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A produção do GT13 em Educação Matemática para surdos a partir dos anais do SIPEM
The production of GT13 in Mathematics Education for the deaf from the annals of SIPEM
La producción de GT13 en Educación Matemática para Sordos a partir de los anales de SIPEM
Educação Matemática Debate, vol. 6, núm. 12, pp. 1-15, 2022
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos


Recepción: 27 Febrero 2022

Aprobación: 22 Septiembre 2022

Publicación: 16 Noviembre 2022

DOI: https://doi.org/10.46551/emd.v6n12a18

Resumo: O objetivo deste estudo é analisar as tendências nas pesquisas sobre Educação Matemática de surdos nos Anais dos VI e VII Sipem a partir da criação do GT13, situando as relações desses estudos com as reivindicações do movimento surdo. Para tanto, foram selecionadas oito pesquisas do VI Sipem (2015) e dez do VII Sipem (2018), totalizando 18 publicações. Inicialmente, os resumos dos 18 trabalhos selecionados foram organizados em um único corpus textual para serem processados no software Iramuteq, gerando graficamente uma nuvem de palavras que possibilitou a definição das categorias emergentes: i) a atuação do intérprete na aula de Matemática; ii) formação do professor de Matemática; e iii) ensino, em Libras, de conceitos matemáticos. O ensino de Matemática em Libras foi o tema mais enfocado nas pesquisas analisadas, evidenciando que a mediação didática diretamente em Libras pode favorecer aspectos da cognição visual dos estudantes surdos, o que está em conformidade com a perspectiva da Pedagogia surda.

Palavras-chave: Educação Inclusiva, Bilinguismo, Surdez.

Abstract: The objective of this study is to analyze trends in research on Mathematics Education for the deaf in the Annals of the VI and VII Sipem from the creation of the GT13, placing the relationship between these studies and the claims of the deaf movement. To this end, eight surveys from VI Sipem (2015) and ten from VII Sipem (2018) were selected, totaling 18 publications. Initially, the summaries of the 18 selected works were organized into a single textual corpus to be processed in the Iramuteq software, graphically generating a cloud of words that made it possible to define the emerging categories: i) the role of the interpreter in the Mathematics class; ii) Mathematics teacher training; and iii) teaching, in Libras, of mathematical concepts. The teaching of Mathematics in Libras was the most focused topic in the analyzed studies, evidencing that didactic mediation directly in Libras can favor aspects of the visual cognition of deaf students, which is in accordance with the perspective of Deaf Pedagogy.

Keywords: Inclusive Education, Bilingualism, Deaf.

Resumen: El objetivo de este estudio es analizar las tendencias en la investigación sobre Educación Matemática para sordos en los Anales del VI y VII Sipem a partir de la creación del GT13, ubicando la relación entre estos estudios y las reivindicaciones del movimiento de sordos. Para ello, se seleccionaron ocho encuestas del VI Sipem (2015) y diez del VII Sipem (2018), totalizando 18 publicaciones. Inicialmente, los resúmenes de los 18 trabajos seleccionados se organizaron en un solo corpus textual para ser procesado en el software Iramuteq, generando gráficamente una nube de palabras que permitió definir las categorías emergentes: i) el papel del intérprete en las Matemáticas clase; ii) formación de profesores de Matemáticas; y iii) enseñanza, en Libras, de conceptos matemáticos. La enseñanza de las Matemáticas en Libras fue el tema más focalizado en los estudios analizados, evidenciando que la mediación didáctica directamente en Libras puede favorecer aspectos de la cognición visual de los estudiantes sordos, lo que está de acuerdo con la perspectiva de la Pedagogía Sorda.

Palabras clave: Educación Inclusiva, Bilingüismo, Sordo.

