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Ativação popular do espaço público na América Latina - pracialidade, monumento e patrimônio-territorial
Activación popular del espacio público en América Latina - pracialidade, monumento y patrimonio-territorial
Popular activation of public space in Latin America - pracialidade, monument and territorial-heritage
PatryTer, vol. 3, núm. 6, pp. 219-233, 2020
Universidade de Brasília

Dossiê Patryter

Este trabalho está licensiado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. Informamos que a Revista Patryter está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ Autores que publicam na Revista PatryTer concordam com os seguintes termos: - Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, sendo o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações o que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria do trabalho e publicação inicial nesta revista. - A contribuição é original e inédita, não está sendo avaliada para publicação por outra revista. Quando da submissão do artigo, os(as) autores(as) devem anexar como documento suplementar uma Carta dirigida ao Editor da PatryTer, indicando os méritos acadêmicos do trabalho submetido [relevância, originalidade e origem do artigo, ou seja, oriundo de que tipo de investigação]. Essa carta deve ser assinada por todos(as) os(as) autores(as). - Autores cedem os direitos de autor do trabalho que ora apresentam à apreciação do Conselho Editorial da Revista PatryTer, que poderá veicular o artigo na Revista PatryTer e em bases de dados públicas e privadas, no Brasil e no exterior. - Autores declaram que são integralmente responsáveis pela totalidade do conteúdo da contribuição que ora submetem ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores declaram que não há conflito de interesse que possa interferir na imparcialidade dos trabalhos científico apresentados ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não- exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista. Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).

Recepção: 21 Maio 2020

Aprovação: 20 Julho 2020

Publicado: 01 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.32310

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar, a partir dos espaços públicos de Camagüey (Cuba) e Goiânia (Brasil), a relação entre os sujeitos e os monumentos. Nesse sentido, a Praça Ignacio Agramonte, em Camagüey, é significativa nos aspectos culturais e arquitetônicos, bem como demanda as experiências cotidianas dos sujeitos com a figura heroica do monumento a Ignacio Agramonte. Da mesma forma, a formação da Praça do Bandeirante, em Goiânia, tem sua essência associada à esfera político-cultural que emerge do processo de construção da cidade e implica nas formas de socialização, logo, o monumento ao Bandeirante desperta o interesse em compreender os sentidos políticos e/ou lúdicos representados pela estátua. Metodologicamente, trata-se da ativação popular do espaço público à luz do patrimônio-territorial, reforçando essa busca pela compreensão de usos e funções nos/dos espaços públicos das cidades latino-americanas e as possibilidades nas relações destes com os monumentos.

Palavras-chave: espaço público, monumento, patrimônio-territorial, Camagüey, Goiânia, América Latina.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar, desde los espacios públicos de Camagüey (Cuba) y Goiânia (Brasil), la relación entre sujetos y monumentos. En este sentido, la Plaza Ignacio Agramonte, en Camagüey, es importante en aspectos culturales y arquitectónicos, además de exigir las experiencias cotidianas de los sujetos con la heroica figura del monumento a Ignacio Agramonte. Asimismo, la formación de la Plaza del Bandeirante, en Goiânia, tiene su esencia asociada con la esfera político-cultural que emerge del proceso de construcción de la ciudad e implica las formas de socialización, por lo tanto, el monumento a Bandeirante despierta el interés en comprender los significados políticos y/o juguetones representados por la estatua. Metodológicamente, se trata de la activación popular del espacio público a la luz del patrimonio-territorial, reforzando esta búsqueda de la comprensión de los usos y funciones en/de los espacios públicos en las ciudades latinoamericanas y las posibilidades en sus relaciones con los monumentos.

Palabras clave: espacio público, monumento, patrimonio-territorial, Camagüey, Goiânia, América Latina.

Abstract: This article aims to analyze, from the public spaces of Camagüey (Cuba) and Goiânia (Brazil), the relationship between subjects and monuments. In this sense, the Ignacio Agramonte Square, in Camagüey, is significant in cultural and architectural aspects, as well as demanding the subjects' daily experiences with the heroic figure of the monument to Ignacio Agramonte. Likewise, the formation of Bandeirante Square, in Goiânia, has its essence associated with the political-cultural sphere that emerges from the process of building the city and implies the forms of socialization, therefore, the monument to Bandeirante awakens the interest in understanding the political and/or playful meanings represented by the statue. Methodologically, it is about the popular activation of public space in the light of territorial-heritage, reinforcing this search for the understanding of uses and functions in/of public spaces in Latin American cities and the possibilities in their relations with monuments.

Keywords: public space, monument, territorial-heritage, Camagüey, Goiânia, Latin America.

Ativação popular do espaço público na América Latina - pracialidade, monumento e patrimônio-territorial

Larissa Alves de Sousa[1]

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar, a partir dos espaços públicos de Camagüey (Cuba) e Goiânia (Brasil), a relação entre os sujeitos e os monumentos. Nesse sentido, a Praça Ignacio Agramonte, em Camagüey, é significativa nos aspectos culturais e arquitetônicos, bem como demanda as experiências cotidianas dos sujeitos com a figura heroica do monumento a Ignacio Agramonte. Da mesma forma, a formação da Praça do Bandeirante, em Goiânia, tem sua essência associada à esfera político-cultural que emerge do processo de construção da cidade e implica nas formas de socialização, logo, o monumento ao Bandeirante desperta o interesse em compreender os sentidos políticos e/ou lúdicos representados pela estátua. Metodologicamente, trata-se da ativação popular do espaço público à luz do patrimônio-territorial, reforçando essa busca pela compreensão de usos e funções nos/dos espaços públicos das cidades latino-americanas e as possibilidades nas relações destes com os monumentos.

Palavras-chave: espaço público; monumento; patrimônio-territorial; Camagüey; Goiânia; América Latina.

Activación popular del espacio público en América Latina - pracialidade,

monumento y patrimonio-territorial

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar, desde los espacios públicos de Camagüey (Cuba) y Goiânia (Brasil), la relación entre sujetos y monumentos. En este sentido, la Plaza Ignacio Agramonte, en Camagüey, es importante en aspectos culturales y arquitectónicos, además de exigir las experiencias cotidianas de los sujetos con la heroica figura del monumento a Ignacio Agramonte. Asimismo, la formación de la Plaza del Bandeirante, en Goiânia, tiene su esencia asociada con la esfera político-cultural que emerge del proceso de construcción de la ciudad e implica las formas de socialización, por lo tanto, el monumento a Bandeirante despierta el interés en comprender los significados políticos y/o juguetones representados por la estatua. Metodológicamente, se trata de la activación popular del espacio público a la luz del patrimonio-territorial, reforzando esta búsqueda de la comprensión de los usos y funciones en/de los espacios públicos en las ciudades latinoamericanas y las posibilidades en sus relaciones con los monumentos.

Palabras-clave: espacio público; monumento; patrimonio-territorial; Camagüey; Goiânia; América Latina.

