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A Matemática por trás da escala das cordas contida no Setor de John Worgan (1697)

The Mathematics behind the chord scale contained in the Sector by John Worgan (1697)

Las Matemáticas detrás de la escala de cuerdas contenidas en el Sector por John Worgan (1697)

Francimar Miguel da Silva Junior
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Andressa Gomes dos Santos
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Ana Carolina Costa Pereira
Universidade Estadual do Ceará, Brasil

A Matemática por trás da escala das cordas contida no Setor de John Worgan (1697)

Educação Matemática Debate, vol. 6, núm. 12, pp. 1-13, 2022

Universidade Estadual de Montes Claros

Recepción: 03 Mayo 2022

Aprobación: 06 Septiembre 2022

Publicación: 16 Septiembre 2022

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar a Matemática envolvida na construção da escala das cordas inscrita no instrumento matemático Setor, exposto no tratado A short treatise of the description of the sector, de John Worgan, de 1697. O Setor de Worgan possui nove escalas, a saber: das linhas iguais, dos senos, das tangentes, das secantes, dos polígonos, dos números artificiais, dos senos artificiais, das tangentes artificiais e das cordas. A última é utilizada para a resolução de problemas de natureza geométrica, principalmente, para encontrar ângulos e dividir a circunferência em partes iguais. Como metodologia de pesquisa, fez-se uso de uma abordagem qualitativa descritiva, utilizando documentos históricos como fonte principal de consulta. Sua construção possibilita o desenvolvimento de alguns conhecimentos geométricos, que podem auxiliar na compreensão de conceitos, tais como raio, diâmetro, arco de circunferência, ângulo e corda, entre outros, para alunos da Educação Básica.

Palavras-chave: Escala das Cordas, Conceitos Geométricos, Setor de Worgan, Instrumentos Matemáticos.

Abstract: This article aims to present the Mathematics involved in the construction of the string scale inscribed in the mathematical instrument, sector, exposed in John Worgan's 1697 treatise A short treatise of the description of the sector. Worgan's sector has nine scales, namely: equal lines, sines, tangents, secants, polygons, artificial numbers, artificial sines, artificial tangents, and chords. The last one is used to solve problems of a geometric nature, mainly to find angles and divide the circumference into equal parts. As a research methodology, a descriptive qualitative approach was used, using historical documents as the main source of consultation. Its construction allows the development of some geometric knowledge that can help in the understanding of concepts, such as radius, diameter, arc of circumference, angle and chord, among others, for Basic Education students.

Keywords: Chord Scale, Geometric Concepts, Worgan Sector, Mathematical Instruments.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar las Matemáticas involucradas en la construcción de la escala de cuerdas inscrita en el instrumento matemático, sector, expuesto en el tratado de John Worgan de 1697 Un breve tratado de la descripción del sector. El sector de Worgan tiene nueve escalas, a saber: líneas iguales, senos, tangentes, secantes, polígonos, números artificiales, senos artificiales, tangentes artificiales y cuerdas. Este último se utiliza para resolver problemas de carácter geométrico, principalmente para encontrar ángulos y dividir la circunferencia en partes iguales. Como metodología de investigación se utilizó un enfoque cualitativo descriptivo, utilizando documentos históricos como principal fuente de consulta. Su construcción permite el desarrollo de algunos conocimientos geométricos que pueden ayudar en la comprensión de conceptos como radio, diámetro, arco de circunferencia, ángulo y cuerda, entre otros, para los estudiantes de Educación Básica.

Palabras clave: Escala de Cuerdas, Conceptos Geométricos, Setor de Worgan, Instrumentos Matemáticos.

1 Introdução

Na segunda década do século XXI, cresceu o interesse por pesquisas envolvendo instrumentos matemáticos como elementos articuladores da interface entre a história e o ensino de Matemática (PEREIRA e SAITO, 2018; ALVES e BATISTA, 2018; SANTOS e PEREIRA, 2021; PEREIRA, 2022). Isso acarretou a inserção de aparatos que articulam a teoria e a prática no ensino de Matemática via história da Matemática, permitindo a construção de conceitos matemáticos, desmistificando seus usos.