1 Introdução

A educação de surdos é um tema que tem sido abordado em diversas produções acadêmicas, tanto no âmbito internacional como no Brasil. Segundo Arcoverde (2011), essas pesquisas tendem a acompanhar os momentos histórico, político e sociocultural, inclusive, com autoria de pesquisadores surdos, para definir a identidade surda e teorizar sobre a Educação, baseada nesse paradigma, pois as concepções sobre a surdez, o surdo e sua educação, foram, por muito tempo, abordadas por ouvintes.

O movimento global de inclusão, a partir da década de 1990, trouxe para as escolas comuns o Público-Alvo da Educação Especial (PAEE), incluindo os estudantes surdos. Entretanto, para esses sujeitos, a sua inserção na escola não foi suficiente para promover um avanço em sua escolarização (CAPOVILLA, 2011; ANDREIS-WITKOSKI, 2012), apesar da presença do intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em sala de aula, e da oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE), no turno oposto, para apoiar a inclusão garantida pela legislação (BRASIL, 2011).

O ensino ofertado na perspectiva inclusiva tem sido questionado (ANDREIS-WITKOSKI, 2012; SILVA, 2012) por pesquisadores surdos, a partir do pressuposto básico de que não basta a inclusão deles no sistema escolar, pois é necessário garantir a sua permanência e a continuidade nos estudos. Dessa forma, a comunidade surda, no Brasil, defende o emprego da Libras não apenas para a comunicação, mas para o ensino e a aprendizagem de diversos conteúdos escolares, já que é a língua natural do sujeito surdo. As pessoas surdas lutam pela manutenção das escolas de surdos e a criação de escolas bilíngues, assim como tantos outros grupos historicamente marginalizados têm exigido os seus direitos e, entre eles, uma educação de boa qualidade, com reais possibilidades de desenvolvimento (PEIXOTO, 2015).

Nesse sentido, em 3 de agosto de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.191, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que trata da educação bilíngue de surdos como sendo a modalidade de educação escolar oferecida em Libras, como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para estudantes surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos. Além disso, determina à União a prestação de apoio técnico/financeiro aos sistemas de ensino, para o provimento da educação bilíngue.

Por outro lado, com o aumento das matrículas de estudantes com deficiência na escola comum, cresceu o interesse pela investigação no campo da Educação Matemática, na perspectiva inclusiva (NOGUEIRA, 1999, 2004; FERNANDES e HEALY, 2003; 2004; PEIXOTO, SANTANA e CAZORLA, 2006; SALES, 2008; 2013; SEGADAS, 2007; SILVA, 2009; KALEFF et al., 2010), motivando a criação do Grupo de Trabalho Diferença, Inclusão e Educação Matemática (GT13) na Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), em 13 de outubro de 2013, cujos membros passaram a se encontrar nos eventos da Sociedade visando à consolidação/divulgação das suas pesquisas.

Um dos eventos mais proeminentes da SBEM é o Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (Sipem), que congrega pesquisadores brasileiros e estrangeiros com a finalidade de favorecer o intercâmbio entre os grupos de pesquisa, e assim consolidar o avanço das investigações na área de Educação Matemática.

Partindo do pressuposto de que o contexto histórico-social influencia o escopo das pesquisas acadêmicas e considerando o Sipem como um lócus de confluência das investigações no campo da Educação Matemática Inclusiva, o objetivo deste estudo foi analisar as tendências nas pesquisas sobre Educação Matemática de surdos, nos Anais dos VI e VII Sipem, a partir da criação do GT13, situando as relações desses estudos com as reivindicações do movimento surdo.

2 Pedagogia surda e Educação Matemática

O movimento surdo foi sendo construído a partir do campo da Linguística e dos estudos culturais, redefinindo a identidade, cultura e diferença, a partir da Libras. As pesquisadoras surdas Perlin e Strobel (2008) fazem alusão a uma Pedagogia Surda, que consiste em se afastar de uma educação que almeja a “normalidade”, na visão clínica, e se aproximar da modalidade da diferença que valorize a identidade surda, a Libras, as narrativas surdas e sua experiência visual. O objetivo desse movimento é mudar a representação da surdez de “deficiência”, muito vinculada a discursos clínicos, para “diferença cultural”.