Popular activation of public space in Latin America - pracialidade,

monument and territorial-heritage

Abstract: This article aims to analyze, from the public spaces of Camagüey (Cuba) and Goiânia (Brazil), the relationship between subjects and monuments. In this sense, the Ignacio Agramonte Square, in Camagüey, is significant in cultural and architectural aspects, as well as demanding the subjects' daily experiences with the heroic figure of the monument to Ignacio Agramonte. Likewise, the formation of Bandeirante Square, in Goiânia, has its essence associated with the political-cultural sphere that emerges from the process of building the city and implies the forms of socialization, therefore, the monument to Bandeirante awakens the interest in understanding the political and/or playful meanings represented by the statue. Methodologically, it is about the popular activation of public space in the light of territorial-heritage, reinforcing this search for the understanding of uses and functions in/of public spaces in Latin American cities and the possibilities in their relations with monuments.

Keywords: public space; monument; territorial-heritage; Camagüey; Goiânia; Latin America.

DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.32310

Como citar este artigo: Sousa, L. A. (2020). Ativação popular do espaço público na América Latina - pracialidade, monumento e patrimônio-territorial. PatryTer – Revista Latinoamericana e Caribenha de Geografia e Humanidades, 3 (6), 219-233. DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.32310

1. Introdução

Inicialmente, cumpre ressaltar que há, em nossa história latino-americana, um passado difundido pela tradição econômica e política colonial que utiliza de mecanismos violentos para a segregação e a dominação dos grupos sociais (Quijano, 2005).

Diante disso, este artigo indica alternativas para romper com os processos constituintes de base impositiva eurocentrada à América Latina, como estimula Costa (2018, p. 2), ao retratar o quadro de vida dos sujeitos urbano-rurais subalternizados; para tanto, o autor sugere o conceito de “patrimônio-territorial” no prisma latino-americano, que compreende “una utopía de resistencia popular que afronta por medio de sujetos, grupos y bienes culturales no institucionalizados la ideología que legitima históricamente la colonialidad del poder y del saber”. A partir disso, procuramos problematizar e levantar questões que pautam as práticas sociais e os movimentos contra-hegemônicos que, ainda hoje, estão sob os riscos de velhos interesses dos grupos dominantes. Nesse sentido, o patrimônio-territorial visa reconhecer resistências espaciais populares:

A partir da sistematização de um conhecimento popular situado, por meio de uma agenda de iniciativas sociais, organizativas, administrativas e universitárias, todas locais. Tais ações e pesquisas podem contribuir para identificar, catalogar e mapear o acervo simbólico da história territorial dos subalternizados latinos, para intervenções concretas na implantação de roteiros patrimoniais de assentamentos [com sinalização interpretativa], museus temáticos de bairros, restaurantes criativos com respeito à história de formação e alimentar do lugar, espaços ou centros culturais e de identidade local, espaços de lazer ou recreação, cafés com artes locais, bares temáticos e outros (Costa, 2016, p. 9).

O objetivo deste artigo, é analisar o fenômeno da ativação popular do espaço público na América Latina, sobre a perspectiva do patrimônio-territorial. O elo entre a ativação do espaço público e o patrimônio-territorial, segundo Costa (2018, p. 20), consiste na “relación directa entre acceso, movilidad y movilización con la constitución de espacios públicos en América Latina y el Caribe”, que se faz presente na interação entre o mundo objetivo e subjetivo, na qual a ativação popular carrega a essência da sociedade que resiste e se apropria dos espaços públicos, que o mobiliza, bem como na valorização e preservação de saberes, fazeres e fatos.

A resistência forma práticas sociais mencionadas e adquire perspectiva geográfica, por localizar, suscitar e mobilizar o que o autor entende como duração espacial dos sujeitos na América Latina – reconhecendo sujeitos em situação espacial duradoura (Costa, 2016). Portanto, o fenômeno da ativação popular (sinônimo de práxis espacial popular) defendido por E. Costa aparece como potencialidade de ressignificação do espaço público, pelo conjunto de valores simbólicos gerados pelos habitantes, que valorizam a relação efetiva (e afetiva) entre os campos da subjetividade e da objetividade como possibilidades de experiência espacial, por meio do patrimônio-territorial latino-americano.

Também o conceito de “pracialidade” proposto por Queiroga (2003) nos estimula a pensar os espaços públicos em seus usos tradicionais e contemporâneos. Ao problematizar as relações sociais estabelecidas nesses espaços, é possível criar situações, apropriações espontâneas, práticas sociais (espaciais) próprias da vida pública, por meio da pracialidade. Queiroga (2003, p. 140) defende que, em sua origem conceitual, a pracialidade envolve ações comunicativas da vida pública, ações políticas e ações representativas que exercem forças, especialmente no campo simbólico, “(...) pracialidades são, portanto, concretudes, existências que se situam no espaço-tempo, participando da construção e das metamorfoses da vida púbica”.

A crítica que o autor faz refere-se ao contexto urbano, em bairros que concentram médio e alto poder aquisitivo, mas com densidade baixa e reafirma que “as praças centrais são mais dinâmicas, conflituosas, carregadas de memória e história, mesmo que, em muitos casos, as municipalidades não cansem de reformá-las, mais do que restaurá-las”, em vista daquelas que estão desprovidas de cuidados, “em bairros periféricos, a precariedade na implementação de praças é regra, mas a existência de pracialidades em espaços improvisados pela população, e o intenso uso das áreas qualificadas demonstram a pertinência de investimentos públicos” (Queiroga, 2012, p. 95). Quer dizer, os usos e apropriações constroem o sentido simbólico da pracialidade:

Sem dúvida, a praça revela a vida pública, ou a ausência dela, em relação à sua vizinhança. Não existe uma boa praça, enquanto forma-conteúdo, se o contexto urbano não lhe é favorável, pois não basta bom projeto e boa manutenção para garantir apropriações públicas e diversificadas (Queiroga, 2012, p. 95-96).

Trata-se, portanto, de analisar os espaços públicos da Praça Ignacio Agramonte em Camagüey e da Praça do Bandeirante, em Goiânia, no ensejo de encontrar, nas entrevistas e na empiria, uma experiência singular das partes e do todo que interagem, – reconhecendo que o objeto é movimento –, para interpretar os fenômenos através da abordagem geográfica, compreendendo a pesquisa empírica como momento fundamental do método que não limita a teoria, pelo contrário, agrega ao conhecimento teórico revisado no próprio empírico (Costa & Scarlato, 2019).

Do ponto de vista metodológico, busca-se, neste artigo, identificar a catalogação oficial do atrativo situado: localizar e compreender, a partir dos moradores, os usos, as apropriações e ocupações nos espaços públicos que configuram uma ativação popular e quais funções dizem respeito às praças como locais públicos de exposição dos monumentos e que remetem ao processo de identificação coletiva dos sujeitos no cotidiano citadino.


Figura 1
Localização da Praça Ignacio Agramonte, em Camagüey (CU), e Praça do Bandeirante, em Goiânia (BR)
Elaborado

Parte-se, assim, de uma perspectiva que expressa o cotidiano dos sujeitos nos espaços públicos ou a ativação popular do espaço público no debate do patrimônio-territorial; ativação significante de “um elemento de resistência e mobilização popular nas periferias latinas, quando as expressões que envolvem autonomia política, econômica ou cultural dos empobrecidos tendem a ser estigmatizadas socialmente” (Costa, 2017, p. 65). Em síntese, esse fenômeno que envolve as cidades na formação dos espaços públicos, resulta em uma imagem carregada de símbolos que podem ou não gerar uma ativação popular específica, a partir dos monumentos como representações espaciais históricas.

