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Patrimônio-territorial de quilombos no Brasil: caso da Nação Xambá do Portão do Gelo – PE
Patrimonio-territorial de los quilombos en Brasil: caso de la Nación Xambá del Portão do Gelo – PE
Territorial-heritage of quilombos in Brazil: case of the Xambá Nation of Portão do Gelo- PE
PatryTer, vol. 3, núm. 6, pp. 185-201, 2020
Universidade de Brasília

Dossiê Patryter

Este trabalho está licensiado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. Informamos que a Revista Patryter está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ Autores que publicam na Revista PatryTer concordam com os seguintes termos: - Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, sendo o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações o que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria do trabalho e publicação inicial nesta revista. - A contribuição é original e inédita, não está sendo avaliada para publicação por outra revista. Quando da submissão do artigo, os(as) autores(as) devem anexar como documento suplementar uma Carta dirigida ao Editor da PatryTer, indicando os méritos acadêmicos do trabalho submetido [relevância, originalidade e origem do artigo, ou seja, oriundo de que tipo de investigação]. Essa carta deve ser assinada por todos(as) os(as) autores(as). - Autores cedem os direitos de autor do trabalho que ora apresentam à apreciação do Conselho Editorial da Revista PatryTer, que poderá veicular o artigo na Revista PatryTer e em bases de dados públicas e privadas, no Brasil e no exterior. - Autores declaram que são integralmente responsáveis pela totalidade do conteúdo da contribuição que ora submetem ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores declaram que não há conflito de interesse que possa interferir na imparcialidade dos trabalhos científico apresentados ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não- exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista. Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).

Recepção: 10 Outubro 2019

Aprovação: 01 Março 2020

Publicado: 01 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.26992

Resumo: Vivenciar o cotidiano, imprimir sentido à vida, mesclar sagrado e profano, valorizar os saberes e fazeres locais são algumas das características do conceitualizado por E. Costa como patrimônio-territorial. O patrimônio-territorial é a verdadeira expressão da arte, da religião, dos saberes e dos fazeres, que foram, por décadas, esquecidos e até mesmo silenciados, mas que resistiram à chamada colonialidade do poder. Nessa proposta, o patrimônio-territorial pode e dever ser ativado e, para tanto, propõe uma metodologia voltada para essa ativação. O presente artigo se alicerça nesse referencial teórico e tem como objetivo apresentar as estratégias de ativação do patrimônio-territorial empreendidas pela comunidade quilombola do Portão do Gelo – Nação Xambá, situada na cidade de Olinda-Pernambuco, Brasil. Os resultados da investigação foram sistematizados em um mapa conceitual que reflete como a comunidade define o conceito e empreende ações para preservar o seu patrimônio.

Palavras-chave: Nação Xambá, patrimônio-territorial, Pernambuco, quilombo, território.

Resumen: Vivir el cotidiano, poner sentido à la vida, mezclar el sagrado y el profano, valorar los saberes y los modos de hacer locales estas son algunas de las características de lo conceptualizado por E. Costa como patrimonio-territorial. El patrimonio-territorial es la verdadera expresión del arte, de la religión, de los saberes e y modos de hacer, los cuales fueron olvidados por décadas o, incluso, callados, sin embargo, se resistieron à la colonialidade del poder. En esa propuesta, el patrimonio-territorial puede y debe ser activado. Él propone una metodología para esa activación. El artículo se basa en ese referencial teórico y su objetivo es presentar las estrategias de activación del patrimonio-territorial utilizadas por la comunidad quilombola del Portão do Gelo – Nação Xambá, ubicada en la ciudad de Olinda / Pernambuco, Brasil. Los resultados de la investigación fueron sistematizados en un mapa conceptual lo cual refleja como la comunidad define el concepto y emplea acciones para preservar su patrimonio.

Palabras clave: Nación Xambá, patrimonio-territorial, Pernambuco, quilombo, territorio.

Abstract: Experiencing daily life, giving meaning to life, mixing sacred and profane, valuing local knowledge and practices are some of conceptualized by E. Costa how territorial heritage. Territorial- heritage is the true expression of art, religion, knowledge and deeds, which for decades have been forgotten and even silenced, but have resisted the so-called coloniality of power. In this proposal, that territorial-heritage can and should be activated and, therefore, proposes a methodology for this activation. This article is based on this theoretical framework and aims to present the strategies of activation of the territorial-heritage undertaken by the quilombola community of Portão do Gelo - Xambá Nation, located in the city of Olinda / Pernambuco, Brazil. The research results were systematized in a concept map that reflects how the community defines the concept and undertakes actions to preserve their heritage.

Keywords: Xambá Nation, territorial-heritage, Pernambuco, quilombo, territory.

1. Introdução

A cidade de Olinda foi uma das principais vilas do Império português e teve o seu traçado urbano configurado ainda no século XVI. A manutenção do traçado e a preservação arquitetônica das edificações, construídas em diferentes períodos, propiciaram o tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade, em 1968, pelo Iphan[ii]. Em 1982, a cidade foi declarada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco[iii]. Além de ser devidamente reconhecida pelo tombamento do seu centro histórico, Olinda também é famosa pelo carnaval, que lota suas ruas e ladeiras, ao som do frevo e do maracatu, com diversas nações atuantes. Porém, a cidade também possui riquezas patrimoniais que extrapolam a área tombada, e é para uma delas que o presente trabalho volta o seu olhar.

Em suas análises, o geógrafo E. Costa (2016, 2017) afirma que os centros históricos se configuram como espaços repletos de significados. Mas, para ele, há que se analisar a existência e a importância de referências culturais que vão para além do sítio histórico declarado. Assim, o autor propõe o conceito de patrimônio-territorial, o qual nos remete ao patrimônio que está presente no cotidiano e imprime um sentido à vida dos cidadãos. Também nos leva a pensar nos patrimônios que, muitas vezes, localizam-se longe dos centros históricos tombados, no caso das cidades com áreas protegidas por esses instrumentos (E. Costa, 2016), e que representam espaços repletos de simbolismos e significados para quem os vivencia. Para E. Costa (2016), o patrimônio-territorial figura como a verdadeira expressão da arte, da religião, do modo de vida, dos saberes e fazeres localizados nos chamados territórios de exceção, ou seja, aqueles resistentes à chamada colonialidade do poder.

A questão que nos toca neste artigo envolve o patrimônio-territorial da comunidade quilombola do Portão do Gelo – Nação Xambá, situada no bairro de São Benedito, na cidade de Olinda-Pernambuco, Brasil. Portanto, o estudo em tela teve por objetivo identificar tal patrimônio e as principais ações empreendidas para ativá-lo. Sabe-se que o quilombo do Portão do Gelo se desenvolveu em torno do Terreiro Santa Bárbara, da Nação Xambá – Ilê Axé Oyá Meguê, como bem nos contam os seus membros, Alves (2007, 2018) e V. Costa (2009). A história dessa comunidade inicia-se no estado de Pernambuco, na década de 1930, quando Maria das Dores da Silva, a Maria Oyá, funda o Terreiro Santa Bárbara Nação Xambá, em sua própria residência, no bairro de Campo Grande, em Recife-PE. Contudo, vários acontecimentos culminaram na mudança do terreiro Xambá de Recife para Olinda, no início da década de 1950, conforme é possível verificar na figura 1, que mostra o Mapa do Histórico da localização do Terreiro Xambá (1930-2018).

Com o falecimento de Maria Oyá, quem assume a liderança do terreiro é Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu, a eterna yalorixá do povo Xambá. Essa liderança religiosa reuniu na localidade do Portão do Gelo, na década de 1950, sua família de sangue e de santo. Desde o início da comunidade, o grupo se mobilizou e buscou, por meio de diversas estratégias, preservar o seu patrimônio-territorial e construir uma ideia de pertencimento ao lugar por meio da valorização de aspectos simbólicos grafados no espaço.

