Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
Financeirização, circuitos da economia urbana e produção do espaço urbano no Brasil
Renan Amabile Boscariol
Renan Amabile Boscariol
Financeirização, circuitos da economia urbana e produção do espaço urbano no Brasil
Financiarización, circuitos de la economía urbana y producción de espacio urbano en Brasil.
Financialization, circuits of urban economy and production of urban space in Brazil
PatryTer, vol. 3, núm. 6, pp. 234-250, 2020
Universidade de Brasília
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O artigo utiliza a teoria dos circuitos da economia urbana de Milton Santos para fazer uma leitura sobre o mercado imobiliário brasileiro no contexto atual da financeirização da economia nacional, partindo do estudo de cidades médias do estado de São Paulo. Partimos da análise feita em nossa tese de doutoramento, que buscou a identificação de um moderno capital incorporador atuando nas cidades médias do interior do estado de São Paulo no início da década de 2010, para traçar algumas características do circuito superior do mercado imobiliário brasileiro. Neste texto, pretendemos discutir as consequências da financeirização da economia brasileira sobre os agentes econômicos do mercado imobiliário nacional, a partir da teoria dos circuitos da economia urbana, apontando possíveis consequências sobre a vida nas cidades brasileiras.

Palavras-chave:circuitos da economia urbanacircuitos da economia urbana,produção do espaço urbanoprodução do espaço urbano,mercado imobiliáriomercado imobiliário,cidades médiascidades médias,BrasilBrasil.

Resumen: El artículo utiliza la teoría de los circuitos de economía urbana de Milton Santos para hacer una lectura sobre el mercado inmobiliario brasileño en el contexto actual de la financiarización de la economía nacional, basado en el estudio de ciudades medianas en el estado de São Paulo. Partimos del análisis realizado en nuestra tesis doctoral, que buscaba identificar una moderna capital incorporadora que operara en las ciudades medianas del interior del estado de São Paulo a principios de la década de 2010, para rastrear algunas características del circuito superior del mercado inmobiliario brasileño. En este texto, tenemos la intención de discutir las consecuencias de la financiarización de la economía brasileña en los agentes económicos del mercado inmobiliario nacional, basado en la teoría de los circuitos de la economía urbana, señalando las posibles consecuencias en la vida en las ciudades brasileñas.

Palabras clave: circuitos de la economía urbana, producción de espacio urbano, mercado inmobiliario, ciudades medianas, Brasil.

Abstract: The article uses Milton Santos' theory of urban economy circuits to read about the Brazilian real estate market in the current context of the financialization of the national economy, based on the study of medium-sized cities in the state of São Paulo. We start from the analysis made in our doctoral thesis, which sought to identify a modern incorporating capital operating in the medium cities of the interior of the state of São Paulo in the beginning of the decade of 2010, to trace some characteristics of the upper circuit of the Brazilian real estate market. In this text, we intend to discuss the consequences of the financialization of the Brazilian economy on the economic agents of the national real estate market, based on the theory of the circuits of the urban economy, pointing out possible consequences on life in Brazilian cities.

Keywords: urban economy circuits, urban space production, real estate market, medium cities, Brazil.

Carátula del artículo

Dossiê Patryter

Financeirização, circuitos da economia urbana e produção do espaço urbano no Brasil

Financiarización, circuitos de la economía urbana y producción de espacio urbano en Brasil.

Financialization, circuits of urban economy and production of urban space in Brazil

Renan Amabile Boscariol
Universidade de São João del Rei, UFSJ., Brasil
PatryTer, vol. 3, núm. 6, pp. 234-250, 2020
Universidade de Brasília

Recepção: 01 Junho 2020

Aprovação: 22 Julho 2020

Publicado: 01 Setembro 2020

Financeirização, circuitos da economia urbana e

produção do espaço urbano no Brasil

Renan Amabile Boscariol [1]

DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.32309

Como citar este artigo: Boscariol, R. (2020). Financeirização, circuitos da economia urbana e produção do espaço urbano no Brasil. PatryTer – Revista Latinoamericana e Caribenha de Geografia e Humanidades, 3 (6), 233-250. DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v3i6.32309

1. Introdução

Durante o doutorado, decidimos estudar algo que havíamos notado em trabalhos anteriores: a constituição e expansão de novas empresas de incorporação em cidades médias do interior paulista[i]. Responsáveis pela produção de condomínios horizontais e verticais de médio e alto padrão, foram por nós denominadas de “moderno capital incorporador”. Entre suas estratégias estavam novas formas de financiamento à produção (autofinanciamento/captação de recursos via mercado de capitais), estruturação de redes de escritórios regionais e de parceiros para ampliação da escala de operação, articulação de diversos mercados locais como forma de aceleração do ciclo de produção imobiliária, padronização do produto, investimento em marketing imobiliário etc.. Intentávamos analisar quais as consequências para o mercado imobiliário das cidades médias advindas do aparecimento e expansão destas empresas, principalmente em relação aos demais agentes então constituídos. Neste artigo, expandimos o entendimento deste moderno capital incorporador para todas as grandes empresas de incorporação de escala nacional, articuladas em redes hierarquizadas formadas por escritórios regionais e parceiros nos mercados imobiliários locais.

Nesta análise, optamos pela teoria dos circuitos da economia urbana e não as teorias da renda da terra ou da produção do espaço urbano de corte lefebvriano, embora também tenham sido utilizadas. Nossa decisão se justificou por esta teoria propor uma abordagem diferenciada, voltada para o funcionamento das economias de países periféricos, em que as características específicas destes territórios encontram tradução através de uma teoria que reconhece as contradições e particularidades destes contextos econômicos, enxergando-as por um olhar totalizante. Os conceitos de circuito superior, circuito superior marginal e circuito inferior permitem entender como novas lógicas econômicas redefinem relações entre agentes hegemônicos e hegemonizados, entendendo que ambos constituem a mesma realidade econômica e se influenciam mutuamente. A produção imobiliária do ramo mais moderno da economia (circuito superior) afeta a produção imobiliária dos setores subalternizados (circuito inferior) e vice-versa. Permite enxergar de que modo se dá e quais são as consequências deste arranjo hegemônico sobre as cidades e o espaço urbano nacional, considerando as múltiplas determinações deste processo (política, econômica e social).

Todavia, no decorrer da pesquisa, fomos direcionados para o estudo da relação entre estas modernas empresas e o capital financeiro. Ficou evidente que a reestruturação deste mercado ocorria atrelada ao avanço da financeirização da economia brasileira, que impactava direta e indiretamente nas estratégias de operação das modernas incorporadoras que estudávamos. O crescente acesso ao mercado de capitais pelas incorporadoras, advindos do amadurecimento do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e as características auspiciosas do cenário econômico nacional naquele momento (expansão do crédito habitacional subsidiado e do emprego formal) provocaram um ambiente propício ao desenvolvimento destas empresas e à complexificação das relações econômicas entre as empresas do circuito superior no ramo imobiliário da economia. É a continuação da análise destes impactos sobre este segmento do mercado imobiliário que estão na raiz das discussões desenvolvidas neste artigo.

O objetivo deste artigo é discutir a reestruturação das relações entre os agentes econômicos do circuito superior da economia urbana no ramo imobiliário da economia nacional, apontando como estes se reposicionam entre o circuito superior puro e o circuito superior marginal. Partimos da apresentação da discussão teórica feita em nossa tese sobre a abordagem dos agentes do mercado imobiliário a partir desta teoria, classificando-os a partir da especificidade de sua relação com o insumo básico deste mercado, a terra-mercadoria. Em seguida, debatemos a natureza do capital financeiro, diferenciando-o do capital bancário, para posteriormente discutir o impacto da financeirização sobre o circuito superior do mercado imobiliário brasileiro e suas consequências para a produção do espaço urbano no Brasil. Por fim, faremos apontamentos para uma futura análise do circuito inferior da economia urbana utilizando a mesma forma de abordagem.

Para o desenvolvimento da discussão teórica, utilizaremos a obra seminal de Milton Santos (2003) e outros autores (Bicudo, 2006 ; ; Silveira, 2009; Castillo & Frederico, 2010; Arroyo, 2012), além de nossa tese (Boscariol, 2017), para estabelecer a abordagem do mercado imobiliário pela teoria dos circuitos da economia urbana. Para a discussão teórica sobre a natureza do capital financeiro e sua diferença em relação ao capital bancário, partiremos de Harvey (2013) e Brunhoff (2015). Para o debate sobre a financeirização da economia brasileira e seus impactos sobre o mercado imobiliário, utilizaremos o material de nossa tese de doutorado, que foi construído a partir de informações levantadas em entrevistas com funcionários de incorporadoras e empresas de gestão imobiliária (3), de uma companhia de securitização imobiliária e dados levantados em relatórios e informes de fundos imobiliários. Estas informações são complementadas com a análises feitas por Fix (2007), Botelho (2007), Shimbo (2012), Volochko (2013), Sanfelici (2016 e 2017), dentre outros.

