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Ensaio teórico pela patrimonialização do espaço banal:um enlace de geografia-urbanismo-sociologia-planejamento e turismo
Eduardo Yázigi Yázigi
Eduardo Yázigi Yázigi
Ensaio teórico pela patrimonialização do espaço banal:um enlace de geografia-urbanismo-sociologia-planejamento e turismo
Ensayo teórico por la patrimonialización del espacio banal: un enlace de geografía-urbanismo-sociología-planificación y turismo
Theoretical essay for the patrimonialization of the banal space: a link of geography-urbanism-sociology-planning and tourism
PatryTer, vol. 2, núm. 3, pp. 1-7, 2019
Universidade de Brasília
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Resumo: Este pequeno ensaio introduz um aporte teórico ao urbanismo, baseado na visão de Louis Wirth (1938) que o exalta, também, como um modo de vida. É uma provocação junto aos leitores: quantas horas da vida de cada um são gastas com visitas ao patrimônio histórico tradicional e quantas são gastas, a vida inteira, no espaço banal fora de suas casas? Disto resulta a necessidade urgente de valorização dos ambientes socialmente apropriados por agremiações de cidadãos lá onde vivem: feiras de artesanato, étnicas, da história de vida, de cuidados de saúde, etc., cujos entornos podem desaparecer se cuidados com a renovação urbana não forem vigiados. É a alma da cidade que pode desaparecer na loucura urbanizadora sem critérios.

Palavras-chave:patrimonializaçãopatrimonialização,espaço banalespaço banal,turismoturismo.

Resumen: Este pequeño ensaio introduce un aporte teórico al urbanismo, basada en la vison de Louis Wirth (1938) que incluso lo señala como un modo de vida. Es uma provocación junto a los lectores: cuantas horas de la vida de cada uno es dedicada a visitas al património histórico edificado, y cuantas, durante una vida entera, al espacio banal al abrir la puerta de su casa? Asi resulta valorizar los ambientes socialmente apropriados por agremiaciones de ciudadanos en donde viven: ferias de artesanias y étnicas, historias comunes de vida, cuidados con la salud, etc., cuyos alrededores pueden desaparecer si precauciones contra renovaciones urbanas no son tomadas. Es el alma de la ciudad que puede desaparecer en la locura urbanizadora sin criterios.

Palabras clave: patrimonialización, espacio banal, turismo.

Abstract: This article introduces a small theory contribution to urbanism, based on Louis Whirth’s vision (1938) that exalts it as a way of life. This paper is a provocation towards the lector: how many hours in a life does he spend visiting the traditional historic patrimony and how many using banal spaces, during all the life when out of home? It results an urgent valuation necessity of ambiences socially appropriated by citizens through many kinds of unions there where they live: ethnic fairs, common life histories, health care, etc. whose environment disappears if precaution against urban renewal are not taken. The city loses it soul in urbanizing madness.

Keywords: patrimonialization, banal space, tourism.

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Ensaio teórico pela patrimonialização do espaço banal:um enlace de geografia-urbanismo-sociologia-planejamento e turismo

Ensayo teórico por la patrimonialización del espacio banal: un enlace de geografía-urbanismo-sociología-planificación y turismo

Theoretical essay for the patrimonialization of the banal space: a link of geography-urbanism-sociology-planning and tourism

Eduardo Yázigi Yázigi
Universidade de São Paulo, Brasil
PatryTer, vol. 2, núm. 3, pp. 1-7, 2019
Universidade de Brasília

Recepção: 15 Novembro 2018

Aprovação: 20 Fevereiro 2019

Publicado: 04 Abril 2019

Ensaio teórico pela patrimonialização do espaço banal: um enlace de geografia-urbanismo-sociologia-planejamento e turismo
1. Um tipo ideal do padrão de Max Weber