Além de articular e desmistificar conceitos matemáticos, estudos, como os de Batista (2019), Alves (2020) e Santos (2022), que foram aplicados na formação de professores de Matemática, indicam que os participantes das pesquisas realizadas, pelas autoras supracitadas, reconfiguram conceitos que já haviam sido “sedimentados” cognitivamente a partir da fabricação, da manipulação e/ou da aplicação de situações históricas utilizando um instrumento matemático[1].

Um exemplo de instrumento é o Setor, desenvolvido por John Worgan, em que são inscritas várias escalas. Dentre elas, este artigo irá descrever a construção da escala das cordas, utilizada para resolver problemas cotidianos de natureza geométrica, principalmente, para determinar ângulos e dividir a circunferência em partes de mesma medida, a partir das orientações do autor e com elementos geométricos estudados no período. Dessa maneira, este estudo tem como objetivo: apresentar a Matemática envolvida na construção da escala das cordas inscrita no instrumento matemático Setor, exposto no tratado A short treatise of the description of the sector, de John Worgan, de 1697.

Como metodologia de pesquisa, fez-se uma abordagem qualitativa descritiva, tendo documentos históricos como fonte principal de consulta. Trabalhos envolvendo fontes históricas, geralmente, empregam a análise documental. Segundo Kripka Scheller e Bonotto (2015, p. 243),

essa técnica de pesquisa é a capacidade que o pesquisador tem de selecionar, tratar e interpretar a informação, visando compreender a interação com sua fonte. Quando isso acontece há um incremento de detalhes à pesquisa e os dados coletados tornam-se mais significativos.

Como fonte principal, usou-se a versão inglesa, de 1697, do tratado A short treatise of the description of the sector. Como fontes secundárias, que remontam a outros aspectos contextuais e historiográficos, foram consultados Taylor (1968) e Williams e Tomash (2003). Quanto aos aspectos epistemológicos, completou-se com Euclides (2009).

A intenção de se utilizar esses estudos é apresentar uma aplicabilidade da Matemática para situações cotidianas presentes, por exemplo, no século XVI e XVII, período de grandes mudanças científicas, uma vez que houve a valorização das práticas matemáticas nesse período. Conhecer o contexto no qual um conceito matemático foi construído possibilita uma abordagem diferente de conteúdos matemáticos para o professor em formação inicial ou continuada.

Desse modo, o artigo está dividido em sete tópicos: no primeiro é apresentada uma breve introdução sobre as pesquisas em história da Matemática, o objetivo do estudo e a metodologia utilizada; no segundo tópico, é exposto um panorama sobre os setores no decorrer da história; no terceiro, apresenta-se a definição de corda retratada por Gunter (1624) e Worgan (1697); na quarta sessão, adentra-se no estudo da escala das cordas desenvolvida por Worgan (1697); no quinto tópico, apresenta-se sua relação de proporcionalidade; no sexto, expõe-se sua aplicabilidade em uma situação; e , por fim, na última sessão, são feitas as considerações finais.

2 Breve comentário sobre os aspectos contextuais do instrumento “matemático” Setor

O Setor é um instrumento matemático tradicional, composto por duas réguas de comprimentos, articuladas por uma dobradiça. Muitas tentativas foram feitas, ao longo do Renascimento, para criar um instrumento universal, que pudesse ser usado para realizar cálculos aritméticos e operações geométricas rapidamente. O Setor, como muitos outros dispositivos, foi desenvolvido por diversos estudiosos, em países diferentes, composto por escalas distintas e de maneira independente, assim, há muitos tipos de setores de diferentes autores (WILLIAMS e TOMASH, 2003).