2. A Teoria dos Circuitos da Economia Urbana

A teoria dos circuitos da economia urbana foi proposta por Milton Santos em 1979, com o objetivo de criar uma interpretação diferenciada do funcionamento das economias periféricas, a partir da própria realidade destes países, e que escapasse da visão dualista que imperava até então. Segundo este autor, as economias periféricas seriam compostas por dois circuitos econômicos, competindo e cooperando simultaneamente, formando uma totalidade. A existência destas formas econômicas surge do encontro nestas economias entre a grande desigualdade socioeconômica e as sucessivas ondas de modernização (técnicas e tecnológicas) que emanam dos países centrais do sistema capitalista. Estas reverberam pela estrutura social desigual presente no território dos países periféricos, encontrando áreas onde as condições técnicas e socioeconômicas permitem o seu pleno desenvolvimento (Santos, 2003). Por outro lado, em outras áreas, a implementação destas modernizações se dá de forma parcial e incompleta, exigindo uma série de adaptações e resultando em uma inclusão marginal ao capitalismo mundial, completa o autor.

Nas áreas de plena instauração das ondas de modernização, forma-se um circuito onde o capital se realiza em seus modos mais avançados, circulando por redes que atravessam o território, interligando gigantescas cadeias de distribuição intra e interfirmas, articuladas do local até a escala planetária, para atender prioritariamente os desejos de consumo da fração populacional de maior renda. No segundo caso, a circulação do capital se dá por expedientes alternativos, usando em grande parte relações pessoais ou informais, articuladas em redes de distribuição e produção horizontais que fazem uso marginal de tecnologias modernas, complementadas com tecnologias obsoletas e práticas locais, e das infraestruturas de transporte e comunicação presentes no território, atendendo as necessidades da fração da população de menor renda que não podem ser realizadas no circuito superior. O primeiro caso retrata o funcionamento do circuito superior, enquanto o segundo descreve a operação do circuito inferior (Santos, 2003).

Os circuitos da economia urbana se complementam pelo fato de que operam para a viabilização do sistema capitalista nas formações sociais periféricas. Ao viabilizar a reprodução capitalista dos segmento mais pobres da população, o circuito inferior não só permite o alívio das tensões que surgem nas franjas do sistema econômico nacional e mundial, como barateira os custos sociais desta reprodução para todo o sistema, permitindo também a difusão da ideologia do consumo com o reforço à simbologia do status que a propriedade dos produtos mais desejados induz. O uso marginal do sistema bancário e das tecnologias de informação, por sua vez, permite criar “vasos comunicantes” (Silveira, 2009) entre um circuito e outro, fazendo com que o pouco excedente gerado nas atividades do circuito inferior seja capturado pelo sistema financeiro em favor das atividades hegemônicas. Entre os circuitos, figura os segmentos de renda média, em seu esforço para saciar as necessidades de sobrevivência e o desejo pelo luxo.

A competição entre estes circuitos se dá por mercado (consumo) e por recursos (capitais) disponíveis na economia nacional. O circuito superior, hegemônico, submete as variáveis do território (técnicas, trabalho, recursos naturais, dinheiro, solo) ao seu interesse, enquanto ao circuito inferior são relegados os recursos não aproveitados ou excedentes do sistema. Este poder hegemônico se refere ao acesso e controle dos fluxos financeiros, à capacidade de influência sobre o poder político (poder normativo e poder executor) e sobre o conteúdo técnico-científico instalado no território (Santos, 2003). Desta forma, a expansão do circuito inferior aparece como variável relacionada à dinâmica do circuito superior. Ele tanto se expande na medida em que a exploração sobre uma dada sociedade aumenta (elevação da desigualdade social, desemprego estrutural etc.), quanto se retrai se a mão-de-obra empregada e o poder de consumo da população aumenta em bases igualitárias (Boscariol, 2017).

De acordo com Santos (2003), existe uma grande diversidade de atividades entre um extremo do circuito a outro e, portanto, estes não podem ser tomados de forma rígida, já que existem empresas que podem exercer funções tanto para um como para outro circuito e este cenário pode mudar na medida em que o capitalismo se desenvolve. Isto quer dizer que a classificação das atividades entre um circuito e outro não pode ser estática, mas sim uma classificação histórica dos agentes econômicos, o que revela seu potencial para análise da realidade concreta (Quijano, 2013). Neste sentido, diversos autores deram sua contribuição ao longo do tempo para a definição das características de cada uma das classes da teoria dos circuitos da economia urbana, que se tornaram mais complexas e definidas desde o seu aparecimento. Os circuitos se definem pelas diferenças em quatro relações básicas: a lógica de acumulação ou o motor do circuito; o tipo de relacionamento com a força de trabalho (FT); o modo de uso da técnica inscrita no espaço e das tecnologias; a sua relação com o território. O esquema desta classificação está apresentado no quadro 1.

Quadro 1
Classificação das atividades econômicas segundo a teoria dos circuitos da economia urbana

Santos (2003); Bicudo (2006), Silveira (2009). Organização própria.

O circuito superior e o inferior possuem diferenças fundamentais no que tange a estas quatro relações basilares – e isto é o que motiva a sua complementaridade na constituição do capitalismo nas formações econômicas nacionais periféricas. No circuito inferior, relações horizontais, a fixidez no território e a fraca acumulação tendem a criar uma ausência de hierarquias entre as atividades econômicas, estabelecendo uma solidariedade orgânica ao invés de uma solidariedade organizacional O circuito superior, ao contrário, é formado por redes hierarquizadas constituídas por fluxos de informações e matérias primas estabelecidos, que criam fortes diferenças entre as atividades que existem neste setor. Por tanto, podemos diferenciar o circuito superior em circuito superior puro e circuito superior marginal (Santos, 2003).

O circuito superior puro é formado por grandes empresas e corporações que assumem posição hegemônica no sistema capitalista, controlando fluxos de matéria e de informação na escala global, submetendo as demais empresas aos seus interesses. Atualmente, fazem parte do circuito superior puro:

“Atividades bancárias e financeiras, comércios

indústrias e serviços modernos, frequentemente orientados para a exportação” e, atualmente, sua porção mais hegemônica é formada por “bancos, fundos de pensão, fundos de investimento, consultoria... e holdings integrados por empresas industriais, comerciais e de serviços avançados... (Silveira, 2009, p. 2).

A lógica de acumulação das empresas do circuito superior puro é a da concentração do capi-

tal e a implementação de suas estratégias visa a formação do maior excedente possível. Grandes grupos econômicos oligopolistas/monopolistas, a desconcentração espacial de atividades e a centralização do comando, a eliminação da propriedade de fábricas e lojas e da responsabilidade direta sobre a produção e a comercialização (através de franquias e da terceirização) fazem parte dos expedientes destas empresas. O controle sobre a tecnologia e a organização do processo produtivo são elementos de domínio destes grupos sobre as demais empresas (Chesnais, 1996). Em relação à mão-de-obra, sua posição é dupla. Pagam melhores salários para atrair trabalhadores mais qualificados, com formas de remuneração para além do salário-monetário (bônus sobre desempenho, por exemplo) e investem grandes somas de capital na automação e no enxugamento da FT, adotando a terceirização como forma de diminuição dos custos trabalhistas. O desenvolvimento recente das tecnologias de informática e telecomunicação possibilitou a estes agentes a redução sem precedentes da FT diretamente sobre seu comando.

O circuito superior marginal, por ser parte também do circuito superior, responde aos mesmos estímulos e estratégias que as empresas do circuito superior puro. Porém, como estão em posição subalterna a estas, as mesmas estratégias possuem efeitos diferentes. Ele é composto majoritariamente por pequenas e médias empresas que atuam ou como suporte de grandes grupos empresariais, ou como suas concorrentes, através da manufatura de simulacros de seus produtos. As primeiras caracterizam o circuito superior marginal residual, enquanto o segundo constitui o circuito superior marginal emergente.

A diferença entre estes dois grupos de empresas se dá basicamente pelo modo de relacionamento com as empresas do circuito superior puro. As primeiras estão atreladas às necessidades de acumulação dos grupos empresariais hegemônicos, executando atividades que foram eliminadas ou terceirizadas pelas grandes empresas por serem menos rentáveis, enquanto as segundas surgem para saciar parte da demanda por produtos de status social e de alta tecnologia que não se realiza com os produtos mais sofisticados. Esta última mantém um relacionamento especial com o circuito inferior, fornecendo grande parte dos produtos consumidos por este. Para além destas diferenças, as duas faces deste subcircuito econômico compartilham as mesmas características. Assim como o circuito superior puro, sua lógica é a da acumulação. Porém, devido a intensa competição que existe entre as empresas deste setor, seus esforços visam mais a manutenção de sua taxa de lucro do que sua elevação, lutando principalmente pela sua sobrevivênvia. Esta característica afeta tanto a relação com a FT quanto com a tecnologia.

Enquanto os vínculos com a FT no circuito superior marginal são em sua maioria vínculos formais, a pressão sobre a taxa de lucro obriga aos empresários o constante enxugamento do seu quadro de trabalhadores e dos seus salários e benefícios, resultando na superexploração do trabalho. Dentro destas estratégias está o constante investimento em tecnologias para a substituição de parte dos seus trabalhadores, apresentando, assim como o circuito superior puro, tendência ao uso intensivo de tecnologia. Porém, como esta estratégia é função dos lucros da empresa, o uso de tecnologias acaba sendo limitado, o que faz com que estes empresários geralmente recorram a máquinas e equipamentos de segunda-mão ou qualidade inferior. Por fim, outra razão para a sobrevivência de atividades menos dinâmicas no interior do circuito superior é o fato de que as empresas de médio e pequeno porte do circuito superior marginal possuem uma relação mais profunda com a escala regional/local, o que garante a elas conhecimento e know-how sobre a particularidade do território. Por esta razão, embora tais empresas atuem também na forma de redes, sua operação está limitada a escalas menores que a do global.

