Dossiê — Implicações da pandemia à pesquisa em Educação Matemática
Movimentos de integração de tecnologias digitais em tempos de pandemia: diálogos com professores que ensinam Matemática
Digital technologies integration movements in times of pandemic: dialogues with teachers who teach Mathematics
Movimientos de integración de tecnologías digitales en tiempos de pandemia: diálogos con profesores que enseñan Matemáticas
Movimentos de integração de tecnologias digitais em tempos de pandemia: diálogos com professores que ensinam Matemática
Educação Matemática Debate, vol. 6, núm. 12, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros
Recepción: 01 Febrero 2022
Aprobación: 22 Abril 2022
Publicación: 27 Abril 2022
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar movimentos de integração de tecnologias digitais ao currículo de Matemática de um grupo de professores do Ensino Fundamental em um processo de formação continuada, a partir de ações realizadas durante o período da pandemia, em aulas remotas. A pesquisa utilizou-se do modelo Formação, Ação e Reflexão — F@R. A análise é apresentada em formato de narrativa, para contextualizar os diálogos realizados com os professores durante a formação. Os resultados evidenciaram que o processo de integração foi vivenciado a partir da (des)construção de modos de uso das tecnologias digitais para o ensino. Dessa forma, é essencial que os professores estejam em constante formação e dispostos a dialogar e refletir sobre suas práticas pedagógicas.
Palavras-chave: Integração das Tecnologias Digitais, Ensino de Matemática, Formação de Professores.
Abstract: This article aims to analyze movements of integration of digital technologies into the Mathematics curriculum of a group of elementary school teachers in a process of continuing education, based on actions carried out during the pandemic period, in remote classes. The research used the model Formation, Action and Reflection — F@R. The analysis is presented in a narrative format, to contextualize the dialogues carried out with teachers during training. The results showed that the integration process was experienced from the (de)construction of ways of using digital technologies for teaching, thus, it is essential that teachers are in constant training and willing to dialogue and reflect on their pedagogical practices.
Keywords: Integration of Digital Technologies, Teaching Mathematics, Teacher Training.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar los movimientos de integración de las tecnologías digitales en el currículo de Matemáticas de un grupo de profesores de educación básica en un proceso de formación permanente, a partir de acciones realizadas durante el período de la pandemia, en clases a distancia. La investigación utilizó el modelo Formación, Acción y Reflexión — F@R. El análisis se presenta en formato narrativo, para contextualizar los diálogos realizados con los profesores durante la formación. Los resultados mostraron que el proceso de integración fue vivido desde el (de)construcción de formas de utilizar las tecnologías digitales para la enseñanza, por lo que es fundamental que los profesores estén en constante formación y dispuestos a dialogar y reflexionar sobre sus prácticas pedagógicas.
Palabras clave: Integración de Tecnologías Digitales, Enseñanza de las Matemáticas, Formación de Profesores.
1 Introdução
O ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia da Covid-19 no Brasil e outros países, uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. De acordo com Ministério da Educação (BRASIL, 2020), em março de 2020 o ensino no Brasil passou por situações emergenciais e foi autorizado que as atividades escolares fossem realizadas a distância, com a denominação de Ensino Remoto Emergencial. A partir disso, um novo cenário na educação se estabeleceu; escolas públicas e privadas tomaram as medidas necessárias para que os estudantes tivessem acesso às atividades escolares, mesmo que a distância.
Ao mesmo tempo que a imprensa e o governo apresentavam notícias sobre a quantidade de óbitos registrados no país, do avanço da doença, das estatísticas, da evolução da Ciência para a vacina, do negacionismo estabelecido e gerado por questões políticas, sobre educação pouco se discutia... No entanto, muitas instituições de ensino prontamente começaram a rever possibilidades para continuar com a educação nas escolas. Mas, ficava a questão: “E agora, professora? E agora, professor?”. Santos (2020) ressalta sobre essa falta de planejamento frente às situações emergenciais:
As pandemias mostram de maneira cruel como o capitalismo neoliberal incapacitou o Estado para responder às emergências. As respostas que os Estados estão a dar à crise variam de Estado para Estado, mas nenhum pode disfarçar a sua incapacidade, a sua falta de previsibilidade em relação a emergências que têm vindo a ser anunciadas como de ocorrência próxima e muito provável. Estou certo de que nos próximos tempos esta pandemia nos dará mais lições e de que o fará sempre de forma cruel. Se seremos capazes de aprender é por agora uma questão em aberto (p. 28).
As discussões sobre formação de professores, uso de tecnologias digitais e educação a distância foram levantadas em alguns espaços no momento pandêmico, por vezes esquecidas em período anterior à essa pandemia. E foi neste período de necessidades, na emergência surgida por uma pandemia, que muitos professores tiveram que conhecer, aprender sobre o uso de tecnologias digitais para dar continuidade às suas aulas — plataformas de ensino síncronos e assíncronos que cada escola determinava, aplicativos de gravação de aula e interação com seus alunos. Da mesma forma, tiveram que buscar alternativas para a conexão da internet — na maioria dos casos, a falta dela — e tantos outros desafios que, por vezes, foram vivenciados em suas casas, turmas de estudantes, aulas... Na maioria dos casos, sem apoio de colegas e gestão escolar, formações, que pudessem contribuir com a prática. Zan e Krawczyk (2020) apontam alguns desses desafios:
Com o passar do tempo e diante da constatação da impossibilidade de retorno presencial das atividades, muitos dos sistemas públicos passaram a adotar atividades a distância, o que provocou um crescimento do setor de tecnologia educacional e deu maior visibilidade às desigualdades de acesso à educação dos jovens brasileiros: há escassez de acesso aos meios digitais; faltam condições adequadas em casa para os estudos; adoecem os familiares; agravam-se as condições econômicas de sobrevivência, em decorrência da perda do trabalho de seus mantenedores ou o dos próprios alunos (p. 1).