Campello (2007) considera que o termo Pedagogia Surda é congruente ao termo pedagogia visual, pois recursos visuais podem ser inseridos na educação de surdos, como, por exemplo, uso de filmes sem legenda e áudio, visando a promover o debate sobre o filme em Libras; a inclusão dessa disciplina no currículo; a presença de professores e pesquisadores surdos nos espaços educacionais como modelos linguísticos para os surdos.

Tal perspectiva é ratificada pela pesquisadora surda Marianne Stumpf (2008, p. 26) quando afirma que uma educação que contemple os surdos “exige desenvolver um trabalho enfocando a questão das representações sobre os surdos e a questão da identidade, construindo uma Pedagogia Surda que apresenta a surdez como uma experiência visual”. Isso porque uma pedagogia surda “tem um sistema educativo próprio, abrangendo sem limite de lugar, podendo ser contemplada através das histórias em Libras e passadas pelos Surdos sinalizadores mais velhos” (VILHALVA, 2002, p. 1).

Entretanto, segundo Sales (2013, p. 65), a experiência visual do surdo não é imediata, ou natural, é um processo no qual é necessário educar o olhar para a ação de ver, pois, “da mesma forma que a linguagem verbal, a linguagem visual é constituída por um conjunto de símbolos e informações”. Desta forma, existe a necessidade de um processo de alfabetização visual pelos indivíduos; e desenvolver a capacidade de “‘ver’ algo transcendendo a simplicidade do ato de enxergar, demanda a compreensão das coisas (do que é visto) em profundidade, atingindo seus significados complexos” (SALES, 2013, p. 65).

Uma metanálise desenvolvida por Peixoto et al. (2019) sobre pesquisas envolvendo surdez e Educação Matemática, fez alguns apontamentos: a surdez deve ser considerada diferença, na forma de ensino e aprendizagem; a construção de conceitos matemáticos; e, especialmente na fase inicial, o desenvolvimento dos surdos não se dá da mesma maneira para surdos e ouvintes. Contudo, após essa fase, o desempenho de cada surdo, em Matemática, é influenciado pela mediação pedagógica do professor; da negociação de significados em Libras; além da qualidade do processo de escolarização. Dessa forma, ficou evidente, nas pesquisas, a importância da aquisição precoce de uma língua para impulsionar as trocas simbólicas na interação com os elementos da cultura; a exploração dessa língua, no ensino e na aprendizagem da Matemática, para facilitar a mediação semiótica; e, por último, o desenvolvimento da visualidade do surdo por meio de atividades específicas e apropriadas.

Por outro lado, o movimento surdo tem criticado a forma como o surdo tem sido incluído na escola comum; antes excluído da escola; e, agora, excluído na escola. Duas pesquisas influenciaram essa posição: uma foi a de Capovilla (2011), que acompanhou experiências de inclusão de 9.200 alunos surdos, em quinze estados brasileiros, durante dez anos, e indicou que esses estudantes aprendem mais e melhor em escolas bilíngues, nas quais os conhecimentos são veiculados em duas línguas: Libras e Língua Portuguesa.

Nessa mesma direção, a pesquisa de Andreis-Witkoski (2012) identificou as características da educação defendida pelos surdos, discutindo as questões relacionadas à sua inclusão no ensino regular. Para tanto, entrevistou 17 surdos adultos, que passaram por experiências inclusivas na sua história educacional. Apesar de tecerem críticas à escola especial, todos os surdos entrevistados consideravam essa escola como a melhor opção, comparando com as experiências inclusivas que vivenciaram na escola de ouvintes. Os depoimentos extraídos dessa pesquisa revelam a posição de uma pessoa surda:

Eu não concordo com inclusão porque criança língua ainda nada. Ela não tem experiência, não adianta só intérprete, eu acredito que criança precisa de escola bilíngue para que a criança com 3, 4, 5 anos comece para que seja ensinada Libras, depois Português. Depois que aprendeu bem, a partir da Língua de Sinais, que já sabe ler bem, aí pode inclusão, talvez na quinta série [...] (ANDREIS-WITKOSKI, 2012, p. 67).