3. Estudo do mercado imobiliário segundo a teoria dos circuitos da economia urbana

A operacionalização da teoria dos circuitos da economia urbana para a análise das atividades econômicas, segundo o próprio Milton Santos (2003), alcança melhor desempenho através dos conceitos de “circuitos espaciais de produção” e os “círculos espaciais de cooperação”. A capacidade desta díade de conceitos operacionalizar uma análise concreta dos vínculos e relações socioespaciais, intra e extra-regionais, intra e extra-firma/ramo econômico, é o que levou Milton Santos e Maria Laura Silveira (2004) e Mônica Arroyo (2012) a considerarem este como o melhor instrumento conceitual para se atingir a concretude dos circuitos da economia urbana.

Esta análise se faz no movimento entre a produção e a circulação, focalizando um produto ou ramo específico da economia para obervar em seu interior as relações entre os agentes. Tais relações não se fixam apenas na questão técnica, tecnológica ou econômica, mas envolvem relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem ao longo do processo de circulação da mercadoria, incluindo outros agentes externos ao processo, como o poder público (Castillo & Frederico, 2010). Como resultado, a aplicação destes conceitos permite uma abordagem multiescalar, constituindo a teia de relações que articula as diferentes atividades que envolvem o ciclo de realização capitalista de um produto ou ramo econômico, superando também o conceito de circuitos regionais de produção (Santos, 1986).

Não obstante o potencial desta diade de conceitos para o estudo dos circuitos da economia urbana, no caso específico em que este artigo se baseia, o seu uso encontra três limites sólidos, relativos à natureza do principal insumo utilizado no mercado imobiliário, a terra-mercadoria. A terra-mercadoria possui três características fundamentais que se tornam limites para a referida análise: imobilidade, irreprodutibilidade e indestrutibilidade (Boscariol, 2017). Discutiremos estas características de forma suscinta.

A imobilidade da terra-mercadoria se baseia no fato de que ela se refere a um determinado recorte de superfície que é juridicamente individualizado e comercializado, assumindo nesta forma um preço. Em relação ao espaço de uma cidade, toda terra-mercadoria é ponto de acesso ao conjunto de fixos e fluxos que constituem este espaço e, portanto, ela tem seu preço definido por esta posição em relação à totalidade urbana na qual está inserida (Costa, 2011). Mesmo que seja feita uma grande intervenção urbana, visando reproduzir, por exemplo, um conjunto de fixos e fluxos que garantam melhor condição de valorização, as novas localizações produzidas só farão sentido se tomadas em relação ao contexto urbano existente, que é, em última instância, o definidor do preço da terra. Por fim, quanto maior a alteração sofrida em uma área, maior a imobilização do capital em infraestruturas e objetos físicos, elevando a imobilizaçã destas operações. Como consequência lógica e concreta da imobilidade da terra, tudo o que for produzido tendo ela como insumo adquire também imobilidade e precisa ser consumido no mesmo local, colocando um limite para a análise dos circuitos espaciais de produção, já que a “circulação” da terra-mercadoria e de seus produtos derivados só pode se dar através de formas derivadas (títulos de propriedade, direitos sobre o bem imóvel).

Outra característica da terra-mercadoria é sua irreprodutibilidade, ou seja, o fato de que ela não pode ser produzida como qualquer mercadoria, de acordo com os ditames do capitalismo. Existe estreita relação entre a imobilidade e a irreprodutibilidade da terra, pois ambas prestam referência ao caráter relacional do solo urbano. A irreprodutibilidade da terra-mercadoria advém do fato de que as principais qualidades do terreno urbano se dão a partir da posição desta em relação à cidade. A cidade, como um produto coletivo e um contexto de relações sociais que responde às mudanças históricas na sociedade, impõem forte obstáculo à sua padronização, necessária para a maior fluidez e intercâmbio das mercadorias. Cada investimento capitalista na cidade produz áreas de maior ou menor densidade de capital acumulado e estas interagem com o conteúdo social do lugar e o contexto total da cidade. Sem a padronização do produto, há o comprometimento de sua imediata intercambialidade, o que se torna uma das razões pelas quais a fluidez do mercado imobiliário é uma das menores entre todos os outros mercados.

A terceira característica da terra-mercadoria, e condição para o terceiro limite apontado, é a sua indestrutibilidade. Apesar de ser o principal insumo dos vários segmentos do mercado imobiliário, o fato de a terra ser suporte à produção e meio de acesso ao espaço social (localização), implica que qualquer que seja sua destinação, a sua utilização para um determinado fim não elimina as demais possibilidades de uso do terreno. Quer dizer que, no processo produtivo, a terra não é consumida na criação do produto final. O valor do produto imobiliário final, desta forma, não é determinado pela quantidade de capital investido na propriedade, mas pelo valor máximo relativo ao seu uso mais eficiente em relação às necessidades do capital. Deste modo, além de não circular e não ser reprodutível, a terra não é consumida no processo capitalista de produção, impondo um terceiro limite para sua abordagem a partir dos circuitos espaciais de produção.

Nesta discussão, a terra aparece como principal insumo produtivo e condição de existência do mercado imobiliário, sendo o vértice que articula todos os ramos deste setor (mercado imobiliário residencial e seus submercados, de edifício de escritórios, unidades comercias, mercado da terra urbana, mercado de títulos mobiliários etc). Consequentemente, a análise do mercado imobiliário pelos circuitos espaciais de produção só seria possível se fosse abordado apenas a circulação de um produto imobiliário específico, pois cada um revela uma combinação diferente de agentes, insumos e lógicas econômicas. Para superar esta questão, propomos que a análise dos circuitos da economia urbana no ramo imobiliário ocorra através do estudo da natureza das relações de valorização fundamental do agente com a terra-mercadoria.

Dadas a imobilidade e a irreprodutibilidade da terra-mercadoria, a competição entre os agentes imobiliários leva à necessidade de mobilização destes em busca dos maiores potenciais de valorização no território. Esta necessidade é uma condição comum a todos os capitais, sendo uma estratégia das empresas de diminuírem os custos de produção e de oportunidade do capital (Harvey, 2013) e pode ser alcançada pelo uso dos sistemas técnicos para o rápido deslocamento de mercadorias e investimentos pelo território. Todavia, no caso dos capitalistas imobiliários, a máxima fluidez não pode ser alcançada pela circulação do produto, pois este é imóvel, o que obriga o deslocamento dos agentes econômicos em si. Assim, na busca pela maior mobilidade, os agentes que dominam este ramo da economia (circuito superior) são aqueles que: a) conseguem identificar os terrenos e áreas disponíveis e os usos que permitirão o maior ganho potencial; b) conseguem mobilizar os capitais necessários à produção do produto imobiliário de maneira mais eficiente e rápida possível; c) conseguem remover entraves e liberar o solo urbano para os usos selecionados.

Estas capacidades do agente remetem ao poder de obter informações sobre os diferentes mercados e mobilizar recursos, mas também ao poder de submeter o uso do solo aos seus interesses. Este poder se expressa, por um lado, através dos contatos e relacionamentos que se consolidam pela sua presença no local e, por outro, pelo controle das normas e da técnica normativa (leis, regulamentação e sua forma de produção e interpretação) que atuam na regulação do mercado imobiliário, o que inclui o poder de “desligar” as normas no território (Santos, 2003). Esta regulação acontece, no Brasil, em duas escalas: na escala nacional, que remete ao poder federal, e na escala da cidade, que se circunscreve ao nível municipal.

Na escala nacional ocorrem as regulações referentes ao conjunto do sistema capitalista nacional, com definições sobre: a) regras de atuação e conformação da existência de agentes específicos; b) políticas fiscal e tributária, que estabelecem a contribuição de cada segmento social ao funcionamento da máquina pública; c) a forma de repartição dos recursos financeiros em todas as instâncias e entre todos os grupos da sociedade brasileira (financiamentos e política distributiva). Na escala da cidade, a normatização ocorre sobre a prática de produção do espaço urbano no sentido mais concreto, já que é nesta esfera que são definidos: a) os usos possíveis do solo do município; b) a localização das diversas atividades socioeconômicas; c) o padrão construtivo e arquitetônico permitido ou proibido para cada área; d) restrições e limites para as funções de cada fração de terra do município.

Estabelecidas todas as características e limites gerais do mercado imobiliário e sua forma de abordagem sobre a teoria dos circuitos da economia urbana, podemos discutir agora como os diferentes agentes imobiliários, a partir da natureza de sua relação com a terra-mercadoria, se organizam segundo os vários circuitos. De acordo com a relação fundamental que os agentes podem ter no interior do movimento de reprodução do capital no ramo imobiliário, podemos dividi-los em quatro agentes: os proprietários fundiários, o capital comercial ou de serviços, o capital industrial, o capital incorporador. As principais

características destes capitais estão postas no quadro 2.