O tratamento dessa emergência nas escolas — emergência no sentido de emergir, surgir a pandemia como algo novo —, por vezes, foi realizado sem um planejamento e desconsiderando diversas pesquisas já realizadas sobre educação a distância, uso de tecnologias digitais nas escolas. Em muitos casos, foi tratada sem ouvir e dar voz ao professor, aos alunos, aos pais e responsáveis, à comunidade escolar, sem considerar aspectos sociais e econômicos de uma sociedade que carece de educação, de tantos acessos. Talvez tenha evidenciado o número de escolas sem um mínimo de acesso a instrumentos tecnológicos que possam contribuir para a aprendizagem dos seus tantos alunos.
Nesse cenário pandêmico, foi realizado o estudo que apresentamos neste artigo, mobilizado por algumas questões: Como os professores estão ministrando suas aulas? Que ação de formação continuada com o uso de tecnologias digitais poderia contribuir com esses professores em suas dificuldades e desafios? Quais as perspectivas dos professores de Matemática sobre o uso das tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas? É possível aprender Matemática nesse movimento de aulas remotas sem o uso de lousa e pincel, papel e lápis?
O estudo apresentado neste artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado em Educação. Neste texto, o objetivo é analisar movimentos de integração de tecnologias digitais ao currículo de Matemática de um grupo de professores do Ensino Fundamental em um processo de formação continuada, a partir de movimentos realizados durante o período emergencial da pandemia, com aulas remotas. Inicialmente iremos apresentar elementos teóricos que orientam a pesquisa para, em seguida, apresentar e analisar alguns dados, em formato de narrativa, que foram produzidos com um grupo de seis professores que ensinam Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental, em um processo de formação continuada realizada durante o período da pandemia, no primeiro semestre letivo de 2021.
2 O docente em formação e a formação continuada de professores que ensinam Matemática
A palavra educação é sempre usada em debates em diferentes espaços da sociedade, porém, a maior parte das vezes, educação parece estar vinculada apenas aos movimentos de escolas. No entanto, como afirma Brandão (1981), a educação ocorre em todos os lugares, daí ser importante entender a relação da sociedade com o mundo. Para Freire (1967), o ser humano não está no mundo, mas com o mundo, podendo mudar continuamente e mudar realidades.
Nesse sentido, a educação pode oportunizar a produção de lentes, que permitem diferentes leituras de realidades. De realidades outras que não se constituem de produção de conhecimento apenas na escola, mas em diferentes espaços, inclusive o ciberespaço.
O ciberespaço não está em lugar nenhum, pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugar significaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem, amanhã). No ciberespaço, a informação está sempre e permanentemente presente e em renovação constante. O ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a aprendizagem. Não há tempo e espaço próprios para a aprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo lugar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar – e o tempo de aprender é hoje e sempre (GADOTTI, 2000, p. 7).
E a partir da relação do ser humano com as tecnologias digitais, como por exemplo, com dispositivos móveis, ser possível ter acesso e produzir diferentes informações. Santaella (2010) afirma que
dispositivos móveis são definidos como qualquer equipamento ou periférico que pode ser transportado com informação que fique acessível em qualquer lugar. São eles, palms, lap-tops, i-pads, até mesmo os pendrives e, certamente, os celulares multifuncionais, tais como smart-phones e i-phones. Por meio desses dispositivos, que cabem na palma de nossas mãos, à continuidade do tempo se soma a continuidade do espaço: a informação é acessível de qualquer lugar. Os artefatos móveis evoluíram nessa direção, tornando absolutamente ubíquos e pervasivos o acesso à informação, a comunicação e a aquisição de conhecimento (p. 19).
Nesse contexto, é importante propor e vivenciar ações de formação continuada de professores. De acordo com Oliveira e Scherer (2013),
é papel do professor formador criar e elaborar situações que possam ser discutidas fazendo-se o uso de tecnologias digitais. Tais situações se estiverem articuladas ao currículo de matemática da escola, podem contribuir com reflexões sobre a integração das tecnologias digitais ao processo de aprendizagem dos alunos nas escolas (p. 106).
Assim, “o papel do professor deve ser o de mediador da ampliação dos repertórios culturais em rede, com professores e alunos aprendendo juntos” (SANTOS, 2019, p. 53). Para tal, torna-se importante o investimento em formação continuada de professores.
Para Nóvoa (1992), a formação precisa estar articulada com as práticas educativas, na qual os professores no processo de formação têm a oportunidade de experimentar, de inovar, de compreender novos modos de trabalho pedagógico e ainda sobre uma reflexão crítica sobre o seu processo de formação. Ao considerar esse processo de formação docente, é essencial pensar em ações que não tenham por objetivo instruir, dar modelos, de como o professor deve agir em sua sala de aula, em uma abordagem instrucionista. Mas, propor movimentos a partir das necessidades de cada professor em suas aulas e cada turma, em uma abordagem construcionista. De acordo com Scherer (2015), ao fazer essa relação com uma abordagem construcionista o papel do professor, e poderíamos dizer, do professor-formador, é
organizar a sua proposta de ensino a partir de desafios/questões que mobilizam os alunos a construírem conhecimentos, a colocarem a “mão na questão”, usando a linguagem digital; organizar uma proposta de ensino que considera os conhecimentos prévios dos alunos, os seus interesses, desafiando-os a (re)construírem continuadamente seu conhecimento; assumir atitude de orientador que, sem dar respostas prontas, informa apenas o necessário para que o aluno encontre as suas estratégias, as suas respostas; institucionalizar o saber matemático a partir das descobertas dos alunos, de suas ações e conjecturas (p. 171).