Assim, é possível observar que a formação do quilombo do Portão do Gelo – Nação Xambá é o resultado de uma série de articulações e deslocamentos empreendidos por seus próprios sujeitos, antigos e atuais, da comunidade e que as ações empreendidas por eles, para a ativação do seu patrimônio-territorial, envolvem estratégias de construção identitária e de preservação, valorização e difusão da cultura Afro e Xambá[iv]. Estratégias estas que se materializam dentro e fora do seu território étnico. O conceito de território étnico que se adequa a este estudo é o de Anjos (2006). Segundo ele:

O território étnico seria o espaço construído, materializado a partir das referências de identidade e pertencimento territorial, onde geralmente a sua população tem um traço de origem comum. As demandas históricas e os conflitos com o sistema dominante têm imprimido a esse tipo de estrutura espacial exigências de organização e a instituição de uma auto-afirmação política, social, econômica e territorial (Anjos, 2006, p. 339).

Cabe frisar que neste estudo adotou-se o conceito ressemantizado de quilombo por nos permitir uma análise ampliada e o entendimento de que os atores sociais, organizados nesses territórios étnicos, compartilham da mesma história, valores, cultura e identidade.

A pesquisa de campo foi a base para a coleta das informações do trabalho. Os procedimentos metodológicos empreendidos englobaram: observação participante com registro em diário de campo, análise documental, registros fotográficos e roteiro de entrevista semiestruturada. Além disso, os relatos, associados a toda documentação, nos propiciaram a elaboração de um Mapa Conceitual para demonstrar o que a comunidade atribui como seu patrimônio e apresentar as estratégias empreendidas por ela para ativá-lo.


Figura 1
Mapa do Histórico da localização do Terreiro Xambá (1930- 2018)
Hostensky, I. L. (2018)

2. Patrimônio-territorial, para além dos centros históricos

Falar a respeito da riqueza cultural da América Latina requer prudência, uma vez que ela é formada por elementos originários de diversos continentes. Ao se tratar, por exemplo, da multifacetada cultura brasileira, corre-se o risco de não se conseguir sequer mencionar boa parte dela. A temática e o debate a respeito do patrimônio estão presentes em vários setores: no turístico, nas universidades, nas instituições particulares e até mesmo nas escolas de educação básica. Percebe-se já não ser possível tratar o patrimônio somente a partir de sua dimensão arquitetônica. Assim, a ampliação do conceito de patrimônio e os esforços dos órgãos governamentais – em suas diferentes esferas – para resguardar os diversos bens patrimoniais nos permitem constatar a importância desse debate. Nessa esteira, concordamos com Gonçalves (2015, p. 218), quando afirma que:

Os patrimônios podem simultaneamente servir aos propósitos da indústria turística em escala planetária, às estratégias de construção de “identidades”, à formação de subjetividades individuais e coletivas, às reivindicações de natureza política e econômica por parte de grupos sociais, ou ainda a políticas de Estado. Mas em todos esses usos do patrimônio é possível perceber determinados modos usos do património é possível perceber determinados modos de imaginar e gerir as relações entre passado, presente e futuro.

Apesar da expansão do conceito trazer a valorização da “dimensão viva da cultura” (Castriota, 2009) e provocar um deslocamento e multiplicação das análises a respeito da questão patrimonial, ainda faz-se necessário olhar com atenção para as referências culturais e simbólicas de grupos como os indígenas e os afrodescendentes. Para Grosfoguel (2009, pp. 69-70),“A pretensa superioridade do saber europeu nas mais diversas áreas da vida foi um importante aspecto da colonialidade do poder no sistema-mundo colonial/moderno. Os saberes subalternos foram excluídos, omitidos, silenciados e/ou ignorados.” Tal aspecto favoreceu a valorização dos bens culturais de determinados grupos – como os associados à elite, e, por conseguinte, a ocultação ou o silenciamento daqueles associados aos povos originários e aos provenientes do continente africano. Gonçalves (2015) destaca que muitos intelectuais que se dedicaram aos estudos do patrimônio situam-se dentro do aparelho do Estado. Esse autor segue afirmando que a ampliação desse conceito retirou, de certa forma, a exclusividade do Estado na elaboração e implementação de políticas públicas de patrimônio, visto que muitos movimentos sociais, grupos e indivíduos reivindicam, tomam iniciativas, estabelecem e contestam os patrimônios culturais declarados e instituídos. Ou seja, esses grupos identificam, reconhecem e declaram o que compõe o seu bem cultural, independentemente da tutela governamental, já que esses bens atribuem significados à vida dessas pessoas e são carregados de uma carga simbólica.

Um autor que atenta para a importância do artesanato, da música, da literatura e das festas das classes populares é García-Canclini (1999). Tomando como exemplo os grupos indígenas no México, “Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu próprio patrimônio.” (García-Canclini, 1999, p. 18). Ele também observa que, apesar das mudanças empreeendidas nas políticas patrimoniais de diversos países – como salvaguarda do patrimônio imaterial -, ainda é baixa a possibilidade dos bens das classes populares serem reconhecidos como patrimônio cultural e atenderem aos requisitos necessários para receberem o “selo” patrimonial. Já Paes (2010) destaca que o patrimônio não se fecha em si mesmo.

O patrimônio, como fato social, é a mediação entre o sujeito e o objeto, o material e o imaterial, o afetivo e a ferramenta normatizadora, a esfera política e econômica e a esfera cotidiana. A memória, ou o tempo, consubstanciado em diferentes escalas e dimensões espaciais – os lugares de memória, as paisagens ou regiões culturais, os territórios do patrimônio – participam de nossos esquemas e formas de estruturar a interpretação simbólica do mundo e da vida cotidiana (Paes, 2010, p. 22).

A ampliação do debate patrimonial, a não valorização dos bens patrimoniais de grupos por séculos subalternizados, a importância da identificação e do reconhecimento de bens situados além do centro histórico, o entendimento de que o sujeito é protagonista de sua história e que suas ações são essenciais para a preservação do seu patrimônio – aquele que figura no seu cotidiano, foram alguns dos aspectos que nos levaram a adotar, neste artigo, o conceito de patrimônio-territorial proposto por E. Costa (2016, 2017). Assim, é na esteira dessa discussão, do reconhecimento e da valorização de bens patrimonias outros, que E. Costa (2016, 2017) defende a ideia de patrimônio-territorial, sendo este constituído por um patrimônio que é negligenciado, negado, comumente não institucionalizado e situado nos territórios de exceção, os quais são constituídos pelos sujeitos, aglomerados, objetos e saberes e se referem às espacialidades que registram a força da resistência negra, indígena e suas gerações contra a colonialidade do poder (E. Costa, 2017).

Na tentativa de que seja implantada uma nova práxis patrimonial, E. Costa (2015, 2016, 2017) sugere que as discussões a respeito do patrimônio estendam-se para além dos centros históricos tombados ou instituídos pelo poder hegemônico capitalista ou pelo Estado. Existem muitos bens espalhados Brasil afora e que não recebem a devida atenção do poder público, mas que são repletos de significados para os sujeitos que com eles se relacionam diretamente. É nessa esfera e nesse sentido que adotaremos o conceito de patrimônio-territorial.

Muitas são as formas, expressões e manifestações patrimoniais – materiais e imateriais – existentes na América Latina. Múltiplas também são as estratégias acionadas pelos atores sociais com o intuito de preservar e difundir o seu patrimônio, mesmo que este não esteja institucionalizado. Ciente da diversidade patrimonial latina e de suas múltiplas formas e expressões, E. Costa (2016, 2017) propôs o conceito de patrimônio-territorial, que conforme o autor, materializa-se nas festas, nos mercados, nas feiras, nos saberes-fazeres, na religiosidade e em outras formas de experiências que tendem a ser silenciadas ao longo de séculos na história deste continente. Ainda segundo E. Costa (2016, 2017), há que se ativar e dar visibilidade a essas formas e expressões, pois elas constituem as verdadeiras manifestações locais dos sujeitos. Sendo assim, um dos propósitos da ativação desse patrimônio é visibilizar as referências culturais de determinados grupos para o próprio grupo, a fim de fortalecer os laços comunitários, para as universidades e para diversas outras instituições se assim a comunidade o desejar. O próprio Iphan, objetivando contemplar a diversidade cultural brasileira, passou a adotar o termo Referência. O uso dessa noção relaciona-se aos impasses metodológicos gerados pelo termo patrimônio imaterial e busca contemplar a diversidade da produção material e simbólica.