Paul Claval, grande fundador da Geografia Cultural, é um dos poucos geógrafos ganhadores do prêmio Vaudrin-Lud, equivalente ao Nobel na área de Geografia. Inspirado em sua fabulosa obra “Ennoblir et embellir. De l’architecture à l’urbanisme” (Claval, 2011), a qual tive a honra de ser por ele escolhido para traduzir, veio-me a ideia o presente artigo, o qual considero bastante revolucionário. Entretanto, “bastante” somente para aqueles que jamais pensaram no valor do espaço público banal – que é o que sobra de todas as privatizações. Pretendo, em desespero de causa, esboçar uma contribuição teórico-metodológica a fim de recompor os cacos do espaço público paulistano, causados por sucessivas gestões municipais incapazes de gerir o que é sua obrigação. De modo geral, o Brasil não sabe gerir o pequeno, e muito menos o grande. Além das gestões, responsabilizo a baderna que se tornou São Paulo por incompetência de todos os edis municipais, diga-se de passagem, eleitos por voto indubitavelmente democrático. Em busca do que seja uma cidade, considero estupidamente incompleto definir um planejamento urbano que não leve em conta uma abordagem prévia do mais alto interesse social, isto é, um mix de geografia-história-sociologia-planejamento.

No Brasil, vivemos um tempo em que o andar a pé resultou num deboche do que seja o caminhar. De nada adianta a recomendação mundial de priorizar o pedestre, em nome da saúde, e mais ainda quando o excesso anormal de veículos circulando nos insta a trocar o auto particular por um meio de transporte coletivo. O Brasil já gozou de um tempo até a Segunda Guerra, em que o que hoje denominamos calçada se chamava, oportunamente, passeio. Prestava-se, com justa denominação ao que Charles Beaudelaire cunhara como ideal certos cidadãos se tornarem flaneurs. A academia não cessa de defender a sustentabilidade do corpo humano ligada a várias formas de uso do corpo humano. Há, ainda, a pregação de costumes que promovem o contrapeso de shopping centers, o excesso de vida televisiva, as celebrações, enfim, a apologia a mundos fechados que diminuem, cada vez mais, o valor das identidades abertas. Essas, sempre foram para mim, a alma da cidade juntamente com o que a natureza pode oferecer de melhor.

Inspirado em algo que já pensara, mas que me reconfortou enquanto método, encontrei no longínquo 1938, um artigo de Louis Wirth, da Escola de Chicago. Tal autor detonou um conceito mais do que fundamental em tempos de sustentabilidade: “O urbanismo como modo de vida”. Entretanto, não o explorou tanto quanto possível. E além, nossa distância no tempo e na vida é de tal monta que se tornou imperativo repensar a questão. Daí decorre um desmembramento que a muitos pode parecer óbvio, sem que eu tenha encontrado quem exemplificasse o fenômeno das ambiências de modo a ser respeitado pelo Urbanismo. Trata-se de uma dessas ideias fáceis de aprovar de imediato, cujo tratamento objetivo visa oferecer reforço de agrupamentos, hoje órfãos sem o saber. Qualquer leizinha de um vereador dado a inventar coisas sem pensar pode aniquilar esforços coletivos de grupos da mesma identidade. Esta singela manifestação social, sem autor definido ou intervenção oficial pode, com segurança, não só satisfazer interesses sociais como favorecer o turismo e o lazer, como eles certamente podem ensejar.

Pode-se perguntar, em meio a um festival tresloucado de explorações capitalistas, como seria, por exemplo, o modo de vida do paulistano, congolês, angolano, húngaro ou damasceno, instados a viverem fora de suas pátrias. Com toda a certeza tal desafio só poderia ter alguma tentativa teórico-metodológica perto da completude, mediante análises do tipo ideal de Max Weber. Evidentemente, a síntese resultante de tal análise, tendo em conta um paulistano, seria pedagogicamente muito aceitável, assim como exemplo de tipo ideal, tão bem realizado como olvidado, como a obra da autoria de Stanley Stein (1990). Todavia, esse tipo só existiria na qualidade de protótipo, sem nuance alguma. Vale dizer: elucida uma condição sociológica, mas não serve como ponto de partida para uma intervenção urbanística que vise aprimorar a vida cotidiana bem definida de um grupo de cidadãos. O que Stein (1990) fez com grande sucesso foi uma profunda análise do município de Vassouras, no Rio de Janeiro, no auge da produção cafeeira: como funcionava a câmara local, de onde vinham os financiamentos, quem avalizava, implantava, etc. O que fica valendo resulta no seguinte: quem entende Vassouras desse tempo, entende todos os outros municípios contemporâneos, mas sem nuances. Max Weber, assim, exemplificou como teria sido uma cidade medieval, mas que não passava de um protótipo sem qualquer similaridade.