2. O espaço público como potencial de preservação patrimonial (Pp) na América Latina

Como já indicado, esta abordagem emerge da preocupação com as resistências espaciais, que culminam no fenômeno da ativação popular do espaço público, pelo viés do patrimônio-territorial significante de lugares, saberes, práticas culturais e religiosas da maioria popular latino-americana. Maioria que busca resistir cotidianamente nas periferias urbano-rurais do continente. Tal ativação interpreta as práticas dos residentes nos lugares, que são os conformadores de concretas possibilidades futuras desde o presente; sua função é “o reconhecimento da importância, da influência, da resistência e da opressão pela qual passaram os povos ancestrais no bojo da dominação, da representação e da valorização do espaço continental” (Costa, 2017, p. 71).

Essa prática social, histórica e culturalmente situada, torna-se ainda mais complexa quando miramos o interior de cada país da América Latina e Caribe. Tal complexidade de sentido foi um dos motivos que impulsionou E. Costa a realizar um minucioso estudo sobre urbanização e patrimonialização no continente, pesquisando sete cidades de cinco países, incluindo Ouro Preto, no Brasil, Lima e Cusco (Peru), Guanajuato e Guadalajara (México), Camagüey (Cuba) e Portobelo (Panamá)[i].

Em seu artigo “Riesgos y potenciales de preservación patrimonial en América Latina y el Caribe”, Costa (2018) faz a análise geográfica do nível de riscos (R) e o potencial de preservação (Pp) dos sítios considerados patrimônio da humanidade, focalizando as cidades anteriormente citadas. O estudo trouxe importantes dados que revelam a emergência de um mapeamento das resistências sociais localizadas e dos territórios vulneráveis que estão sob diferentes tipos de riscos e vulnerabilidade. Costa (2018, p. 2) faz uma denúncia dos problemas que incidem sobre as cidades citadas e defende a tese de que:

Los principales riesgos para el patrimonio latinoamericano y caribeño provienen de la asimilación e incorporación regional de una política de preservación eurocentrada. Adoptada de manera irrestricta, dicha política descuida la fuerza de participación consciente de los sujetos locales en la elección de bienes declarados y no declarados. Se observa una paradoja cuando los riesgos que afectan el Patrimonio Mundial del continente se incrementan debido a la fuerza de la racionalidad eurocéntrica.

Ao pesquisar a cidade de Camagüey, o autor apresenta dados que colocam a cidade cubana no contexto de um patrimônio sumamente valorado pelos habitantes. Os riscos assumidos, segundo Costa (2018), correspondem ao fenômeno do turismo que incide sobre as residências e ao comércio, desencadeando a “tugurización” dos imóveis[ii]; aos eventos climáticos e inundações existentes que atingem a cidade; a infraestrutura e o desenvolvimento que vem acompanhado dos problemas com propriedades (afetivo, judicial e gestacional), estes são exemplos de riscos evidentes e incipientes, em menor ou maior grau.

Os potenciais de preservação identificados pelo autor apresentam estratégias que buscam mitigar ou reduzir os impactos desses riscos ao patrimônio. Tais como, o espaço público em seus usos e apropriações, que garante o acesso e a permanência dos sujeitos ao respectivo; a habitação social por possuir alto grau de Pp, ao favorecer a permanência de famílias com suas tradições e laços afetivos; o acesso, a mobilização e a mobilidade são representativos e significantes como potenciais de preservação; as festas locais também representam uma ativação popular no contexto da preservação patrimonial; bem como a consciência e sensibilização sobre o patrimônio, por intermédio da educação e da cultura, em que estudos de universidades e instituições trabalham em conjunto com a população para preservar o patrimônio e mitigar riscos.

O quadro síntese elaborado pelo autor (quadro 1), revela dados importantes sobre a ocorrência dos riscos . e do potencial de preservação patrimonial Pp latino-americano e caribenho. Os resultados da pesquisa elucidam o trato do turismo em cada uma dessas cidades, onde através do empírico, pôde-se chegar a uma análise concreta da carência e da necessidade de conexão espacial da comunidade, pois a ela compete estabelecer o laço afetivo com o território e sua inclusão na gestão de políticas patrimoniais que salientam o potencial do atrativo, e juntos podem criar condições para que se viabilize práticas econômicas alternativas nas cidades da América Latina e do Caribe.

Nesse sentido, revisitar o quadro síntese desenvolvido e finalizado pelo autor auxilia na contextualização deste estudo, para o que pretendemos abordar do espaço público e sua relação com o monumento ou a relação entre ativação popular do espaço público e patrimônio-territorial na América Latina, a partir dos casos que foram analisados. Nesse sentido,

Enaltecer el espacio público activado como potencial de preservación patrimonial significa entender la realización de la vida social cotidiana en el sitio patrimonial y el entorno; plazas, calles, atrios (apropiados, usados como potencial de preservación), etc., son fundamentales para operar la conexión territorial afectiva de los bienes por la población local y/o turistas (Costa, 2018, p. 19).

O vínculo espaço público e patrimônio-territorial, para Costa (2018, p. 20), também ocorre quando as praças são potenciais lugares de “debate político, expresión artística y sobrevivencia económica”. Os espaços públicos apropriados e ocupados pelos residentes, podem se mesclar à preservação desse patrimônio “cuando el comercio y el turismo fueron desarrollados dentro de una ideología que aprehende el territorio en una constitución objetiva y subjetiva de la vida colectiva urbana y no como recurso de clase” (Costa, 2018, p. 20).

Quadro 1
Síntese de Riscos (R) e Potencial de Preservação Patrimonial (Pp) na América Latina e Caribe

Costa (2018)

Costa (2016, 2017, 2018), ao apresentar um panorama sobre a urbanização e a patrimonialização na América Latina, demonstra que os espaços públicos se tornam um potencial vigoroso do patrimônio-territorial, por permitirem a potencialização e a visibilidade de diferentes formas de resistência espacial, a comunicação e o acesso coletivo às cidades, a efetivação do direito à cidade por meio dos usos e da implementação de lutas; reconhecer as lutas e as mobilizações de cunho popular situa o espaço público como lugar de encontro e revolução, além de ser espaço destinado as mais variadas formas de economia ou comércio, de reprodução da vida individual e coletiva. Atraem desde movimentos populares, atividades turísticas a manifestações culturais populares de bairros.

Por mais que os espaços públicos tenham se alterado morfologicamente ao largo dos séculos, devido às intervenções urbanísticas e seu sentido público tenha sido, por vezes, contestado, ele permanece em essência e simbolicamente constituído pela multiplicidade de relações sociais participativas; leva-se em conta que os sujeitos se constituem sensibilizados por memórias, pela história, com a própria experiência, interpelados pela “ideologia política do desenvolvimento urbano latino” (Costa, 2018, p. 23), o que incide na apropriação do espaço público. Assim, concordamos com Calero, Delgado e Armas (2014, [s/p]), ao afirmarem que “en estas políticas de hacer ciudad, el espacio público es considerado no solo como un indicador de calidad urbana sino también como un instrumento relevante para mantener y renovar los antiguos centros (…)”.