Referências são edificações e são paisagens naturais. São também as artes, os ofícios, as formas de expressão e os modos de fazer. São as festas e os lugares a que a memória e a vida social atribuem sentido diferenciado; [...] São os fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais próxima e que reaproximam os que estão longe, para que se reviva o sentimento de participar e pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referências são objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na construção de sentidos de identidade, são o que popularmente se chama de raíz de uma cultura (Iphan, 2000, p. 29).

E. Costa (2016, 2017) apresenta uma proposta metodológica de ativação comunitária do patrimônio-territorial, que se opera a partir de instâncias ou níveis. Em seus apontamentos metodológicos, considera que a “ativação popular do patrimônio-territorial” pode ocorrer em três níveis. “Há níveis, escalas e temporalidades a serem consideradas na iniciativa de ativação popular do patrimônio-territorial latino-americano. Os níveis envolvem: universidade, comunidade e instituições (não necessariamente nessa ordem).”(E. Costa, 2017, p. 68). Ele enfatiza que a iniciativa principal deve ser da comunidade (os atores sociais), pois é ela a protagonista dessa ativação, a qual ocorre somente com o aval do grupo estudado. Ou seja, a visibilização patrimonial da comunidade é feita somente se ela desejar. O autor ainda sugere que essa ativação pode servir de base para a “elaboração de roteiros patrimoniais utópicos”.

Apesar de reconhecer a existência de diferentes escalas envolvidas nesse processo, E. Costa (2017, p. 69) defende que é preciso “reconhecer o sujeito e o grupo localizados em permanente situação espacial, transformadores e transformados pelo mundo; são centro da ativação, da preservação e os detentores reais do patrimônio-territorial a ser encontrado dentro e fora dos sujeitos comunitários.” Logo, percebemos que as estratégias da comunidade do Portão do Gelo – Nação Xambá, são abundantes para manter o seu patrimônio. A atuação organizada desse grupo, a partir das ações do passado e agora do presente, possibilitaram e possibilitam a manutenção de uma religião de matriz africana, seja por meio de iniciativas veladas através da adoção propositada de estratégias de ocultamento das referências culturais do grupo – no passado-, seja por meio do estabelecimento de novas parcerias – atualmente.

Deve-se atentar que a análise proposta por E. Costa (2016, 2017) traz, em sua essência, o protagonismo dos grupos subalternizados e as questões relacionadas à resistência. Além disso, o autor propõe que os conceitos de patrimônio e território sejam tratados de forma acoplada. Entende-se que as questões étnicos raciais, identitárias, históricas, patrimoniais, de gênero, econômicas, culturais, sociais e outras se interseccionam – como bem pontua Grosfoguel (2009) – e rebatem no espaço. Ao destacar que o território é parte integrante do espaço, Saquet (2006) afirma que:

O território é natureza e sociedade: não há separação, é economia, política e cultura; edificações e relações sociais; des-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção ambiental, etc. Em outras palavras, o território significa heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação historicamente condicionadas; é produto e condição histórica e trans-escalar; com múltiplas variáveis, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia, de produção, de serviços, de mobilidade, de des-organização, de arte, de sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente (Saquet, 2006, p. 83).

O que se pretende aqui é mostrar que o potencial patrimonial de Olinda se estende para além do sítio histórico instituído. Entendemos que existe uma multiplicidade de bens que dispõem de um forte significado para os sujeitos localizados. Bens estes a serem valorizados por meio de sua ativação. Cabe lembrar que a grande quantidade deles, hoje considerados patrimônio no Brasil, são heranças – ressignificadas ou não – dos povos negros africanos. Identificá-los e valorizá-los é, como enfatiza E. Costa (2016, 2017), legitimar a diversidade das memórias nacionais.

O Ilê e o Quilombo do Portão do Gelo: um breve histórico de luta e resistência

O Ilê é a casa do sagrado, é o terreiro como um todo, é um território étnico e simbólico. O quilombo é um local de união, de resistência. As formas de reação dos povos negros contra as atrocidades a que foram submetidos foram múltiplas. Assim, lutar, sobreviver, conservar e enfrentar são verbos que remetem ao ato ou processo de resistir. Para Pereira (2014), resistir, na atualidade, faz parte da ordem do dia e suas formas se baseiam na construção de estratégias e táticas territoriais. “Resistir tornou-se, há muito tempo, uma prática cotidiana de agentes em posição desprivilegiada nos vários campos das relações de poder.”(Pereira, 2014, p. 17). Resistir é um ato relacional, posto que envolve mais de um agente, ou seja, algo e/ou alguém que, diante de determinada situação, reivindica, se reinventa e persiste. De acordo com Pereira (2014, p. 20) “A resistência como ‘resistir a algo ou alguém” – como uma “luta contra” – é sempre uma luta situada, resistência a dada situação.” Segundo Scott (2000), as resistências podem ser ativas ou passivas, para entendê-las é necessário “ter em conta os espaços sociais fechados nos quais essa resistência se alimenta e adquire sentido.” (Scott, 2000, p. 45). Assim, algumas práticas assumidas pelos negros, como as festas, a música, a dança e a religiosidade, práticas estas que, de certa forma, compunham as atitudes de resistência empreendidas por determinados grupos, se ressignificaram, fundiram-se a outras referências culturais e se reinventaram, integrando-se às práticas de resistência contemporânea.

A comunidade Xambá, que mantém a sua tradição por meio do seu ilê, é reconhecida como um dos primeiros quilombos urbanos do Brasil. Símbolo de resistência, o grupo passou por adversidades para poder se manter e perpetuar sua tradição, configurando-se como verdadeiro símbolo de resistência. Resistir a algo, a alguém ou a alguma coisa envolve persistência, união, trocas, sociabilidade, religiosidade e até mesmo mudanças. Envolve a criação, por parte de determinados grupos e/ou comunidades, de estratégias que visem preservar, perpetuar e até recriar suas referências espaciais e culturais. E foi assim, adotando inúmeras estratégias, que a comunidade Xambá manteve e mantém sua prática religiosa e a sua união familiar. É por acreditar na valorização das referências culturais de grupos situados para além do sítio histórico, que este artigo aborda as questões do povo Xambá de Pernambuco.

Não se sabe ao certo como o culto Xambá chegou ao Brasil. De acordo com V. Costa (2010), os registros efetuados durante o tráfico negreiro apresentam um hiato relacionado à identidade xambá (tchamba ou chamba), uma vez que não mostram as relações entre essa etnia e a população de cativos que foram trazidos para cá. Ou seja, não se sabe ao certo como se fixaram no Brasil. Em seus estudos, ela encontrou diversas explicações a respeito da formação dos chambas como grupo étnico e de como organizavam seus cultos. Baseada nos estudos de Ribeiro (1949), Gayibor (1997), Fardon (2007) e Law (2016), V. Costa (2010) identificou que os chambas se localizavam em diversas partes do continente africano. Ora se encontravam na parte ocidental, nas regiões entre o rio Benué e os montes Adamawa; ora na região do Mapeo (atual Nigéria e Camarões); ora também no noroeste de Daomé.

Já as pesquisas de Ribeiro (1949), segundo V. Costa (2010), indicaram que os chambas[v] representavam uma etnia da área Congo-Angola. A autora entende que “chamba não pode ser entendido da perspectiva de um “guarda-chuva” étnico, a exemplo dos nagôs, jejes e angolas” (V. Costa, 2010, p. 163). Ela ainda ressalta que a presença desse grupo étnico não foi expressiva no Brasil, tendo sido identificada apenas no Recôncavo baiano, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. “Quanto à presença em regiões do Nordeste, os registros sobre africanos chambas limitam-se às narrativas de praticantes dos cultos dos orixás nos termos da memória de organização dos rituais e elementos encontrados nas práticas religiosas dos povos da Nigéria e Camarões (Mapeo) e Togo (Yeli).” (V. Costa, 2010, p. 164). Logo, a autora buscou relacionar determinadas práticas dos chambas da região de Mapeo às práticas religiosas dos devotos dos orixás em Pernambuco, Brasil.