Cercado de um muro metodológico difícil de ser vencido operacionalmente, remeti-me a um conceito que venho trabalhando há décadas, mas ainda descontente com possíveis progressos já formulados. Este meu conceito chave tem por eixo o patrimônio ambiental urbano. Se no meu entender, ambiente quer dizer relação entre coisas ou ideias (ambiente deplorável, católico ou erótico...), eu deveria aproximar o domínio do objeto mais ainda, mesmo à guisa de exemplos. De longa data publiquei um livro denominado “A alma do lugar”, que fez grande sucesso em todo o país. Nele, ative-me ao verdadeiro eixo do encantamento – uma reserva natural, uma arquitetura, uma festa nativa, religiosidades – um conjunto de coisas verídicas. Todavia, em tempos de horrorosa crise urbanística de São Paulo, esses grandes blocos já não me bastam para chegar bem perto de uma noção de ambiente identificada, coesa, localizada e protegida. A não perder de vista que este artigo é de teor de intervenção na realidade, isto é, fazer do planejamento um elemento real para ser vivido.

Assim foi tão fácil, tão certeiro, tão identificável, tão encantador focalizar as múltiplas ambiências que pululam na verdadeira Pauliceia Desvairada - que Mário de Andrade ainda não soubera bem em que iria resultar. Ei-la por todos os bairros vibrando de prazeres ou luto, mas meio chorandinho, temendo fenecer, sufocada, ensurdecida, assaltada, estuprada.

Num livro que acabo de escrever, mas ainda não publicado, elenquei mais de uma dezena de ambiências paulistanas, reais, vivas, coloridas, cheirando gostoso ou fedidas. Sim, meu ex Diretor de Doutorado, Professor Pierre Monbeig, corroborou uma ideia que sempre tive: nunca perder de vista a condição humana em análises quaisquer da Geografia, cujo principal objeto são seres de todos os gêneros, substantivo hoje acrescidos de variedades a ser perder de vista, incluindo regionalismos, nacionalidades, credos, atuações artísticas ou bruxarias.

Como bem se sabe, ambiências não são apenas as visíveis em pleno espaço público, mas por igual, incluem as que têm porta no espaço público e acontecem onde não são admitidos intrusos: uma Loja Maçônica, práticas de vodu ou orgias. As supremas ambiências que realizam identidades abertas a neófitos são múltiplas e podem ser analisadas, sistematizadas, dimensionadas, avaliadas enquanto dado sociológico a ser respeitado ou mesmo auto modificadas, posto serem mutáveis no tempo, felizes enquanto duram.

Quanto maior for uma cidade ou metrópole, certos grupos diferenciados de cidadãos podem existir que, absolutamente, prefiram ambientes sofisticados, clausuras, atividades secretas, etc. Nesta ótica, o que realmente conta para o planejador urbano são os valores que realizam condições psíquicas, vitais, profissionais, artísticas, o que seja – mas envolvendo as redondezas urbanas. Jamais será questão de se intrometer no que for de seus Direitos Constitucionais. O que interessa está na possibilidade de resguardar seu entorno, só isso.

Será preciso repetir até a exaustão: qual é mais importante para a vida dos que me leem: os monumentos históricos e artísticos ou o espaço banal? Por qual deles se chega ao trabalho ou outra razão em cada dia da vida? E se for uma emergência médica bloqueada pelo trânsito? Não é preciso negar o monumento, mas atribuir-lhe o justo peso e proteção. Considere-se ainda que o patrimônio histórico e artístico oferece um único ingrediente da consciência histórica no contexto de um mundo de fatos, com múltiplas fontes de informação complementares, de diversas interpretações de História política, da arte, dos valores de cada tempo, etc. Uma exaustão porque existe incrível número de Histórias. Entenda-se: a História se pauta na Verdade, conceito este considerado o mais difícil de todos de ser trabalhado, inclusive até contra nossos valores sedimentados. Apreciar um bem já é outra coisa, livre e independente. Ter consciência exige muita sofisticação dialética. E isto não é pouco, nem da alçada do homem comum.