Para Ribera (2019, p. 11), em diálogo com o que foi posto até aqui, o espaço público é um bem coletivo a ser preservado tendo em vista sua especificidade, ademais, por ser historicamente o lugar de referência nas cidades, “siempre habrá que tener en cuenta su polifacética esencia gestada historicamente”, o que decorre da relação também singular que o turismo estabelece nesses espaços, e os definem; significa também considerar o espaço público como fonte de preservação patrimonial (por isso, no quadro 1, o espaço público aparece

como Pp, ora em risco, ora ativado).

Os monumentos, por sua vez, têm uma relação singular com os espaços públicos; por serem componentes interrelacionáveis eles se constituem como legados culturais, tornando-se referentes localizáveis nos espaços. Corrêa (2005, [s/p]) afirma que os significados que emergem neles auxiliam na compreensão de sua representação, “simbolismo, visibilidade e acessibilidade compõem, juntos, os fins e os meios que giram em torno do monumento”. Assim, as imagens da cidade são constantemente reconstruídas pela imagem do monumento no espaço público. Essa perspectiva vai ao encontro do que Halbwachs (2003) considera por intuição sensível ao objeto e da existência das coisas materiais pertencentes ao lugar, à cidade, por criarem uma imagem simbólica que perdura, sobretudo, na memória.

Os itens seguintes concretizam nossa proposta e explicam como essa ativação popular do espaço público pelo simbolismo do monumento estimula e revela o potencial de preservação Pp, o que se traduz pelas narrativas existentes nas e sobre as praças em Camagüey e Goiânia, em articulação com outras práticas sociais (acesso, mobilização e apropriação). O monumento será revisto na lógica das representações espaciais e em sua dimensão simbólica e material, o que justifica a reflexão sobre os elementos promotores dos espaços públicos no contexto da América Latina.

3. Narrativas existenciais na/da praça em Camagüey: monumento e ativação popular do espaço público

Segundo Chaos (2011), a cidade de Camagüey possui uma configuração dinâmica datada do século XVI, em que as transformações urbanas e suas funções, formas-conteúdo e significados se apresentam concretamente e representam a possibilidade da ação comunitária na valorização desse espaço.

A praça Ignacio Agramonte se consolidou desde sua formação inicial, em 1528, por possuir um caráter central, de memória e acessível a todos, sendo ponto crucial de diferentes manifestações sociais. Tais fontes de preservação foram essenciais para fomentar a discussão e auxiliar na construção deste artigo e na identificação do monumento como ativador popular da praça. Ela compõe, juntamente com outros espaços públicos, sete das mais importantes praças da cidade, todas no âmbito do sítio original e na demarcatória patrimonial. Assim, no ano de 2008, o núcleo mais antigo da cidade de Camagüey entrou para a lista de patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Uma das instâncias que movem a ativação popular do espaço público é protagonizada pela comunidade, em contato possível com as Universidades. As iniciativas criadas pela comunidade colaboram na salvaguarda do patrimônio-territorial, por viverem o protagonismo individual e coletivo dessa ativação (Costa, 2017; Holstensky, 2018; Alves, 2019). De acordo com Costa (2017, p. 69), a universidade reconhece o utopismo que envolve o patrimônio-territorial; a comunidade demanda, aponta e opera, na utopia pensada, o possível realizável; as instituições retêm a utopia de serem potenciais catalizadoras do ativado (popularmente) patrimônio-territorial; elas coroam a realização do novo nos territórios populares, por meios materiais e virtuais de conexão de pessoas e lugares.

No centro histórico, percebemos a existência dessa relação ratificada pelo valor patrimonial em vários níveis, um deles é a força do centro como atrativo turístico e a presença de monumentos nos espaços públicos que reafirmam essa valorização. A iniciativa maior pelo reconhecimento e valorização desses bens passa pelo sujeito, por se manifestar de acordo com seus valores e interesses, suas tradições e hábitos (figura 2), suas aspirações e necessidades, seus modos de vida, enfim, da forma como se identificam espacialmente. Conforme afirma Serpa (2007, p. 133), “é principalmente a história pessoal do indivíduo que determina sua relação com os espaços que compõe o seu cotidiano. O lugar se transforma e vira história pessoal”.


Figura 2
Grupo de idosos em prática de Yoga na Praça Ignacio Agramonte, em Camagüey, Cuba
trabalho de campo de E. Costa (nov. de 2018).

As narrativas justificam a relevância em compreender o fenômeno da ativação popular do espaço público à luz do patrimônio-territorial, pois relacionam os sujeitos aos espaços públicos das cidades e as representações espaciais como aspectos específicos do lugar. A praça é reafirmada como um lugar do passado e do tempo presente, há uma relação de uso-significado, uma referência espacial que resistiu material e simbolicamente, os elementos que ela suscita como o monumento e a igreja tornam-se símbolos que evocam sua memória, – os lugares de memória que para Nora (1993) formam raízes no concreto. A fala de uma moradora do centro histórico de Camagüey nos ajuda a compreender esse passado:

Vivo muy cerca de la plaza y generalmente vengo a ver a mis amigos y hablar sobre las cosas de la vida, (...) Creo que la plaza es la misma de siempre, es nuestra y vivo al lado, ¿por qué no visitarla? Soy católica y siempre vengo a misa, también hay muchas otras cosas, el monumento, la Trova, el Café Ciudad (Entrevista concedida pela senhora M. M. N., em Camagüey, Cuba, em fevereiro de 2019).

Esses aspectos acentuam a permanência e o intercâmbio de informações que ocorrem no lugar, corroborando na carga de sentido simbólico que o espaço público transmite nas gerações e como uma referência espacial ativa a praça por seu significado social. Gomes (2001, p. 94) sinaliza que o espaço público analisado geograficamente, contribui para o entendimento e “um novo olhar sobre a dimensão espacial”, que tem as práticas cotidianas como componentes fundamentais dessa dimensão.

Outro importante ponto a ser destacado no contexto de Camagüey é que a dinâmica da cidade acontece de forma diferente no centro e nas áreas mais distantes. Uma delas é que, devido ao contexto histórico-cultural de Camagüey, percebe-se que há a conservação do patrimônio gerado pela riqueza material de construção das casas (coloniais, ecléticas, artes decorativas), dos comércios e de centros religiosos, que ultrapassa a escala temporal da cidade; e uma segunda questão compreendida está motivada pelo turismo impulsionado pelos desafios econômicos e financeiros que Cuba, de modo geral, enfrenta. Sobre esses aspectos, a maior parte dos sujeitos abordou essa questão implicitamente.

Essa dinâmica na América Latina é expressiva, pelos processos e contextos gerais de colonização dos sujeitos subalternizados e pelas necessidades econômicas territoriais desencadeadas com o fenômeno do turismo. De acordo com Costa (2015), a patrimonialização global é movida por e gera interesses alheios que não correspondem, necessariamente, aos espaços construídos e aos significados locais; são ações que inibem, via de regra, a participação cidadã nas decisões sobre os problemas que afetam os espaços públicos, pois desconsideram a importância histórica e dos símbolos do lugar para a comunidade.