A história da comunidade do Portão Gelo inicia-se na década de 1930. Artur Rosendo Ferreira foi um conhecido babalorixá em Pernambuco, adepto da Nação Xambá. Lopes, Siqueira e Nascimento (1987) atentam que os cultos de xangô[vi], a depender da região, recebem outros nomes, porém, em todos os casos, são dirigidos por pessoas que representam a figura de um chefe ou orientador. Esse indivíduo recebe a denominação de Babalorixá (quando se trata de homem) e Yalorixá (quando se trata de mulher) e é o responsável por preservar o axé do terreiro. Esses autores observam que a participação nesse tipo de culto se processa de maneira iniciática e ritualística, sendo que os mistérios e os segredos só são transmitidos ao longo dos anos para os membros. Por muito tempo, os membros da comunidade do Portão do Gelo acreditaram que Artur Rosendo havia sido o introdutor desse culto no Brasil. No entanto, em suas pesquisas, Alves (2007, 2018) afirma que o referido sacerdote não foi o introdutor, mas apenas o responsável por levar o Xambá para Pernambuco, após a perseguição aos terreiros em Alagoas. “A destruição dos terreiros de xangô em Maceió ocorreu no dia 2 de fevereiro de 1912, numa operação conhecida como “quebra-quebra”. (Alves, 2018, p. 26). A autora explica que:

O babalorixá Artur Rosendo Ferreira foi um dos que fugiram da perseguição aos terreiros em Alagoas. Ele migrou para Pernambuco, onde, no ano de 1923, reabriu o seu terreiro na Rua da Regeneração, no bairro de Água Fria, no Recife, com o nome de Seita Africana São João. Entre os filhos de santo iniciados por Artur Rosendo estão Lídia Alves da Silva (Mãe Lídia) e Maria das Dores da Silva (Maria Oyá), esta última fundadora da Seita Africana Santa Bárbara (Terreiro Xambá). Maria Oyá é iniciada em 1927 e funda seu terreiro no dia 7 de junho de 1930, na Rua da Mangueira, 137, no bairro de Campo Grande, no Recife, tendo Artur Rosendo como babalorixá e a filha dele, Iracema, como yalorixá. Maria Oyá, no dia 13 de dezembro de 1932, recebe as folhas, a faca e a espada de Oyá e passa a ter, de fato, autoridade para ser yalorixá (Alves, 2018, p. 28).

Nessa perspectiva, é indiscutível, portanto, a relevância de Rosendo para a difusão do culto Xambá, uma vez que em Recife, nas décadas de 1920 e 1930, foi o responsável pela iniciação religiosa de inúmeras pessoas. Dentre os inúmeros filhos e filhas de santo feitos por ele, encontram-se também Donatila Paraíso da Silva, a Mãe Tila, iniciada em 1932, e Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu, iniciada em 1934. Essas mulheres exerceram forte centralidade na preservação, manutenção e difusão da cultura Xambá.

Maria Oyá foi a primeira yalorixá do terreiro Xambá. Segundo Alves (2007, p. 35) “Já iniciada, Maria Oyá passou a cultuar os 14 orixás da nação em sua própria casa.” Nessa tradição religiosa, os orixás cultuados são: Exu, Ogum, Odé, Nanã, Bêji, Obaluaê, Ewá, Obá, Xangô, Oyá/Yansã, Afrêkete, Oxum, Iemanjá e Orixalá. Maria Oyá comandou o terreiro por oito anos. “no curto tempo que viveu, dedicou-se plenamente à religião, vivenciando todos os rituais necessários para se tornar yalorixá, desde a iniciação no culto, o recebimento da espada e das folhas ao aprendizado do jogo de búzios.” (Alves, 2018, p. 61). A Yalorixá permaneceu pouco tempo à frente do terreiro, devido à conjuntura política da época. A repressão policial sobre os terreiros foi intensa durante o Estado Novo. Naquele período, foram invadidos e os pejis[vii] saqueados. Objetos foram apreendidos e yalorixás e babalorixás presos, numa ação racista e violenta. A casa Xambá, em 1938, foi invadida e fechada pela polícia.

Maria Oyá foi presa e humilhada por, apenas, cometer o “crime” de professar a crença nos orixás e praticar sua religião. Como não há registros históricos sobre este fato, tudo que se sabe é o que foi contado pelos parentes da yalorixá. Os policiais invadiram a casa de Maria Oyá, levaram a yalorixá no “tintureiro” (antigo carro da PM que conduzia os ladrões presos) para a delegacia. No carro da polícia já se encontravam os pais de santo José do Café, que tinha um terreiro de culto Nagô, no Beco da Maré, no bairro de Campo Grande, Recife, e José do Casquete, que também era dono de uma casa Nagô, no Beco do Cipó, no mesmo bairro. […] após prestar depoimento, a yalorixá foi liberada (Alves, 2018, p. 26).

Alves (2007, 2018) nos relata que, diante do ocorrido, Maria Oyá entra em um estado depressivo tão profundo, que falece em 1939. Mesmo tendo ficado pouco tempo à frente do terreiro, ela exerceu papel fundamental para a comunidade. Iniciou vários filhos e filhas de santo, foi parteira, dedicava-se integralmente à sua religião e estabeleceu estratégias de ocultação de sua religiosidade.

Mesmo antes do período de fechamento dos terreiros em Pernambuco, já havia um controle do Governo sobre os cultos aos Orixás. O Arquivo Público do Estado de Pernambuco Jordão Emerenciano (Apeje) guarda documentos, em um dos quais, há o registro de uma solicitação de Maria Oyá para ensaiar “O Maracatu Africano Baiano”. O Terreiro Xambá, no entanto, não tem tradição de Maracatu. A tradição da comunidade, além do culto aos Orixás, é do Coco de Roda. “Já era uma forma de disfarce do culto”, como explica o historiador e filho de santo do Terreiro Xambá, Hildo Leal da Rosa (Alves, 2018, p. 61).

O fechamento do terreiro e o falecimento de Maria Oyá não significaram o fim das práticas do Xambá, pois Mãe Biu e Mãe Tila deram continuidade aos rituais religiosos e continuaram a atender as pessoas que a elas recorriam. Segundo Alves (2018), as duas assumiram as atividades do terreiro, mesmo que às escondidas, e iniciaram o processo de consolidação do mesmo.

O terreiro ficou fechado de maio de 1938 a meados de 1950. Só no período da redemocratização, que teve início em 1945, é que Mãe Biu reabre a casa,[…] Depois de 12 anos fechado, segundo os xambazeiros, Oyá pede que sua casa seja reaberta. Nesse período, segundo Hildo Leal da Rosa, o Xambá não funcionava como um terreiro de xangô. Sabia-se que Mãe Biu e Mãe Tila faziam alguma atividade (Alves, 2018, p. 38).

De acordo com Alves (2018), Mãe Biu não imaginava que se tornaria yalorixá do povo xambá. Porém, “três pais de santo se reuniram e jogaram os búzios para saber quem seria a sucessora de Maria Oyá. Os três jogos confirmaram o nome da jovem Severina Paraíso da Silva, que mais tarde se tornaria a grande mãe.”(Alves, 2018, p. 37). Em 1950, Mãe Biu reabre oficialmente o terreiro Santa Bárbara na estrada do cumbe, na localidade de Santa Clara – atual bairro de Dois Unidos – em Recife, mas não fica lá por muito tempo. Em 1951, ela compra um terreno na localidade do Portão do Gelo. Percebe-se que o terreiro passou por um movimento de desterritorialização e territorialização, até o seu estabelecimento definitivo em 1951. Silva (2016) enfatiza os movimentos de desterritorialização e territorialização realizados por algumas comunidades quilombolas, com o intuito de manterem suas formas de organização.

À luz de Harvey (2015, p. 180) a territorialização, em última análise, é “resultado de lutas políticas e de decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e politico-econômicas determinadas”. Já Haesbaert (2016, p. 138) explica que “a vida é um constante movimento de

desterritorialização e reterritorialização, ou seja, estamos sempre passando de um território para outro, abandonando territórios, fundando novos.” Para ele, a desterritorialização não se liga, simplesmente, à mobilidade, ao deslocamento, ela se associa e deve ser tratada segundo os aspectos econômico, politico ou simbólico. Nesse sentido, a comunidade Xambá, ao longo de sua trajetória, desterritorializou-se e territorializou-se, conforme é possível constatar na figura 1.