2. Algumas ambiências comuns

Na minha obra ainda não publicada denominada Patrimonialização do espaço banal, explorei com pormenores algumas ambiências citadinas dotadas de identidade, cuja existência não pode ser planejada por governos, posto se tratarem de apropriações espontâneas da população. O que se pode e se deve intervir nesses casos, trata-se tão somente, uma vez comprovado seu valor e anuência, proteger seu entorno, resguardando-o de renovações urbanas, pontuais ou zonais que possam destruir uma construção histórica coletiva. Construção esta que a priori evolui ou desaparece, mas que é indispensável à definição da Alma do Lugar, um dos principais fatores do sentimento de belonging. Do mesmo modo, conviria que o zoneamento regional fosse de tal natureza que, por igual, caminhasse ponderadamente no trato de agremiações públicas urbanas e rurais.

A guisa de exemplo cito abaixo, apenas algumas ambiências selecionadas e de valor consagrado pelo uso comum popular. Segundo meu enfoque analítico, as ambiências que seguem podem ser abertas ou semi públicas. O mais importante de ser considerado, para fins de planejamento, está no interesse de a cidade proteger seu entorno no que diz respeito ao valor social e ao uso e ocupação do solo – instituição que pode favorecer em bom ou mau sentido, dependendo de seu teor. No entanto, é preciso ter em conta que uma série de renovações pontuais se convertem em zonais, daí a necessidade de promover um micro zoneamento antes que um processo acabe por dominar a área inteira com renovações. Significa a agremiação se manter atenta o tempo todo. Renovações existem desde que surgiram vilas agrárias e cidades, há mais de dez mil anos, pois assim exige a dinâmica da sobrevivência humana. A seguir, apenas breves comentários acerca de algumas ambiências comuns de serem encontradas– mas não únicas, nem definitivas. É a flexibilidade de estratégias o que lhes permitirá evoluir.

Calçadas. Constituem, desde meu ponto de vista, o melhor retrato do governo da cidade. No caso paulistano são consideradas a partir da dominante da perversão: entupimento de equipamentos e serviços que comprometem o pleno uso e contemplação de seus bens laterais edificados, patrimoniais ou não. A calçada fulgura com os piores vícios: pavimentação estraçalhada, pessimamente remendada; liberada a quiosques de jornal que se tornaram pequenas lojas de conveniência e que burlam os 30 metros quadrados autorizados, estendendo beirais ao seu redor que aumentam a área útil coberta com mais 1,20 de extensão horizontal. Ao invés de serem destinadas a deficientes físicos, seus “pontos” são vendidos entre 2,5 e 5 milhões de reais, afora o casco de um luxo inigualável em países mais ricos onde uma banca não ultrapassa 2 metros quadrados. A fiação que se sobrepõe às calçadas chega, comumente, a ultrapassar mais de 50 unidades! Some-se ao entupimento da via: guaritas, barracas temporárias como as da Secretaria Municipal de Turismo de São Paulo – que sequer têm um mapa da cidade para oferecer ao turista. Ambulantes são cada vez de número maior.

Espaços sociais alternativos. Possuem o grande mérito de enriquecer e questionar a Democracia, assim como a Moral pública. Por exemplo, a célebre Galeria do Rock, entre a Avenida São João e Rua Sete de Abril de São| Paulo pode “assustar” populações intolerantes a tatuagens ou ao uso corrente de caveiras no adorno pessoal, assim como a ambientes de fantasia fantasmagórica. Considero este tipo de marginalidade indispensável ao questionamento burguês de si próprio, na medida em que talvez cheque valores falsos. Os atendentes das lojas da Galeria em questão demonstram ter uma educação absolutamente solícita. Democracia é a vontade da maioria, mas com respeito às minorias!