O Setor, também conhecido como Pantômetro e Compasso de Proporção, geométrico ou militar, tinha sua denominação variada de acordo com o lugar em que ele fosse desenvolvido. Esse instrumento foi o principal dispositivo de cálculo desde o final do século XVI até os tempos modernos. Embora o instrumento básico seja bem conhecido, não se sabe ao certo a sua origem ou a variedade de escalas que podem ser encontradas gravadas nele. Este artigo apresenta alguns antecedentes históricos sobre os instrumentos precursores, mostrando que o italiano Galileo Galilei (1564-1642), certamente, não foi a única pessoa a produzir setores no final de 1500 e descrevendo os usos para as muitas escalas, comumente, encontradas nesses instrumentos.

Dentre os tratados que envolvem os setores ingleses, encontramos o fabricado por John Worgan, publicado em 1697, com o nome de A short treatise of the description of the sector wherein is also shown the great use of that excellent instrument, in the solution of several mathematical problems, ou seja, “um pequeno tratado de descrição do setor em que também é mostrado o grande uso desse excelente instrumento, na solução de vários problemas matemáticos”.

Taylor (1968) apresenta uma breve biografia do autor e indica o período em que ele estava vivo, entre 1686 e 1714, uma vez que não se sabe ao certo qual o ano exato de seu nascimento e de sua morte. Portanto, faz-se necessária uma pesquisa mais aprofundada sobre sua vida e, consequentemente, sobre sua formação e seus estudos realizados. Conforme Taylor (1968), Worgan era especializado na fabricação de instrumentos de topografia e relógios de sol. Suas instalações ficavam “sob o relógio da Igreja de St. Dunstan, em Fleet Street, em Londres” (WORGAN, 1697, s/p).

O Setor de Worgan (Figura 1) era um instrumento utilizado para resolver problemas matemáticos de natureza aritmética, geométrica e trigonométrica. Ele era composto por duas hastes móveis, graduado por nove escalas, a saber: das linhas iguais, que é uma escala graduada em partes iguais, como uma escala graduada em centímetros, por exemplo; dos senos, das tangentes, das secantes, dos polígonos, que são escalas circulares, definidas assim, por serem construídas a partir da circunferência; dos números artificiais, dos senos artificiais, das tangentes artificiais, que são escalas circulares logarítmicas e das cordas, que será abordada no decorrer do texto.


Figura 1
Setor de Worgan (1697) (WORGAN, 1697, p. 3)

O tratado A short treatise of the description of the sector, de Worgan (1697), apresenta propriedades da construção do instrumento e demonstra geometricamente os fundamentos dos quais dependem todas as operações. Também é ilustrado seu uso com alguns problemas matemáticos, principalmente, em Aritmética, Geometria e Trigonometria.

3 Definição de corda segundo Worgan (1697) e Gunter (1624)

A Geometria é um campo da Matemática que estuda as formas das figuras planas espaciais, bem como as posições relacionadas às formas geométricas no espaço e suas propriedades. Segundo Lorenzato (2010, p. 70),

sabemos que por várias razões, a geometria não tem ocupado o seu devido lugar no ensino de matemática. Porém é possível, desejável e necessário que o ensino dessa parte importante da matemática seja fortemente enfatizado, porque, como já vimos, sem experiências geométricas não se consegue raciocinar geometricamente e, por consequência, se constrói uma visão capenga e falaciosa e incompleta da matemática.

Dentre os objetos que a Geometria estuda, encontra-se a circunferência, que, conceitualmente, é uma figura plana construída por um conjunto de pontos, que estão a uma mesma distância do seu centro. Seus elementos vão desde o raio, o diâmetro até a corda, utilizados para o cálculo do comprimento da circunferência até a área do círculo, cuja extremidade é a circunferência.