O bilinguismo para surdos preconiza o domínio da Libras como primeira língua (língua materna), e a Língua Portuguesa escrita (no caso do Brasil) como segunda língua. O Decreto no 5.626/2005 prevê a organização de turmas bilíngues na escola regular, constituídas de surdos e ouvintes (BRASIL, 2005). No entanto, os surdos reivindicam escolas bilíngues fundamentadas no respeito à cultura e comunidade surda.

Nesse contexto, a construção de uma Pedagogia surda, ou visual, vem se afirmando nas narrativas de pesquisadores da Linguística e por surdos, compreendendo a surdez como diferença cultural, bem como valorizando as identidades surdas e o domínio da Libras na constituição desses sujeitos (SKLIAR, 1999; RANGEL e STUMPF, 2012; PERLIN e STROBEL, 2008; SILVA, 2012). Além disso, caracteriza-se como “uma nova perspectiva de educação bilíngue que evoca a língua de sinais e que surge a partir dos próprios surdos por meio de movimentos de resistência” (SILVA, 2012, p. 267), que se impõem contra o padrão dominante ouvinte na Educação de surdos.

3 As tendências nas pesquisas de surdez no VI e VII Sipem

A pesquisa, de cunhos exploratório e bibliográfico, utiliza como fonte os Anais dos VI e VII Sipem[1]. Com foco nas pesquisas relacionadas com Educação Matemática e surdez, acessou-se especificamente o GT13 Diferença, Inclusão e Educação Matemática, de cada uma das edições anteriormente mencionadas, e foram selecionadas oito pesquisas do VI Sipem (2015), das 14 publicadas, e dez do VII Sipem (2018), das 24 publicadas, totalizando 18 publicações, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Artigos e autores no GT13 do VI e VII Sipem

Dados da Pesquisa

Fonte: Dados da Pesquisa

Para identificar as tendências nessas pesquisas, foi adotado o método de análise de conteúdo (BARDIN, 1977), tomando como corpus textual os resumos dos trabalhos. Quando as informações apresentadas nos resumos eram insuficientes para a apreensão dos significados, partiu-se para a leitura do artigo completo. Para apoiar a análise de conteúdo, o corpus também foi tratado no software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramutec)[2], que tornou possível gerar uma nuvem de palavras graficamente, em função da sua frequência, conforme Figura 1. Foram suprimidas da nuvem as palavras: “pesquisa”; “como”; “resultado”; “objetivo”; e “artigo”, por entender que são termos comuns em qualquer resumo, além das palavras: “aluno”; “surdo”; “surdos”; e “matemática”, por serem comuns nas pesquisas selecionadas.


Figura 1
Nuvem de palavras a partir dos resumos
Dados da Pesquisa

A nuvem de palavras é definida como a representação gráfica das palavras em função de sua frequência. É uma visualização simples, porém, traz indicativos de ocorrência, com destaque por tamanho e centralidade das palavras que mais foram utilizadas no corpus textual. Quanto maior o tamanho da palavra na nuvem, maior a frequência com que apareceu nos resumos analisados, e, portanto, maior incidência nas pesquisas.

Ao analisar as ocorrências em destaque na Figura 1, percebem-se as palavras: “intérprete”; “professor”; e “ensino”. Quantificando essa visualização, a frequência das palavras “intérprete” e “Libras”, nos resumos, foi de 18 ocorrências, cada uma sendo destacada na nuvem; a palavra “professor” sobressaiu na nuvem e teve o total de 19 ocorrências; e a frequência da palavra “ensino”, nos resumos, foi a mais alta, totalizando 24 ocorrências. Tal análise auxiliou a emergência das categorias: i) a atuação do “intérprete” na aula de Matemática; ii) formação do “professor” de Matemática; e iii) “ensino”, em Libras, de conceitos matemáticos.