E esses movimentos na formação apresentam características de parceria entre professor-formador e professores participantes, em ações conjuntas, que colaboram com a produção de conhecimentos dos alunos. Ainda de acordo com Porto (2000), a formação se dá enquanto acontece a prática, a formação é um processo contínuo, sempre abrindo possibilidades de um recomeço/renovação/inovação da realidade pessoal e profissional do professor, constituindo como uma prática a partir do diálogo e da interação individual e coletiva. A partir desses movimentos de formação, o professor tem a oportunidade de experimentar não somente o “fazer”, mas o “saber fazer reflexivo”, em que percorre pela construção de novos conhecimentos e de novas práticas de reflexão, de inovação e de autonomia.
Na pesquisa, que aqui apresentamos alguns dados, nos orientamos pelas compreensões de formação continuada apresentadas e, também, utilizamos o modelo Formação, Ação e Reflexão — F@R, desenvolvido por Costa e Viseu (2007), que surgiu como um movimento que não se resume apenas a uma formação, mas também de integração de tecnologias digitais nas práticas educativas. Para os autores, esse movimento acontece de maneira cíclica, como mostra a Figura 1.
Nesse modelo, cada dimensão se move ao encontro da outra. Para Costa e Viseu (2007):
▪ Formação: envolve o professor na problematização do uso das tecnologias digitais e vivenciar suas potencialidades integradas ao currículo escolar;
▪ Ação: oportuniza aos professores ir além dos encontros de formações, planejando, desenvolvendo, explorando e potencializando situações com suas turmas, devidamente enquadrada nas atividades curriculares;
▪ Reflexão: permite que o professore faça uma análise crítica sobre as estratégias, do uso das tecnologias nesse processo, das implicações na sua prática pedagógica e dos resultados alcançados que podem vir a conduzir outras necessidades e oportunidades para o seu desenvolvimento.
Nesse movimento F@R, ao relacionar a formação docente com o papel do professor na aprendizagem de seus alunos é essencial considerar que
o professor, na nova sociedade, revê de modo crítico seu papel de parceiro, interlocutor, orientador do educando na busca de suas aprendizagens. Ele e o aprendiz estudam, pesquisam, debatem, discutem, constroem e chegam a produzir conhecimento, desenvolver habilidades e atitudes. O espaço aula se torna um ambiente de aprendizagem, com trabalho coletivo a ser criado, trabalhando com os novos recursos que a tecnologia oferece, na organização, flexibilização dos conteúdos, na interação aluno-aluno e aluno-professor e na redefinição de seus objetivos (MERCADO, 1998, p. 5).
Nesse sentido, propomos e investigamos uma ação de formação continuada em que professora-formadora e professores participantes traçaram ações em conjunto, planejando e refletindo sobre suas práticas em sala de aula, bem como, exploramos e planejamos o uso de tecnologias digitais integradas ao currículo de Matemática dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Movimentos e ação de formação de professores que oportunizaram a produção de dados para a pesquisa que é discutida neste artigo.
3 Tecnologias digitais nas aulas de Matemática: do uso à integração ao currículo escolar
O uso de tecnologias digitais nos espaços de educação foi bastante enfatizado desde o início da pandemia de Covid-19. O ensino remoto emergencial (ERE) foi proposto para que os gestores e professores das escolas se organizassem, e a escola passou a ser a casa, o espaço disponível para que aluno e professor pudessem continuar suas atividades escolares, de onde eles estivessem. Nesse contexto, ambientes virtuais passaram a fazer parte de algumas escolas; para outras, cujo acesso à tecnologia digital está longe de ser uma realidade, as aulas se resumiram a realizar atividades a partir de materiais impressos em suas rotinas de escola a distância... Este cenário mostrou que “podemos aprender estando juntos fisicamente e também conectados. Podemos aprender sozinhos e em grupos, podemos aprender no mesmo tempo e ritmo ou em tempos, ritmos e formas diferentes” (MORAN, 2007, p. 10).
Alguns gestores e professores perceberam, a partir do desafio de educar em tempos de pandemia, a necessidade de equipar com recursos tecnológicos suas escolas, como, por exemplo, Datashow, TV, som, notebooks, celulares, melhoria nas conexões de internet... No entanto, equipar a escola não é suficiente, é necessário refletir sobre o uso de tecnologias nos espaços escolares, como afirma Valente (2014), para ir além de transmitir informações com tecnologia.
Portanto, a questão fundamental no processo educacional é saber como prover a informação, de modo que ela possa ser interpretada pelo aprendiz que passa a entender quais ações ele deve realizar para que a informação seja convertida em conhecimento. Ou seja, como criar situações de aprendizagem para estimular a compreensão e a construção de conhecimento. Uma das soluções tem sido o uso das TDICs. Porém, se tais tecnologias não forem compreendidas com um foco educacional, não será, simplesmente, o seu uso que irá auxiliar o aprendiz na construção do conhecimento (VALENTE, 2014, p. 144).