O turismo é um risco incipiente e evidente, – conforme demonstrado no quadro 1 –, então, uma vez que o sentimento de patrimonialidade está contido nas ações e relações no cotidiano, a população cria consciência do espaço público como bem público comunitário e o vê como lugar de memória e de resistência, em que a comunidade se torna a “guardiã da preservação cultural e da difusão da memória, até onde deseja” (Costa, 2017, p. 70). Em seus trabalhos desenvolvidos sobre Camagüey, Chaos (2011, pp. 285-286) analisa os espaços públicos tal como um mosaico socioespacial formado a partir da Praça Ignacio Agramonte, num sistema simbólico:

Como resultado de este proceso, en el que se construye también la imagen de la ciudad simbólica, se obtiene un trazado que respeta en su punto central, o sea, la Plaza Mayor, lo establecido como modelo para las nuevas fundaciones, y rompe con ello en la configuración del resto de la trama urbana, la cual resulta un tejido irregular en el que, si bien no está presente la linealidad de sus calles y manzanas, subyace un trazado que da respuesta a las relaciones funcionales principales de la villa.

A justaposição de construções arquitetônicas, que se inicia no século XX, em Camagüey, marcou o espaço público da cidade, com a instalação de monumentos nacionais e regionais, sinalizando historicamente o progresso, a luta pela independência de Cuba, a resistência e a necessidade de se fazer presente como representação de um passado em comemoração aos seus mártires.

No contexto urbano, personalidades se destacam pela relação construída nos períodos de significação política. O caráter nacionalista estimulado pela história como fonte de informações, ultrapassa a subjetividade e projeta sua força em objetos, cujo interesses – público e político – assumem tal narrativa por “mensagens em forma simbólica, associadas a temas como poder, identidade e conflitos gerados por ambos” (Corrêa, 2005, [s. p.]).

Somada a essa compreensão, a ativação popular do espaço público em relação com o monumento tem na sua essência a visibilidade dessas práticas cotidianas e o reconhecimento dos sujeitos como detentores de sua história, identidade, memória, cultura e tradição, como ensina Costa (2016, 2017). Há uma mescla de afetos e lembranças que ecoam na espacialidade humana e na resistência no/do espaço público (figura 3).


Figura 3
Momento de lazer noturno na Praça Ignacio Agramonte em Camagüey
acervo pessoal da autora (2019)

Tamames (2001) identifica a origem do nascimento do Monumento a Ignacio Agramonte desde a sua idealização até o estado atual do conjunto arquitetônico e o entorno de seu ambiente. O esforço em harmonizar cada detalhe da escultura, com a projeção de significado para as gerações seguintes, cumpriria o propósito do monumento: a imagem de Ignacio Agramonte recorda os dias de luta e o movimento para um não-esquecimento desse momento. As condições materiais e imateriais necessárias para compor essa memória estão dotadas de características essenciais para a compreensão dos eventos que marcam os conteúdos gerados na praça (figura 4), a partir do monumento que atravessa a vida cotidiana dos camagueyanos e dos sujeitos que transitam por ali.

Ainda de acordo com Tamames (2011, p. 136), os motivos por trás do monumento estão ligados a uma função que conecta a estátua ao “destinatário”, ou seja, os sujeitos se identificam de tal maneira com a imagem de Ignacio Agramonte que sua significação se torna incontestável. Do ponto de vista geográfico, isso implica na construção de sentidos que se dá na relação sujeito e objeto (Corrêa, 2005). Além disso, há a necessidade de reforçar sua imagem como um símbolo vital nos espaços da cidade (Choay, 2006).


Figura 4
Inauguração da estátua de Ignacio Agramonte y Loynaz, em 24 de fevereiro de 1912 – Camagüey
Coleção Monumento a Ignacio Agramonte, acervo da OHCC, Camagüey (1912).

Costa (2017) afirma que as práticas cotidianas emergem de uma teia de significações e subjetividades complexas ligadas aos sentidos,

valores, símbolos e experiências individuais e coletivas dos sujeitos espacializados em movimentos singulares que ativam popularmente as ruas, as praças, os parques, os logradouros, etc.

Um traço marcante verificado empiricamente é que o monumento é um transmissor de significados que se manifesta através de práticas sociais; além disso – ao tratarmos do monumento e sua vitalidade secular –, vimos que sua existência exprime uma continuidade que não cessa e não se encerra, pelo contrário, ele incorpora os sujeitos ao espaço público e o faz lócus dessas práticas (figura 5).


Figura 5
Celebração do Dia da Cultura Nacional – Praça Ignacio Agramonte, Camagüey
oficina del Historiador de la Ciudad de Camagüey (2019).

Por esses aspectos, buscamos a potência da “ativação popular do espaço público” proposta pelo autor, ao evidenciar que os sujeitos, através dos usos e apropriações na e da praça, ressignificam o lugar e seus elementos (como o monumento) ao referenciá-lo como parte de suas vidas, assim como o fazem com as representações espaciais, que tem a ver também com sua “função memorial” (Choay, 2006, p. 25), tornando-se um elemento de mediação entre sujeito e memória e coletiva.

Essas atuações positivas constituem a praça como espaço de memória, “se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que envolvem, eles seriam inúteis” (Nora, 1993, p. 13). Sobre essa experiência, alguns entrevistados tecem os seguintes comentários:

Para mí, la estatua de Ignacio Agramonte es la que más me gusta de la ciudad. Hay muchos otros en las calles, no sé si caminaste por las calles o si viniste aquí directamente a la plaza, pero hay muchas estatuas. (Entrevista concedida pelo senhor C. V. M., em Camagüey, Cuba, em fevereiro de 2019).

El monumento a Ignacio Agramonte en la plaza es uno de nuestros símbolos y crecimos escuchando sobre nuestro héroe. Para mí, es como si fuera parte de nuestra historia, ¿sabes? En la escuela aprendimos sobre él y se puede ver que en nuestra ciudad hay muchas otras esculturas, pero él es central. El representa nuestra resistencia (Entrevista concedida pelo senhor R. G.G., em Camagüey, Cuba, em fevereiro de 2019).

A praça, para esses entrevistados, atinge uma proporção comunicativa muito maior quando exibe o monumento, por fazer de si uma lembrança. Por isso, Choay (2006, p. 18) considera que o monumento está relacionado a uma prática de conservação do patrimônio, com uma essência afetiva tocada principalmente por invocar um passado significativo específico, “ele constitui uma garantia das origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos”.

Para Costa (2018, p. 20) “la interacción espacio público activado, patrimonio y monumentos potencializa el imaginario y la práctica de la movilización social y el derecho a la ciudad por la apropiación efectiva del espacio”. Por esse caminho, compreende-se que o monumento apresenta na atualidade uma dimensão de significações localizadas, muitas vezes transitórias no espaço e duradouras na memória, porque envolve perpetuar a história local e o uso de sua imagem como uma referência espacializada, concreta e/ou imaginariamente.

4. A construção simbólica da pracialidade e do monumento em Goiânia como utopismo patrimonial pela América Latina

Torna-se pertinente, quando falamos de América Latina, considerar alternativas que permitam pensar sobre nossa realidade no campo social, cultural, econômico, político e ideológico continental. Em função disso, a palavra “utopia” aparece como possibilidade de enxergar novos modos de viver; no pensamento ela nos projeta ao futuro e abre caminhos possíveis através das ações.