No que se refere ao conceito de corda na circunferência, muitos autores, como Dolce e Pompeu (2013, p. 144), definem-na como qualquer segmento que liga duas extremidades da circunferência, ou seja, “como um segmento cujas extremidades pertencem a uma circunferência”. Euclides (2009, 154) não dá a definição de corda de uma circunferência ou círculo ao longo dos 13 livros em que o documento está dividido, mas menciona, em seus teoremas, no livro III, várias vezes sobre “uma reta que corta e não passa pelo centro”.

Percebemos que, no tratado estudado, Worgan (1697, p. 1) conceitua de forma similar: “a corda de um arco é o segmento de reta traçada de uma extremidade a outra do arco” e a representa na Figura 2.

Representação da corda por Worgan (1697)
Figura 2
Representação da corda por Worgan (1697)
(WORGAN, 1697, p. 23)

O autor ainda complementa o conceito, trazendo: “O segmento AB é a corda do arco ACB. É também a corda do arco ADB, pois é comum a ambas as partes do círculo” (WORGAN, 1697, p. 1).

Um pouco mais direcionado, Gunter (1624, p. 42), seu contemporâneo, define corda como um “o segmento de reta que subtende um arco: então BE é a corda do arco BCE, e BF uma corda do arco BF”.

Representação de corda por Gunter
Figura 3
Representação de corda por Gunter
(GUNTER, 1624, p. 41)

Dessa forma, para a construção da escala das cordas, Worgan (1697) parte desse conceito e mostra, no capítulo 2 de seu tratado, como colocar várias medidas de uma circunferência em uma escala comum, ou seja, em uma mesma linha e, dentre essas, está a escala das cordas.

4 A escala das cordas do Setor de Worgan (1697)

Tendo definido geometricamente o conceito de corda, o objetivo da escala é comparar o comprimento das cordas referentes a todos os arcos de uma circunferência de raio r, para isso, colocando todas em uma escala comum. Ao observar o esquemático do Setor contido no tratado, podemos notar que a escala é transferida até 60°. Worgan (1697) relata que existem setores nos quais a escala vai até 90°. O motivo, para essa escolha, baseia-se no fato de que a corda de 60° de qualquer circunferência tem a mesma medida do raio. Essa informação, no entanto, fica implícita, pois Worgan (1697) não faz nenhuma menção ao motivo da escolha.

Observando o esquemático do instrumento, podemos notar que a escala das cordas é dividida em partes desiguais, conforme está na Figura 4, em que podemos demonstrar, matematicamente, esse fato da forma que será dita a seguir.

Setor de Worgan, ampliado na escala das cordas.
Figura 4
Setor de Worgan, ampliado na escala das cordas.
Adaptado de Worgan (1697, p. 8).

Dada uma circunferência C1, de raio r e centro em O, seja ABC o arco da circunferência, tal que BÔA = CÔB = θ . Seja AB = BC = c 1 o comprimento da corda referente ao arco de θ ° e como BÔA + CÔB = 2 θ ° , AC = c 2 define a corda referente ao ângulo de 2 θ ° . Se a escala das cordas fosse dividida em partes de mesma medida, teríamos c 1 + c 1 = c 2 , ou seja, o comprimento da corda de 2 θ ° seria o dobro do comprimento da corda de θ ° . Geometricamente, temos como o exposto na Figura 5.

Ao supormos que a escala das cordas é graduada em partes iguais, teríamos c 2 + c 2 = c 1 . Entretanto, podemos concluir que é um absurdo, já que, pela desigualdade triangular[2], temos c 1 + c 1 > c 2 , portanto, a escala das cordas é dividida de forma desigual.

Esquema geométrico da demonstração. Elaborada pelos autores.
Figura 5
Esquema geométrico da demonstração. Elaborada pelos autores.

Para construir as cordas e colocá-las em uma mesma escala, o autor traz a seguinte construção: com qualquer distância, descreva o círculo ABCD e trace o diâmetro AC, que forma um ângulo reto com a reta DB. Trace AB, então divida o arco AB em 9 partes de mesma medida. Definindo, assim, as divisões 10, 20, 30, ..., 90, conforme a Figura 6.