A partir da análise do mapa da figura 1, é possível verificar que o grupo se fixou em três pontos importantes até chegar à localidade em que se encontra hoje. A localidade atual será a base para o reconhecimento desse grupo como quilombola, bem como para a delimitação da área do quilombo do Portão do Gelo. Ao chegar ao Portão do Gelo, Mãe Biu tratou de reunir seus irmãos e irmãs de sangue e seus filhos e filhas de santo. Alves (2007, 2018) e V. Costa (2009) nos relatam que muitos membros compraram casa ali, tornando o local um grande núcleo familiar.

Cabe observar que os terreiros, como territórios étnicos e simbólicos, desempenham um papel central na preservação e na difusão das religiões de matriz africana no Brasil, sendo parte importante na composição patrimonial deste país. São espaços tradicionais, de resistência e de persistência, ricos em referências culturais. Filho (2012) considera que a existência de comunidades tradicionais – grupos de capoeira, irmandades religiosas e terreiros de candomblé – representa a materialização, em determinados espaços, da continuidade do viver, do sentir, do fazer e do resistir afrodescendente e assinala as permanências. Acerca desses espaços, este mesmo autor afirma que:

São territórios, espaços-temporais, de uma memória transformada em processo de vida cujos sentidos integram, numa unidade dialética, presente, passado e futuro. Nessa compreensão, as comunidades tradicionais, por exemplo, reconhecidas como territórios de resistência cultural, não podem ser vistas meramente como relíquias ou resquícios de um tempo que se foi e que não voltará a ser (Filho, 2012, pp. 10-11).

Sob esse prisma, as práticas desenvolvidas nesses espaços, na atualidade, são cada vez mais vivas e atuantes, mesmo diante de toda repressão e violência que sofreram e sofrem, e com a comunidade Xambá não é diferente. No caso específico de Recife, V. Costa (2009, p. 59) afirma que a cidade “viveu a década de 1950 numa efervescente transformação de seus espaços sociais, culturais e, principalmente, urbanos, frutos do projeto de modernização dos anos 1930-1940, que idealizou o centro da cidade como o lugar do desenvolvimento industrial, bancário e comercial.” O centro passou a ser um espaço segregador e uma das consequências dessa política foi o deslocamento de inúmeros terreiros para a periferia. “ periferia se transformava em espaços de territorialização dos diversos grupos sociais, em especial dos afrodescendentes, que criavam e recriavam estratégias, nesta área, para a garantia de habitações, trabalho, lazer, práticas religiosas marginalizadas pelo Estado e pelos grupos sociais hegemônicos.” (V. Costa, 2009, p. 59). Dessa forma, de acordo com a autora, o povo de santo acabou se instalando nos bairros mais distantes de Beberibe e Casa Amarela. O povo xambá também seguiu esse fluxo de deslocamento para a periferia de Recife, como podemos observar no mapa da figura 1. Assim, de forma geral, não só em Recife, mas também em diversos estados do território nacional terreiros sofreram com as ações desenvolvimentistas do Estado e com intervenção policial.

A respeito da repressão policial sofrida por essas comunidades, Gonzalez (1982), Lopes et al. (1987), Martins (1993) e Sodré (1998) destacam que as tradições negras, em especial a religiosa, sempre foram alvo da reprimenda. A adoção do sincretismo religioso foi uma estratégia muito utilizada pelos praticantes das religiões de matriz afro como forma de disfarçar o que realmente estavam fazendo. Hoje, tal estratégia já não se faz necessária. Não fugindo à regra, o povo Xambá também fez uso do sincretismo religioso e esteve sob o olhar dos órgãos governamentais. Para poder funcionar, teve que fazer o seu registro[viii] na polícia e solicitar a emissão de atestados de antecendentes, além de estar sujeito à fiscalização policial.

Lopes et al. (1987) consideram que o “fenômeno do sincretismo” é produto da repressão policial. Por meio da introdução de santos católicos, os grupos de religião de matriz africana conseguiam superar a ação da polícia e a opressão de cunho catequista sobre esses povos. Já Gonzalez (1982, p. 22) considera que “qualquer aglomeração de negros sempre é encarada como caso de polícia […]. Não esqueçamos, por exemplo, que os templos das religiões afro-brasileiras, como o candomblé, tinham que se registrar na polícia, para poderem funcionar legalmente […]”.

Os terreiros são organizações espaciais que, por meio de suas práticas, mantêm vivas as tradições e as memórias ancentrais dos africanos. Diversas lideranças de terreiros espalhados pelo Brasil desenvolveram estratégias e se organizaram de forma a preservarem suas práticas religiosas.


Figura 2
Foto de alguns membros do Terreiro Santa Bárbara, Ilé Axé Oyá Megué, Nação Xambá, em 1950
Acervo do Memorial Severina Paraíso da Silva, Mãe Biu

Diante disso, o Iphan vem reconhecendo a importância desses espaços como patrimônio cultural brasileiro e, até o presente momento, já efetuou o tombamento de nove terreiros pelo Brasil, quais sejam: casa Branca do Engenho Velho, Axé Opô Afonjá, Ilê Iyá Omim Axé Iyamassé (Gantois), Ilê Maroiá Láji (Alaketo), Bate-folha e Ilê Axé Oxumaré, todos em Salvador – BA; Omo Ilê Agboulá, em Itaparica – BA; Terreiro Zogbodo Male Bogun Seja Unde (Roça do Ventura), em Cachoeira – BA; Casa das Minas Jeje, em São Luís – MA[ix]. Vale ressaltar que diversos terreiros espalhados pelo Brasil, tombados ou não, foram e são liderados por mulheres, que exerceram com destreza e habilidade o sacerdócio. No caso da casa Xambá, Maria Oyá, Mãe Biu e Mãe Tila estiveram à frente do terreiro e trabalharam com afinco e dedicação para manter suas tradições conforme lhes foram ensinadas. Tanto Mãe Biu quanto Mãe Tila, à época, sempre buscaram registrar e guardar “momentos” e objetos importantes relacionados à religiosidade xambá. A foto da figura 2 é um desses exemplos. Ela mostra os membros da comunidade em frente ao Terreiro, quando da reabertura em 1950. O trabalho desenvolvido por essas mulheres, em conjunção com o trabalho desenvolvido pela comunidade no passado e na atualidade, possibilitaram que, no ano de 2018, este Ilê fosse o primeiro terreiro a receber o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco[x].

A luta dos xambazeiros não é recente. Nasceu da fé em uma religião e do desejo de unir uma família, ou seja, estruturou-se e cresceu em torno do terreiro, o seu Ilê, sendo esse território étnico e simbólico, o ponto de partida para o reconhecimento institucional

étnico e simbólico, o ponto de partida para o reconhecimento institucional desse grupo, por parte da Fundação Cultural Palmares – FCP, como Quilombo. Os quilombos, ao longo dos séculos e na atualidade, se reinventaram e estão espalhados por todo o território nacional, em áreas rurais e urbanas. Lócus inicial, no passado, da materialização da resistência negra contra as atrocidades do sistema escravista, os quilombos foram tomando novas feições e hoje já não se pode tratá-los como algo que remete somente ao passado. Eles fazem parte da vida contemporânea, com membros atuantes na sociedade que buscam manter suas tradições e práticas. Como já citamos, Mãe Biu adquire um terreno em 1951. Segundo V. Costa (2009, pp. 64-65), “O Portão do Gelo estava nessa época em processo de ocupação habitacional e estruturação de suas moradias, onde terrenos baldios eram transformados em lotes pelo governo municipal e vendidos às camadas populares.” Assim, a yalorixá e os membros da comunidade se mobilizaram e transferiram o terreiro para a localidade do Portão do Gelo no atual bairro de São Benedito, local onde ele se encontra até hoje. A fala de Pai Ivo (2017), atual babalorixá da casa, mostra partes das estratégias utilizadas por Mãe Biu para, na nova localidade, reagrupar sua família