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que há uma diferença entre equipar a escola com tecnologia, inserir tecnologias nas aulas e integrá-las às práticas pedagógicas:
Coloca-se o computador nas escolas, os professores usam, mas sem que isso provoque uma aprendizagem diferente do que se fazia antes e, mais do que isso, o computador fica sendo um instrumento estranho (alheio) à prática pedagógica, sendo usado em situações incomuns, extraclasses, que não serão avaliadas. Defendemos que o computador deve ser usado e avaliado como um instrumento como qualquer outro, seja o giz, um material concreto ou outro. E esse uso deve fazer parte das atividades rotineiras de aula. Assim, integrar um software à prática pedagógica significa que o mesmo poderá ser usado em diversos momentos do processo de ensino, sempre que for necessário e de forma a contribuir com o processo de aprendizagem do aluno. Dessa forma, integrar um novo instrumento em sala de aula implica mudanças pedagógicas, mudanças do ponto de vista da visão de ensino, que devem ser estudadas e consideradas pelos professores (BITTAR, 2010, p. 220).
Em um processo de integração, é essencial refletir sobre questões do tipo: Como o aluno pode aprender um conceito? Há algum aplicativo que pode favorecer ao aluno a construção de um conhecimento matemático? Qual o papel do professor nesse processo de integração de tecnologias digitais ao currículo?
De acordo com Sanchez (2003), no processo de integração de tecnologias digitais ao currículo, como professores, podemos vivenciar três níveis, que chamamos de estágios de integração: preparação, uso e integração. No primeiro estágio, o da preparação, o professor está preocupado em conhecer sobre a tecnologia, suas potencialidades, dificuldades e fragilidades. No segundo estágio, do uso, a preocupação está em usar a tecnologia, seja em uma aula, lançamento de notas ou qualquer uso em suas atividades escolares. No terceiro estágio, o uso é realizado com o objetivo de favorecer a aprendizagem dos alunos. Nesta etapa, as tecnologias digitais são incorporadas ao currículo escolar, de modo que o foco é a aprendizagem. E a partir desse estágio vamos intensificando o processo de integração de tecnologias digitais ao currículo.
Dessa forma, o processo de integração não é uma ação isolada do professor, mas ações contínuas que se conectam entre si para promover a aprendizagem do aluno. Conforme afirmam Scherer e Brito (2020), a integração das tecnologias digitais ao currículo é um processo contínuo, e que nesses movimentos
o olhar não é para a tecnologia digital em si, mas para o processo de aprendizagem de cada aluno, que pode ser favorecido ao vivenciar experiências que incorporem a linguagem digital. Podemos dizer, quando for o caso, que a integração está continuamente acontecendo na prática de um professor ou escola (no sentido dinâmico do processo), pois é movimento contínuo, não finda. Ela se constitui em um processo construído a cada dia, cada prática, com cada turma de alunos, em uma disciplina, na escola. As tecnologias digitais são incorporadas de maneira habitual e natural ao currículo em ação, sem forçar seu uso, sem ser artificial e obrigatório. (p. 8).
Nesse sentido, é essencial conhecer a particularidade de cada professor. As autoras reforçam que cada escola, cada grupo de professores, cada turma, cada aluno, possui ritmos e tempos diferentes. Para tanto, o planejamento dessas ações é fundamental para um bom desenvolvimento de integração de tecnologias digitais ao currículo, o que observamos durante a pesquisa desenvolvida e que a seguir apresentamos alguns dados.
A partir dessa compreensão de integração de tecnologias digitais ao currículo, vivenciamos um processo de formação continuada de professores que ensinam Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental, para integração curricular de tecnologias digitais.
4 Professores em formação: um pouco sobre a metodologia da pesquisa
Como mencionado anteriormente, neste artigo apresenta-se alguns dados e resultados de uma pesquisa de doutorado em andamento, desenvolvida a partir de ações de um projeto de extensão, especificamente um recorte temporal das ações desenvolvidas no primeiro semestre de 2021, período em que os professores, parceiros da pesquisa, vivenciavam o ensino remoto emergencial em suas escolas.
O projeto de extensão intitulado Professores de Matemática em ação: possibilidades para ensinar com tecnologias digitais foi realizado durante o ano de 2021. Este projeto foi iniciado com oito professores que ensinavam Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Um deles participou apenas do primeiro encontro, logo depois foi contaminado pela Covid-19 e precisou se afastar das atividades escolares e, também, do projeto. Outro professor participou apenas de três encontros, e devido a carga horária de 60 horas/semanais em escola, não conseguiu conciliar as atividades do projeto. Dessa forma, participaram de toda a proposta de extensão, seis professores que ensinavam Matemática em turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental de escolas públicas estaduais, do município de Mineiros (GO), sendo dois professores com licenciatura em Matemática, uma formada em Engenheira Civil, dois com licenciatura em Física e uma pedagoga.
Este projeto de extensão, um processo de formação continuada de professores, ocorreu com a parceria desse grupo de professores com as pesquisadoras, autoras deste artigo, em um movimento de formação em serviço. De acordo com Valente (1999, p. 114), nesse processo de formação, “o professor não é removido do seu contexto e aprende, usando a sua experiência como objeto de reflexão e de depuração”. Dessa forma, o diálogo com os professores foi contínuo, baseado em suas necessidades, na realidade de cada um deles, de cada turma e de cada escola. Não existia um modelo pronto e acabado de formação; cada encontro era pensado a partir do encontro anterior, para planejamento de ações, considerando particularidades de cada professor.
Os encontros de formação aconteceram quinzenalmente, alternando em reuniões de pequenos grupos — para planejamento por turma dos anos finais, 6º, 7º, 8º e 9º anos — e com todo o grupo de professores. As reuniões foram todas virtuais, via Google Meet, e usando grupo de WhatsApp para planejar as ações a serem desenvolvidas com o uso das tecnologias digitais em suas aulas de Matemática. Para as reuniões de grupos menores foram organizados quatro subgrupos: professores que gostariam de planejar para o 6º, 7º, 8º ou 9º ano. Caso tivessem interesse, poderiam participar de mais de um subgrupo.