Urbanização lateral de estradas em saída da metrópole. Estradas são concebidas, a priori, para tolerar apenas serviços de urgência em suas laterais, como por exemplo, mecânicos ou pronto socorro. O que acontece, em detrimento do bom do planejamento territorial do município, é que se cria uma cidade linear a beira da rodovia, com todos os tipos de “inconveniências”, resultando, muito onerosa e inconvenientemente, ao município arcar com uma urbanização isolada da cidade – seja sendo obrigado a estender serviços a quilômetros de distância da sede e construir caras passarelas sobre a rodovia a fim de poupar mortes com travessias indevidas de pedestres.

Ônibus, trens de subúrbio e ferrys. Devem ser citados em função da precariedade dada pelo volume de passageiros em contato, inclusive sexual, entre si e que resultam em casos judiciais. Dado este que ainda é pouco em função da lentidão e incômodo gerado com passageiros que chegam a gastar mais de uma hora da periferia próxima ao centro. Ademais, ônibus não realizam o trajeto mais curto e sim o ziguezague que lhe permite colher o maior número de passageiros. Uma pergunta desafiadora: em que pesem milhares de ônibus incendiados e depredados durante manifestações públicas, quem indeniza seus proprietários cuja crítica inexiste? Quem? Ambiente de um trem TGV é bem outra coisa!

Conjuntos de habitação popular. Enquanto que em classes mais elevadas há conjuntos que chegam a constituir verdadeiros resorts, os apartamentos populares são a própria expressão da penúria, onde os espaços comuns raramente possuem vantagens de convívio social; a exploração comercial - sempre entregue a forâneos. Espaços comuns se tornam, não raro, acumuladores de lixos e ratos. Entrementes, bem poucos moradores fazem algum esforço para colorir o habitat com algum paisagismo.

Madalenices. Cunhei tal denominação para definir certa leva de novos moradores no bairro de Vila Madalena, São Paulo – décadas atrás. Refiro-me a certa categoria de intelectuais e estudantes que valorizam o lado amigável de vizinhança e de culturas alternativas que se expressam por uma feira local aos sábados, ou ainda em butiques de artesanato de bom gosto e profissionais preocupados com a vida sadia: tai chi, massagens, manufaturas, etc. São concentrações sociais e comerciais que vêm durando perto de meio século.

Balas perdidas. Favelas não são totalmente homogêneas. Constituem uma das maiores anomalias que tiram o sono de seus moradores e de outros segmentos normais de casas modestas semiperiféricas. A ordem de ninguém sair de casa é um insulto inominável de enfrentamento entre o poder das drogas e a vida social – não se sabe com precisão quais as ligações existem entre o mercado da droga e a totalidade de residentes afetos. Sim, existem várias zonas residenciais e comerciais, preferidas pelos bandidos. A ambiência reinante é do eterno terror.

Acampamento de mendigos. Constituem a grande novidade das “melhorias” vivenciais de mendigos. Antes pediam “uma moedinha”, passando depois a requerer uma “quentinha”, depois a um auxílio para a ração do gato ou cachorro companheiro. Muitos vivem em tenda, outros nos vãos recuados de edifícios que permitem abrigo da chuva. As tendas, fixas, é claro, acumulam “tralhas” juntadas, cobertores, algum alimento, e também abrigo para os animais. Entre homens, mulheres, crianças e animais definem-se algumas regras de comportamento. Mas há também, mendigos que dormem ao relento. A proliferação deste tipo de “solução” de moradia está fazendo de São Paulo uma nova Calcutá. Entendam, cidadãos bem vestidos: a familiaridade com a miséria é uma das piores coisas que pode acontecer com a vida dita normal.

Ambiências do tipo “Oasis”. São espaços com certo isolamento da “zoeira” das ruas, onde é possível, ao cidadão-não-mendigo, encontrar lugares de sossego, tais como alguns mosteiros e igrejas, ou os belos Jardins com chafarizes do Museu do Ipiranga, há mais de um século considerado um “colírio”, um reduto de paz – assim como reservas florestais dentro da cidade.