[…] Primeiramente eu vou lhe falar para você historicamente o bairro. O quilombo do portão do gelo é porque aqui existia navegação fluvial, através do rio. Então na minha infância a tecnologia em termos de refrigeração de gelo, era muito precária, tinha as fábricas de gelo e aqui era uma fábrica de gelo. Então os barcos vinham pegar gelo aqui, por isso o nome portão do gelo. A infância aqui é que tinha vários sítios. Aqui minha mãe chegou em 1951, comprou um lote […] desse lote ela começou a fazer a sua residência. [...] E depois, nos anos 60 teve uma habilidade, teve uma visão muito hábil. Começou a trazer o restante das famílias […] minha mãe quando se estruturou mais ou menos aqui para fazer o terreiro, conseguiu trazer a família toda para o seu entorno. Isso foi de uma habilidade política valiosa porque a gente foi quem fez a diferença (Entrevista com Adeildo Paraíso da Silva, o pai Ivo, 2017).[xi]

O Ilê, a necessidade por moradia e a união familiar foram fatores que contribuíram para a fixação da comunidade Xambá no local onde está hoje. V. Costa (2009), quando se reporta aos xambazeiros, é enfática ao afirmar que “sua territorialização maior não estava nos espaços físicos, mas na construção simbólica da unidade religiosa, que os mantinha unidos.”(V. Costa, 2009, p. 68). Ainda, segundo a autora:

Mãe Biu iniciou a estruturação de suas relações de poder, primeiramente, no seio de sua família, viabilizando meios para seus parentes morarem sob sua proteção e domínio para, em seguida, agregar membros do terreiro, estabelecendo relações mais estreitas de amizade, de negociações, de hierarquias, por meio da deliberação de funções dentro do Terreiro (V. Costa, 2009, p. 70).

V. Costa (2009), em seus estudos, identifica as famílias que se destacaram no princípio do quilombo. São elas: a família Paraíso, a família Silva e a família Batista, sendo que a última não mantém laços sanguíneos com as outras duas. Dessa forma, a autora afirma que a união das famílias ressignificou os laços de parentesco do grupo. Para Lody (1987), o candomblé é uma religião coletiva. E é nessa coletividade que as estratégias são traçadas. Segundo Rosendahl (2003, p. 195):

A religião só se mantém se sua territorialdiade for preservada e, neste sentido, pode-se acrescentar que é pela existência de uma religião que se cria um território e é pelo território que se fortalecem as experiências religiosas coletivas ou individuais. E para a manutenção dessas relações, estratégias político-espaciais são adotadas.

A comunidade Xambá, por meio de diversas estratégias, preserva o seu patrimônio e constrói uma ideia de pertencimento ao seu lugar, isso se dá por meio da valorização de aspectos simbólicos que são grafados no espaço. A esse respeito, Claval (2014) declara que as identidades se exprimem por meio de símbolos, sendo o território um dos

um dos símbolos que ajudam a estruturar a identidade coletiva. Para o autor, o território constitui a base material da existência comum e é formado por lugares carregados de significações para os indivíduos. Ao fazer referência às comunidades reconhecidas institucionalmente como quilombo, Rezende e Silva (2012, p. 13), por sua vez, afirma que “o território é o fundamento unificador dessas comunidades e é entorno a ele que a vida acontece e faz sentido, pois é nele que se assenta a cultura, os laços de parentesco, as sociabilidades, a economia e o trabalho.” Destaca também que a identidade quilombola remete a sujeitos dotados de direitos. Já a noção de comunidade associa-se a grupo e passa a ter relevância quando é priorizada. Nesse sentido, observa-se que:

[…] as alianças de diferentes tipos e também as relações de consanguinidade, em que participam indivíduos de grupos étnicos, mas inseridos e identificados com as lutas dos afro-descendentes. Desenvolvem-se, neste caso, tanto dentro como fora do grupo, estratégias de negociações, que visam a resolução dos conflitos e a manutenção dos vínculos de solidariedade e valores compartilhados (ou não necessariamente) entre várias gerações. Isto significa também repensar o próprio grupo e a sua dinâmica – as lutas internas, seus conflitos – como uma parte viva e pulsante da experiência de ser e estar no mundo (Leite, 2000, pp. 343-344).

A dinâmica que acontece no território, associada ao histórico da comunidade Xambá e ao patrimônio – material e imaterial – desse gupo, contribuiu para que, em 2006, a comunidade recebesse da Fundação Cultural Palmares o certificado que a reconhece como remanescente das Comunidades dos Quilombos[xii]. No ano de 2007, a municipalidade de Olinda delimitou a área do quilombo do Portão do Gelo[xiii]. Na figura 3, é possível verificar a área demarcada, bem como espaços importantes para a comunidade.

Tal reconhecimento considerou que a contribuição da cultura negra é inegável na formação dos olindenses e do povo brasileiro. Também levou em conta que o quilombo em questão é o único representante ativo dos componentes étnicos de origem Xambá no Brasil, dentre outros fatores.

A autoidentificação, como quilombola, consiste “em componente político-organizativo capaz de aglutinar um grupo e formular suas demandas econômicas, culturais e política em que a etnicidade proporciona um caráter mobilizador.” (Carril, 2006, p. 229). Para Leite (2000) e Furtado, Pedroza e Alves (2014), os quilombos são instâncias sociais, geram sentido a partir das experiências


Figura 3
Perímetro do Quilombo do Portão do Gelo, Nação Xambá
Hostensky, I. L. (2018).

instâncias sociais, geram sentido a partir das experiências dos sujeitos, de suas histórias, formas de relação e posicionamento coletivo. No caso da comunidade Xambá, Guitinho da Xambá (2014) afirma que o reconhecimento por parte da Fundação Palmares fez com que a comunidade se tornasse o terceiro núcleo negro, localizado em área urbana, a receber esse certificado e o primeiro no Norte e Nordeste. G. Xambá (2014) ainda afirma que, ao delimitar e demarcar a área do quilombo, a municipalidade reconhece oficialmente a territorialdiade do grupo. Assim, a formação do quilombo do Portão do Gelo – Nação Xambá é o resultado de uma série de estratégias, articulações e deslocamentos empreendidos pelos membros da comunidade. Tudo isso aliado ao desejo de manter viva sua tradição religiosa, preservar os seus patrimônios material e imaterial e unir seus familiares.

4. Comunidade em ação: algumas estragégias empreendidas pela comunidade Xambá para a ativação do seu patrimônio-territorial

A América Latina possui diversas formas, expressões e manifestações patrimoniais – materiais e imateriais. E, Brasil afora, diversos grupos e comunidades grafam no território suas referências mais significativas. Eles se unem, compartilham e ressignificam o que, para eles, é o

seu verdadeiro patrimônio, aquele que está presente no cotidiano, que imprime um sentido às suas vidas, ou seja, acionam, por meio de múltiplas estratégias, o seu patrimônio-territorial. Logo, patrimônio-territorial é resistência (E. Costa, 2016, 2017). A comunidade Xambá, ao longo de sua trajetória buscou e busca, por meio de ações diárias, a preservação e a manutenção do que lhes é mais caro, sua religiosidade e seus costumes.

Cabe ressaltar que a primeira e mais importante instância de ativação do patrimônio-territorial é a comunitária (E. Costa, 2017). Durham (2004) relaciona a noção de comunidade a espaço, interesses comuns, sentimento de pertencimento, vinculação afetiva e participação em uma mesma cultura. A autora diferencia comunidade de sociedade e esclarece que a primeira, por apresentar-se fechada e homogênea, está menos sujeita aos escalonamentos sociais e às relações de dominação tal como na segunda. Portanto, existe uma relação de parceria entre os membros da comunidade. “Falar em comunidade significa focalizar a atenção nos interesses comuns, reais ou fictícios, ignorando os conflitos, contradições e oposições próprias de uma estrutura de domínio, refugiando-se na afirmação de uma concordância, homogeneidade e igualdade fictícias mas desejadas.” (Durham, 2004, p. 224). Não que não existam conflitos de interesses e divergências dentro de uma comunidade, mas a autora observa que estes, quando existem, se desenvolvem em um ‘universo comum’. Sendo assim, a comunidade pode e deve desenvolver estratégias que busquem preservar


Figura 4
Mapa Conceitual da Comunidade Xambá
Hostensky, I. L. (2018).

pode e deve desenvolver estratégias que busquem preservar e difundir seus bens e referências culturais.