4 Resultados e discussões

A partir das categorias estabelecidas, conforme mencionado, segue a discussão das tendências nas pesquisas sobre Educação Matemática e surdez, em busca das relações e divergências entre as pesquisas analisadas e o referencial teórico apresentado.

4.1 A atuação do “intérprete” na aula de Matemática

A atuação do “Intérprete” da Língua de Sinais (ILS) no contexto educacional inclusivo foi o tema mais problematizado nas pesquisas, nas duas edições do Sipem. Os resultados mostraram ser fundamental a presença do profissional para a comunicação do surdo na escola regular, tanto com o professor, quanto com os colegas, mas não é suficiente para promover a aprendizagem; assim, verifica-se ser necessário fortalecer a parceria intérprete-professor de Matemática no planejamento das aulas, considerando que a formação inicial do ILS pode não ser a Matemática (A2-VI; A5-VI; A7-VI; A10-VII; A11-VII; A17-VII).

O ensino de Matemática mediado por esse profissional influencia a compreensão de temas da Álgebra (equação do segundo grau) por estudantes surdos, principalmente se o conteúdo for apresentado de forma tradicional, segundo o trinômio definição → exemplos → exercícios. Na interpretação de uma língua para a outra, podem ocorrer perdas do real significado dos conceitos algébricos, quando não são bem compreendidos pelo ILS nem bem explorados pelo professor, nas diversas representações, inclusive a visual (A5-VI). Enfim, o domínio da Libras, pelo ILS, não é suficiente para o exercício da sua profissão no campo educacional, visto que, alguns resultados destacaram que esses profissionais utilizam outros recursos didáticos, como ilustrações, narrativas e exemplos, para auxiliar na tradução dos conteúdos, e assim transcendem a sua função de apenas interpretar (A7-VI; A11-VII).

A atuação do intérprete educacional realmente é diferenciada daquele que atua em outros contextos, pois a função dele “nesse espaço não é apenas o de traduzir, mas também o de favorecer a aprendizagem por parte do aluno surdo” (LACERDA, 2014, p. 33). Entretanto, quando não há interação professor-intérprete, o fato pode acarretar possíveis inconsistências nas adaptações realizadas na interpretação dos enunciados de problemas, caso o intérprete não tenha formação em Matemática (A10-VII).

A falta de uma língua comum entre o professor de Matemática e o estudante surdo consiste em obstáculo que precisou ser compensado com a atuação do intérprete educacional; no entanto, essa presença não tem sido suficiente para promover a inclusão, o que endossa a reivindicação surda pelo ensino bilíngue, com as aulas ministradas em Libras.

4.2 Formação do “professor” de Matemática

Ao compreender que as questões que envolvem o ensino de Matemática vão além de simplesmente aprender Libras, ao superar a concepção de que os estudantes surdos não precisam aprender os conteúdos da disciplina (A9-VII), e, além disso, quando o professor perceber que a responsabilidade de ensinar é sua e não do intérprete educacional, será possível compreender que a formação inicial é insuficiente (A14-VII), no que diz respeito às metodologias necessárias para promover o aprendizado de Matemática do aluno surdo.

Nogueira e Zanquetta (2013, p. 39) explicam a questão do seguinte modo: “a escola não deve se limitar apenas a ‘traduzir’, para a língua de sinais, metodologias, estratégias e procedimentos da escola comum, mas deve continuar a preocupar-se em organizar atividades que proporcionem o salto qualitativo no pensamento dos surdos”. E, para tanto, a formação continuada é fundamental, para que os professores reflitam sobre suas práticas e busquem o seu desenvolvimento profissional (A14-VII), de forma a construir estratégias concretas de como lidar com o ensino para alunos surdos, garantindo-lhes mais chances de obter um conhecimento apropriado (A9-VII), isso porque, não basta adaptar atividades, é necessário pensar em ações direcionadas ao estudante com surdez.