Canclini (2012) defende que a sociedade atual necessita da articulação por uma perspectiva do possível, por uma mudança profunda, que perpassa a esfera da cultura imposta pela sociedade fortemente hierarquizada e essa hierarquia se sustenta na condição histórica latino-americana, na manutenção do poder dos sujeitos que ocupam determinadas posições frente a outros, silenciados e segregados. Nesse sentido, o pensamento utópico recupera os sujeitos aparentemente destituídos de poder e concentra forças em seu devir cultural.

Nesse contexto e com enfoque geográfico, Costa (2016) inaugurou o debate sobre utopismos patrimoniais e diz que a utopia é potencial transformador da realidade dos lugares e representa um marco referencial do patrimônio-territorial, por ser estratégia de ressignificação espacial e cultural da situação histórica concreta latino-americana frente aos órgãos da patrimonialização mundial. Segundo o autor, uma saída crítica à universalização imposta pela UNESCO e outros organismos internacionais de financiamento da patrimonialização requer a utopia como a base e mesmo o método de um projeto latino-americano, que recupere localmente os sujeitos subalternizados e afetados pelo modus operandis da modernidade/colonialidade.

E. Costa justifica, ainda, que enquanto as políticas públicas de patrimônio operam, economicamente, em setores territoriais exclusivos e nobilitados de cidades, o patrimônio-territorial ativado pode valorar, popularmente, setores de cidades e exige, pois, compreender uma realidade heterogênea, de práticas plurais contra-hegemônicas nesses espaços. A mobilização popular não está somente em busca de uma prática menos segregadora, ela atua como forma de afirmação de culturas diversas dentro das possibilidades de uma tríade conexa de utopismos patrimoniais (Costa, 2016).

Nesse sentido, considera-se que a utopia tem o potencial de fazer emergir o trato da ativação popular que recai sobre a própria manutenção vital do espaço público. A utopia amplia o horizonte construtivo do ser social. São as iniciativas dos sujeitos que uma vez localizados, tendo consciência e sentimento de pertencimento ao lugar, conseguem revelar as suas necessidades e anseios no espaço social; logo, no espaço público da cidade. Desde a utopia como método e em diálogo claro com a teoria social crítica decolonial (Mignolo, 2005; Quijano, 2005; Dussel, 2005), Costa (2016, p. 2) conceitua ou propõe os “utopismos patrimoniais”, abrindo o debate com o utopismo patrimônio-territorial como:

um projeto histórico-geográfico; esse utopismo perpetua ambições, ideias e matérias, além de denunciar contradições, todos situados. Universalmente, o patrimônio-territorial: i) anuncia as estratégias da conquista ibérica do continente latino-americano, em abertura para a modernidade, e a organização colonial do mundo; ii) indica que a América Latina “entra” na modernidade como sua “outra face”, dominada, explorada, encoberta, pois teria como ponto de partida fenômenos intra-europeus; iii) reforça o projeto transmoderno enquanto “co-realização do impossível para a modernidade; solidariedade de: centro-periferia, mulher-homem, diversas raças, diversas etnias, diversas classes, humanidade-Terra, Cultura Ocidental - Culturas do mundo periférico ex-colonial, por incorporação, partindo da Alteridade”. Particularmente [...] o utopismo patrimônio-territorial latino-americano enfatiza bens a serem preservados e difundidos, assegurados por prestígio adquirido na história das barbáries da própria modernidade. Denuncia, se apropria e perverte simulações impostas à história cultural latina. Considera que a sociedade estabeleceu-se e permanece dividida em classes, etnias e regiões, assumindo que esse e outros disparates estão na essência da grandiosidade de obras, fatos e sujeitos históricos. Esse utopismo intensifica voz dos indígenas, mulheres, pobres urbanos; legitima a diversidade das memórias nacionais e acusa desmantelamentos por guerras e ditaduras. Reconhece que a mudança social no continente está nas mãos dos despojados e dos humilhados, perfazendo-se neles próprios (grifos nossos).

Esse utopismo é basilar para os outros dois utopismos (patrimonial singularista e patrimonial existencialista), porque busca indicar caminhos para reverter a lógica segregadora que visa a excluir e silenciar os empobrecidos, uma vez que o utopismo patrimônio-territorial, “depende da iniciativa dos sujeitos localizados e interessados em reforçar seu protagonismo de lutas passadas, numa nova história feita solidaria e comunitariamente” (Costa, 2017, p. 72). Nesse sentido, tais utopismos localizam os sujeitos e os lugares, a partir dos roteiros patrimoniais utópicos provocando mudanças de perspectivas decoloniais: o monumento, sua história e força de memória representam a utopia necessária da ativação popular do espaço público, por fortalecer a práxis.

Goiânia foi uma cidade planejada durante as primeiras décadas do século XX, (1930-1935). Sob vontade política de se construir uma capital moderna no sertão do Brasil (Daher, 2003), a cidade foi intencionalmente criada para destacar o processo de modernização do presidente Getúlio Vargas na esteira da Revolução de 30 e da chamada Marcha para o Oeste[iii].

Nesse sentido, os espaços públicos foram produtos arquitetados em épocas distintas e os processos que levaram as suas transformações urbanísticas moldaram a Praça do Bandeirante com aspectos peculiares no centro da capital: com os sujeitos, com as avenidas, com os agentes imobiliários e privados, etc., caracterizando o que vemos hoje pelos usos e apropriações do e no lugar. Fazendo uma retrospectiva desse processo, Oliveira e Chaveiro (2008, p. 193) argumentam que:

Ao longo da década de 1980, quando o fenômeno urbano se revelou a Goiânia, a reivindicação da cidade feita pelas camadas sociais segregadas pelo autoritarismo do capital – com destaque aqui ao capital imobiliário – as colocou no espaço público. Movimentos sociais foram responsáveis por uma nova ordem da cidade, a ordem dual: de um lado, a cidade planejada pelo Estado – na institucionalidade do poder público municipal –, expressante de uma lógica de ordenação excludente, na qual as camadas populares se viam restritas ao acesso da urbanidade. De outro, a cidade resultante da ação cotidiana destas mesmas camadas, que na busca de garantia de sua sobrevivência, reinventaram a cidade na produção de seus espaços de referência, contraditórios com a centralidade; produziram uma heterotopia conformada à feição das desigualdades socioespaciais. Porém, a produziram na polifonia de suas ações coletivas, rompendo com a mordaça imposta pelo regime militar. As camadas populares se fizeram sujeitos da cidade, da polis, buscando definir uma situação de cidadania.

Contemporaneamente, pensar na utopia com base no território, como propõe E. Costa, nos dá possibilidade de ver as diversidades das relações ativas do espaço público face às mudanças históricas, sociais e culturais em Goiânia. O empírico realizado na atual capital de Goiás auxilia a reforçar o utopismo patrimônio-territorial, haja vista que localizar espacialmente os sujeitos e identificar suas referências memoriais parece uma utopia necessária no momento político que atravessa América Latina, especialmente o Brasil (onde o neoliberalismo ganha fôlego) e em Cuba (que padece, todavia hoje, do histórico embargo econômico estadunidense).