Ambientes fantasiosos. São grandemente temporários, a exemplo do Sambódromo de São Paulo ou Rio de Janeiro. Por igual ruas que se atapetam para a procissão passar ou ainda dias de festejos civis que vão desaparecendo. Normalmente, antecedendo o Natal criam-se belas iluminações de rua, mas ocorrem, igualmente, aberrações insustentáveis. Por exemplo, num certo Natal do Rio de Janeiro, com temperatura beirando 40º C, desponta pelos bairros centrais um bizarro Papai Noel usando roupas árticas, com renas motorizadas – ao invés de pelo menos, chegar de bermudas com cestos de frutas tropicais. O mal deste simples episódio é que se habitua e aplaude o bizarro ao invés de acentuar a alma da cidade.

Mercados municipais. Desde a mais remota antiguidade se constituíam lugares de sociabilidade, onde a pechincha fazia parte e ainda faz, em alguns países em seus rituais de compra e venda. No mundo árabe, a pechincha nos souks ainda é ritual quase “obrigatório”. A fartura de verduras, frutas, secos e molhados sempre forma um sedutor cenário colorido. No Brasil, entretanto, à diferença de incontáveis países, a presença de um Mercado Municipal reúne o que há de pior em seu entorno. No Brasil inexiste arredores de mercado cheios de charme e de turistas. Ao lado do belo Mercado Municipal de Ramos de Azevedo, em São Paulo, pulula um caos de autos e sujeira que pode ser qualificada de nojenta. Em Madrid, o velho Mercado San Miguel, em Arquitetura de Ferro, se tornou uma das principais atrações turísticas, frequentado até mesmo por famílias reais. Quanto vale a Edificação do Mercado Municipal de São Paulo, assinado por Ramos de Azevedo, o fato de ser rodeado de uma deplorável ambiência em seu entorno?

Ruas de comércio temático. Muito se fala de suas origens damascenas na Síria, onde em priscas eras havia ruas do souk especializadas em jóias, especiarias, sedas... Em São Paulo tais vias se mostram, próximas do Mercado Municipal – por exemplo, a Rua São Caetano, inicialmente dada ao comércio de vestidos de noiva, atualmente com muitos complementos de vestuário do noivo, fazendas por metro, máquinas de costura, fotógrafos de bodas, etc. O mesmo acontece em sua adjacente Avenida Tiradentes que congrega um Quartel de Bombeiros, Comando Militar, muitas tendas de moda militar para qualquer pessoa, inclusive com cópias de estados beligerantes como Israel.

Hospitais. Alguns isolados nada ensejam por falta de lugar explorável por comércios. Outros, entretanto, congregam complementariedades necessárias: acesso automotor fácil para casos de emergência, clínicas de várias naturezas, lojas de produtos ortopédicos, laboratórios, etc. O Hospital São Paulo, à Rua Borges Lagoa é um exemplo de profusão de complementariedades médicas. Comumente ambiente de profunda tristeza e desolação.

Apropriações do padrão LGBT. Um lugar de especial destaque consiste da Praça Roosevelt, onde a ambiência de três teatros em função divide acolhimento de corpos teatrais vizinhos: o Teatro de Cultura Artística, o Restaurante Gigetto, a Baixa Augusta, etc. Infelizmente a renovação urbana que se processa a partir desta em direção à Avenida Paulista está ameaçando seriamente um ambiente consagrado como espaço alternativo de cultura clássica como de sexo, onde personalidades se congraçam nos restaurantes e boates.

Pão e Circo. São elementos que vão quase sempre juntos, como as múltiplas associações de gastronomia com divertimento, divididas entre lugares elegantes como os bairros Jardim de São Paulo, com muitos restaurantes luxuosos, assim como teatros e cinemas. Algumas procissões associam a religiosidade à festa, como o dia 16 de agosto, em São Roque, SP, quando a passagem de um grande andor carregado por fortes homens, em ruas cobertas de flores, com o Santo do mesmo nome, é enriquecida com grande comilança. De fato, a cada ano algum casal eleito para festeiro abre sua casa com quitutes grátis para todos. As festas juninas da atualidade saíram de fogueiras no meio das ruas, devido a incompatibilidade de uso do fogo, para adentrar em escolas e clubes, onde o Casamento Caipira nunca falta.