Quadro 2
Os agentes do mercado imobiliário de acordo com o circuito superior da economia urbana

elaboração própria

Os proprietários fundiários detém o insumo básico do mercado imobiliário, a terra urbana, e se situam no início do ciclo reprodutivo do capital imobiliário. Sua razão de existência é a posse da terra, relação da qual deriva seu poder social, o de monopólio de decisão sobre o uso de determinada parcela do solo urbano. Da sua razão de existência e de seu poder social, desdobram-se duas outras qualidades: é o agente menos móvel do mercado; seu poder depende diretamente da quantidade da terra que possui e da posição destas no contexto urbano. Por outro lado, na medida em que usa seu poder social ao disponibilizar parte da sua terra no mercado, consome sua própria fonte de poder, destruindo a relações social que fundamenta sua existência. Desta última consequência, deriva o fato de que o proprietário da terra, por maior que seja o seu monopólio sobre esta, só pode figurar no circuito superior marginal residual.

O segundo agente imobiliário é o capital comercial, que pode muito bem ser chamado de capital suporte, na medida em que ele reúne outras atividades que poderiam ser classificadas como serviços (arquitetura, publicidade e propaganda, venda etc.). Sua razão de existência vem do caráter relacional que é derivado da condição de imobilidade da terra-mercadoria. Toda a terra-mercadoria, conforme previamente colocado, possui uma acessibilidade relativa à sua situação urbana. Esta condição exige do capital imobiliário um conhecimento específico da cidade e das suas diferentes localizações, que só pode ocorrer a partir de uma familiaridade com esta escala geográfica. Os agentes do capital comercial acabam adquirindo conhecimento sobre as características específicas de cada localidade, tornando-se parceiros importantes dos demais agentes na identificação das melhores características do emprendimento. Dado seu caráter de agente-suporte à reprodução do capital imobiliário, só pode assumir posição marginal no circuito superior, podendo ser tanto

residual quanto emergente.

O terceiro grupo de agentes do mercado imobiliário envolve aqueles que trabalham na produção dos produtos imobiliários. Trata-se do setor da construção civil, cuja lógica de operação é aquela do capital industrial. Estes agentes utilizam a terra-mercadoria como insumo básico para a produção dos empreendimentos imobiliários. Neste sentido, auferem o lucro que advém da diferença entre o investimento em capital constante (terreno e matéria-prima) e variável (mão-de-obra) e o preço de venda do imóvel, extraindo mais-valia no processo produtivo e as rendas de localização do imóvel que conseguir obter.

Como já discutido, a condição de imobilidade própria ao produto imobiliário impõe a mobilidade do capital. Isto traz dificuldades para as empresas deste setor, como a completa industrialização do processo de construção e as características singulares de cada terreno, que dificultam a padronização dos produtos e a automação das etapas produtivas, embora sua industrialização já tenha avançado consideravelmente em outros países e, no Brasil, tem avançado com a constituição de fábricas de pré-moldados (Ribeiro, 1997; Shimbo, 2012; Sanfelici 2017). Além disso, a necessidade de deslocamento espacial da produção força estes capitalistas a usarem trabalhadores temporários como parte significativa de sua mão de obra ou a subcontratar outras construtoras para lidar com parte ou mesmo todo o processo produtivo (Shimbo, 2012). Por conta destes fatores, a mobilidade do capital industrial no mercado imobiliário é simultaneamente uma necessidade e um limite. Como este cria as condições materiais para o uso do solo urbano, trata-se de um agente fundamental dentro do circuito superior. No entanto, os limites à sua mobilidade dificultam a execução direta do processo produtivo, questão superada apenas pelo estabelecimento de parcerias com outras empresas ou por meio da terceirização de parte ou todo processo produtivo. Isto implica que no seu esforço para a superação dos seus limites de mobilidade, as empresas de construção civil caminham para outra função, que caracteriza o próximo agente a ser abordado.

Em cada uma das relações dos agentes anteriores com a terra-mercadoria, surgem limitações específicas, tanto em escala quanto em mobilidade e isto cria barreiras para que estes assumam a hegemonia do processo como um todo. E no caso do capital incorporador? Este agente, particularidade do mercado imobiliário, assume a função de coordenador do processo de incorporação imobiliária, articulando os demais agentes deste mercado durante toda a operação, removendo os entraves legais (documentação, adequação dos empreendimentos às normas, relacionamento com o poder público municipal) e gerindo a divisão do valor final do empreendimento entre as demais frações de capital (Ribeiro, 1997; Botelho, 2007). Seu objetivo é o de buscar a forma mais barata e rápida possível de realizar o processo de incorporação, extraindo o máximo de excedente para si em cada etapa do empreendimento. Isto é possível pela sua posição privilegiada no processo, que o coloca como o único agente que detém todas as informações necessárias para avaliar de forma mais eficiente o lucro potencial do empreendimento, permitindo a ele negociar e influenciar as margens de lucro dos demais agentes.

Dada a natureza de sua relação com todo o processo imobiliário, na prática o capital incorporador pode delegar todas as demais atividades aos seus respectivos agentes, sendo responsável apenas pela busca de financiamento do empreendimento, pela coordenação dos capitais no processo produtivo e pela divisão social do capital entre os agentes deste processo. Por meio de sua ação, ele acelera a produção imobiliária, diminui o tempo de circulação da mercadoria habitação e permite a articulação de investimentos em diferentes mercados urbanos, criando mobilidade para o capital aplicado neste mercado e proporcionando uma espiral continua de valorização. Por estas características, ele só pode se fixar no circuito superior do mercado imobiliário, assumindo posição hegemônica no interior deste.

Para finalizar esta discussão, é necessário ressaltar que, na prática, não existem limites claros entre os agentes discutidos. Cada um dos personagens supracitados podem realizar, quando lhes interessar, uma ou mais atividades que não dizem respeito estritamente à sua natureza. Um proprietário fundiário pode ele mesmo realizar o processo de incorporação, enquanto uma imobiliária, que pertence ao capital comercial, pode investir e comandar a construção de um imóvel ou a incorporação de uma área. Porém, se as relações fundamentais de cada agente permanecem a mesma (a posse da terra, a comercialização dos empreendimentos imobiliários etc.), sua natureza continua inalterada. Tais ações permanecem como pontuais, enquanto o interesse primordial do agente se mantiver. Além disso, embora mantenham sua lógica atrelada à cada etapa do processo produtivo, suas estratégias também podem evoluir ao longo do tempo, dando novo dinamismo a estes capitais, conforme discuiremos na próxima parte deste artigo.

E o circuito inferior no interior do mercado imobiliário? Embora não seja o foco deste artigo, pois sua complexidade exigiria uma pesquisa específica, definiremos brevemente seus contornos. Precisamos, para tanto, considerá-lo conforme as características específicas das atividades que o compõe: atividades com baixo grau de capitalização, relacionadas às táticas de sobrevivência das camadas de menor renda da sociedade capitalista, com expansão virtualmente ilimitada e relacionada ao crescimento da pobreza e da exploração social e criador de vínculos empregatícios fracos ou inexistentes, com baixo nível de capital necessário. Segundo Botelho,

O setor imobiliário, no caso brasileiro, é um caso regido pela lógica dos “dois circuitos, na medida em que convivem um setor capitalista de produção de moradias para as camadas mais abastadas da população e para o setor de negócios, e um setor da construção de moradias realizado pelos próprios moradores, muitas vezes em loteamentos clandestinos ou áreas de ocupação (Botelho, 2007, p. 41).

Podemos, considerar, segundo o autor, que a autoconstrução da moradia e a constituição de loteamentos clandestinos ou áreas de ocupação fazem parte do circuito inferior. Acrescentamos, de acordo com os critérios estabelecidos para o circuito inferior, o reaproveitamento de materiais de demolição e uso de materiais alternativos e a sublocação da moradia. Todas estas práticas remetem a formas alternativas de provimento de habitação que apresentam características de atividades pertencentes ao circuito inferior.

No caso da autoconstrução, podemos defini-la como uma forma de produção marginal do mercado imobiliário, realizada por parte dos trabalhadores através do trabalho familiar ou cooperativo e que faz uso de meios não-monetários como forma de pagamento da mão de obra (troca de “favores”, “festas nas lajes”, com o oferecimento de bebida e comida aos participantes do processo produtivo) (Maricato, 1983).

Outro expediente utilizado no circuito inferior para provimento de habitações é a sublocação, que se relaciona frequentemente com a autoconstrução. Esta prática cria um “mercado de aluguel informal”, em áreas de moradia de população de baixa renda e tem como consequência o adensamento populacional do imóvel e a precarização das condições de vida. Este expediente é usado principalmente como forma de complementação de renda, simulando a lógica rentista descrita por Bonduki (1998) para o final do século XIX e início do XX, pois a fragmentação do imóvel em unidades menores é sempre possível, mas sem resultar na acumulação real, pois o valor obtido é rapidamente consumido na subsistência dos locadores.

As práticas de ocupação e de loteamento informal do terreno para famílias de baixa renda é outra forma que permite transferências de renda entre os circuitos da economia urbana. A expansão precária da cidade promove a elevação do preço da terra como um todo, ao mesmo tempo que abre caminho para operações imobiliárias voltadas para públicos de renda mais alta, já que leva investimentos mínimos de infraestrutura que incorporam novas terras ao espaço construído. A ocupação de terrenos também tem sido utilizada historicamente como estratégia por grandes proprietários para tornar a terra como reserva de valor, uma vez que a ocupação do terreno permite aos proprietários requererem a suspensão de tributos enquanto esperam uma oportunidade para a realização de negócios.