Anterior aos encontros de planejamento com os professores participantes, a professora-pesquisadora entrava em contato com cada subgrupo para um levantamento dos conteúdos que iriam explorar com os alunos na quinzena seguinte. Com isso, havia tempo para a professora-pesquisadora buscar e auxiliar os professores participantes com aplicativos que pudessem contribuir para a aprendizagem dos conceitos matemáticos pelos alunos. Eles também eram incentivados a trazer para os encontros propostas de aplicativos e aulas. Nos encontros também havia momentos para explorar os aplicativos, analisar suas potencialidades e possíveis usos em suas turmas de modo integrado ao currículo.
Os dados produzidos nessa pesquisa foram registrados a partir das gravações de cada encontro, de questionários, de entrevistas e de narrativas sobre atividades desenvolvidas pelos professores.
Os dados serão apresentados em formato de narrativas. Como afirma Clandinin e Connelly (1991), com narrativas, os pesquisadores se tornam parte do processo, pois elas são vividas, contadas e recontadas, em um processo que é construído junto com os participantes. A seguir, apresentaremos uma narrativa de movimentos vivenciados no primeiro semestre letivo de 2021 nos encontros com os seus professores parceiros de pesquisa. Neste período, todas as aulas nas escolas em que esses professores atuavam aconteciam no formato a distância, considerado ERE.
5 Possibilidades de uso de tecnologias digitais nas aulas de matemática: movimentos de professores durante o ensino remoto emergencial
Ao iniciar as ações de formação, os professores participantes responderam um questionário semiestruturado sobre o perfil deles. No primeiro encontro do grupo, em março de 2021, que foi coletivo, com as professoras-pesquisadoras, após a apresentação do projeto de formação, dialogamos sobre usos de tecnologias digitais no ensino de Matemática que os professores fizeram em tempo de pandemia e anterior a ele.
Mesmo diante de um cenário de pandemia desde março de 2020, em março de 2021 notamos o quanto ainda os professores apresentavam dificuldades com o uso das tecnologias para favorecer aprendizagem de seus alunos. Naquele momento, ao falarem em “tecnologias digitais”, falavam apenas de “Google Meet”, “Google Classroom”, “mesa digitalizadora”, “YouTube”, “projetar a câmera em um quadro branco”... Ou seja, apenas recursos que auxiliavam a “transmissão” de aulas. Isso foi evidenciado em alguns relatos do primeiro encontro com o grupo, quando as pesquisadoras perguntaram sobre “O que são tecnologias digitais?” e “O que significa integrar tecnologias digitais ao currículo de Matemática?”. A seguir apresentamos a fala de alguns professores[1].
Eu já usava algumas tecnologias digitais antes das aulas online, mas assim eu nunca usei tanto quanto nesse período de pandemia. Ultimamente eu ando usando muito mais para lidar com dados informações e para me comunicar com os alunos do que para aula propriamente dita. Para aula uso somente durante alguns momentos, no momento que eu vou gravar as minhas aulas ou fazer as minhas webconferências. E a maior parte eu fico o tempo todo lidando com as ferramentas digitais para processar dados, que é para organizar notas e planilhas né. É formulário que acaba vindo do Estado para gente resolver [...]. Então as ferramentas digitais que eu tenho usado são essas né, o próprio Google Meet né, no YouTube abri um canal no YouTube onde eu posto todos os meus vídeos... então as minhas aulas têm a seguinte forma quando eu vou transmitir conteúdo novo eu faço uma gravação de vídeo né e na próxima semana eu faço uma webconferência com correção de exercícios que tiro dúvidas. (Relato do Professor Cravo)
Assim a maioria dos nossos alunos têm acesso as ferramentas tecnológicas que a gente vem trabalhando para educação, Whatsapp, o próprio meet. Eles têm muito acesso a plataforma Google classroom que é muito utilizada no ensino fundamental, no médio e superior também, e também eles vêm trabalhando com o Meet, com o Zoom né [...], são os que nós mais vimos trabalhando na área da Educação. (Relato da Professora Rosa)
O uso de tecnologias digitais nas aulas, nestes relatos, parece se resumir a transmissão de aulas ou espaços para disponibilizar material. E neste sentido, o papel do formador é essencial para levantar questões sobre a construção do conhecimento no processo de ensinar com uso tecnologias, como ressalta Valente (2002, 2014), para além de uso de tecnologias, para viabilizar a realização de aulas.