Sabe-se que o culto Xambá migrou de Alagoas para Pernambuco e lá se fixou. Isso se deu devido à ação de determinadas pessoas, o que reforça a importância da atuação dos indivíduos, atores sociais, no tocante à preservação patrimonial. Para E. Costa (2016), o verdadeiro patrimônio de um lugar é o seu povo, o chamado “sujeito-patrimônio”, e suas práticas culturais. “Por sujeito-patrimônio entendemos o ser da existência corpórea em sua relação direta com o mundo; produto e produtor material e imaginativo deste dito mundo em vias de patrimonialização.” (E. Costa, 2011, p. 5). Isto é, quando um povo toma consciência da importância do patrimônio edificado e das manifestações culturais de sua localidade, ele se mobiliza, tornando-se protagonista de suas ações e fortalecendo práticas cidadãs e a sua identidade. Ou seja, o grupo desenvolve práticas que valorizam suas ações, suas tradições,seus saberes e sua localidade e, assim, “aciona” o seu patrimônio-territorial. Dessa forma, a atuação comunitária é de fundamental importância para a identiicação e a difusão de uma expressão cultural. izam suas ações, suas tradições,

O presente estudo nos permite observar que, desde o início de sua formação, a comunidade Xambá agiu de forma ativa para manter suas tradições. Este trabalho é um dos frutos da pesquisa de campo que ocorreu na comunidade Xambá nos anos de 2016 e 2017, sendo esta a base para a coleta das informações. Os procedimentos metodológicos empreendidos no estudo englobaram observação participante, registro em diário de campo, análise documental, registros fotográficos e roteiro de entrevista semiestruturada- 17 membros da comunidade foram entrevistados. A análise de conteúdo do corpus bem como o estudo empírico permitiram a construção de um Mapa Conceitual – figura 4 – que ilustra, de maneira sintética, o que a comunidade considera ser o seu patrimônio-territorial e as estratégias empreendidas pelo grupo para ativá-lo

O patrimônio da comunidade foi identificado a partir das inúmeras vozes que participaram da pesquisa. No Mapa Conceitual, é possível identificar as ações empreendidas pela comunidade para valorizar e preservar as suas referências culturais. Também é possível identificar o que o grupo considera como seu patrimônio, ou seja, o que eles definem como seu patrimônio-territorial – material e imaterial – situados dentro do perímetro do quilombo. Integram o patrimônio material da comunidade o Terreiro Ilê Axé Oyá Meguê, o Memorial Severina Paraíso da Silva, a Casa dos Membros da comunidade e o Centro Cultural Grupo Bongar. Já o patrimônio imaterial é constituído pela própria história da comunidade e pela Festa do Coco (Coco de Mãe Biu). Tudo isso articulado e mantido pelos membros da comunidade, os chamados sujeitos-patrimônio, ou seja, os atores sociais responsáveis pela manutenção desses bens.

Percebe-se, a partir da análise do Mapa Conceitual, que a comunidade desenvolveu e desenvolve ações que propiciaram e propiciam o acionamento do seu patrimônio-territorial. Para uma melhor compreensão, essas ações foram agrupadas, em estratégias de construção identitaria e em estratégias de preservação, valorização e difusão da cultura Afro e Xambá. Apesar da divisão, elas se conectam e complementam. Elementos materiais, práticas de resistência, iniciativas de mobilização, ações educativas, práticas culturais e religiosas integram as estratégias utilizadas pela comunidade para a valorização de sua cultura. Assim, “A ativação popular do patrimônio-territorial efetiva-se quando ocorre o reconhecimento interno dos valores do grupo.” (E. Costa, 2017, p. 71). Nesse sentido, observamos que a comunidade Xambá, por meio do trabalho de manutenção de suas práticas religiosas, no passado e atualmente, e por meio da preservação e difusão de suas referências culturais, reconhece seus valores e ativa seu patrimônio-territorial.

De acordo com Anjos (2006), os quilombos são possuidores de uma grande riqueza patrimonial material e imaterial. Falar de quilombo é falar da riqueza patrimonial associada a esses espaços, é falar das estratégias e práticas empreendidas por seus integrantes para a preservação de suas tradições, sua religiosidade e seus laços familiares. Essas estratégias integram o histórico de lutas dos quilombolas e se mostram fundamentais na preservação e ressignificação dos lugares, das festas, da religiosidade, dos saberes e fazeres desses grupos.

O Ano de 1951 sinaliza a chegada de Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu, e seus familiares, à localidade do Portão do Gelo, em Olinda-PE, e a fixação do Terreiro Xambá neste local. Foi um verdadeiro reagrupamento, conforme atesta G. Xambá (2014):

Com a construção da nova sede no Portão do Gelo, Mãe Biu reagrupa toda sua família de santo, arrendando terrenos no entorno do terreiro, construíndo casebres e abrigando todos, eliminando algo que era considerado um dos maiores transtornos para a comunidade religiosa que vivia espalhada por diversos bairros da cidade de Olinda e Recife. A conquista de um território geográfico era algo fundamental para a vivência de todos em comunidades. E isso ela garantiu (G. Xambá, 2014, p. 70).

Mãe Biu, ao longo de sua trajetória à frente da comunidade Xambá, desenvolveu uma série de estratégias para dar continuidade às suas práticas religiosas. No período em que a casa não funcionou publicamente, ela e seus seguidores continuaram a reverenciar os orixás.

Das atividades da Casa só as obrigações aconteciam com frequência, mas tudo muito às escondidas da polícia. Era no decorrer das cerimônias aos orixás que os adeptos da religião cantavam baixinho aos seus deuses e dançavam sem muito alarde. As cerimônias eram realizadas pela madrugada sem o som dos instrumentos. Os participantes dançavam apenas ao som de palmas, numa prova de resistência e amor à religião. A única festa realizada durante o dia era de Bêji (Cosme e Damião), mas quando a polícia chegava no local, Mãe Biu justificava que era o aniversário de sua filha, Maria das Dores (Cecinha). E assim o terreiro funcionou às escondidas por 12 anos (Alves, 2007, pp. 22-23).

Semelhante ao Maracatu utilizado por Maria Oyá para disfarçar sua atividade religiosa, Mãe Biu utilizou o Coco.

Uma outra forma de disfarçar a religião era com a brincadeira do Coco. Enquanto as yalorixás realizavam as obrigações dentro de casa, do lado de fora, na frente da residência, o marido de Mãe Biu, José Martins da Silva, ficava tocando Coco, pois o barulho do batuque abafava o som dos cantos e palmas dos rituais de obrigações (Alves, 2018, pp. 86-87).

Todos contam que Mãe Biu era muito festeira. Mas, dado às suas atividades como yalorixá, muitas vezes ela não podia se ausentar da casa. Assim, ela instituiu o seu próprio Coco. De acordo com G. Xambá (2014), a sambada do Coco da Xambá foi criada por Mãe Biu em 1965, porém está presente na comunidade desde antes desta data. O objetivo da festa era comemorar o aniversário dela e saudar as entidades da Jurema, único momento também em que era permitido o consumo de bebida alcoólica na casa (mas não dentro do salão). A Yalorixá faleceu em 1993 e a casa fechou as portas por um ano, obedecendo aos preceitos religiosos da Xambá. Quem assume em seu lugar é Adeildo Paraíso da Silva, o pai Ivo, que dá continuidade às práticas religiosas e ao Coco, com o auxílio de seus familiares e diversos membros da comunidade religiosa. Atualmente, o Coco da Xambá está em sua 53º edição, não tendo sido realizado no ano de 2019 devido ao falecimento de um importante membro do terreiro.

Outra particularidade do povo Xambá são os engomes – ilus. Segundo Alves (2007, p. 24) engomes são “instrumentos feitos de barrica e com apenas um lado coberto com couro de bode.” Para a autora, o som peculiar produzido pelos engomes confere uma musicalidade diferenciada ao povo Xambá. Além disso, esse instrumento musical é utilizado nas mais diversas formas de encontro da comunidade, dentre as quais podemos destacar os rituais religiosos; a festa do coco; as oficinas realizadas no Centro Cultural grupo Bongar e os shows realizados pelo grupo Bongar - grupo musical criado por Guitinho da Xambá e alguns primos dele, há 18 anos. É oportuno destacar que “o repertório do Bongar é inspirado na cultura, na religiosidade e no cotidiano do povo Xambá.”(Alves, 2007, p. 110). Além da atuação das lideranças e dos demais membros, dos esforços para manter as práticas religiosas e culturais a comunidade também mantém a forma como realiza a sua transmissão de saberes e fazeres.