Goiânia, por ser uma cidade brasileira planejada, nascida de “um marco zero” pode parecer condicionada a uma única razão mercadológica, existencialmente arquitetada para suprir as necessidades das classes hegemônicas da época de sua construção, porém, essa visão unilateral elimina os sujeitos desse movimento no espaço público urbano (Pelá, 2014). Nesse sentido, ao considerarmos outras conexões possíveis a partir das mobilizações populares em espaços públicos que localizam os sujeitos e suas necessidades políticas, econômicas e culturais, – como afirma Costa (2017), chegamos em outra expressão do espaço público, na qual corresponde a ocupação dos sujeitos que o fazem como local de trabalho. Segundo Queiroga (2003, p. 26), as formas de encontro diversificadas são fortalecidas pelas relações sociais, em que a “força da pracialidade” surge como alternativa aos espaços públicos negligenciados pelo poder público.

A Praça do Bandeirante é fruto dessa construção espacial complexa, ela é uma forma de resistência dos sujeitos e dos espaços públicos frente sàs mudanças contemporâneas ou dos fatores que condicionam sua vitalidade: econômico, político, social, ideológico, cultural, pois o espaço público permanece na memória dos sujeitos, que seguem apropriando com usos tradicionais e contemporâneos desses espaços.

Ainda de acordo com Queiroga (2012, p. 61), as praças são “espaços livres residuais resultantes da implantação de avenidas, de espaços públicos apenas vegetados em bairros de renda alta e baixa densidade habitacional, rotatórias, dentre outros”. No caminho por uma pracialidade e ativação popular do espaço público forjados pelo monumento, encontramos narrativas que desvelam os motivos dos usos e o conjunto de representações espaciais, as quais dão subsídio à composição de imagens sobre a cidade:

A Praça do Bandeirante é um ponto histórico nosso, ela faz parte da história de Goiás, infelizmente está um pouco depredada e esquecida pela questão geográfica da cidade, eu sinto falta de como era antigamente, porque a cidade expandiu e o centro ficou abandonado nesse sentido (Entrevista concedida pelo senhor P. M., em Goiânia, Brasil, em maio de 2019).

Por esse caminho, compreendemos que os espaços públicos na América Latina possuem singularidades devido às transformações dos bairros, da mudança das malhas urbanas, das tipologias arquitetônicas, das dinâmicas que envolvem o campo econômico, social e cultural, enfim, os embates gerados pela aglomeração urbana dão forma e conteúdo aos espaços como lugares de convivência, conflito, debates, transformação e esperança. Esse é o caso de Santiago, no Chile, que em meados de 2011 viu suas praças e ruas serem tomadas por protestos contra o sistema capitalista, fazendo com que a população se conscientizasse democraticamente sobre seus direitos cidadãos (Fernández-Droguett, 2017).

Ainda no contexto da América Latina, os monumentos são heranças de momentos históricos nem sempre emancipatórios. Por exemplo, no caso da capital Santiago no Chile, em protestos durante o ano de 2019, articulados entre estudantes e população nas ruas e praças da capital mostraram que a estátua militar do General Baquedano[iv] foi tomada pela população que elevou, dentre outras bandeiras, a de Mapuche[v] e a do Chile ao topo do monumento (figura 6), simbolizando a luta pela justiça, respeito e liberdade do povo chileno na maior marcha pacífica do país (Lafuente, 2019).


Figura 6
Manifestantes tomam o monumento com bandeiras que simbolizam a resistência de povos indígenas no Chile
Suzana Hidalgo (2019).

Durante o processo de construção de Goiânia, alguns personagens que remetem ao ato fundador da capital foram homenageados, no sentido de reforçar a imagem dos bandeirantes paulistas como desbravadores do Cerrado[vi]. Esse é o caso de Goiânia e de tantas outras cidades brasileiras, a exemplo de São Paulo, que possuem estátuas a outros bandeirantes fixados em seus espaços públicos (Valverde, 2018). Assim, considera-se que os monumentos concebidos nos espaços de memória, dependem dos sujeitos para constituí-los como uma representação da história, um símbolo dotado de significações que dialogam com o espaço urbano em diferentes dimensões (Corrêa, 2005; Choay, 2006; Valverde, 2018).

O Monumento ao Bandeirante, erguido em 1942 no cruzamento das Avenidas Goiás e Anhanguera, reordena e direciona as práticas dos sujeitos a uma concepção do lugar com significados e no contorno da construção do espaço urbano da cidade. Existe aí as possibilidades de pensarmos as práticas sociais dotadas de temporalidade urbana, constituídas a partir do monumento na Praça do Bandeirante, uma vez que ele pertence aos “objetos cujos significados podem ser recriados e apropriados por instituições e grupos com motivações, interesses e práticas distintas e, por vezes, contraditórias” (Corrêa, 2005, [s. p]).

A esse conjunto arquitetônico, o Bandeirante é uma imagem que, segundo Pereira (1997, p. 118), “serviu para conferir legitimidade a um novo movimento bandeirante”, e que desde o ano de 2003 faz parte do conjunto urbano tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Movidos por esses pressupostos, identificamos nas entrevistas tais práticas sociais que se relacionam quando as entrevistadas fizeram referências: à praça como o lugar do encontro, das atividades cotidianas, do comércio popular e varejista, das manifestações populares de cunho político e cultural, da aparência da estátua do Bandeirante centralizado (figuras 7 e 8).


Figura 7
Praça do Bandeirante, ao fundo o Banco do Estado de Minas Gerais – Goiânia, Brasil
Alois Feichtenberger, acervo MIS, Goiânia (Década de 1960).

Reconstruídos culturalmente, esses elementos conformam as práticas sociais de geração em geração, a praça é também um espaço público de confluência cultural que dá o sentido existencial da vida urbana na cidade contemporânea. Enfim, todos esses elementos indicam a ativação popular do espaço público e o monumento existentes na praça.


Figura 8
Manifestantes protestam contra a “Reforma da Previdência” na Praça do Bandeirante, em Goiânia
G1 (2017). Retirado de: https://g1.globo.com/goias/noticia/manifestantes-impedem-circulacao-de-onibus-do-eixo-anhanguera-em-goiania.ghtml.

A narrativa abaixo exemplifica o sentido afetivo com o monumento por suscitar um conteúdo representativo:

Ah, para mim o monumento significa que a gente passou por tanta coisa, e ele está aí para nos mostrar isso. Que somos goianos na raça, no jeito, no campo (...), nos lugares, assim... para mim, o Bandeirante é esse cabra de ontem e hoje mesmo, no centro, em Goiânia, entendeu? É o homem forte que construiu as coisas, e ainda assim continua aí há muito tempo, né? (Entrevista concedida pelo senhor P. M., em Goiânia, Brasil, em julho de 2019).

Paralelo ao sentimento afetivo, às vezes o monumento revela sua “outra face”, na qual contradições podem apresentar um outro sentido representativo que gira entorno da narrativa do mito heroico, ora enfatizado, ora obliterado:

Olha, eu moro aqui no Centro há uns 5 anos e sempre que vejo a galera fazendo manifestação, eles dão um jeito de pichar a estátua e chamar atenção para o que ela realmente significa. Sinceramente, eu gosto de outras estátuas mais expressivas sabe? Essas que a gente pode tocar, essa, além de a gente não tocar, ela está aí apagada e não interage com a gente. Para mim, é isso, eu acho que ela fica fora de contexto (Entrevista concedida pela senhora L. O., em Goiânia, Brasil, em julho de 2019).