As estratégias e ações aqui abordadas não esgotam todo o repertório que existe no circuito inferior e a maneira superficial com a qual aqui foram mencionados não faz juz à sua complexidade. No entanto, cremos ser suficiente para estabelecer alguns exemplos de como se configura em linha gerais os circuitos da economia urbana no mercado imobiliário. Podemos discutir agora, os impactos da financeirização recente da economia brasileira sobre os circuitos da economia urbana no setor imobiliário nacional.

4. A lógica do capital financeiro

O capital financeiro, também denominado capital fictício, é um ramo do capital monetário. Este envolve todo o conjunto de agentes e práticas relacionadas com o agenciamento da circulação de capital e renda nas diferentes formas monetárias (bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de investimento, agências de avaliação de crédito, seguradoras etc.). O capital financeiro se diferencia do capital bancário (capital creditício), por atuar através da produção e circulação de títulos mobiliários criados a partir de direitos sobre renda ou expectativas de valorização futura, o chamado dinheiro-fictício (Harvey, 2013). Este é uma forma monetária baseada em um possível valor (não-valor), lastreado em expectativas de agentes econômicos a respeito de rendas ainda não realizadas. O dinheiro-fictício se diferencia da forma dinheiro-crédito, fundamento do capital bancário, pois enquanto este é também uma modalidade de não-valor, pois se trata efetivamente de promessa de pagamento em relação a um capital adiantado para determinada finalidade, o crédito apresenta lastro em riqueza concreta que é dada em garantia ao montante adiantado - propriedade imóvel ou móvel, estoque de dinheiro-mercadoria depositado etc..

A diferença de natureza entre dinheiro-crédito e dinheiro-fictício impõe limites e condicionalidades para a operação do capital monetário e para o capital financeiro. Estas formas de dinheiro foram desenvolvidas para romper os limites de financiamento que surgem historicamente do ciclo de reprodução do capital (Brunhoff, 2015). O capital creditício, porém, ao exigir a necessidade de lastro concreto para a sua criação, pode expandir este limite até determinado ponto (Harvey, 2013). Além disso, o capital creditício investido apresenta o mesmo efeito do dinheiro-mercadoria, ou seja, fica imobilizado até que o investimento apresente retorno, e enquanto existe, apresenta risco de não-pagamento que a instituição credora incorre.

O dinheiro fictício, por outro lado, se desenvolve justamente a partir da criação de novas expectativas de valorização. Surgido dos limites do dinheiro-creditício, o dinheiro-fictício monetiza estas expectativas de pagamento futuro que se criam a partir do crédito na forma de títulos mobiliários que dão direitos sobre as rendas auferidas a partir do pagamento pelo devedor (nos quais se incluem as ações das companhias). Estes títulos podem ser livremente negociados em câmaras específicas e são vendidos e comprados conforme as expectativas dos investidores em relação ao seu potencial de valorização. Através destas operações, empresas e corporações podem ter acesso ao mercado de capitais como forma de financiamento mais barata que o capital bancário (por meio de emissão de ações ou debêntures) ou vender créditos concedidos para terceiros, em operações chamadas de securitização.

Uma característica curiosa do capital financeiro é a possibilidade de reproduzir títulos indefinidamente. O dinheiro-fictício pode ser reproduzido a partir de qualquer outro título que represente uma renda futura, inclusive o próprio dinheiro-fictício (derivativos), o que resulta na ilusão de que o capital financeiro se reproduz de forma autônoma (Harvey, 2013). Estes títulos, que se comportam como dinheiro, são livremente negociados e se valorizam ou desvalorizam conforme as expectativas em relação ao lastro de crédito ou à valorização do próprio título, o que descola o seu preço em relação ao seu ativo-lastro.

Das características fundamentais do dinheiro-fictício, desdobram-se as ações e estratégias do capital financeiro. Em primeiro lugar, o capital financeiro está sempre buscando novos créditos para serem monetizados, o que, segundo a lógica capitalista, deve se dar sempre de forma mais rápida e em um nível exponencialmente maior a cada movimento completo de realização deste capital. Para tanto, os demais capitalistas são estimulados a acelerar os seus próprios ciclos de investimento, gerando cada vez mais estoques de crédito que podem ser convertidos em títulos e postos em circulação. Como consequência deste primeiro processo, os setores capitalistas passam a se adaptar à necessidade por informação e transparência exigidas pelo capital financeiro, o que resulta na criação de títulos padronizados de crédito que dão as condições de intercambialidade entre estes, possibilitando uma extrema fluidez para os investidores.

A fluidez do capital financeiro entre os setores da economia resulta na comparabilidade direta das suas taxas de retorno, aumentando a competição pela máxima eficiência do ponto de vista da lucratividade. Por fim, a padronização destes títulos é feita segundo os interesses do capital financeiro, resultando em um sistema de transparência de informações cujo foco se situa no comportamento dos próprios títulos (das tendências e expectativas de valorização a ele atribuídas). Com efeito, cria-se uma tendência tautológica do comportamento do mercado, pois a valorização dos títulos assume em diversos momentos um caráter autorreferencial, pois as próprias expectativas dos investidores acerca da valorização destes títulos podem se formar convenções que se tornam, de certa maneira, “profecias autorrealizáveis” (Harvey, 2013). Há, na prática, o descolamento entre o mercado de títulos mobiliários e o setor da economia no qual ele está baseado, situação que é exacerbada pelo fato de que as próprias empresas destes setores passam a se comportar de acordo com as demandas e interesses do mercado financeiro, devido ao efeito da primeira ação aqui descrita. A financeirização, portanto, ocorre quando a lógica do capital financeiro se impõe aos demais agentes econômicos, subordinando os setores da economia ao seu movimento de valorização.

5. O moderno capital incorporador e a financeirização do mercado imobiliário no Brasil

O que denominamos em nossa tese de moderno capital incorporador dizia respeito a um conjunto de agentes que, a partir da década de 2000, expandiram sua atuação pelo território nacional, tendo como ponto de partida os mercados imobiliários das cidades médias do interior paulista (Boscariol, 2017). Atualmente, reconhecemos este moderno capital incorporador como formado por grandes empresas de incorporação de escala nacional, que se desenvolveram em distintos espaços urbanos, concentrados principalmente nos estados do Sul e Sudeste e que foram impulsionadas pelo desenvolvimento dos vínculos entre mercado imobiliário e capital financeiro, a chamada financeirização do mercado imobiliário brasileiro. Conforme identificamos na pesquisa, as práticas e estratégias destes agentes os permitiram superar de maneira mais eficiente os limites postos pelo mercado imobiliário (advindos da terra-mercadoria), o que, em nossa formulação teórica, tiveram como consequência transformações na articulação entre os agentes do circuito superior no ramo imobiliário da economia nacional.

Este moderno capital incorporador começou a se desenvolver a partir da década de 1980, quando o mercado imobiliário brasileiro se encontrava desestruturado pelo desmonte do modelo de promoção imobiliária centrada no Estado (Maricato, 1982). É neste contexto que novas incorporadoras se desenvolveram, por meio da criação de empresas voltadas especificamente para esta atividade (Grupo Santa Paula, em Ourinhos/SP e MRV Engenharia, em Belo Horizonte/MG) ou como investimento de grupos econômicos que atuavam em outros setores do mercado imobiliário, como o caso de empresas de construção civil e pesada (Grupo Encalso, em Presidente Prudente/SP, Gafisa, no Rio de Janeiro/RJ, Cyrela e Rossi Residencial, em São Paulo/SP) ou grupos que atuam em outros ramos da economia (Rodobens Negócios Imobiliários, em São José do Rio Preto/SP) (Sanfelici 2017; Boscariol, 2017). Em linhas gerais, tratou-se de um momento de aprendizado, com o desenvolvimento e consolidação de estratégias de negócios que utilizavam o autofinanciamento e racionalização do processo de incorporação para a superação da escassez de recursos neste período e com a grande maioria destas empresas atuando nos segmentos de média e alta renda e se especializando em um tipo de produto imobiliário (Volochko, 2013; Boscariol, 2017).

Na década de 1990, as incorporadoras que iniciaram suas atividades operando na escala local consolidam sua estratégia e modelo de negócios, expandindo para outras cidades, com as empresas mais bem sucedidas ampliando a escala para todos os estados da região Centro-Sul, porém, concentrando-se no mercado paulista (Boscariol, 2017). Estas assumem principalmente a forma de grupos econômicos, dividindo-se entre empresas subsidiárias e assumindo uma estrutura mais horizontalizada e que permite ganhos de rapidez e eficiência (Chesnais, 1996). Sua expansão territorial ocorre como uma necessidade natural do processo de acumulação, uma vez que a capacidade de absorção de novos empreendimentos e o ciclo imobiliário local apresentam limites para a ampliação contínua dos investimentos. É neste movimento que as incorporadoras constroem sua rede de escritórios e de relacionamento com demais agentes do mercado imobiliário das localidades investidas (Volochko, 2013; Boscariol, 2017).

Dada a persistência da escassez de recursos para financiamento no período, permanece como estratégia o autofinanciamento, estabelecendo parcerias com instituições financeiras nacionais para a abertura de linhas de crédito, como o banco Itaú S.A. (Grupo Encalso) e a Caixa Econômica Federal (MRV Engenharia)[ii]. Sua produção se destina, com algumas exceções, como o caso da MRV Engenharia, a segmentos de renda média e alta, com cada empresa se especializando em um produto imobiliário (condomínios fechados verticais e horizontais ou loteamentos fechados) (Boscariol, 2017). A retomada de algumas fontes de financiamento, principalmente a partir de 1997, com a expansão de financiamentos via Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) impulsiona os empreendimentos imobiliários (Volochko, 2013), embora ainda comercializados majoritariamente por autofinanciamento.