Projeção das cordas para uma mesma escala (WORGAN, 1697, p. 23)
Figura 6
Projeção das cordas para uma mesma escala (WORGAN, 1697, p. 23)

Com cada uma dessas 9 divisões, divida novamente em 10 partes iguais, uma das quais tem medida de um grau. Feito isso, com a parte seca do compasso em A, trace os arcos dessas divisões com o segmento AB, colocando nele os números 10, 20, 30, ..., 90, como foi definido para o arco.

Desse modo, a reta AB, assim dividida, é uma linha de cordas e pode ser transferida do papel para cada uma das pernas do instrumento. O autor não deixa explícito, em nenhum momento, se os únicos instrumentos para produzir a escala são régua e compasso e não detalha como realizar as instruções da construção.

5 Sobre a relação de proporção existente na escala das cordas

Sabendo que a escala das cordas não é dividida em partes iguais, a relação que surge na escala é a relação de proporção entre escalas de tamanhos distintos, ou seja, escalas feitas a partir de raios distintos. Essa relação mostra que, para raios distintos, as cordas referentes a um mesmo arco são proporcionais. Sejam c 1 e c 2 cordas das circunferências de raios r 1 e r 2 , respectivamente, temos c 1 = k · c 2 , em que k é uma constante. Vamos provar esse fato logo abaixo.

Seja C 1 uma circunferência de raio r 1 e centro 0, tomemos o arco AB referente ao ângulo θ ° . OAB forma um triângulo com AÔB = θ ° , OA = OB = r 1 , portanto, isósceles com OÂB = O B ^ A = α , e BC = c 1 é a corda do arco AB. Seja C 2 uma circunferência de raio r 2 e centro 0, sendo r 2 < r 1 , OA e OB interceptam C 2 em C e D, respectivamente, determinando, assim, o arco CD. Os pontos OCD formam um triângulo com CÔD = θ ° , OC = OD = R 2 , à vista disso, isósceles com O C ^ D = O D ^ C = β , e CD = c 2 é a corda do arco CD. Podemos representar geometricamente de acordo com a Figura 7.

Esquema geométrico da demonstração
Figura 7
Esquema geométrico da demonstração
(Elaborada pelos Autores)

A partir dessa construção, devemos mostrar que é proporcional a , para isso, precisamos dizer que os triângulos OBA e ODC são semelhantes, pois triângulos semelhantes têm seus lados proporcionais. Para demonstrar que isso ocorre, usaremos o seguinte teorema:

Logo, os dois triângulos têm ângulos congruentes; dessa maneira, pelo teorema, os triângulos são semelhantes. Então, podemos usar essa demonstração e escrever:

Teorema: Dados dois triângulos ABC e EFG, se  = Ê e B ^ = F ^ , então, os triângulos são semelhantes.

Analisando os triângulos OAB e OCD, podemos utilizar o teorema que afirma que a soma das medidas dos ângulos internos do triângulo é 180°.

(I

Fazendo (II) – (I), temos:

Logo, os dois triângulos têm ângulos congruentes; dessa maneira, pelo teorema, os triângulos são semelhantes. Então, podemos usar essa demonstração e escrever:

[III]

Em que r 1 r 2 é sempre constante, portanto:

c 1 = k · c 2

Devido a essa relação de proporção, podemos construir a escala das cordas para qualquer tamanho sem precisar construí-la geometricamente, desde que tenhamos os valores referentes a uma escala de cordas qualquer. Para construir a escala de cordas referente a um raio , utilizaremos uma tabela de cordas referente a um raio unitário, a que chamaremos r 1 = 1 . A partir da equação (III), faremos:

Desse modo, podemos graduar uma escala de cordas do tamanho desejado, em qualquer unidade, porque, para conhecer o tamanho de qualquer corda, bastaria olhar o valor referente ao raio unitário, de acordo com a Tabela 1, e multiplicar pelo tamanho da escala desejada. Por causa dessa relação de proporção, as várias operações utilizando a escala das cordas em conjunto com o instrumento são válidas, já que, segundo Worgan (1697), as operações feitas com o instrumento se baseiam na quarta proposição do sexto livro de Euclides, em que é mostrado que triângulos semelhantes são proporcionais. Esse fato possibilita as operações com o instrumento apresentado pelo autor.