Corrêa (2005) comenta que a espacialidade do monumento está relacionada a sua permanência e aos elementos constituintes do lugar, quer dizer, são as interações espaciais que o conduzem a uma dinâmica espaço-temporal. Portanto, é nas práticas cotidianas que a utopia se constitui, por denunciar o estado de esquecimento das coisas e pessoas e projetar o bem comum para o futuro, “é a utopia necessária à alteração da experiência espacial que vislumbra territórios simbólicos desprovidos de cidadania” (Costa, 2017, p. 61).

Costa (2016, p. 8) afirma que se tratando do Ocidente, existem nuances que reforçam o “imaginário do mundo moderno colonial”, e coloca os sujeitos em situações visíveis/invisíveis, ora oculta, ora desvela a memória dos sujeitos a favor de uma memória oficial, a fim de compartilhar dos ideais e objetivos do poder eurocentrado.

Contudo, o utopismo patrimônio-territorial quer construir uma imagem da América Latina em uma história que caiba todas as diferenças de vidas existentes no continente. Segundo Costa (2016, p. 8), “o utopismo patrimônio-territorial quer inverter a noção de uma América Latina como civilização apartada do Ocidente”, ou seja, esse utopismo coloca “o sujeito e seu acervo memorial situados declarados como a possibilidade concreta do devir patrimonial contra as hegemonias ideológicas que perduram da colonialidade” (Costa, 2016, p. 10).

Nessa ótica, Le Goff (2013) afirma que o monumento é um objeto de construção histórica da sociedade (constituído de forma voluntária ou não), com a intenção de perpetuar e legitimar formas de poder. Não queremos dizer que uma memória seja mais relevante ou verdadeira que outra, mas é justamente nessa complexidade que o Monumento ao Bandeirante descortina a pluralidade e a singularidade enquanto construção simbólica que conforma, intermitentemente, o espaço público na cidade contemporânea. Alguns desses elementos nos estimulam a pensar o movimento dinâmico que a praça possui, haja vista que as imagens geradas pelo monumento nos levam a questões sobre a construção simbólica da pracialidade (Queiroga, 2012), no cotidiano e na memória coletiva.

Buscar alternativas que acentuam os utopismos patrimoniais significa tentar romper com o descaso com a memória popular, com o sentido concreto dos monumentos e sua reprodutibilidade nas cidades latino-americanas, pois as práticas sociais dão vida aos objetos que fazem parte do acervo urbano e dos espaços públicos. Como destaca Costa (2016), o utopismo patrimônio-territorial é uma de muitas estratégias que podem ter nos movimentos sociais, nas associações de bairro, na cooperação de acadêmicos, de intelectuais e de artistas, suporte para promover os lugares a serem transformados; para o autor, esse utopismo reconhece a força das teorias endógenas e o potencial de transgressão a partir do reconhecimento dos sujeitos contextualizados com a própria realidade empírica.

5. Conclusão

A ativação popular do espaço público emerge desse contexto por entender que as práticas sociais justificam e explicam ações no espaço, ativando-o, e por isso se faz essencial o debate sobre caminhos de resistência e de utopias, na tentativa de difundir não uma realidade ideal, mas de retomar a posição de solidariedade que possibilite mudanças nos campos material e simbólico, do ponto de vista cultural e espacial.

Por assim dizer, observamos em Camagüey uma ativação expressa no espaço público em que as relações existentes são o resultado de ações do passado, do tempo como variável, que vai influenciar, em certo sentido, nas práticas sociais atuais. Ações que formam sociabilidades cotidianas (de acordo com sua forma de ocupação), e alimentam a diversidade cultural, plural e essencialmente política do espaço público da praça Ignacio Agramonte. Vimos que o monumento agramontino fixado no espaço central da praça é um objeto capaz de rememorar a cultura local e mesmo do país; projetado, ele alimenta a relação mútua dos sujeitos com a praça e sua história.

No horizonte de Goiânia, as evidências empíricas sobre as variáveis de práticas sociais demonstraram que, baseadas na localidade da Praça do Bandeirante, o acúmulo de funções e interesses políticos (manifestações populares, culturais e sociais), indicam que há a valorização sólida do espaço público nessas questões. Assim, pode-se observar que tais práticas são atividades inerentes à vida do lugar. Tal qual o Monumento ao Bandeirante, que preenche a relação sujeito, lugar e experiência, sendo parte do projeto de criação da cidade e da lógica de modernização implantada no continente. Ele foi idealizado a partir do poder e da intenção de ser colocado no espaço público fundacional de Goiânia, forjando-se como um objeto de reconhecimento cultural dos sujeitos, sua ativação a partir das práticas ganhou relevo através de valores, e espacializou na praça e na memória coletiva dos sujeitos.

Por fim, em contextos diferentes dentro do continente latino-americano, os dois lugares surgem como possibilidades de uma ativação popular do espaço público sob a dialética riscos - preservação patrimonial (E. Costa), narrados à luz do sujeito. A relação existencial com o urbano impulsiona uma compreensão da realidade dentro da lógica da preservação e dos utopismos, ao passo que estimulam o cuidado com o ser social, pois, a partir dele as contradições, os afetos e afirmações se estabelecem no e com o espaço público. Constatou-se que o monumento posto em ambas as praças alcançou dar alma ao lugar e convidá-los (o monumento e a praça) à permanência e à resistência social, ativando-os e transcendendos, aglutinando-os na memória individual e coletiva.

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Notas

[1] Mestra em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade de Brasília, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1467-9117. E-mail: larissaades@hotmail.com.
[i] Por um critério rigoroso de eleição, as cidades escolhidas para análise crítica, estão, de acordo com o autor, na rota do turismo mundial. Além de serem consideradas patrimônio por órgãos institucionais em escala global e por terem atrativos urbanos em risco (Costa, 2018).
[ii] Espécie de multidivisão precária de cada edifício, onde cada porta e janela de grandes imóveis são tomados por um tipo de atividade ou mesmo residências não compatíveis com a capacidade de carga do bem.
[iii] Promovida durante o Estado Novo, a Marcha para o Oeste tinha como objetivo desenvolver a economia do país e promover o aumento populacional no Centro-Oeste do Brasil, sobretudo em Goiânia, devido a sua localização geográfica. Com o intuito de criar vilas e núcleos de colonização para atender às demandas do estado e as propagandas políticas do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a intenção era promover também o nacionalismo e a integração do interior com áreas litorâneas, a partir da implementação da malha rodoviária que ligaria as regiões Norte e Centro-Oeste (Pereira, 1997).
[iv] Manuel Baquedano González (1823-1897), foi comandante chefe das forças militares do Chile na Guerra do Pacífico. Em uma de suas missões em 1876, formou expedições contra os povos indígenas do Sul, tornando-se, no mesmo ano, comandante geral de armas de Santiago.
[v] A Bandeira Mapuche é um símbolo que representa a resistência do povo indígena originário do Chile e da Argentina conhecido pela luta em defesa de seus direitos, sobretudo, do direito à terra.
[vi] A estátua de Bartolomeu Bueno da Silva (o Bandeirante), é um presente dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo à cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás.


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