4.3 “Ensino” em Libras de conceitos matemáticos

Os conhecimentos numéricos são construídos, por estudantes surdos, com o emprego de uma língua visuomotora (A13-VII), que possui um sistema próprio de representação; portanto, a maneira como o estudante surdo aprende difere da maneira como o ouvinte aprende, o que evidencia a importância da Libras no desenvolvimento do surdo e sua influência no desempenho desses estudantes. Ou seja, é necessário que a Libras seja protagonista, de forma a considerar questões culturais e linguísticas dos surdos (A15-VII); ao mesmo tempo, é preciso adotar estratégias metodológicas de apelo visual no ensino de Matemática para surdos, visto que a experiência visual e a Libras potencializam o acesso do surdo ao conhecimento (A12-VII).

Com base na importância da Libras para os processos de ensino e de aprendizagem em Matemática (A16-VII), sete pesquisas desenvolveram ações voltadas para um conteúdo específico, a saber: os sentidos que os surdos atribuem ao conceito zero (A1-VI); números racionais (A3-VI); combinatória (A4-VI); investigação em atividades matemáticas cotidianas (compras no mercado) (A6-VI); cálculo mental; sistema de numeração decimal; e situações relacionadas com o campo aditivo (A8-VI); contagem com uso da notação numérica (A13-VII); e Sistema Monetário Brasileiro (A18-VII). Além disso, duas pesquisas tiveram enfoque na produção de vídeos de Matemática em Libras (A12-VII; A15-VII), que consideraram questões culturais e linguísticas dos surdos e podem ser utilizados em sala de aula, bem como em outros ambientes, para o ensino de Matemática.

De maneira geral, essas pesquisas mostram ser relevante a utilização de recursos manipuláveis, aliados à tradução para a Libras, para facilitar a compreensão (A4-VI); os benefícios do uso das tecnologias como suporte pedagógico (A6-VI; A16-VII); a eficácia de aulas de Matemática produzidas em vídeos bilíngues, e a aula ministrada em Libras, contando com tradução para a Língua Portuguesa oral, por meio de áudio e escrita de legenda (A3-VI; A12-VII; A15-VII;); bem como a importância do ensino partir do cotidiano do estudante (A6-VI; A18-VII); no entanto, todos apontam para a mesma direção: a necessidade de o estudante surdo aprender em sua língua natural, a Libras; entretanto, é preciso destacar que a aquisição da Libras precisa ser precoce, desde a primeira infância, visto que essa aquisição é necessária para o desenvolvimento cognitivo.

No estudo A6-VI, por exemplo, foi investigado o engajamento de quatro crianças surdas (7 a 9 anos) de uma instituição especializada, em um cenário de investigação em atividades matemáticas cotidianas (compras no mercado), envolvendo o uso de software. Os participantes estavam em fase de alfabetização e ainda não eram fluentes em Libras. O aporte teórico foi o Modelo da Cooperação Investigativa, baseado em atos dialógicos: estabelecer contato, perceber, reconhecer, posicionar-se, pensar alto, reformular, desafiar e avaliar. Os diálogos dos surdos, durante a atividade, não se estabeleceram de forma satisfatória e não houve conexão entre os atos dialógicos. As autoras interrogam se o modelo teórico, pensado para ouvintes, contemplaria surdos, considerando a Libras. Uma questão que precisa ser aprofundada em outras pesquisas.

Pode-se notar que as pesquisas no campo da Educação Matemática, dessas duas edições do Sipem, já estão considerando os aspectos da Pedagogia Surda, como recomendam Santana, Muniz e Peixoto (2018), principalmente quando investigam a acessibilidade de videoaulas bilíngues, tomando como referência a comunidade surda, e na análise de práticas/diálogos matemáticos em Libras, destacando a influência dos enunciados na compreensão dos surdos.