Ainda no primeiro encontro, uma professora comentou sobre outros usos de tecnologias em aula para além de espaços de aula:
Nesse momento que nós estamos vivendo, perante tantas aulas online... e aí como trabalhar essas aulas online em matemática também né? Eu estou nessa angústia, porque assim, não é simplesmente você apresentar um PowerPoint para o aluno, não é como um texto né, matemática você tem que estar ali mostrando para ele, e aí com isso tem aquelas mesas digitalizadoras né... que é algo que estou tentando colocar nas minhas aulas agora, softwares, eu tô usando o geogebra agora, estou fazendo um curso do geogebra para trabalhar com isso né, para dinamizar as nossas aulas, porque eu acredito que essa pandemia não vai acabar, então como nós vamos dinamizar nossas aulas? Como que nós vamos trabalhar?[...] eu não usava tanto, passava links de videoaulas, mas utilizar as tecnologias assim não era algo tão real e hoje nós precisamos ir nos adaptando no que vai trabalhar, e colocar a tecnologia não só WhatsApp, as plataformas que auxiliam muito, mas eu acredito que essa questão do software que a gente vai colocar em sala de aula vai nos ajudar muito. (Relato da Professora Flor de Lis)
A professora Flor de Lis comenta que as tecnologias digitais possibilitam novas práticas pedagógicas e menciona que estava aprendendo a usar o software Geogebra, e pensava em usá-lo para além do tempo de aulas remotas. A professora Amarílis também comentou sobre a necessidade de reinventar a prática com uso de tecnologias digitas:
no momento em que estamos vivendo, aumentou significativamente o uso da tecnologia digital, pois, as nossas aulas neste período de pandemia passaram a ser ministradas por meio de instrumentos tecnológicos e com isso surgiu a necessidade de reinventarmos a forma de ensinar matemática. (Relato da Professora Amarílis)
Nesse sentido, podemos refletir sobre potencialidades do uso de tecnologias digitais para além de aulas a distância, em que se limita a usar ambientes virtuais para disponibilizar materiais. Como afirma Almeida (2021, p. 11), “a educação remota oportuniza criar caminhos para fugir dessas amarras e ampliar as possibilidades de práticas emancipatórias e da construção de web currículos na prática pedagógica”.
Durante os encontros com os subgrupos, os professores foram mobilizados a planejar aulas, pensando em possibilidades de uso de tecnologias, no terceiro estágio de integração proposto por Sanchez (2003), em que o foco é a aprendizagem do aluno, não o uso da tecnologia. E a partir desses planejamentos, conforme afirmam Almeida e Valente (2012), propor
um currículo que integra as TDIC em processos que expandem os tempos e espaços educativos; envolvem busca, organização, interpretação e articulação de informações; a reflexão crítica; o compartilhamento de experiências; a produção de novos conhecimentos na compreensão histórica do mundo e da ciência (p. 61)
Com esta proposta, iniciamos os encontros nos subgrupos. Ao planejar com o subgrupo do 6º ano, na primeira quinzena de início da formação, a professora Amarílis trouxe algumas possibilidades de uso, que foram discutidas no momento do encontro. Ela pretendia trabalhar os múltiplos e divisores; assim, trouxe possibilidades de trabalhar com um jogo: “gosto muito do jogo porque eu acho que é o momento que eles vão estar utilizando a tecnologia digital e eu acho que eles se sentem mais confortáveis na hora de praticar ali o jogo e aprendendo ao mesmo tempo” (Relato da Professora Amarílis).
Essa fala possibilitou abrir as discussões durante os encontros de formação sobre como trabalhar os conteúdos matemáticos com uso de jogos digitais. As formadoras trouxeram reflexões sobre a importância do feedback durante o desenvolvimento do jogo pelos alunos, as formas de instigar os alunos, a clareza do objetivo de aprendizagem com uso de jogos, levantamento de conjecturas para a produção do conhecimento matemático, dentre outras questões.
Como ressalta Almeida (1996, p. 18), o objetivo era o computador ser utilizado como “uma ferramenta educacional, com o qual o aluno resolve problemas significativos, [...] que favoreça a aprendizagem ativa, isto é, que propicie ao aluno construção de conhecimentos a partir de suas próprias ações”. Neste sentido, discutimos sobre o uso do jogo para além do objetivo de usar um jogo, ou seja, com o objetivo de favorecer processos de aprendizagem dos alunos articulados a outras atividades. Processo de integração a ser vivenciado pelos professores no terceiro estágio proposto por Sanchez (2003), com objetivo de aprendizagem de conceitos matemáticos pelos alunos.
Neste encontro, foi proposto pelas formadoras o uso do aplicativo disponível em https://apps.mathlearningcenter.org/number-frames/. Nele, foi explorado as potencialidades do aplicativo para a aprendizagem dos múltiplos e divisores. E como os professores estavam utilizando o Google Meet para ministrar suas aulas síncronas com alunos, isso facilitaria a interação com os alunos, na visualização pelas telas, seja pelo computador ou celular, oportunizando que os alunos conjecturassem.
Um exemplo usado no encontro foi com 8 bolas azuis na tela, que deveriam ser manipuladas para identificar possibilidades de dividi-las em grupos, reforçando com as professoras participantes a ideia de instigar os seus alunos com algumas questões: “Como podemos dividir estas bolinhas em grupos com a mesma quantidade de bolas?”, “Quantos grupos?”, “É possível dividir essas oitos bolinhas em dois grupos iguais?”, “E em três?”, “E em quatro?”...
Esse aplicativo permite também que o professor proponha uma atividade ao aluno, em que ele compartilhe com o professor o link, isso ajuda no feedback e possibilita o aluno colocar a “mão na massa”. Assim, como afirma Maltempi (2012, p. 288), a aprendizagem se torna “um processo ativo, em que os aprendizes ‘colocam a mão na massa’ na produção de artefatos [...], em vez de ficarem sentados atentos a fala do professor“.
A partir do conhecimento sobre esse aplicativo, a professora Amarílis optou por usá-lo em uma de suas aulas síncronas — lembrando que estas aulas não eram obrigatórias aos alunos, pois alguns não tinham acesso à internet e/ou computador. Daí pudemos questionar sobre oportunidades que teriam os alunos se tivessem acesso a computadores com conexão em suas casas. Após a aula, que ocorreu via Google Meet com os alunos, em uma reunião de grupo, a professora fez o seguinte relato; “a interação dos alunos foi bastante satisfatória, com questionamentos, devolutivas as perguntas que eu iria fazendo para eles. Neste dia tivemos a participação de 68 alunos” (Relato da Professora Amarílis).