Cracolândias. Quase toda cidade possui a sua, maior ou menor, exposta ou não. Costumam atemorizar transeuntes, com justa causa, uma vez que o uso craque ou cocaína enseja assaltos para adquirir drogas. O problema que se coloca é o baixíssimo nível de segurança para os frequentadores da exímia Sala São Paulo, com suntuosas instalações líricas, bem ao lado de uma “filial” dos cartéis.

Points de patotas. Muitas vezes, sem razão aparente, começam com um pequeno grupo de frequentadores à procura de diversão com amigos. Costumam acontecer em algum bar ou restaurante que vende bebidas alcoolizadas, ocorrendo enorme concentração de frequentadores em apenas um - cujo estabelecimento ao lado “não pega!”. Sem dúvida, se tornam um lugar muito importante e não muito caro para congregação de grupos de jovens, na maioria estudantes.

Vias de Contestação e festejos. Outrora fora o caso do Vale do Anhangabaú, hoje deslocado para a Avenida Paulista, lugar de maior visibilidade onde se processam passeatas políticas de diversas ordens de contestação, assim como um loco de alta disputa por candidatos a cargos políticos. Atualmente prevalecem dois usos constantes principais: a célebre marcha gay que acabou congregando todas as opções de gênero sexual e a mais viável cópia do que costuma ser uma rambla, como por exemplo a de Barcelona. Contudo, em domingos e feriados, a avenida se transforma em redutos exclusivamente de passeio pedestre, onde artistas de diversas categoria se apresentam livremente, cantando, atuando, dançando, parodiando, fazendo malabarismo... A via se lota de cidadãos de todas espécies. A dificuldade criada é que grandes hospitais da região ficam com acessos dificultados e menos rápidos.

Pergunta oportuna para o planejamento: como tratar o aperfeiçoamento das vizinhanças, de cada uma das ambiências? - Lembrando-se que ambiência quer dizer relação. Que avaliações devem ser feitas à luz de um regime democrático de uso comum?

3. Algumas precauções de planejamento

O Brasil não tem a menor ideia do que seja micro zoneamentos

Apenas em instâncias inteligentes como em alguns países, o espaço público é minuciosamente predestinado com usos compatíveis com sua função específica. Sim, normas que se incorporam a um plano municipal de uso do solo, em consonância com seu Plano oficial de Uso do Solo.

Vigiar o perigo da renovação urbana

A pior ameaça da renovação se faz com delicadezas próprias de Carterpillars e sua força diabólica de arrasar até as pequenas e singelas construções de apropriação cidadã viva como luz do dia. Quod usque tandem Catilina abutere patientia mostra? Então urbanistas oficiais ainda não aprenderam que existe forte produção bibliográfica internacional e brasileira que define respeito às ambiências consagradas e à necessidade de atender populações trabalhadoras em área central?

Intervir oficialmente se necessário for

A força do capital, transformando lugares de consagração social no único propósito de lucro não possui equivalente em termos de ausência de critérios. Sim, chegam mesmo a fabricar áreas semi públicas de lazer onde o lucro é que dita os usos compatíveis.

O verdadeiro sentido de participação

Nos remete a vários tipos de associações que até o presente não passam de simples reinvindicações de poupar flagelos. Que participação hipócrita é esta bafejada aos quatro ventos proclamando o Direito à Cidade?

Prefeituras regionais

Devem parar de ser instâncias de reclamações, passando a assumir funções de alto interesse local enquanto partes de ideais social e economicamente previstos que complementem um ideal verdadeiramente orgânico de bem-estar geral.

Revisão institucional

A governança metropolitana se tornou um problema mundial cuja solução não pode ocorrer com a existência de instituições arcaicas do gerenciamento urbano. Isto não é fácil porque abala o atual sistema hierárquico do poder. Mas sem isto, como governar, por exemplo, a macro metrópole paulistana, cujos municípios juntos já perfazem quase duzentas unidades? Ninguém está a pensar que isto equivale a um poder superior ao de governar o país inteiro? Nenhum ideal metropolitano eficaz passará sem profundas reformas das instâncias de poder – de todos os níveis.