5 Considerações Finais

Ao analisar as tendências nas pesquisas sobre Educação Matemática de surdos, nos Anais dos VI e VII Sipem, o ensino de Matemática em Libras foi o tema mais enfocado. Infere-se, portanto, que a mediação didática diretamente em Libras, com uso de recursos manipuláveis ou imagéticos, pode favorecer aspectos da cognição visual de estudantes surdos. Aspecto que coaduna com a perspectiva da Pedagogia surda.

Na análise quantitativa dos resumos, outra palavra frequente foi “intérprete”, e sua atuação foi um dos temas mais explorados e mantido nas duas edições. Sem dúvida, no contexto educacional com surdos inclusos, a presença desse profissional é imprescindível; entretanto, os estudos problematizam o seu papel em sala de aula, em busca de encontrar caminhos para favorecer o ensino e a aprendizagem de Matemática na escola. O intérprete, nesse contexto, muitas vezes, é o protagonista do ensino, visto que o professor, por não saber se comunicar com o estudante, algumas vezes, se exime da responsabilidade. No entanto, é necessário que seja repensada a atuação dos intérpretes, em sala de aula, principalmente no que se refere ao planejamento conjunto com o professor, tendo em vista que o profissional interpreta conteúdos disciplinares que não fazem parte da sua formação inicial.

Em suma, essas pesquisas confirmam os questionamentos da comunidade surda, diante da realidade vivenciada pelos indivíduos surdos com a inclusão, visto que, mesmo com a presença do intérprete educacional, não foram alcançados muitos avanços na educação desse público. Os surdos propõem uma educação baseada na abordagem bilíngue, seja na escola inclusiva ou em outra instituição. Na escola inclusiva, o Projeto Político-Pedagógico deve estar respaldado no bilinguismo, e toda a escola engajada em sua execução. O atendimento deve considerar o nível de proficiência em Libras do estudante: nível básico, intermediário ou avançado.

A formação de professores de Matemática e surdez foi tema de duas pesquisas, apenas no VII Sipem, e destacam que o professor deve estar em constante formação, a fim de repensar suas práticas pedagógicas, cuja finalidade não deve ser apenas adaptar materiais utilizados na educação de ouvintes para o trabalho com o estudante surdo, mas planejar aulas que atendam às necessidades desse estudantes, lembrando do aspecto visual para o aprendizado do surdo. Entretanto, esse aspecto deve ser explorado com a comunicação em Libras e um planejamento didático.

Dessa forma, como apontamento para novas pesquisas, sobressai a análise dos diálogos matemáticos a partir da Libras, visto que essa análise deve considerar a perspectiva bilíngue, bem como repensar os modelos teóricos antes pensados para ouvintes. Nas duas últimas edições do Sipem, apenas duas pesquisas consideraram essa perspectiva e apontaram para a necessidade de aperfeiçoar os modelos teóricos/metodológicos, de forma a considerar tanto os diálogos matemáticos, como os enunciados das questões na primeira língua do surdo: a Libras.

Por fim, o papel do intérprete na sala de aula é destacado como temática que permaneceu inquietando os pesquisadores nas duas edições, pois, na escola comum, o profissional participa ativamente das questões pedagógicas. As práticas de Matemática em Libras foi uma tendência predominante, revelando a preocupação em promover o seu ensino considerando o universo surdo e, por último, poucas pesquisas abordaram diretamente a formação inicial e continuada de professores de Matemática, o que revela uma lacuna que pode ser mais explorada no GT13 com o objetivo de contribuir para o ensino de surdos no contexto bilíngue.

Referências

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Notas

[1] Disponível em http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/anais/sipem; acesso em 5 de maio de 2021.
[2] O Iramuteq (http://www.iramuteq.org) é um software open source gratuito produzido e licenciado pela GNU GPL (v2) ancorado no software R (www.r-project.org) e na linguagem Python (www.python.org), aplicado especificamente na produção de análise textual estatística, a partir de um corpus textual e de diferentes técnicas que o software oferece.

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