A partir de meados da década de 2000, se inicia uma nova fase para as incorporadoras, desta vez marcada por um cenário de expansão da demanda solvável, viabilizada pelo aumento no financiamento habitacional com subsídios públicos (Programa Minha Casa Minha Vida), e por uma massiva capitalização das empresas no mercado de capitais, por meio do operações de abertura de capital e emissão de debêntures na Bolsa de Valores. A abertura de capital e a emissão de debêntures são os primeiros movimentos em direção a um maior relacionamento das grandes incorporadoras com o mercado de capitais, mas não o único. Após a inauguração destes expedientes, estas empresas passam a se valer progressivamente de operações de securitização como forma de captar recursos para novos investimentos[iii].

O processo de financeirização do mercado imobiliário brasileiro ocorre no contexto maior de abertura e inserção da economia nacional ao movimento mundial de acumulação capitalista (Paulani, 2012), com a instituição e regulamentação do FII, em 1993 (Lei Federal 8.668/93) e do Sistema de Financiamento Imobiliário, em 1997 (Lei Federal 9.514/97). No entanto, este só ganha intensidade a partir da década de 2000, com a consolidação de um quadro jurídico-normativo que forneceu maior segurança jurídica tanto para a operação dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII), quanto para a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), respectivamente, o principal veículo de investimento e o principal título mobiliário com lastro imobiliário brasileiro (Sanfelici, 2017; Boscariol, 2017).

A consolidação deste contexto jurídico e a expansão dos investimentos imobiliários permitiu um acelerado desenvolvimento do SFI a partir de 2008-2009, com a proliferação de FIIs, notadamente aqueles negociados na Bolsa de Valores, e de intensa elevação nas emissões de CRIs (Sanfelici, 2017; Uqbar, 2016). Até este momento, a grande maioria dos FIIS eram voltados para a obtenção de rendas de aluguel, com suas quotas concentradas em poder de poucas (ou uma) personalidades jurídicas e com um ativo único da carteira. Pouquíssimos eram os fundos que tinham como função atuarem como veículos de investimentos em operações imobiliárias, como o caso do FII Panamby (Botelho, 2007).

A partir do final da década de 2000, porém, o crescente número de FIIs e de emissões de CRIs marca a consolidação de um mercado primário de títulos mobiliários com lastro imobiliário[iv]. Este mercado primário é condição sine qua non para uma efetiva financeirização do mercado imobiliário, pois é através dele que se forma um estoque de títulos mobiliários que não só permite a fluidez destes recursos entre empresas do setor imobiliário e agentes do mercado de capitais, como cria as condições para a comparação entre os diferentes ramos do setor imobiliário e os demais setores da economia.

Como afirmamos anteriormente, um dos resultados desta penetração do capital financeiro no mercado imobiliário nacional foi a expansão das grandes empresas incorporadoras em escala nacional. Parte significativa desta expansão foi realizada por uma onda de fusões e aquisições no setor (Exame, 2012), com as grandes empresas capitalizadas adquirindo construtoras e incorporadoras locais e regionais como forma de obtenção rápida de conhecimento e de capacidade de ação nos mercados visados, ação complementada com a constituição de parcerias e alianças com outras empresas do ramo (Sanfelici, 2016; Boscariol, 2017). A velocidade deste movimento de expansão, porém, foi impulsionada tanto pela grande oferta de recursos captados por estas operações no mercado de capitais, quanto pela necessidade de responder à demanda dos investidores. Isto levou a alguns exageros, como o comprometimento dos recursos em enormes bancos de terras (landbanks) e em um grande volume de lançamentos imobiliários que, na decorrência do arrefecimento do mercado imobiliário, a partir de 2014, deixou um enorme estoque de unidades não comercializadas nestas empresas, que só se normalizará a partir da recuperação do mercado imobiliário, em 2017 (Secovi, 2016).

Outra consequência desta expansão proporcionada pelo relacionamento entre capital financeiro e capital incorporador foi a adoção de novas práticas de gestão, administração e de controle do processo produtivo. A abertura de capitais exige mudanças na organização da empresa, que precisa se adaptar às necessidades de transparência e de práticas de “boa gestão” exigidas pelos investidores e que obrigam à criação de departamentos voltados para o relacionamento institucional com os investidores (Boscariol, 2017). Além disso, a necessidade de acelerar o processo de construção e diminuir custos leva ao aumento do controle do processo produtivo, via informatização do canteiro de obras, como o acompanhamento das etapas de produção e desperdício dos materiais utilizados, mas ocorre também pela padronização arquitetônica dos empreendimentos e utilização de pré-moldados no canteiro de obra (Shimbo, 2012).

Por fim, uma última questão que detectamos e que é relatada por outros autores, como Sanfelici (2016) é a diversificação da produção imobiliária como forma de obter o lucro de diferentes submercados. Esta diversificação pode ocorrer tanto em relação aos consumidores, com diferentes linhas do mesmo produto para públicos com renda diferentes, como o caso da GSP Loteamentos e Grupo Encalso, quanto pelo desenvolvimento de empreendimentos imobiliários adaptados para diferentes mercados, como o caso dos condomínios tecnológicos do Grupo Encalso / Damha, desenvolvidos para o contexto universitário e tecnológico da cidade de São Carlos (Boscariol, 2017). Há também os casos da Rodobens Negócios Imobiliários, que diversificou sua produção para loteamentos fechados, condomínios horizontais e verticais e empreendimentos como shopping center (Figura 1), e da MR Engenharia, que constituiu uma subsidiária para atuar com condomínios logísticos, shopping center e centros empresariais[v] (Boscariol, 2017).


Figura 1
Linha de produtos da Rodobens Negócios Imobiliários
composição feita pelo autor a partir do portal da Rodobens Negócios Imobiliários (2020).

Uma última questão marca a influência do capital financeiro sobre o desenvolvimento deste moderno capital incorporador. Assim como o desenvolvimento do ramo imobiliário do mercado de capitais no Brasil exigiu o desenvolvimento e institucionalização de seus agentes para que a expansão no número de negócios com títulos mobiliários lastreados em imóveis pudesse ocorrer (Sanfelici, 2016), a expansão territorial das grandes incorporadoras parece ter exigido o desenvolvimento de novas empresas de serviços, voltadas para a realização de tarefas importantes,

mas secundárias dentro do processo de incorporação.

Uma última questão marca a influência do capital financeiro sobre o desenvolvimento deste moderno capital incorporador. Assim como o desenvolvimento do ramo imobiliário do mercado de capitais no Brasil exigiu o desenvolvimento e institucionalização de seus agentes para que a expansão no número de negócios com títulos mobiliários lastreados em imóveis pudesse ocorrer (Sanfelici, 2016), a expansão territorial das grandes incorporadoras parece ter exigido o desenvolvimento de novas empresas de serviços, voltadas para a realização de tarefas importantes, mas secundárias dentro do processo de incorporação.

O desenvolvimento deste último grupo de empresas implica em importante mudança qualitativa no mercado imobiliário. Tais empresas prestam serviços de “gestão imobiliária”, “administração imobiliária” e de “estratégia e inteligência imobiliária”, conforme descrito em seus sites, e atuam exercendo papel de suporte às atividades das grandes incorporadoras, realizando prospecção de mercado, auxiliando na constituição de estratégias de vendas e de incorporação, mas também na gestão e administração deste patrimônio para os investidores institucionais.

Entre suas estratégias, utilizam as modernas

tecnologias para coleta e tratamento de informação, produzindo análises de mercado e estratégias, constituindo big datas com tratamento estatístico de informações sobre as características de cada mercado local (Eggs Soluções Imobiliárias e Smart Estratégia Imobiliária) (Boscariol, 2017; Smart, 2020), ou formando uma rede própria, hierarquizada, de “parcerias” em que articulam imobiliárias e outros agentes tradicionais do mercado imobiliário a fim de proporcionar serviços de venda e corretagem em escala (Grupo Lopes).

Por fim, em relação à financeirização do mercado imobiliário, podemos afirmar que ela está em vias de conclusão? Consideramos que não, pelos seguintes fatores. Os investidores institucionais, grandes fundos de pensão e de investimento, ainda estão longe de atuar neste segmento de forma expressiva. Em 2018, participavam de forma marginal nos mercados de FII e CRIs (Uqbar, 2019). Além disso, embora a abertura do mercado de capitais no Brasil tenha atraído investidores internacionais, principalmente entre 2007 e 2015, sua participação no mercado de títulos com lastro imobiliário ainda é irrisória (Idem, 2019). Investimentos internacionais em ações e debêntures de empresas imobiliárias e investimentos diretos para entrada destes no mercado ainda não ocorreram. Sem estes três importantes fatores não só a expansão do mercado de capitais como meio de financiamento do mercado imobiliário encontra-se limitada, como a integração deste ao mercado financeiro internacional ainda está longe de se concretizar. Para encerrar, um registro é necessário. Embora a expansão dos investidores institucionais, principais investidores do mercado financeiro, segundo Sauviat (2019), ainda se dê de forma tímida, há sinais de que vem se expandindo desde a resolução BACEN 4.661, que determinou o aumento de aplicação dos recursos dos fundos de pensão em FIIs, Cris e Cédulas de Crédito Imobiliário, de forma escalonada, até 2030. (Uqbar, 2019).