Acabar de vez com a Convias de São Paulo!

Ao longo de quase 30 anos de observação e documentação do surrealismo urbanístico de São Paulo, sugiro a extinção desta repartição incapaz de sanar as perversões que ocorrem livremente nas ruas paulistanas. Tenho tudo amplamente documentado: o espaço público piora cada vez mais. O desinteresse pelo espaço banal é humilhante. Numa única palavra, a Convias é tudo o que pode existir de pior para a cidade: deixa tudo acontecer arbitrariamente, não constrói instituições nobres, permanece indiferente à educação cívica e jamais cobra indenizações por danos causados, sem cessar, por firmas e cidadãos comuns. Esta instituição vergonhosa deve ser extinta por incompetência e substituída por uma autarquia com plenos poderes de impor a ordem urbana e “catequisar” a população. A exigência de educação pela civilidade, abolida no pós Ditatura, deve ser reinventada como disciplina obrigatória de primeira ordem em todas as escolas. Não existe país desenvolvido no mundo que não cultive a ordem pública como uma questão tão importante quanto sua segurança.

4. Um indispensável (e tardio) reconhecimento da geografía

Partindo do pressuposto de que já existe, de longa data, uma Geografia Urbana, nada mais justo e perfeito do que despertá-la para um novíssimo enfoque - o espaço banal enquanto fator indispensável e obrigatório na busca de cidades mais humanas.

Por certo muitos estudiosos já resvalaram sobre esta questão, mas hoje carecemos de alongar os horizontes da percepção à luz de uma nova modernidade que defina as estratégias em vista da conquista urbana que mais está em moda: os direitos do cidadão. Eis então que as trincheiras se definem: de um lado a avassaladora Renovação Urbana que não deixa pedra sobre pedra (literalmente) de conquistas minuciosamente construídas nos espaços abertos e as das ambiências. Mas ora, relações, no contexto evocado anteriormente podem ser nefastas ou benignas, o que nos remete a políticas urbanas, isto é, uma frente a ser conduzida com garras inclementes contra os abusos, não só do capital, mas também de cidadãos avessos ao que Heller (1985) e outros reconheceram há quase um século: não pode existir território sem regras. Até cães e muitos outros animais marcam territórios com sua urina. Apenas o humano costuma urinar fora do lugar. Como fica a Geografia Crítica? A luta tem duas frentes: a do “aqui agora” e a das grandes esferas – inseparáveis entre si. Por um lado, impõe-se a luta do imediato, contando com instrumentos de defesa já existentes. Por outro lado, a frente das instituições, das novas instituições. Tenho de lutar pelo buraco em frente de minha casa, mas também, e sobretudo, para que outros similares não surjam – meta a ser travada em esferas igualmente institucionais.

No entanto, a Geografia, como toda disciplina que se pretenda holística, deve se reforçar, com outras Humanidades que se mostrarem necessárias à clareza do que se procura em nome de uma cidade de valores verdadeiramente equilibrados. Não aquela de antigamente que nunca foi assim, senão na etiqueta, e sim naquela que reconhece o direito de todos, até mesmo o da marginalidade-não-criminosa. Sim, marginais cujos valores valem por seus modos de vida que questionam os nossos, muito mais hipócritas.

(*) Meu livro, que explorará as ambiências com maior profundidade em 2019, levará por título “Patrimonialização do espaço banal. Aportes teóricos para o Urbanismo, Prestígio e Turismo”.

Material suplementar
5. Referências bibliográficas
Claval, P. (2011). Ennoblir et embellir. De l’architecture à l’urbanisme. Paris: Les Carnets de l’info.
Heller, A. (1985). O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra.
Stein, S. (1990). Vassouras: um município brasileiro do café – 1850-1890. São Paulo: Nova Fronteira.
Yázigi, E. (2000). O Mundo das calçadas – por uma política democrática de espaços públicos. São Paulo: Imprensa.
Wirth, L. (1938). Urbanism as a way of life. Indianapolis: Bobbs-Merril.
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