Observamos a partir das falas dessa professora que havia indícios dos primeiros movimentos de integração de tecnologias digitais em suas aulas, segundo Scherer e Brito (2020), vivenciando o terceiro estágio de integração, segundo Sanchez (2003). Ela optou por trabalhar com compartilhamento de tela com alunos, questionando-os durante uma de suas aulas síncronas. Um ponto destacado por ela é que neste momento de aulas online, como proposta da escola, as três turmas de 6º ano tinham aulas ao mesmo tempo, o que dificultava muito em propor atividades individuais para que eles produzissem e enviassem links.
Ou seja, a proposta da escola parecia ainda estar centrada na ideia de uma transmissão de aula para muitos e não de uma aula, com produção de conhecimento, em que os alunos pudessem participar ativamente de cada atividade, orientados pelo professor ou professora. Assim, mesmo as formadoras e professoras pensassem em aulas em que os alunos colocassem a “mão na massa”, muitas vezes não foi possível realizar desse modo, devido a quantidade de alunos presentes em uma aula com uma única sala virtual.
Nos primeiros encontros de planejamentos, observamos que esses professores associavam o uso de tecnologias em aulas ao uso de: “as plataformas de aulas online”, “as planilhas eletrônicas para lançamento de notas”, “aos jogos como atividade lúdica”, dentre outras. E assim foram sendo realizados os encontros, durante um ano, um movimento de ações de formação de professores, problematizando esta compreensão, ao dialogar sobre aplicativos, aulas, sobre como os aplicativos poderiam contribuir para que os alunos pudessem aprender conceitos matemáticos.
Os diálogos também aconteciam a partir de desabafos dos professores participantes, quando compartilhavam suas angústias de não conseguirem realizar seus planejamentos, ideias discutidas em reuniões, pelo fato de terem que fazer outras atividades, além das aulas online: realizar contato com alunos que não compareciam nas aulas online; com alunos que não enviavam atividades impressas... Momentos em que precisavam e eram ouvidos, pois na parceria entre professores e formadores precisávamos compreender a realidade de cada professor e professora, de cada turma, de cada escola.
Os estágios do processo de integração (SANCHEZ, 2003) foram analisados ao longo desse período de formação. Como exemplo, podemos mencionar os movimentos da professora Flor de Liz, que planejou para o 9º ano. Ela, mesmo conhecendo o Geogebra, inicialmente, utilizava com pouca frequência aplicativos para aprendizagem matemática. E a partir dos encontros de planejamento, das discussões sobre possibilidades de uso, foi planejando e organizando suas aulas em movimentos de integração curricular, colocando os alunos em ação durante aulas síncronas, pensando o processo de aprendizagem com uso de tecnologias digitais. Ela fala sobre isso em um relato que enviou para o grupo. A seguir um recorte de sua narrativa:
Meu primeiro planejamento foi com o uso do geogebra para o conteúdo de Funções Algébricas de primeiro grau. Com a utilização desse recurso na aula verifiquei que os alunos interagiram com o objeto de sua aprendizagem, experimentando, verificando e tirando conclusões acerca das propriedades das Funções do 1º Grau. Nesse momento percebi a participação de alguns alunos, visto que com as aulas remotas há pouca participação. (Relato da Professora Flor de Liz)
As possibilidades de utilizar os aplicativos nas aulas em um processo de integração envolvem pensar em momentos de interação, de questionamentos, de oportunizar que os alunos levantem e validem conjecturas sobre conceitos matemáticos, não se limitando a informar os alunos, “mostrar” representações com uso de aplicativos. Flor de Liz dava indícios de movimentos de aulas neste sentido.
O movimento de planejar e realizar uma aula também precisa envolver um processo de avaliação contínua sobre o que deu certo e o que precisa ser melhorado nas aulas seguintes, ao vivenciar um processo de formação no modelo F@R, em que a reflexão precisa estar articulada à ação desenvolvida. A professora Flor de Liz, por exemplo, ao mencionar com o grupo que houve pouca interação em uma de suas aulas, a partir de diálogos no grupo e observações que fez, no planejamento seguinte, desenvolveu outras ações, como pode ser observado em seu relato:
No segundo planejamento utilizei o https://phet.colorado.edu/ para que os alunos pudessem visualizar como encontrar uma função através de uma relação, nesse momento houve uma grande participação dos alunos; alunos que não estavam participando das aulas começaram a ter interesse novamente pelas aulas. Por estar fazendo o curso de geogebra este é o recurso mais utilizado nas minhas aulas, trabalhei também com semelhança de triângulos, onde os alunos puderam visualizar e manipular a ferramenta e fazer as conclusões acerca dos casos de congruência e também da razão de proporcionalidade de seus lados. É notório que o uso de algum recurso tecnológico propicia aos alunos, aulas interessantes, instigantes, que façam com que eles tenham mais interesse e percebam mais sentido no que é proposto nas explicações e consequentemente o ensino aprendizagem se torna mais efetivo. É perceptível que quando os alunos conseguem visualizar, manipular o que está sendo explanado pelo professor a assimilação do conteúdo fica mais fácil e nossos alunos aprendem muito com o visual. (Relato da Professora Flor de Liz)
No relato dessa professora há indícios de sua segurança em realizar as atividades com o software Geogebra, já que era um aplicativo que conhecia. Quanto à aprendizagem dos seus alunos, ela menciona que quando eles expressavam suas conclusões, ao ensinar com o uso do aplicativo, é diferente de ensinar no quadro, com imagens estáticas, sem movimentar, sem explorar os conceitos estudados.