No terreiro Xambá ninguém pega a criança pela mão, senta numa cadeira e ensina a tocar. Na Casa, o ensinamento é realizado através da oralidade, durante os toques religiosos públicos e também nas cerimônias fechadas. As crianças aprendem a tocar ouvindo os toques, aprendem a cantar ouvindo os cantos, aprendem a dançar vendo os mais velhos, no salão em roda, dançar para cada Orixá. Esse formato de ensinamento, herdado dos negros africanos, foi mantido, ao longo dos 88 anos do terreiro por Maria Oyá e Mãe Biu e tem sido mantido atualmente pelo babalorixá, Ivo da Xambá (Alves, 2018, p. 145).

Percebe-se que a trajetória dessa comunidade é marcada por práticas e estratégias de resistência e persistência que, além de comporem o seu histórico de lutas, foram as responsáveis pela permanência do grupo na localidade, pela preservação e pela valorização de sua religiosidade e de sua identidade.

5. Considerações Finais

Já não se pode abordar a temática patrimonial focando apenas a sua dimensão arquitetônica. A associação desta dimensão com a educação e com os aspectos culturais e sociais dos bens patrimoniais é de suma importância para a valorização e a visibilização de uma gama maior de bens. Há que se abordar a dimensão humana do patrimônio. Como vimos, para E. Costa (2017), o propósito de se ativar o patrimônio-territorial é identificar os patrimônios material e imaterial localizados nos chamados territórios de exceção e, dessa forma, potenciar endogenamente, em primeiro lugar, e dar visibilidade às referências culturais de grupos historicamente excluídos – indígenas e afrodescendentes. Nesse sentido, este artigo trouxe uma síntese e uma ilustração viva de patrimônio-territorial, uma vez que entendemos, a partir dos estudos de E. Costa (2016, 2017), que o patrimônio-territorial se materializa em festas, saberes, fazeres, religiosidade e tantas outras formas silenciadas ao longo de séculos na história da América Latina. Nessa perspectiva, a comunidade Xambá se apresenta como uma forma viva e ativa de preservação patrimonial.

Os resultados do estudo foram sistematizados em um Mapa Conceitual que reflete como a comunidade define o conceito de patrimônio-territorial e como empreende ações para preservar e difundir o seu patrimônio, valorizando assim a cultura afro-latino-americana. Observa-se que o grupo assumiu a centralidade de suas ações, o que possibilitou o fortalecimento de sua identidade coletiva e a efetiva participação da comunidade nas ações empreendidas por ela. Observa-se, também, que uma grande parte das ações ocorrem dentro do espaço do quilombo, espaço este concreto, simbólico e afetivo. Cabe lembrar que em 2006, a comunidade recebeu o certificado da Fundação Cultural Palmares, reconhecendo-a como quilombola e teve a sua área delimitada pela municipalidade no ano seguinte. Essas ações fortaleceram a ideia de pertencimento ao grupo. O estudo também nos permitiu compreender que os membros da Xambá, ao dominarem o espaço e se apropriarem do território, com suas práticas e ações, produzem sentidos e significados e assim estabelecem uma identidade própria – chamada de Nação Xambá ou Xambá – e desenvolvem sua territorialidade. Muitos dos seus membros usam o nome Xambá junto ao seu nome, como Guitinho da Xambá e Ivo da Xambá. Cabe observar que, para E. Costa (2016, 2017), a escala original de ativação do patrimônio-territorial é a local, e foi exatamente o que encontramos neste estudo.

Os resultados também indicam que o patrimônio-territorial da comunidade, assim definido por ela, compreende seus atores sociais (os chamados sujeitos-patrimônio) e os patrimônios material e imaterial do grupo. Patrimônios esses materializados nos inúmeros espaços de resistência da comunidade. Constatou-se que o grupo executa uma série de ações para ativar seu patrimônio-territorial, as quais foram identificadas e agrupadas em estratégias de construção identitária e em estratégias de preservação, valorização e difusão da cultura Afro e Xambá. Percebe-se também que, em grande parte, tais estratégias são traçadas na coletividade e abarcam elementos materiais, práticas de resistência, iniciativas de mobilização, ações educativas, práticas culturais e celebrações, o que nos possibilita concluir que a comunidade Xambá se articula cotidianamente para reafirmar seu direito ao território – sendo ele espaço de fortalecimento das experiências coletivas e individuais, estruturador das identidades coletivas (Claval, 2014) e materializador das resistências culturais (Filho, 2012) - , a fim de realizar práticas de ativação do patrimônio-territorial, além de preservar e difundir suas crenças e cultura. Diante desse contexto, conclui-se que a comunidade Xambá, por meio das estratégias empreendidas para a preservação do seu patrimônio, é exemplo nacional de ativação do seu patrimônio-territorial.

6. Referências Bibliográficas

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Notas

[1] Professora de Geografia da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Mestre em Ciências Geográficas pela Universidade de Brasília. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8819-8266. E-mail: ilkahoste@gmail.com.
[i] O presente artigo é um dos frutos da dissertação de mestrado intitulada “Patrimônio-territorial em Olinda-PE: Comunidade quilombola do Portão do Gelo – Nação Xambá, valorização da cultura afro-latina-americana”, defendida e aprovada, no ano de 2018, no Departamento de Geografia da Universidade de Brasília-UnB sob orientação do Prof. Dr. Everaldo Batista da Costa.
[ii] Iphan: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
[iii] Unesco: Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
[iv] A respeito da origem do termo Xambá, Alves (2007) afirma ser de origem banto e apresentar várias semelhanças com a nação nagô.
[v] Valéria G. Costa (2010) utiliza o termo “chamba” para se referir ao grupo étnico e ao culto religioso na África Ocidental. E o termo “xambá” para se remeter ao culto dos orixás (xangô), nos estados de Pernambuco e Alagoas, no Brasil.
[vi] De acordo com Bastide (1974), Lody (1987) e Prandi (2000), a religião Youruba foi a que mais conseguiu preservar o seu “modelo ancestral” no Brasil, podendo ser encontrada em diversas partes do país, variando, por vezes, a nomemclatura. Candomblé – Bahia, Xangô – Pernambuco, Alagoas e Sergipe, Batuque – Porto Alegre, Tambor de Mina – Maranhão, Babassuê – Pará.
[vii] Para Lody (1987, p. 18) “Peji é o termo mais usual para designar o santuário ou conjunto de santuários.” [viii] Prontuário Nº 30 de 1978. Registro feito junto à Secretaria de Segurança Pública, Departamento de Polícia Judiciária, Delegacia de Costumes, Seção de fiscalização de Hotéis e Diversões públicas.
[ix] Informações recuperadas de http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1312/ Acesso: 25 de ago. de 2019.
[x] Em 2018, o Terreiro Santa Bárbara da Nação Xambá – Ilê Axé Oyá Meguê recebeu o título de Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco. Este título é concedido mediante inscrição e seleção no concurso público de registro do patrimônio vivo, promovido pelo Governo do Estado de Pernambuco, por intermédio da Secretaria de Cultura – Secult/PE e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe, desde 2005. Recuperado de http://www.cultura.pe.gov.br/canal/patrimonio/territorio-da-ancestralidade-africana-nacao-xamba-e-patrimonio-vivo-de-pernambuco/
[xi] Entrevista com o Sr. Adeildo Paraíso da Silva, o pai Ivo ou Ivo da Xambá, atual Babalorixá da casa. Concedida a Ilka Lima Hostensky, na própria residência do entrevistado, no Quilombo do Portão do Gelo – Nação Xambá, bairro de São Benedito, Olinda (PE), no dia 05 de abril de 2017.
[xii] Informação disponível na documentação da comunidade ao qual a pesquisadora teve o acesso autorizado. Processo nº 01420.002300/2006-49, dado disponível no sítio eletrônico da Fundação Cultural Palmares – FCP, na lista de certidões expedida às comunidades remanescentes de quilombo (CRQs). [xiii] Conforme Decreto municipal de nº 349/2007. Disponível na documentação da comunidade ao qual a pesquisadora teve acesso autorizado.


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