Tabela 1
Cordas referentes a um raio unitário
Cordas referentes a um raio unitário
Adaptado de Carvalho (2006, p. 107)

6 Algumas aplicabilidades da escala das cordas por Worgan (1697)

O Setor, como visto anteriormente, é um instrumento voltado para a realização de cálculos aritméticos e de operações geométricas de forma rápida e era utilizado em diversas práticas, como a navegação e a artilharia. Também era um aparato necessário para topógrafos e desenhistas. Worgan (1697) anuncia algumas aplicabilidades desse instrumento.

Nos três capítulos finais do tratado, o autor enuncia e resolve uma série de problemas envolvendo Aritmética, Geometria e Trigonometria, em que mostra como solucioná-los utilizando as escalas apresentadas no decorrer do tratado. No capítulo 9, apresenta-se como utilizar a escala das cordas para resolver alguns problemas. Entre eles, estão: dado um ângulo, encontrar o número de graus que ele contém, dividir a circunferência em qualquer número de partes iguais, abrir o Setor para qualquer ângulo dado e o Setor sendo aberto, encontrar a quantidade do ângulo para o qual está aberto.

Ao se utilizar apenas a escala das cordas, existirá restrição em algumas operações, por exemplo: dado o comprimento de uma corda correspondente ao ângulo θ ° , para achar o raio da circunferência, seria preciso utilizar a escala de linhas iguais, caso o ângulo fosse superior a 60°. Em outros problemas, utilizar a escala das cordas para ângulos superiores a 60° seria trabalhoso, pois uma construção geométrica seria necessária, por isso, o autor opta por utilizar outras escalas para facilitar o processo.

O autor apresenta um problema que mostra a utilização da proporção entre as escalas, o qual ilustra o uso da proporção existente na escala. Dado um raio, encontrar a corda referente ao ângulo θ . Seja r 2 o raio dado, primeiro o autor indica que tomemos esse comprimento com um compasso, então, coloquemos uma ponta do compasso em uma das escalas das cordas na marcação 60, paralelamente, coloca-se a outra ponta do compasso na mesma marcação, 60, na escala das cordas, que se encontra na outra perna do instrumento.

Em seguida, ajustamos o compasso, sem alterar a configuração do Setor, para caber, paralelamente, entre em uma perna do compasso na escala das cordas e θ na escala das cordas da outra perna, podemos definir a posição das pernas do compasso na escala nos pontos C e D. O comprimento CD = x é a corda procurada. Pela Figura 8, que ilustra a situação, o comprimento OC = c 1 é a corda referente ao ângulo para o raio que foi usado na construção da escala das cordas.

Se observarmos a Figura 8, esquematizando essa operação, podemos notar que OCD e OAB são semelhantes, pelos mesmos argumentos da prova anterior, em decorrência disso, podemos escrever:

Por (III), temos:

Logo, x = c 2 . Portanto, o tamanho encontrado é, de fato, a corda referente ao ângulo θ para o raio r 2 . Na Figura 8, observa-se a apresentação geométrica da utilização do Setor.

Representação geométrica da utilização do setor
Figura 8
Representação geométrica da utilização do setor
(Elaborada pelos Autores)

Por último, é importante destacar que θ deve ser menor ou igual a 60°, pois o tamanho da escala limita a obtenção direta para cordas maiores. Entretanto, a partir de construções como a Figura 5, é possível construir geometricamente cordas para ângulos maiores. Por exemplo, usando a corda de 40°, pode-se construir a corda de 80°.