Esses foram alguns movimentos iniciais de integração durante o primeiro semestre letivo de 2021, em que o currículo prescrito passou a ser um currículo em ação, a partir da parceria com esses professores nesse processo de formação, orientado no modelo F@R (COSTA E VISEU, 2007).
Sobre o processo de integração de tecnologias digitais nesse período que estavam no ensino remoto emergencial, observou-se que as formas de uso das tecnologias foram sendo (des)construídas ao longo dos encontros, das discussões, das formas que poderiam utilizar. E como afirma Scherer (2015), quando o professor passa a reorganizar sua prática pedagógica para os movimentos de integração das tecnologias digitais às aulas de matemática, não se separa tecnologias digitais e aulas, esse processo constitui-se um “novo inteiro”.
E assim, foram se constituindo as ações destes professores participantes. Inicialmente eles estavam focados em transmitir aulas via Google Meet, trocando o quadro físico da sala de aula, que era utilizado anteriormente à pandemia, por quadros físicos instalado em suas casas, quartos, escritórios, ou até mesmo, quadros online em que se usava a mesa digitalizadora. E após o início das ações de formação, os aplicativos matemáticos passaram a fazer parte, resguardadas as diferenças de cada professor e professora, de cada aluno e aluna, de currículos produzidos com suas turmas de alunos.
Vale ressaltar que, algumas vezes, quando eles necessitavam, a formadora entrava em ação nas aulas dos docentes para auxiliá-los, em uma parceria entre professores e formadores. Esses momentos aconteceram, principalmente quando o professor sentia dificuldade em manusear o aplicativo e de utilizar ele de forma integrada à aula. Era um processo que trazia segurança ao professor naquele momento da aula, por isso, a importância de uma formação em serviço, de parceria entre professor-formador e professores.
No entanto, também houve dificuldades relatadas pelos professores, como: a falta de conexão com a internet em algumas aulas; o (re)planejamento das aulas, quando tinham que atender as demandas da coordenação pedagógica, fazendo o trabalho de busca pelos alunos que não compareciam às aulas online; as cobranças para preparação das provas externas do Estado — que aconteceu naquele ano para medidas de índices; horários de aulas diferenciados, com junção de turmas em uma única turma online, tornando salas de aula online com até 80 alunos; salas de aula com poucas aulas síncronas, pois os alunos de algumas escolas, muitas vezes, não tinham celular ou computador, e nem acesso à internet.
Então, nota-se que há uma necessidade de investimento em formação continuada de professores, formação em serviço. Falta lutar mais por políticas públicas para investimento em tecnologias móveis e acesso à internet de qualidade nas escolas. Além disso, pensar em formações com objetivo de discutir a aprendizagem dos alunos, com ações que possam contribuir com a prática pedagógica dos professores e professoras, com um olhar especial aos currículos em movimento... ao processo de integração curricular de tecnologias digitais. Como afirmam Scherer e Brito (2020),
cada processo de integração é único. Por isso, precisaria ser pensado em cada grupo de professores, gestores, alunos, comunidade escolar e, de forma contínua, em interação com outros grupos, produção científica e cultural, tecnologias, de maneira a considerar currículos prescritos e propor novos currículos. No entanto, consideramos que é importante ter em conta a singularidade de cada professor, aluno, escola, cultura, comunidade. E, a partir da história de cada um e da interação entre elas, iniciarmos processos de integração de tecnologias digitais (que demandam formação contínua de professores, gestores e coordenadores nas escolas) ao currículo, respeitando o tempo de cada um (p. 8).
Neste sentido, é fundamental considerar a escola como um organismo vivo, em que gestores, professores, alunos, pais e comunidade, a partir de suas características e individualidades, (re)constroem seus currículos...
Algumas considerações finais e o início de novos diálogos...
Com o objetivo de analisar movimentos de integração de tecnologias digitais ao currículo de Matemática de um grupo de professores do Ensino Fundamental em um processo de formação continuada, dialogamos aqui sobre alguns dos dados produzidos na pesquisa.
O que observamos a partir dos dados apresentados aqui é que em processos de formação de professores para integração de tecnologias digitais ao currículo é importante partir de diálogos sobre planejamentos de aulas, de pensar e (re)pensar juntos sobre possibilidades para cada professor, turma e escola. No caso específico do grupo de professores que participou da pesquisa, os diálogos sobre o uso de aplicativos no ensino de Matemática, durante o ensino remoto, possibilitaram novos olhares sobre a aprendizagem dos alunos.
Quanto o processo de formação dos professores, consideramos importante ter vivenciado em um movimento contínuo e dialógico, os encontros com os professores, sempre orientados por questões como: Há algum aplicativo que pode favorecer a aprendizagem dos alunos, que se diferencia de papel e lápis? De que forma posso integrar essa tecnologia no ensino de matemática? Como fazer o aluno ser protagonista da sua aprendizagem?
Podemos considerar ainda que um caminho para a formação de professores é dialogar, ouvir os professores, planejar e refletir sobre aulas que tenham por objetivo a aprendizagem do aluno, que precisa assumir papel de protagonista da sua produção de conhecimentos. Mas sabemos que ainda há muitos diálogos e narrativas a serem realizados sobre os dados produzidos nesta pesquisa, em especial sobre ações do segundo semestre de 2021, quando os professores retornaram às aulas presenciais nas escolas. Mas, essa já é outra narrativa...
Agradecimentos
Agradecemos ao Centro Universitário de Mineiros (GO) — UNIFIMES, pela bolsa de estudos no curso de Doutorado da UFMS, bem como, o apoio no desenvolvimento do projeto de pesquisa e extensão realizado.
Referências
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Notas
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