6. Considerações finais acerca da financeirização para os circuitos da economia urbana no mercado imobiliário e suas consequências para a vida urbana

Os dados apresentados apontam para a reestruturação econômica do mercado imobiliário que ocorre devido ao surgimento de novos agentes hegemônicos, com capacidade de atuação em rede. Estes apontam para relações mais complexas entre os circuitos da economia urbana do que aquelas descritas no item 3 deste artigo. A disseminação da financeirização, as novas técnicas e tecnologias de informação e o desenvolvimento de novas fórmulas que permitem a expansão do consumo, mesmo com empobrecimento relativo da população, são as variáveis-chave dos circuitos da economia urbana na atualidade (Silveira, 2009). Tais variáveis alcançaram o mercado imobiliário na segunda metade da década de 2000, transformando-o, ao menos no circuito superior da economia. Estas contatações, porém, suscitam questões que devem ser abordadas para que a aplicação da teoria dos circuitos da economia urbana esteja plenamente desenvolvida.

Um primeiro conjunto de questões implica na necessidade de maiores estudos sobre a reestruturação das relações dos agentes no circuito superior. Em primeiro lugar, é necessário maiores estudos sobre os vínculos entre os agentes incorporadores que atuam em escala nacional e os agentes tradicionais do mercado imobiliário, inclusive incorporadoras e construtoras de escala local/regional. Seriam estas empresas novas agentes do circuito superior marginal emergente, deslocando agentes tradicionais para o circuito superior marginal residual? São empresas que figuram no circuito superior puro e compartilham a hegemonia do mercado com o capital incorporador ou o submetem, deslocando-o para uma posição marginal? Todas estas novas empresas fazem parte do mercado imobiliário, isto é, possuem sua lógica atrelada à terra-mercadoria? E, por fim, qual o impacto destes novos grupos econômicos na dinâmica de produção do espaço urbano sobre o circuito inferior do mercado imobiliário?

Além disso, há a questão do circuito inferior do mercado imobiliário, ainda não explorada em nossas pesquisas. O estudo de suas práticas na atualidade é fundamental para o desenvolvimento da proposta que apresentamos neste artigo e será objeto de trabalhos futuros. Afinal, como figuram as práticas econômicas que caracterizam o provimento de habitações à população de menor renda (sublocação, loteamentos ilegais, autoconstrução), em um contexto de diminuição dos subsídios públicos à habitação? Que vasos comunicantes se formam entre o circuito inferior e o circuito superior na extração da renda gerada pelos mais pobres? Quais as pressões estabelecidas pela aceleração do ritmo de acumulação no circuito superior do mercado imobiliário sobre as áreas de vida da população mais pobre nas cidades brasileiras?

Outro conjunto de questões referem-se aos impactos da financeirização do mercado imobiliário sobre a dinâmica das cidades brasileiras. Um destes impactos, já assinalado por Volochko (2013), é a intensificação de processos inerentes à produção capitalista do espaço: segregação socioespacial, fragmentação urbana, periferização do mercado imobiliário e a expansão dos vazios urbanos. Esta realidade não se intensifica apenas nos mercados metropolitanos, mas por toda a rede urbana, atingindo também as cidades médias, que já vinham testemunhando estes processos desde a década de 1970 (Sposito, 1983).

Uma consequência ainda pouco explorada dos processos aqui estudados, ao menos no Brasil, é a que resulta da submissão da produção do espaço urbano aos interesses do capital financeiro, que se expressa de duas formas. Uma é a tendência de descolamento da oferta de moradias em relação à sua demanda (solvável), uma vez que a atenção do capital incorporador se volta para os interesses dos investidores na valorização dos títulos mobiliários. Outra tendência é a da captura do poder público à lógica da produção da cidade como negócio, através de grandes obras urbanas voltadas para a atração de investimentos privados, o que Harvey (2001) denominou de empreendedorismo urbano.

O capital incorporador enxerga a cidade como um conjunto de áreas com diferentes potenciais de valorização, passíveis de serem acionados com o investimento correto. Em seu movimento pela cidade, promove a destruição de partes consideradas desvalorizadas economicamen-te, mas que abrigam práticas sociais dos grupos subalternizados - áreas de trabalho, consumo, lazer e de moradia de populações de baixa renda. Liberam nesta destruição os potenciais latentes de valorização do terreno urbano, mas acabam com valores sociais, culturais e históricos ali constituídos[vi]. Assim, o capital incorporador valoriza seus produtos imobiliários às custas da desvalorização daquilo que a cidade representa, opondo o usufruto coletivo da cidade ao privilégio individual do “estilo de vida” imobiliário, processo intensificado pela financeirização.

Por sua vez, o empreendedorismo como estratégia de governança urbana atrelada aos interesses econômicos corporativos, desloca ainda mais o interesse público da atenção dos governos municipais, que competem com outras cidades pela atenção dos investidores (Harvey, 2001). Ele se combina com o descolamento entre oferta e demanda no mercado imobiliário e reafirma, na escala da cidade, a ditadura do capital, esvaziando o sentido de democracia e reforçando o autoritarismo de mercado, que está na raíz do facismo social (Santos, 2013). Neste movimento, nega o direito à cidade , colocando como fundamental a necessidade de financiamento do orçamento público e da busca do crescimento econômico de forma estrita (expansão do lucro). Este direito diz respeito à própria dimensão do indivíduo como cidadão, tanto no acesso à cidade e aos seus recursos, como no direito de participar das decisões sobre sua produçao (Harvey, 2012). Nesta perspectiva, podemos concluir que, se no Brasil este direito nunca se tornou uma realidade plena, torna-se impossível agora sobre os ditames do capital financeiro.

O fascismo social é marcado pela emergência de poderosos atores não-estatais que adquirem controle sobre as vidas e bem-estar da população, substituindo as obrigações políticas que ligam o sujeito ao Estado de direito, por obrigações contratuais privadas, despolitizando o indivíduo e esvaziando o sentido de ser cidadão (Santos, 2013). A expansão da moderna lógica de incorporação aqui apontada se apresenta como o reforço desta lógica de imposição do privado sobre o público e da subordinação do citadino aos movimentos de valorização do capital, que passa a viver a cidade de acordo com sua capacidade de pagamento, sem perceber que a destruição do público implica na mercantilização da sua vida privada.

A privatização progressiva das relações sociais promovidas pelo capitalismo na atual fase financeirizada mutila o cidadão, que passa a ser fragmentado tanto no tempo como no espaço. À intensificação da fragmentação do espaço urbano (mercadorização da cidade), corresponde a fragmentação do indivíduo enquanto ser social, completo. A constituição de objetos imobiliários perfeitos à lógica do capital (Porto-Gonçalves, 2012) resulta na sua especialização e no seu uso programado. A moradia, o lazer, o trabalho, o estudo (formação/qualificação profissional) e o consumo são momentos da vida social que são cindidos no tempo-espaço, para serem colocados em simultânea oposição e associação na mercantilização da vida em sociedade ; mercantilizaçao que tende a negar a dimensão da cidade como uma totalidade urbana (Costa, 2011). Assim, são criados lugares isolados do contexto urbano ao qual estão físicamente ligados, para que as experiências prometidas possam ser entregues.

Estes espaços customizados e técnicamente controlados proporcionam experiências projetadas (objetificadas) para o consumo de seus frequentadores (usuários), que só podem ser vivenciadas de forma passiva, que é a forma inerente relativa à atividade de consumo (Sennett, 1992). As interações com os funcionários e as pessoas responsáveis por estas experiências também são objetificadas, pois não se tratam de relações expontâneas entre iguais, mas entre consumidor e prestador de serviço. São relações autocentradas no consumidor, que constantemente prestam referencia a seus desejos e satisfações narcisísticas, pois o « cliente é rei e seu desejo é uma ordem », enquanto os trabalhadores são desprovidos de personalidade, tornam-se mera extensão da vontade daquele.

O shopping center, os condomínios e loteamentos fechados, os centros empresariais, os resorts são objetos imobiliários que fazem parte deste sistema técnico, articulado a partir da produção fragmentada da cidade. O moderno capital incorporador difunde estes instrumentos pelo território das metrópoles e cidades médias brasileiras, impulsionado pelo capital financeiro, reproduzindo em maior ou menor intensidade este sistema e negando constantemente os espaços de vida da cidade em prol dos espaços privados de consumo.

