostra o Quadro 1, onde encontramos, na primeira coluna, a notação universal de tempo de som ou silêncio com seus respectivos nomes na segunda coluna que indicam a duração de cada som ou silêncio na música.
Na quarta coluna observamos que a Semibreve tem duração 1, entendida como unidade de tempo, mas que pode variar de acordo com o ritmo ou andamento musical e será definida posteriormente. Por exemplo, se a semibreve durar quatro segundos, a mínima durará dois, de acordo com a quarta coluna que mostra a duração de cada som. Podemos ver ainda, nessa coluna, que a duração da pausa e dos sons são representadas por números racionais que obedecem à uma divisão binária — divisões consecutivas por dois — dos valores de tempos. Na terceira coluna é apresentada a pausa que determina a duração de tempo do silêncio. As figuras de pausa possuem duração equivalente às figuras de som, da primeira coluna. Assim, por exemplo, se o som representado pela semibreve durar 3 segundos, a pausa de semibreve indicará um silêncio com duração de 3 segundos.
No entanto, em linguagem musical usa-se a marcação do tempo por “pulsos” ou batidas” não necessariamente medidas em segundos, em geral nas práticas de ensino de música é comum fazer a marcação das batidas usando-se o bater de palmas das mãos, ou pés no chão. São essas marcações temporais que estruturam a ideia de ritmo. De acordo com Martineau (2014), ritmo é o elemento musical que realça o tempo, muitas vezes percebido como uma estrutura básica, formada por agrupamento de duas ou três partes. Por exemplo, três batidas realizadas com intervalos iguais de tempo, sendo a primeira forte, segunda e terceira fracas, determinam um ritmo musical chamado de Valsa.
Foi importante para universalização da escrita musical que surgissem meios para que as “pulsações” ou “batidas” de tempo fossem padronizadas. Dessa forma, são evitadas arbitrariedades no espaçamento de tempo entre as pulsações rítmicas. Para Martineau (2014), a velocidade que determina o ritmo é um componente crucial na comunicação musical e sua padronização se dá em Batimentos por Minuto (BPM). Hoje, graças a um aparelho utilizado por músicos de todo mundo, o metrônomo (Figura 10), é possível aproximar ainda mais as escritas musicais da perfeição. De acordo com Bromberg e Saito (2017), esse aparelho foi desenvolvido por Dietrich Nikolaus Winkler em 1812, e patenteado por Johann Nepomuk Maelzel dois anos depois. O metrônomo originalmente possuía mecanismo semelhante a um relógio analógico de pêndulo, mas atualmente já existem digitais e diversos aplicativos para computadores e smartphones com a mesma função.
As frações que aparecem no Quadro 1 e na Figura 12, de acordo Sousa (2012), foram associadas às figuras mensurais no ano de 1323 com o tratado Ars Nova Musicae de Philippe de Vitry, admitindo uma forma de divisão binária entre as durações e o acréscimo de novos símbolos como a mínima e a semínima aos já existentes, com o objetivo de aperfeiçoar o sistema de escrita.
Podemos concluir, então, que as frações apresentadas no Quadro 1 mobilizam, a princípio, a concepção parte-todo porque representam parte de uma grandeza contínua, o tempo. No entanto, na prática há uma discretização desse contínuo pois se marca o tempo por batidas. Isto pode ser observado na Figura 11, em que apresentamos um exemplo de um trecho musical em que está detalhada a medida de tempo de cada nota musical adotando para semibreve a medida de tempo de 4 pulsos e para a mínima, 2. As alterações que aparecem na referida figura para a representação das notas musicais e da própria pauta serão discutidas mais à frente.
É muito comum, em literaturas de iniciação musical, o uso de figuras geométricas para representar analogicamente as medidas de tempo. Med (1996), visando uma melhor compreensão da equivalência das figuras de tempo, ilustra as razões de tempo em um círculo dividido em partes de mesma área, comum no ensino de frações na Matemática do Ensino Fundamental, que mobiliza a concepção parte-todo, conforme Figura 12.
Além disso, tanto nas práticas de educação musical, quanto nas abordagens que envolvem Matemática e Música, é frequente utilizar uma representação para operações entre os tempos musicais, como podemos ver na Figura 13. Tal representação não faz parte da escrita musical, mas é utilizada no ensino para representar notas equivalentes; é uma escolha didática. De acordo com o Quadro 1, a primeira linha da Figura 13 representa, musicalmente, dois sons de mínimas, executados consecutivamente, como equivalentes a uma semibreve ou, matematicamente, que , sendo t já determinado.
Na segunda linha, musicalmente temos a representação de um som de semínima, e dois sons de colcheia, que executados consecutivamente equivalem a uma mínima, matematicamente seria . Nesse sentido, estamos utilizando uma representação musical que implicitamente pode ser representar uma operação de adição de números fracionários racionais, além de uma relação de equivalência.
É possível ainda representar o aumento da metade da duração por meio de um ponto colocado à direita da representação da nota ou pausa, chamado de ponto de aumento, como podemos observar nas igualdades apresentadas na Figura 14.
A primeira linha representa musicalmente um som de semibreve e um som de mínima, executados consecutivamente, equivalentes a um som e meio de uma semibreve, ou seja, , matematicamente, sendo que t representa um tempo determinado. Assim, o ponto representa o aumento da metade, neste caso: . Vemos, então, que o ponto de aumento representa matematicamente uma operação de adição de tempos representados por números racionais na forma fracionária, além de uma relação de equivalência. Por outro lado, cada fração mobiliza a concepção de fração como parte-todo porque está associando partes de uma unidade determinada a priori. Existe ainda, a possibilidade de se utilizar mais de um ponto de aumento como na Figura 15.
Como podemos visualizar, cada ponto de aumento representa uma fração da figura inicial. Seja m, a posição que o ponto ocupa na fileira de pontos de aumento, da esquerda para direita, podemos dizer que a duração do ponto de aumento equivale à . Por exemplo, na terceira linha da Figura 15, se quisermos saber qual o valor do terceiro ponto de aumento, tomamos que equivale à da figura de tempo inicial. Podemos acrescentar quantos pontos de aumento quisermos, todos mobilizando concepção de parte-todo sobre o tempo inicialmente determinado. Matematicamente, podemos mostrar que o acréscimo sucessivo de pontos de aumento não permite obter uma duração de som maior que o dobro da duração original.
Definidas as atribuições das figuras musicais quanto à altura — notas musicais no pentagrama — e a duração, faltam poucos detalhes para compor o que seria uma educação musical a respeito da escrita ocidental. Essa escrita, para se constituir enquanto um sistema de representação deve obedecer a regras, da mesma forma que para qualquer outro sistema. Assim, são colocadas na pauta musical uma fração após a clave que recebe o nome de fórmula de compasso e segmentos verticais equidistantes para representar cada compasso.
No exemplo, ilustrado na Figura 16, a fração inicial significa que cada compasso pode ser preenchido com sons ou pausas equivalentes, exatamente, a três pulsações de , ou seja, três semínimas. Os três primeiros compassos podem ser representados por ou enquanto no último compasso temos entre inúmeras outras formas de compor o compasso em questão. É esta noção de compasso musical que se encontra na questão do ENEM que apresentamos na Figura 1, no início deste artigo.
É comum representar a fórmula de compasso pela letra C (Figura 11) próxima à clave para representar compassos de 4 pulsações de semínima.
Assim, diante do exposto, podemos ver que o sistema de escrita musical envolve um sistema de representação figural que envolve retas paralelas, segmentos perpendiculares a elas, pauta musical, e símbolos ovalados associados a segmentos perpendiculares às paralelas que representam as notas musicais. Há ainda uma regra de posicionamento desses símbolos em relação às linhas e espaços construídos na pauta musical. Por outro lado, há uma quantificação da duração de sons e silêncios que são representados por meio de números racionais fracionários. Para melhor sintetizar as relações dos elementos musicais com conteúdos matemáticos relacionados aos números racionais elaboramos o Quadro 2.
Vemos, então, que os elementos envolvidos na construção do sistema de escrita musical ocidental, no âmbito da estrutura rítmica, pode ser um contexto que auxilie no ensino de números fracionários, com situações que associam a concepção parte-todo. Quanto aos conteúdos podemos ter um início da constituição das representações, da noção de relação de equivalência e das operações adição e multiplicação por um número natural. Há necessidade ou do aprofundamento do estudo musical, ou de outros contextos para que efetivamente se concretize o ensino de números racionais na forma fracionária.
5 Considerações
A proposta de uso de atividades que envolvem números racionais fracionários em conexão com aspectos rítmicos da música pode potencializar as habilidades dos alunos no início do ensino desses números. No entanto, se tratarmos apenas desses elementos musicais, que são iniciais, não temos elementos suficientes para o ensino desses novos números (para o aluno), porque não abrange outras concepções importantes para sua conceituação. Em termos de conteúdo, permitiria o desenvolvimento de sua representação, tanto figural quanto numérica, e algum trabalho com a relação de equivalência e com as operações adição e multiplicação de um número natural por um número fracionário. Nesse sentido, entendemos que a música ajudaria na construção de significados para esses conteúdos.
Por outro lado, propicia contato com elementos de música não focados apenas na oralidade, que vistos com olhar matemático tornam-se acessíveis, mesmo para os não músicos. Porém, há que se ter cuidado ao mencionarmos o ensino de números fracionários via Música, pois as associações presentes na questão rítmica nem sempre são suficientes para abarcar todas as concepções ou conteúdos necessários para a real aprendizagem do aluno. Talvez haja necessidade de aprofundar o estudo musical ou abordá-lo por outros pontos de vista.
Há ainda que considerar a formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Silva (2005) mostrou que os conhecimentos e as concepções que os professores tinham no início da formação foram mobilizados como bloqueio às novas possibilidades de tratar números fracionários no ensino, manifestados por situações embaraçosas emocionalmente e no discurso constante do não-saber dos alunos. Há necessidade de reflexão profunda a respeito da prática e dos conhecimentos dos professores.
Quanto à utilização do contexto musical para introduzir ou aprofundar os conhecimentos dos números fracionários, fica a questão de quanto conhecimento musical o professor de Matemática deve ter, ou se o conhecimento cultural que tem seria suficiente para embasar esse trabalho ou ainda se tais escolhas deveriam ser feitas colaborativamente entre o professor de Matemática e o de Artes.
Entendemos que a análise dos trabalhos de nossa revisão bibliográfica, a partir dos resultados que construímos neste artigo, possa ou não apontar para outros caminhos ou consolidar os já existentes. No final, ainda fica uma questão: em vez de utilizar elementos de Música para o ensino de Matemática não seria melhor planejar um ensino de Música em que os alunos mobilizem seus conhecimentos matemáticos? Esta pode ser uma ideia para um trabalho interdisciplinar entre Música e Matemática.
Referências
ARTIGUE, Michèle. Epistémologie et didactique. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble (France), v. 10, n. 2-3, p. 241-286, 1990.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio – Relatório Pedagógico 2009-2010. Brasília: MEC/INEP, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Curricular Comum. Brasília: MEC/SEF, 2018.
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