7 Considerações didáticas sobre a escala das cordas

Uma vez que o Setor incorpora diversos conhecimentos matemáticos, como visto nos tópicos anteriores, e os articula em seu manuseio, é possível construir uma interface entre história e ensino de Matemática amparada pelos documentos oficiais, a fim de que se possa reconfigurar saberes matemáticos em sala de aula com a manipulação desse instrumento.

Para os Anos Finais do Ensino Fundamental, por exemplo, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) confere habilidades específicas para o estudo da circunferência e de seus elementos, aparecendo na unidade temática de Geometria, nos 7º e 9º anos:

Objeto de Conhecimento: A circunferência como lugar geométrico

(EF07MA22) Construir circunferências, utilizando compasso, reconhecê-las como lugar geométrico e utilizá-las para fazer composições artísticas e resolver problemas que envolvam objetos equidistantes (BRASIL, 2017, p. 309).

Medida do comprimento da circunferência

Objeto de Conhecimento: Relações entre arcos e ângulos na circunferência de um círculo

(EF09MA11) Resolver problemas por meio do estabelecimento de relações entre arcos, ângulos centrais e ângulos inscritos na circunferência, fazendo uso, inclusive, de softwares de geometria dinâmica (BRASIL, 2017, p. 307).

Percebe-se que esses elementos podem ser estudados de modo prático na construção da escala das cordas de Worgan (1697). Embora a BNCC (BRASIL, 2017, p. 298) não dê muita ênfase ao uso da história da matemática nas competências e nas habilidades, ela afirma que “é importante incluir a história da Matemática como recurso que pode despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar Matemática”.

Contudo, seu uso deve estar integrado a situações que propiciem a reflexão, contribuindo para a sistematização e a formalização dos conceitos matemáticos, ou seja, a construção e a utilização da escala das cordas do Setor, além de propiciar esses aspectos propostos pela BNCC, pode apresentar discussões culturais, econômicas e políticas, que são importantes para a construção de um cidadão do século XXI.

É importante ressaltar que, para a implementação da escala das cordas do Setor de Worgan no ensino, são necessários uma metodologia adequada e um planejamento de um material didático que perpasse por etapas condizentes com a interface entre a história e o ensino de Matemática. Esse é um estudo futuro, que ainda deve ser realizado, aqui foi apresentada uma possibilidade de inserção no ensino, entretanto, esse não é o foco do estudo neste momento.

8 Notas Finais

Diante dos temas abordados envolvendo instrumentos matemáticos como elementos articuladores da interface entre a história e o ensino de Matemática, os tópicos tratados, neste artigo, foram: a definição de corda; a escala das cordas contidas no tratado A short treatise of the description of the sector...; a proporção existente na escala e as aplicações da escala para resolver alguns problemas geométricos.

Desse modo, a escala das cordas descrita no tratado A short treatise of the description of the sector... expõe vários conceitos matemáticos que emergem da sua construção e da sua aplicação. Portanto, a escala apresenta uma possibilidade de inserção como recurso didático na Educação Básica. Contudo, deve ser feito um estudo mais aprofundado sobre essa possibilidade, haja vista que a manipulação da escala das cordas utilizando o instrumento Setor requer um estudo minucioso.

Assim, a Matemática por trás da escala das cordas contida no setor de John Worgan (1697) mostra a construção, as propriedades da escala e as suas aplicações utilizando o instrumento Setor, permitindo que pesquisas posteriores venham a ser desenvolvidas em torno do Setor e de suas escalas, como recurso didático para a construção de uma interface entre história e ensino de Matemática.

Referências

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Notas

[1] De acordo com Pereira e Saito (2018), entende-se como instrumento matemático, uma ferramenta utilizada para fins de observação, experimento, medição, cálculo etc.
[2] Dados três pontos distintos A, B e C do plano, tem-se que . Igualdade ocorre se e somente se B pertencer ao segmento AC (BARBOSA, 2012, p. 81).

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