Material suplementar
7. Referências bibliográficas
Arroyo, M. (2012) Circuitos espaciais de produção industrial e fluxos internacionais de mercadorias na dinâmica territorial do estado de São Paulo. Boletim Campineiro de Geografia, 1 (2), 7-26. Recuperado em 08 de outubro de 2019, http://agbcampinas.com.br/bcg/index.php/boletim-campineiro/article/view/48
Bonduki, N. (1998). Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade.
Bicudo, E. (2006). O circuito superior marginal: produção de medicamentos e o território brasileiro. (Tese de mestrado em Geografia). Universidade de São Paulo, São Paulo.
Boscariol, R. (2017). Mercado e Moderna Incorporação Imobiliária nas cidades médias do Oeste Paulista: Araçatuba, Marília, Presidente Prudente e São José do Rio Preto. (Tese de doutorado em Geografia). Universidade de Brasília, Brasília.
Botelho, A. (2007). O urbano em fragmentos: a produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo: Annablume.
Brunhoff, S. (2015). Marx on money(epub). New York: Verso.
Castillo, R. e Frederico, S. (2010). Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade & Natureza. 22 (3), 461-474. Recuperado em 8 de maio de 2016, https://www.scielo.br/pdf/sn/v22n3/04.pdf
Chesnais, F. (1996) A mundialização do capital. São Paulo: Xamã.
Costa, E. (2011). Geografia urbana aplicada: possibilidades, utopias e metodologia. In: Anais do 12ª Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Belo Horizonte, Brasil: Departamento de Geografia da UFMG. Recuperado em 14 de julho de 2020, http://xiisimpurb2011.com.br/gt06/10c2c3d459da55c4e951390bfcea0ba8.pdf
Exame (2012). Setor Imobiliário tem 17 fusões e aquisições no semestre. Exame. Recuperado em 14 de junho de 2020, https://exame.com/negocios/setor-imobiliario-tem-17-fusoes-e-aquisicoes-no-semestre-3/
Fix, M. (2007). São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma miragem. São Paulo: Boitempo.
Harvey, D. (2001) A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume.
Harvey, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution (epub). New York: Verso.
Harvey, D. (2013). Os limites do capital. São Paulo: Boitempo.
Maricato, E. (1982). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa-omega Ltda..
Mesquita, E. (2019). Patrimônio-territorial ante a patrimonialização global em Assunção – Paraguai. (Tese de mestrado em Geografia). Universidade de Brasília, Brasilía.
Oliveira, R. F. (2016). De aldeamento jesuítico a periferia metropolitana: Carapicuíba/SP como rugosidade patrimonial. (Tese de doutorado em Geografia). Universidade de Brasília, Brasilía.
Paulani, L. (2012). A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história. Boletim de Economia e Política Internacional, ( abr./ju 2012), 88-102, Recuperado em 03 de junho de 2020, http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4554.
Porto-Gonçalves, C. W. (2012). A globalização da natureza e a natureza da globalização. São Paulo: Civilização Brasileira.
Quijano, A. (2013) Colonialidade do poder e classificação social. In Santos, B. S. S., Meneses, M. P. (Org.). Epitesmologias do sul (epub). São Paulo: Cortez.
Ribeiro, L. C. Q. (1997). Dos cortiços aos condomínios fechados. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Sanfelici, D. (2016). Centralização do capital no setor imobiliário e reconfiguração das metrópoles. Mercator, 15 (2), 7-21. Recuperado em 07 de julho de 2020, https://doi.org/10.4215/RM2016.1502.0001
Sanfelici, D. (2017). La industria financiera y los fondos inmobiliarios en Brasil: lógicas de inversión y dinámicas territoriales. Economía, Sociedad y Territorio, 17 (54), 367-397. Recuperado em 07 de julho de 2020, http://dx.doi.org/10.22136/est002017685
Santos, B. S. S. (2013). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In Santos, B. S. S., Meneses, M. P. (Org.). Epitesmologias do sul (epub). São Paulo: Cortez.
Santos, M. (2002). O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp.
Santos, M. (2003). O espaço dividido. Sao Paulo: Edusp.
Santos, M & Silveira, M. L. (2004). Brasil: território e sociedade no início do séc XXI. São Paulo: Edusp.
Sauviat, C. (2019) Os fundos de pensão e os fundos mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In Chesnais, F. (Org). A finança mundializada. (pp. 23-42). São Paulo: Hucitec.
Secovi (2016). Pesquisa do Secovi-SP mostra a retração do mercado imobiliário em maio. Secovi. Recuperado em 06 de julho de 2020. http://www.secovi.com.br/noticias/pesquisa-do-secovi-sp-mostra-a-retracao-do-mercado-imobiliario-em-maio/11358
Sennet, J. (1992). The fall of public man (epub). New York: W. W. Norton & Company.
Shimbo, L. (2012). Habitação social de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Belo Horizonte: Arte.
Silveira, M. L. (2009). Finanças, consumo e circuitos da economia urbana na cidade de São Paulo. Caderno CRH, 22 (55), 65-76. Recuperado em 20 de novembro de 2019. https://doi.org/10.1590/S0103-49792009000100004
Smart Estratégia Imobiliária (2020). Sobre nós. Smart Estratégia Imobiliária. Recuperado em 04 de junho de 2020, https://www.smartestrategia.com.br/sobre.html
Sousa, L. (2020). Monumento e ativação popular do espaço público latino-americano : Cuba e Brasil. (Tese de mestrado em Geografia). Universidade de Brasília, Brasilía.
Sposito, M. E. B. (1983). O chão em Presidente Prudente: a lógica da expansão territorial urbana. (Dissertação de mestrado em Geografia). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro.
Uqbar Educação Financeira e Avançada Ltda. (2011). Anuário Securitização e Financiamento Imobiliário 2011. São Paulo: Uqbar. Recuperado em 19 de março de 2020, https://www.uqbar.com.br/anuarios-uqbar-fidc-fii-cri-cra/
Uqbar Educação Financeira e Avançada Ltda. (2016). Anuário Securitização e Financiamento Imobiliário 2015. São Paulo: Uqbar. Recuperado em 19 de março de 2020, https://www.uqbar.com.br/anuarios-uqbar-fidc-fii-cri-cra/
Uqbar Educação Financeira e Avançada Ltda. (2019). Anuário Securitização e Financiamento Imobiliário 2018. São Paulo: Uqbar. Recuperado em 19 de março de 2020, https://www.uqbar.com.br/anuarios-uqbar-fidc-fii-cri-cra/
Volochko, D. (2013). A moradia como negócio e a valorização do espaço urbano metropolitano. In: Carlos, A. F. A.; Volochko, D.; Alvarez, I. P. A cidade como negócio. (pp. 97-120) São Paulo: Contexto.
Notas
Notas
[1] Professor Adjunto 1 do Departamento de Geociências da Universidade de São João del Rei, UFSJ. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3675-8705 E-mail: renanboscariol@ufsj.edu.br
[i] Este artigo resulta de orientação no contexto do GECIPA, Grupo de Estudos CNPQ – Cidade e Patrimonialização e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade de Brasília – Distrito Federal, Brasil, com orientação de Everaldo Costa e co-orientação de Everaldo Melazzo.
[ii] A MRV Engenharia, em 1996, se aproxima da Caixa Econômica Federal e desenvolve um setor na empresa voltado para a adequação dos contratos de financiamento às regras da instituição. A mesma empresa se efetiva posteriormente, em 2007, como o primeiro correspondente imobiliário da Caixa Econômica Federal. O grupo Rodobens Negócios Imobiliários, no mesmo ano, também se torna correspondente imobiliário da empresa (Boscariol, 2017).
[iii] Grupo Encalso \ Dahma, em 2008, MRV Engenharia e Rodobens Negócios Imobiliários, em 2010 e a GSP Loteamentos, em 2014 (Boscariol, 2017)
[iv] Entre 2004 e 2014, a evolução do número de FIIs existentes e do Patrimônio Líquido total destes foi superior a 50 vezes e a 30 vezes, respectivamente (258 fundos e 61,94 bilhões de reais ao final do período). Para CRIs, o volume anual de emissões de novos títulos e o estoque total cresce no mesmo período, respectivamente, 16,2 vezes e 90 vezes (10,4 bilhões em emissões/ano e 60,63 bilhões em estoque de CRIs ao final do período) (Uqbar, 2011 e 2016).
[v] No ano de 2018 houve a cisão da MRV Log e a MRV Engenharia e esta se tornou uma empresa separada, a Log Comercial Properties, embora ambas as empresas continuem sob o mesmo controle acionário.
[vi] Para a consideração destas outras dimensões, ver os trabalhos de Oliveira (2016), Mesquita (2019) e Sousa (2020). O primeiro autor discute a preservação do patrimônio cultural por meio das práticas sociais do cotidiano de seus moradores frente à força da metropolização na cidade de Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo. A segunda autora aborda, a partir do conceito de patrimônio-territorial e patrimonialização global, o embate entre as práticas de turistificação e as intervenções urbanas do Estado paraguaio em um bairro periférico no centro da cidade de Assunção, apontando as formas de resistências que se configuram nas práticas sociais dos moradores, que envolvem a manutenção de tradições e manifestações relacionadas à memória indígena e ao passado colonial. A terceira autora aborda, a partir do monumento presente no espaço público (a praça) nas cidades de Camagüey (Cuba) e Goiânia (Brasil), a relação entre espaço público, memória coletiva e práticas sociais localizadas no âmbito do cotidiano dos indivíduos, apontando questões políticas e sociais que remontam à questão da identidade latinoamericana.
Quadro 1
Classificação das atividades econômicas segundo a teoria dos circuitos da economia urbana

Santos (2003); Bicudo (2006), Silveira (2009). Organização própria.
Quadro 2
Os agentes do mercado imobiliário de acordo com o circuito superior da economia urbana

elaboração própria

Figura 1
Linha de produtos da Rodobens Negócios Imobiliários
composição feita pelo autor a partir do portal da Rodobens Negócios Imobiliários (2020).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc