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A produção canavieira e o mito do progresso: agronegócio e agricultura familiar na microrregião de Ceres, Goiás, Brasil
La producción cañera y el mito del progreso: agronegocio y agricultura familiar en la microrregão Ceres, Goiás
The sugarcane production and the myth of progress: agribusiness and family agriculture in microrregião Ceres, Goiás
A produção canavieira e o mito do progresso: agronegócio e agricultura familiar na microrregião de Ceres, Goiás, Brasil
PatryTer, vol. 2, núm. 3, pp. 61-77, 2019
Universidade de Brasília

Recepção: 22 Novembro 2018
Aprovação: 10 Janeiro 2019
Publicado: 04 Abril 2019
Resumo: O Brasil é um grande agroexportador de produtos vinculados ao agronegócio. Dentre as principais produções, destaca-se a cana-de-açúcar que apresentou nas últimas décadas expansão em área plantada e produção de etanol e açúcar, voltados para o mercado interno e também internacional. Alguns estados brasileiros destacam-se nesse processo, como São Paulo, Goiás e Mato Grosso, e estão entre os maiores produtores. Objetiva-se portanto, compreender o processo de expansão canavieira para o estado de Goiás, dando ênfase à microrregião Ceres, uma das principais regiões canavieiras desse estado. Pôde-se concluir com essa pesquisa, que na região estudada há sérios efeitos socioespaciais fruto da atividade canavieira, bem como conflitos latentes, entre o agronegócio e a agricultura familiar, muitas vezes legitimados pelo discurso do desenvolvimento, que em verdade é incompleto, e pelo mito do progresso atrelado ao discurso do agronegócio brasileiro.
Palavras-chave: produção canavieira, agricultura familiar, famílias assentadas, estado de Goiás.
Resumen: Brasil es un gran agroexportador de productos vinculados al agronegocio. Entre las principales producciones, se destaca la caña de azúcar que presentó en las últimas décadas expansión en área plantada y producción de etanol y azúcar, orientados hacia el mercado interno y también internacional. Algunos estados brasileños se destacan en ese proceso, como São Paulo, Goiás y Mato Grosso, y están entre los mayores productores. Se pretende, por lo tanto, comprender el proceso de expansión cañera para el estado de Goiás, dando énfasis a la microrregión Ceres, una de las principales regiones con caña de azúcar de ese estado. Se pudo concluir con esa investigación, que en la región estudiada hay serios efectos socioespaciales fruto de esta actividad, así como conflictos latentes, entre el agronegocio y la agricultura familiar, muchas veces legitimados por el discurso del desarrollo, que en verdad es incompleto, y por el mito del progreso vinculado al discurso del agronegocio brasileño.
Palabras clave: producción de caña de azúcar, agricultura familiar, familias asentadas, estado de Goiás.
Abstract: Brazil is a large agro-exporter of products linked to agribusiness. Among the main productions, we can highlight the sugarcane that has presented in the last decades expansion in planted area and production of ethanol and sugar, aimed at the domestic market and also international. Some Brazilian states stand out in this process, such as São Paulo, Goiás and Mato Grosso, and are among the largest producers. The objective of this study is to understand the process of sugarcane expansion for the state of Goiás, with emphasis on the Ceres microregion, one of the main sugarcane regions of this state. It was concluded that in the region studied there are serious socio-spatial effects resulting from sugar cane activity, as well as latent conflicts, between agribusiness and family agriculture, often legitimized by the discourse of development, which is in fact incomplete, and by the a myth of progress linked to the Brazilian agribusiness discourse.
Keywords: sugarcane production, family farming, settled families, Goias state.
A produção canavieira e o mito do progresso: agronegócio e agricultura familiar na microrregião Ceres, Goiás
1. Introdução
O estado de Goiás consolida-se hoje como um dos principais produtores de cana-de-açúcar do Brasil e apresenta um número relevante de empreendimentos sucroenergéticos em funcionamento. A produção canavieira faz parte da história do Brasil, desde o período colonial brasileiro foi considerada uma importante atividade econômica, principalmente para a comercialização do açúcar com o mercado europeu, algo bastante vantajoso economicamente para a coroa Portuguesa. Contudo, para a análise proposta, há alguns contextos mais recentes que merecem destaque para a compreensão da territorialização do setor canavieiro no Brasil e, consequentemente, no estado de Goiás, como: o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado na década de 1970 no Brasil, durante a crise internacional do petróleo e, mais recentemente, o Plano Nacional de Agroenergia: 2006-2011, criado pelo Governo Federal brasileiro, no ano de 2006.
O estado de Goiás é hoje o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, atrás somente do estado de São Paulo. Em Goiás, algumas regiões destacam-se na produção canavieira e em empreendimentos canavieiros implantados. Percebe-se que há um eixo preferencial de espacialização das usinas, que coincide com uma malha viária desenvolvida e disponível (principais BR’s e GO’s) e com as melhores terras agricultáveis. Esse eixo corresponde ao centro norte e ao sul / sudoeste do estado de Goiás.
A microrregião Ceres, focada nessa pesquisa, está localizada no eixo citado, no centro goiano, e chama à atenção quando se pretende analisar o setor canavieiro. Não se pode esquecer de mencionar o papel que as Colônias Agrícolas Nacionais (Projeto vinculado à Marcha para o Oeste, no Governo Vargas) tiveram para a formação territorial da região, que tinha como objetivo central povoá-la, por meio da doação de lotes e introduzir a produção agrícola de base familiar. Entretanto, a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), a primeira a ser criada, não apresentou muitos êxitos nesse sentido, além de em menos de dez anos ter sua emancipação para o município de Ceres (e outros que seriam emancipados posteriormente). Assim, não se pode negar a importância da CANG para essa região e como esta poderia ser planejada para estimular a introdução dos valores relacionados à divisão de terras, à pequena produção agrícola, à produção familiar e, principalmente, ao acesso à terra, por meio de uma reforma agrária eficaz e não somente doação de lotes, sem o apoio e o acesso a recursos fundamentais para a autonomia das famílias.
A CANG falhou, não se fortaleceu enquanto Colônia Agrícola voltada aos pequenos produtores e apresentou muitos problemas e conflitos. Assim, abriu possibilidades para que outras atividades e dinâmicas surgissem totalmente fora da lógica objetivada inicialmente e isso de forma muito rápida e concentrada. Diante disso, a região foi rapidamente direcionada para a grande produção, para as monoculturas, principalmente a canavieira, já a partir do final da década de 1960. As primeiras destilarias implantadas na microrregião Ceres, estão relacionadas ao Proálcool e, a partir daí a atividade canavieira passou a fazer parte da realidade da região. Com a introdução do Plano Nacional de Agroenergia, em 2006, vários investimentos foram realizados, o que contribuiu para a ampliação da produção sucroenergética.
Diante do breve exposto, os objetivos do presente artigo são: (1) Compreender como se deu a expansão do capital canavieiro para a microrregião Ceres, Goiás; (2) Verificar e traçar um panorama entre o agronegócio canavieiro e as políticas de acesso à terra, como alternativa ao agronegócio posto; (3) Compreender como a lógica da agricultura capitalista, juntamente ao discurso do progresso, atrelado ao agronegócio em Goiás, acaba por atrair e financiar os empreendimentos sucroenergéticos para a região estudada.
Para a realização dos objetivos propostos, fizeram-se necessárias as seguintes etapas metodológicas: (1) levantamento teórico-bibliográfico sobre a temática estudada. Destacam-se aqui: Elias (2006), Hespanhol (2008) e Fernandes (2015) no que tange à agricultura capitalista, ao agronegócio e aos efeitos socioespaciais; Abramovay (1999) e Oliveira (2001) para compreender a agricultura familiar e a trajetória da luta pela reforma agrária no Brasil; Furtado (1983) e Dupas (2006) em referência à discussão teórica sobre o mito do progresso e o mito do desenvolvimento econômico; e, por fim, autores como Sauer e Pietrafesa (2012), Ferreira (2016) e Oliveira, Ferreira e Garvey (2018) sobre a expansão do agronegócio canavieiro em Goiás e microrregião Ceres; (2) levantamento de dados estatísticos sobre a produção canavieira, empreendimentos sucroenergéticos e dados sobre a luta pela reforma agrária, destacam-se aqui o Plano Nacional de Agroenergia (2016-2011); o DATALUTA (2015) e dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2018); (3) foram realizados quatro trabalhos de campo aos municipios da microrregião Ceres, com visitas a seis usinas canavieiras nos municipios de Carmo do Rio Verde, Itapaci, Goianésia e Rubiataba (a sétima usina, localizada no municipio de Itapuranga, estava no momento do trabalho de campo com a licença de funcionamento temporariamente suspensa); (4) foram realizadas entrevistas também com agentes do poder público local, como prefeituras e secretarias de agricultura e meio ambiente; (5) e foram realizadas tabulações dos dados, espacializações e escrita de textos parciais e final.
Destaca-se que o discurso do progresso e do desenvolvimento econômico, fortemente vinculado ao agronegócio, acaba por legitimar uma série de efeitos negativos e impactos sociais e ambientais que estão materializados na paisagem regional.
As políticas de acesso aos vultosos recursos a esse setor, são facilmente aprovadas pelos agentes do Estado, muito associadas à chamada “bancada do boi” no Congresso Nacional e com o apoio da mídia, que veicula em TV aberta publicidades como a campanha “Agro: a riqueza do país”, com o slogan: o agro é pop, por exemplo.
Em síntese, no presente artigo, serão abordados os principais contextos de expansão da atividade canavieira para o estado de Goiás e região estudada; as principais políticas de acesso à terra, bem como, a importância dos agricultores familiares nessa região frente ao agronegócio, para por fim, trazer ao debate o forte discurso do progresso e do desenvolvimento econômico atrelado à lógica do agronegócio e suas reais repercussões socioespaciais, que estão visíveis na paisagem regional.
2. O agronegócio canavieiro em Goiás e microrregião Ceres
A produção de cana-de-açúcar faz parte da história do Brasil, tendo sido uma das primeiras bases da economia Portuguesa no Brasil-Colônia.
Contudo, para a presente análise faz-se importante destacar os contextos recentes da expansão canavieira para entender as repercussões socioespaciais propostas. Assim, não se pode esquecer da crise mundial do petróleo, na década 1970, que motivou a criação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, no Brasil, em 1975.
Com o Proálcool várias destilarias foram implantadas no Brasil e cresceu sobremaneira a produção de cana-de-açúcar, sobretudo para a produção de álcool.
Já na década de 2000, outro programa foi criado para estimular a expansão canavieira no território brasileiro, desta vez o maior crescimento já verificado, conhecido como Plano Nacional de agroenergia (2006 - 2011).
A figura 1 mostra com clareza o crescimento da atividade canavieira no Brasil principalmente a partir de 2006. A intensão da produção canavieira nesse período significou a instalação de várias usinas canavieiras no Brasil, sobretudo para os estados de São Paulo (maior produtor nacional), Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Essa expansão esteve largamente relacionada com a crise global de energia, com a crescente preocupação ambiental, que propunha a produção de combustíveis alternativos à gasolina (principalmente após o Protocolo de Kyoto).
Outra intervenção estatal recente, que deverá inaugurar uma nova fase de expansão e desenvolvimento do agronegócio canavieiro se deu com a promulgação da Lei nº 13.576/2017, publicada no Diário Oficial da União no dia 27 de dezembro de 2017[i]. Trata-se da nova Política Nacional de Biocombustíveis, batizada com a sigla RenovaBio que tem como objetivos principais: (i) contribuir para o cumprimento do Acordo de Paris sob a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; (ii) adequar a relação da eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, comercialização e no uso de biocombustíveis; (iii) promover a expansão da produção e uso de biocombustíveis na matriz energética nacional; e (iv) contribuir para participação competitiva dos diversos biocombustíveis no mercado nacional de combustíveis (ANP, 2018). Dois aspectos se destacam na promulgação da referida lei: (1) o papel central do Estado no desenvolvimento do agronegócio em geral e canavieiro em específico; (2) a retomada do discurso de novas matrizes energéticas a partir da conversão da agricultura de produtora de alimentos em produtora de energias (Oliveira et al, 2018).
Sauer e Pietrafesa (2012) já anunciavam a estimativa do aumento da demanda global de terras para os biocombustíveis, a qual vai subir de 24 milhões de hectares (ha) para 100 milhões de ha em 2050. Há também a previsão do Brasil como o segundo maior fornecedor de etanol do mundo (35% da oferta, atrás de EUA 37%), para captar 25% deste mercado global em expansão. Diante desses dados, a busca mundial por energias renováveis recolocou o Brasil, em geral, e o Cerrado, em particular, no mapa produtor de commodities agrícolas exportáveis, conforme destacam os autores supracitados.
Essa condição favorável de mercado tem sido traduzida como uma generosa assistência de crédito do governo e favorável mudança política, incluindo desregulamentação e fracas proteções ambientais que caracterizam a segunda fase da expansão territorial das empresas mais bem-sucedidas e cada vez mais controladas por multinacionais (Oliveira et al, 2018).
Atualmente, o estado de Goiás é considerado o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, ficando atrás somente do estado de São Paulo.
São 35 usinas canavieiras em funcionamento e uma produção aproximada de 70 milhões de toneladas/ano de cana, além de mais de 4 milhões de litros de etanol e mais de 1.8 milhões de toneladas de açúcar produzidas (tabela 1).

| Ano | Destilarias/ Usinas | Produção cana-de-açúcar (t) | Etanol (mil litros) | Açúcar (t) |
| 2005 | 14 | 15.642.125 | 728.979 | 749.838 |
| 2006 | 15 | 19.049.550 | 821.616 | 766.322 |
| 2007 | 18 | 22.063.677 | 1.213.733 | 952.312 |
| 2008 | 28 | 33.041.559 | 1.922.414 | 1.247.039 |
| 2009 | 35 | 43.666.585 | 2.196.179 | 1.384.081 |
| 2010 | 36 | 47.733.283 | 2.895.998 | 1.798.457 |
| 2011 | 34 | 54.903.085 | 2.675.292 | 1.752.398 |
| 2012 | 38 | 53.915.572 | 3.130.577 | 1.875.260 |
| 2013 | 37 | 69.307.411 | 3.887.830 | 1.890.648 |
| 2014 | 37 | 69.377.930 | 4.226.854 | 1.997.114 |
| 2015* | 35 | 70.412.725 | 4.678.570 | 1.892.230 |
A figura 2 mostra a territorialização[ii] dos empreendimentos canavieiros no estado de Goiás. Pode-se verificar a concentração regional de usinas no sudoeste goiano, que é sem dúvida, a região do estado de Goiás que apresenta maior dinamismo econômico relacionado ao agronegócio, sobretudo, com a produção de grãos e proteína animal e, mais recentemente, a cana-de-açúcar. Outra região que se destaca na produção canavieira em Goiás é a microrregião Ceres, localizada no centro-norte goiano, destacada com a linha pontilhada em vermelho na figura 2.

Fonte: IMB – Segplan, 2017; Agetop, 2012; SIC – Goiás, 2009. Elaboração: Lara Cristine Gomes Ferreira Importar tabla Essa região, diferente do sudoeste de Goiás, já possui usinas implantadas desde o final da década de 1960, a primeira usina de produção de açúcar implantada na região foi no municipio de Goianésia, no ano de 1969. As usinas em funcionamento nessa região são: a CRV Industrial (Carmo do Rio Verde), a Cooper Rubi (Rubiataba), a Vale Verde (Itapaci), a Vale Verde (Itapuranga)[iii] e as usinas Jalles Machado, Goianésia e Codora/Unidade Otávio Lage - UOL (as três localizadas no município de Goianésia).
As usinas canavieiras passaram, ao longo do tempo, por algumas transformações industriais importantes. No contexto do Proácool, as usinas produziam somente álcool e eram denominadas de destilarias. Posteriormente, com o mercado do áçucar sempre ascendente, sobretudo, o mercado internacional, foram acopladas às destilarias o processamento industrial do açúcar. Atualmente, as usinas reaproveitam praticamente tudo o que era considerado rejeito (subproduto) do processamento industrial do álcool e do açúcar, como o bagaço e a palha da cana, a vinhaça e a torta de filtro. Para quase tudo tem-se mercado.
Essas usinas criaram uma dinâmica própria dentro da lógica sucroenergética, o que acaba por
gerar demandas, fluxos, redes, fragilidades, conflitos e efeitos, que são verificados não só nos municípios que possuem usinas instaladas, mas em toda a região. Uma problemática que pode ser mencionada é a colheita da cana-de-açúcar que, na microrregião Ceres, ainda ocorre em grande parte por colheita manual. Essa região possui uma topografia relativamente acidentada, o que impossibilita, em algumas áreas, a colheita pelo maquinário, sendo necessário o corte manual, pois geralmente o maquinário não acessa áreas com mais de 12% de declive. Assim, atualmente a única usina da região que possui a sua colheita 100% mecanizada é a Jalles Machado, as demais apresentam algum percentual de colheita manual.
A microrregião Ceres ainda possui algumas características que expressam as “velhas” relações do setor sucroenergético, como o corte manual e, consequentemente, a queima da cana, bem como as migrações sazonais para essa atividade (ou a permanência do trabalhador migrante na cidade, o que demanda uma melhoria na infraestrutura básica para atendê-los) e toda as consequências estruturais, sociais e ambientais advindas desse contexto, como bem especificou Ferreira (2016).
Além disso, destaca-se que as usinas implantadas na microrregião estudada têm em sua maioria capital nacional, tendo somente na usina Jalles Machado, capital internacional. O etanol produzido em todas as usinas abastece o mercado interno e a produção de açúcar é voltada para exportação, sobretudo, a produzida na usina acima mencionada (o quadro 1 mostra os principais detalhes da produção canavieira nas usinas da microrregião Ceres, levantados durante as entrevistas aos empreendimentos da região).

Uma observação importante que ainda pode ser feita utilizando-se dos dados do quadro 1 é o arrendamento como principal forma de obtenção das terras para produção canavieira na região (como pode ser verificado no quadro supracitado, todas as usinas em funcionamento da região arrendam terras). Grande parte das terras da microrregião Ceres estão arrendadas para a produção canavieira, lembrando que a região possui parte relevante de sua estrutura fundiária em pequenas e médias propriedades. Para os pequenos proprietários, a rentabilidade frente ao arrendamento é praticamente irrisória, além de estimular a expropriação do produtor rural e o desemprego estrutural nas cidades. Outro grave problema é que o contrato entre as usinas e os arrendatários costuma ser longo, por no mínimo 5 anos, dessa forma o agricultor fica muito tempo longe do trabalho na terra, além da cultura canavieira exaurir bastante o solo, inviabilizando ou onerando o trato do solo após a finalização do contrato com a usina.
Autores como Elias (2006) ressaltam que a presença do trabalhador assalariado temporário não representa somente aqueles que não detêm a propriedade da terra, como também incluem os
pequenos proprietários que são obrigados a se assalariar em determinados períodos do ano (durante a safra). A afirmação de Elias é bastante pertinente, pois mostra que muitas vezes aquele pequeno proprietário, que arrendou suas terras para a usina e foi expropriado para a cidade, acaba trabalhando na própria usina como assalariado (em várias funções / especializações), já que o valor pago ao arrendamento das pequenas propriedades é muito baixo, não sendo suficiente para a sobrevivência das famílias[iv].
Diante do breve exposto, infere-se que a principal atividade econômica hoje na microrregião Ceres é, sem dúvida, a canavieira e esta se configura como uma das principais regiões goianas em produção de cana-de-açúcar e seus produtos, sobretudo o etanol e o açúcar. Contudo, se faz importante refletir sobre a estrutura fundiária dessa região, que possui pequenas propriedades voltadas para a agricultura familiar, onde os agricultores são muitas vezes levados a arrendar suas terras para a grande produção canavieira, portanto percebe-se claramente a concentração de renda nas mãos dessa agricultura capitalista com pouca alternativa aos pequenos produtores
3. As políticas de acesso à terra na microrregião Ceres: alternativas ao agronegócio canavieiro
Sabe-se da complexidade das lutas e da história fundiária brasileira e de todo contexto da reforma agrária no Brasil, bem como dos conflitos inerentes a essa temática. Aqui far-se-á um panorama geral e breve da reforma agrária no Brasil, a título de contextualização, para por fim apresentar os dados do acesso à terra e do Programa de Fortalecimento Familiar na microrregião Ceres. Parte-se do entendimento que atualmente o agronegócio é o modelo hegemônico de desenvolvimento da agricultura, baseado nas monoculturas, em grandes corporações, no trabalho assalariado e num discurso de progresso que tem contagiado o Estado, as corporações e a população em geral.
Oliveira (2001) e Fernandes (2015) trazem discussões bastante pertinentes e necessárias sobre a questão agrária brasileira. Segundo Fernandes (2015), o agronegócio procura subordinar a todos, inclusive o campesinato, contudo estes têm procurado construir outro modelo desenvolvimentista baseado na agricultura familiar, associações ou cooperativas, em economias solidárias, entre outros. Ainda segundo esse autor, “esses dois modelos são inconciliáveis, o que explica os permanentes confrontos, conflitos e conflituosidades que formam a conjuntura agrária e transforma a questão agrária de tempos em tempos” (Fernandes, 2015, p. 159).
Algumas ações e políticas foram elaboradas ao longo da história recente do Brasil em prol da reforma agrária. Pode-se citar o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 1964), que definia como objetivo central da reforma agrária, estabelecer um sistema de relações entre o ser humano, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador(a) rural e o desenvolvimento econômico do Brasil. Contudo, segundo Oliveira (2001), as décadas que se seguiram à criação do Estatuto da Terra estiveram fortemente vinculadas ao processo de modernização da agricultura, nos moldes da Revolução Verde, o que atuou no sentido de transformar os capitalistas industriais e urbanos em proprietários de terra, em latifundiários.
Diante disso, entende-se que o projeto de desenvolvimento rural adotado ao longo da história do país está relacionado diretamente à expansão e consolidação do agronegócio. O discurso vincula-se aos efeitos positivos, relacionados ao aumento da produtividade agrícola e geração de divisas para o Brasil, devido ao perfil agroexportador. Mas, não se pode esquecer do ônus socioambiental por trás dessa realidade.
Marques (2002) destaca a necessidade de se elaborar uma estratégia de desenvolvimento para o campo que priorize o desenvolvimento social e não somente o econômico e setorial. Essa realidade do Brasil, tem trazido como consequência, o avanço dos movimentos sociais no campo e a intensificação das lutas, no intuito de buscar formas de se organizar socialmente na terra e produzir alimento.
Fernandes (2015) faz uma síntese do estado da arte das principais políticas e planos relacionados à reforma agrária no Brasil. Segundo esse autor, até a década de 1990, pouco tinha sido feito pelo Estado Brasileiro em prol da reforma agrária. O Governo Tancredo Neves idealizou o I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), mas com sua morte em 1985, José Sarney assumiu a presidência e o I PNRA teve seus objetivos frustrados, com apenas 6% de seus objetivos atingidos.
O Governo Collor promoveu uma das maiores perseguições ao Movimento dos Sem Terra (MST) da história do Brasil e somente a partir do primeiro mandato do Governo FHC (1995 - 1998) houve uma política considerável de assentamentos de famílias rurais, sendo considerado o segundo maior Governo em criação de assentamentos (atrás somente do primeiro mandato do Governo Lula), foram 2.345 assentamentos, com 300.654 famílias (Fernandes, 2015).
Com a eleição do Governo Lula (2003 - 2006) tem-se a elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) e com ele 2.381 assentamentos, com 303.187 famílias. Esse primeiro mandato foi o maior da hístoria brasileira em número de assentamentos rurais. Já o segundo mandato apresentou declínio e frustração nos objetivos propostos. Segundo Fernandes (2015, p. 172) “o primeiro e segundo Planos Nacionais de Reforma Agrária tiveram suas metas executadas, o que explica o fato da luta pela terra e pela reforma agrária continuarem na pauta política”.
O estado de Goiás seguiu essa tendência, até o ano de 1994 somente 430 famílias tinham sido assentadas. Os dois momentos mais relevantes em Goiás estão relacionados aos primeiros mandatos dos Governos Lula e FHC, respectivamente, com 3.036 e 2.303 famílias assentadas (figura 3). O primeiro mandato do Governo Dilma (2011 - 2014) também seguiu esse declínio. Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, foram assentadas 103.746 famílias entre os anos 2011 e 2014, contudo somente 28.313 famílias estão ligadas aos processos de assentamentos originados no Governo Dilma[v]..

Os últimos governos de Lula e Dilma criaram alguns programas e políticas que têm contribuído para a melhoria de renda das famílias assentadas, podem-se citar: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Agroindustrialização em Assentamentos da Reforma Agrária (Terra Forte).
A tabela 2 mostra a realidade da microrregião Ceres dentro desse contexto. Observam-se os dados de agricultores familiares (Censo Agropecuário de 2006[vi]) e de área e famílias assentadas (2015). A microrregião Ceres, com seus vinte e dois municípios, possuía em 2006, somente 7.513 agricultores familiares, e em 2015 somente 664 famílias assentadas, com uma área reformada de 32.043 ha. Por meio da análise dos dados, observa- se que os municípios que possuem a maior quantidade de agricultores familiares são Itapuranga, Guarinos e Rubiataba, destes os dois últimos não tiveram famílias assentadas em 2015, e Itapuranga somente 13 famílias.
A microrregião Ceres apresentou ao total 664 famílias assentadas, no ano de 2015, o que corresponde a uma área reformada de 32.043 ha. Os dados da tabela 2 representam mais um indício da realidade fundiária da microrregião Ceres e revelam a concentração de terras nas mãos do agronegócio canavieiro e pouco investimento em políticas alternativas às monoculturas, bem como ineficiência em relação à reforma agrária.
| Municipio | Agricultores Familiares (Censo Agro./06) | Reforma Agrária | |
| Famílias Assentadas (nov/15) | Área reformada (ha) (nov/15) | ||
| Barro Alto | 176 | 39 | 2.991 |
| Carmo do Rio Verde | 431 | - | - |
| Ceres | 288 | - | - |
| Goianésia | 452 | 213 | 10.452 |
| Guaraíta | 257 | - | - |
| Guarinos | 605 | - | - |
| Hidrolina | 218 | - | - |
| Ipiranga de Goiás | 353 | - | - |
| Itapaci | 289 | 43 | 2.261 |
| Itapuranga | 1.121 | 13 | 773 |
| Morro Agudo de Goiás | 267 | - | - |
| Nova América | 199 | - | - |
| Nova Glória | 374 | 34 | 909 |
| Pilar de Goiás | 291 | - | - |
| Rialma | 161 | 66 | 3.063 |
| Rianápolis | 69 | - | - |
| Rubiataba | 572 | - | - |
| Santa Isabel | 390 | 47 | 1.461 |
| Santa Rita do Novo Destino | 345 | 143 | 7.730 |
| São Luiz do Norte | 71 | 66 | 2.403 |
| São Patrício | 219 | - | - |
| Uruana | 365 | - | - |
| Microrregião Ceres | 7.513 | 664 | 32.043 |
Segundo Abramovay (1999), há um vasto segmento da agricultura familiar que não consegue afirmar-se economicamente em função do ambiente social que a vincula ao mercado e, consequentemente, coloca as famílias em reduzidas margens de escolha na comercialização de seus produtos, na obtenção de insumos e acesso a financiamentos. Ainda segundo esse autor,
Nos poucos casos em que o crédito agrícola formal chega a estas famílias, não só a resposta em termos de produção é imediata, como também - mesmo nos produtos convencionais - é nítida a elevação da renda: é que neste caso, a família consegue emancipar-se do círculo de dependência clientelista a que está ligada e, por aí, abre a via para inserir-se em mercados competitivos - mesmo que sejam nos produtos que vinham praticando até então (Abramovay, 1999, p. 14).
Em relação aos assentamentos rurais, o acesso aos financiamentos é fundamental, além da eliminação dos riscos por parte do sistema financeiro, para que seja não só um instrumento de crédito, mas também, de desenvolvimento rural. De acordo com Abramovay (1999), os financiamentos deixam de se integrar a projetos economicamente sustentáveis e tendem a tornar-se formas de complementação da renda, perpetuando a situação de pobreza em que se encontram as famílias assentadas.
Um outro programa que é considerado a principal política agrícola para a agricultura familiar (em termos de número de beneficiários, capilaridade nacional e recursos aplicados) é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF que, historicamente, tem contado com um montante crescente de recursos disponibilizados, atingindo, no Plano Safra da Agricultura Familiar 2014/2015, o valor de R$ 24,1 bilhões de reais (Grisa & Schneider, 2015).
Ressalta-se que a noção de agricultura familiar foi mais difundida após o Decreto Nº 1.946, de 28 de junho de 1996, que instituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, com a finalidade de “promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a propiciar aumento da capacidade produtiva, geração de empregos e melhoria na renda”[vii].
Sabe-se que a melhor forma para designar os pequenos produtores rurais é utilizar o conceito de campesinato, já que a noção de agricultura familiar veio para tentar incorporar os camponeses à lógica da agricultura capitalista. Na presente pesquisa foi utilizada algumas vezes a noção de agricultura familiar, pois é a forma utilizada pelas políticas públicas que serão aqui mencionadas, contudo sabe-se da importância política do conceito de campesinato, sobretudo no sentido de rompimento dos sujeitos do campo com a lógica hegemônica da agricultura capitalista e, de forma propositiva, pensar em uma perspectiva emancipatória dos trabalhadores do campo.
Assim, o PRONAF foi criado em 1996 com o objetivo de conceder créditos para os agricultores familiares e contribuir para a redução das desigualdades sociais. O Programa financia projetos, individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária, com baixas taxas de juros dos financiamentos rurais[viii].
Apesar da importância do Programa e do aumento do montante investido na agricultura familiar nos últimos 20 anos, sabe-se dos problemas e contradições inerentes ao debate agronegócio versus agricultura familiar. Concorda-se com Alentejano
(2000) quando esse apresenta duas problemáticas vinculadas a isso: primeiro, relacionada à ilusão da igualdade dos mercados, que acaba por ignorar a diferença entre grandes e pequenos na competição.
Também não há consideração relativa à atuação das agroindústrias na formação dos preços agrícolas, “assim como à recente tendência das grandes empresas agroindustriais de mudar o perfil da integração, excluindo os pequenos produtores, em função de exigências tecnológicas e de escala” (Alentejano, 2000, p. 92). E, em segundo lugar, há o problema da disponibilidade de recursos, que mesmo tendo acesso a programas como o PRONAF, são valores muito pequenos diante da realidade das famílias e, sobretudo, dos assentados.
A tabela 3 mostra que no ano de 2015, 2.499 famílias foram contratadas pelo PRONAF na microrregião Ceres, o que corresponde a um valor de R$ 64.525.601,00. Se compararmos aos altíssimos investimentos no agronegócio sucroenergético esses valores se mostram muito pequenos.
| Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF (Safra / Ano 2015) | ||
| Municipio | Quantidade de Contratos | Valor em R$ |
| Barro Alto | 37 | 1.091.648,00 |
| Carmo do Rio Verde | 163 | 4.699.899,00 |
| Ceres | 69 | 1.859.675,00 |
| Goianésia | 88 | 2.490.063,00 |
| Guaraíta | 82 | 1.490.974,00 |
| Guarinos | 164 | 3.529.601,00 |
| Hidrolina | 128 | 2.092.900,00 |
| Ipiranga de Goiás | 80 | 2.319.468,00 |
| Itapaci | 109 | 2.359.278,00 |
| Itapuranga | 547 | 13.384.078,00 |
| Morro Agudo de Goiás | 68 | 2.360.651,00 |
| Nova América | 39 | 1.509.304,00 |
| Nova Glória | 34 | 849.710,00 |
| Pilar de Goiás | 201 | 5.359.974,00 |
| Rialma | 39 | 1.115.452,00 |
| Rianápolis | 11 | 261.796,00 |
| Rubiataba | 220 | 6.803.943,00 |
| Santa Isabel | 50 | 1.576.470,00 |
| Santa Rita do Novo Destino | 56 | 1.746.585,00 |
| São Luiz do Norte | 20 | 524.584,00 |
| São Patrício | 74 | 2.266.537,00 |
| Uruana | 220 | 4.833.011,00 |
| Microrregião Ceres | 2.499 | 64.525.601,00 |
Como um exercício comparativo, pode-se observar os dados do programa Produzir (fomento à industrialização) do estado de Goiás para as usinas sucroenergéticas em funcionamento na região estudada (tabela 4). Enquanto o PRONAF investe cerca de 64 milhões por ano na região (vinte e dois municípios), somente o Produzir investiu mais de 1 bilhão e seiscentos mil reais em investimento fixo e crédito agrícola para a implantação de seis usinas na região.
É importante mencionar que essa comparação é somente com o Produzir, que corresponde a um Programa do Governo do estado de Goiás, assim, várias são as opções de crédito rural do Governo Federal para a agricultura comercial (além de outros do governo estadual que não serão destacados aqui), com vários projetos de investimentos que as usinas podem solicitar, como: Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem, Programa de Desenvolvimento
Cooperativo para Agregação de Valor à Produção
Agropecuária, Programa de Capitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária, entre outros disponíveis, a cada ano, por meio do Plano Agrícola e Pecuário, disponibilizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.
Pode-se utilizar as palavras de Alentejano (2000) para afirmar que, tanto ao nível das políticas quanto dos processos em curso no campo brasileiro, há profundas contradições que podem apontar para a constituição de um novo mundo rural, como para a perpetuação das velhas tendências da realidade agrária do Brasil. E, infelizmente, a realidade verificada, no caso específico da microrregião Ceres, tem apontado para a segunda tendência: da perpetuação da concentração, de terra e de renda, nas mãos da agricultura comercial voltada para o agronegócio sucroenergético.
| Usinas implantadas na Microrregião Ceres / GO – Recursos Produzir | |||
| Empreendimento | Município | Investimento Fixo R$ | Crédito R$ |
| Jalles Machado | Goianésia | 98.756.034,00 | 615.762.981,23 |
| Goianésia | Goianésia | 59 320.019,00 | 170 871.851,54 |
| Vale Verde | Itapaci | 48 068.941,00 | 193 921.019,06 |
| CRV Industrial | Carmo do Rio Verde | 30.390.660,14 | 131.414.453,14 |
| Vale Verde | Itapuranga | 37.003.868,96 | 435.178.288,79 |
| Cooper Rubi | Rubiataba | 55.677.172,21 | 246.003.437,97 |
| Total | 221.827.735,31 | 1.428.359.161,13 | |
| Total Fixo + crédito | 1.650.186.896,40 | ||
É importante mencionar que essa comparação é somente com o Produzir, que corresponde a um Programa do Governo do estado de Goiás, assim, várias são as opções de crédito rural do Governo Federal para a agricultura comercial (além de outros do governo estadual que não serão destacados aqui), com vários projetos de investimentos que as usinas podem solicitar, como: Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem, Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária, Programa de Capitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária, entre outros disponíveis, a cada ano, por meio do Plano Agrícola e Pecuário, disponibilizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.
Pode-se utilizar as palavras de Alentejano (2000) para afirmar que, tanto ao nível das políticas quanto dos processos em curso no campo brasileiro, há profundas contradições que podem apontar para a constituição de um novo mundo rural, como para a perpetuação das velhas tendências da realidade agrária do Brasil. E, infelizmente, a realidade verificada, no caso específico da microrregião Ceres, tem apontado para a segunda tendência: da perpetuação da concentração, de terra e de renda, nas mãos da agricultura comercial voltada para o agronegócio sucroenergético.
Outro breve exemplo para se compreender a realidade da microrregião Ceres é a existência de associações e cooperativas voltadas para o desenvolvimento da agricultura comercial. Segundo Oliveira (2010), o modelo de associativismo pautado no cooperativismo agrícola manteve-se distante da realidade dos pequenos produtores rurais, pois a necessidade de competição fez com que as cooperativas mais ativas e dinâmicas funcionassem como espaços de mediação para os médios e grandes
produtores vinculados ao agronegócio.
Um exemplo contundente na microrregião Ceres é a Cooper Rubi, empreendimento sucroenergético implantado no município de Rubiataba. A Cooper Rubi foi criada na década de 1980, fruto dos incentivos do Proálcool, e funcionava como uma destilaria dentro de uma cooperativa local, que também trabalhava com produção leiteira. Durante quase 20 anos, a destilaria ficou sob direção integral de produtores locais, mas a partir do ano 2003, o Grupo Japangu da Paraíba comprou sua maior parte, passando a ser os donos majoritários da Cooper Rubi.
A microrregião Ceres também apresenta algumas cooperativas voltadas para a agricultura familiar, o que é fundamental para fortalecer os pequenos produtores sejam eles proprietários de terra ou assentados. Contudo, concorda-se com Oliveira (2010), quando esse coloca que o formato de associativismo que vem sendo implementado no país de modo geral, acaba por intensificar a fragmentação existente entre os pequenos produtores, em vez de fortalecer uma identidade de classe da produção familiar. Essa breve discussão é importante para se entender os conflitos de interesses latentes na região estudada, entre a lógica dominante do agronegócio canavieiro e a agricultura familiar e, consequentemente, a produção de alimentos, tão importante para as pequenas cidades.
A maioria dos municípios da microrregião Ceres possui hoje elementos que os traduzem como produto de um agronegócio que segrega e marginaliza, principalmente porque está vinculado somente ao segmento canavieiro e possui poucas alternativas para a produção de alimentos e inclusão social em outras atividades, que não sejam, direta ou indiretamente, relacionadas a atividade canavieira. Durante as atividades de campo realizadas nessa região, foi possível conhecer a Cooperativa de Agricultores Familiares de Itapuranga, a Cooperafi, criada no município de Itapuranga no ano de 1998 (figura 4). A Cooperafi é um exemplo de alternativa viável frente ao agronegócio da cana na região, o município de Itapuranga possui uma usina implantada e em funcionamento, mas que está há alguns anos com dificuldades financeiras e judiciais, assim em algumas safras há plantio da cana, mas o beneficiamento é feito na usina do mesmo grupo no município de Itapaci e Uruaçú.

O município de Itapuranga possui, em sua maioria, pequenas propriedades que acabam por não se adaptar à lógica de arrendamento das usinas canavieiras (realidade na região, como verificado no quadro 1). Assim, uma alternativa bastante interessante é trabalhar de forma coletiva e garantir a permanência à terra, trabalho, dignidade e renda para os pequenos agricultores. Segundo entrevista realizada nessa cooperativa, em maio de 2016, a Cooperafi possuía 230 cooperados, que iniciaram os trabalhos com a produção de leite, e hoje já acessam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A cooperativa familiar é bastante ativa em Itapuranga e já possui uma marca associada à produção de polpas de frutas – PRAFICAR. As polpas de frutas são vendidas para as escolas de municípios vizinhos, além de Itapuranga, como: Guaraíta, Heitoraí, Itaberaí, Faina e Morro Agudo de Goiás, por meio do PNAE (Ferreira, 2016).
Outros alimentos são produzidos e comercializados na cidade, na sede da Cooperafi, ou na feira do produtor rural de Itapuranga. Alimentos, como: mamão, laranja, abóbora, mexerica e melancia são produzidos e vendidos nas feiras e também diretamente aos centros de abastecimentos (CEASA’s) de Goiânia e Brasília, principalmente. Há também, dentro da Cooperativa, um grupo de mulheres, denominado “Mulheres Rurais do Xixá[ix]”, que produzem bolos, doces, frangos, ovos e artesanatos e os vendem, todas as terças-feiras, na sede da Cooperafi, como pode ser visualizado na figura 5.

Experiências como as verificadas durante a visita na Cooperafi são entendidas aqui como uma alternativa para a inclusão dos pequenos agricultores e acesso mais facilitado a créditos agrícolas, por meio da cooperativa, além da possibilidade de estimular o trabalho coletivo e a agricultura familiar, tão importantes para a produção de alimentos, bem como a possibilidade de permanência na terra aos camponeses da região. Essas alternativas são de suma importância para a microrregião Ceres, a qual possui grande parte de suas terras em pequenas propriedades rurais, que estão arrendadas para o agronegócio sucroenergético. É sabido por todos que os agricultores familiares são os excluídos do processo vivenciado na região e, consequentemente, do desenvolvimento econômico e do progresso que são “vendidos” pelo agronegócio e “comprados” pela iniciativa privada, pelo Estado e por grande parte da população.
4. O agronegócio canavieiro e o mito do progresso
É muito comum as grandes empresas e corporações propagarem o discurso de que os empreendimentos implantados trarão rapidamente: empregos, diretos e indiretos; reestruturação do espaço urbano dos municípios; dinamismo econômico; entre outros, ou seja, acabam por difundir fortemente a ideia de progresso, modernização e desenvolvimento econômico. Com a pesquisa realizada percebeu-se que o discurso de progresso difundido pelo setor sucroenergético rapidamente conquista vários adeptos, entre eles: o Estado, que apoia e fomenta a territorialização dos empreendimentos; o poder público local, não é raro ver prefeitos e secretários defendendo o desenvolvimento local e regional provindos das agroindústrias canavieiras; e, por fim, conquistam grande parte da população, que acredita que o progresso está atrelado a ideia de modernização, grandes indústrias e corporações, mesmo conhecendo todas as mazelas e efeitos dessa atividade.
Dentro do exposto, faz-se importante trazer autores como Dupas (2006) que traz uma rica discussão sobre o mito do progresso, muito presente atualmente, nas elites e nos atores hegemônicos. Segundo esse autor, as inovações tecnológicas foram ao longo do tempo adquirindo um teor qualitativo intrínseco, o que gerou rotulações de “progressistas” para quem as aprovava e de “reacionários” para seus críticos.
Dupas (2006) dialoga bastante com Barzun (2002), o qual recorda que a doutrina do progresso foi incorporada à filosofia do século XVIII e “foi se convertendo em um credo que os constantes avanços tecnocientíficos ratificavam ao criar produtos e serviços que se transformaram em objeto de desejo e símbolos do progresso” (Barzun, 2002, p.100).
Concorda-se com Dupas (2006) quando esse esclarece que não é pretensão negar ou desqualificar os benefícios da evolução tecnológica ocorrida na história mundial, mas de compreender quais as dimensões desse progresso e, sobretudo, a quem ele serve e quais seus reais objetivos. É preciso ter em mente que a capacidade de produzir mais e melhor também traz exclusão, segregação, concentração de renda e terras, subdesenvolvimento e subalternidades.
Mendonça (2015, p. 392), confirma que “o conceito de agronegócio no Brasil está baseado em uma perspectiva que adota a ideia de desenvolvimento como sinônimo de progresso tecnológico”. Além disso, a autora traz à discussão a ideia de “vocação”, que muitas vezes é usada para justificar certas práticas, como por exemplo, o discurso sobre uma suposta vocação agrícola brasileira, que viria para justificar a defesa do modelo econômico baseado na monocultura para exportação, sendo utilizado para manter o caráter extensivo do agronegócio, por meio de sua aliança com a oligarquia latifundista.
O que se deve ater é que hoje a ideia de progresso é bastante utilizada como estratégia de convencimento nos discursos hegemônicos, principalmente no caso estudado, dos atores envolvidos com o agronegócio. O que se observa é que os impactos socioeconômicos e ambientais são aceitáveis diante da promessa de progresso e de crescimento econômico que será trazido pelas grandes empresas e corporações.
O discurso utilizado pelas usinas canavieiras, por exemplo, e apropriado pelas elites locais e pelo poder público convence a população, que mesmo insatisfeita com os efeitos negativos gerados, os serviços incipientes criados e a qualidade questionável do urbano proposta pelos empreendimentos, acabam por acreditar e defender a atividade canavieira e não ver outras alternativas e possibilidades. A região fica, portanto, refém ideologicamente do mito do progresso.
Diante dessa breve análise, questiona-se: qual é a dimensão do desenvolvimento que é produzida pelo mito do progresso vinculado ao agronegócio e, consequentemente, aos empreendimentos sucroenergéticos, verificada na microrregião Ceres?
Hespanhol (2008), afirma que a operacionalização do desenvolvimento territorial é praticamente impossível de ser implementada quando perduram a elevada concentração da propriedade da terra (ou o alto número de arrendamentos de terras para as usinas canavieiras), a grande concentração social e regional da renda, o esgarçamento do tecido social e a falta de dinamismo econômico. Essas características são facilmente perceptíveis na microrregião Ceres, principalmente a falta de dinamismo econômico, devido ao foco produtivo estar quase que unicamente vinculado à atividade canavieira.
Quando se analisam os números de PIB e IDH por exemplo, mesmo com as críticas que envolvem esses indicadores, pode-se verificar um crescimento econômico nos números, mas concentração de renda e deficiências nos indicadores sociais. As observações realizadas em campo, somadas às entrevistas ao poder público local, contribuíram para ratificar a omissão dos empreendimentos canavieiros frente aos problemas socioambientais gerados e a falta de parcerias com as prefeituras e instituições locais, bem como com a sociedade, conforme previstas durante o processo de implantação das usinas, pelo menos entre as agroindústrias provindas do nordeste brasileiro, que são maioria na região.
Segundo Hespanhol (2008), a permanência de problemas estruturais relacionados a ineficiência das instituições, a concentração de riqueza e das relações de poder, a persistência de práticas clientelistas e, principalmente, o despreparo da população para participar de maneira autônoma ou a sua co-dependência a esses empreendimentos, acabam por dificultar a implementação de abordagens qualificadas de desenvolvimento.
Quando se discute desenvolvimento, sobretudo relacionado à abordagem econômica no Brasil, tem-se que fazer referência à importante obra de Celso Furtado. Esse autor aborda em síntese, a alta concentração do excedente na atividade industrial brasileira, a crescente hegemonia das grandes empresas e um distanciamento das formas de vida de uma minoria privilegiada em relação à massa populacional.
De acordo com Furtado (1983), deve-se estar atento ao aumento da renda de determinada comunidade, pois esta pode ser resultado de pelo menos três processos distintos: (1) o desenvolvimento econômico, isto é, a acumulação do capital e a adoção de processos produtivos mais eficientes; (2) a exploração de recursos naturais não renováveis, e; (3) a realocação de recursos visando a uma especialização num sistema de divisão internacional do trabalho. Diante do exposto, o aumento da renda implica em diversificação do consumo, introdução de novos produtos, entre outros, assim esse aumento pode ocorrer numa comunidade sem desenvolvimento econômico.
Destaca-se, portanto, que é bastante comum, com o incremento de atividades agroindustriais, verificar aumentos nos indicativos econômicos e nas estatísticas financeiras, contudo pode somente representar a exploração dos recursos naturais e realocação de recursos, o que mascara a não introdução de processos produtivos mais eficientes e uma desigualdade na distribuição de renda.
Furtado (1983) defende a ideia de que o desenvolvimento econômico é um simples mito e que isso tem justificado ações para mobilizar a população a aceitar os problemas, os efeitos negativos e a legitimar a destruição do meio físico para permitir as formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo. Reforça-se aqui também a ideia de progresso, para legitimar os problemas e desigualdades da exploração do agronegócio na microrregião Ceres.
O que Furtado (1983) defende é verificado por meio dos dados que revelam a desigualdade social existente na região como um todo, onde todos os municípios pertencentes à microrregião Ceres possui mais de 40% da renda apropriada pelos 20% mais ricos. Em alguns municípios, a desigualdade é ainda mais acentuada, como nos municípios que possuem usinas, como: Goianésia, Carmo do Rio Verde, Itapaci, Itapuranga e Rubiataba, bem como em alguns municípios que servem à lógica do agronegócio sucroenergético, por meio da alta produção de cana-de-açúcar para ser beneficiada na usina do município vizinho, como são os casos de Nova Glória, São Patrício e Uruana (verificar tabela 5).
Diante do entendimento da irrealização do desenvolvimento econômico, sobretudo quando se parte da ideia de Furtado (1983), de que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas e que os povos pobres não poderão disfrutar algum dia das formas de vida dos atuais povos ricos, alguns autores começaram a propor discussões sobre o desenvolvimento. Atualmente no Brasil, verificam-se discussões sobre desenvolvimento territorial, regional e rural, relacionadas aos efeitos do processo de capitalização da agricultura. Não se propõe aqui aprofundar nesses conceitos e suas especificidades, mas discutir o quanto as noções de progresso e de desenvolvimento econômico, difundidos nos discursos do agronegócio, podem justificar as mazelas e as desigualdades verificadas.
Assim, os problemas sociais e ambientais relacionados à agroindústria da cana já são velhos conhecidos no Brasil. O importante a ser destacado é que os problemas socioambientais são geralmente experimentados por toda a sociedade, sobretudo aquela com rendimentos mais baixos, entretanto os benefícios econômicos e a acumulação do capital são vivenciados por poucos.
Araújo (1999) defende que a fragmentação espacial do Brasil, frente à globalização, pode ser contrabalançada por uma nova política nacional de desenvolvimento regional semelhante à praticada por outros países e até por Blocos Econômicos, como a União Européia. Essa autora também acredita que a dinâmica regional entregue apenas às decisões do mercado tende a exacerbar seu caráter seletivo, ampliando as fraturas herdadas do passado.
Favareto (2010) propõe que para haver uma estratégia de desenvolvimento rural seria necessário pensar em uma agenda que abrangesse diversificação e dinamização das economias interioranas, sendo fundamental diversificar as economias locais, e buscar uma paridade entre as regiões rurais e urbanas, principalmente no que tange às políticas de saúde e educação.
Assim, os entraves percebidos na microrregião Ceres e que muito dificultam a busca por um real desenvolvimento econômico, estão relacionados à falta de diversificação das atividades econômicas, muito voltadas para o setor sucroenergético. Entretanto, destaca-se que não se trata somente de diversificar a produção agrícola, mas também os serviços, às redes estabelecidas, o acesso a educação e, sobretudo, pelas características históricas e socioeconômicas da região, o acesso à terra e a políticas de permanência das famílias no campo, como verificado in loco.
Tabela 5 – Percentual da Renda Apropriada pelos 20% mais ricos e Percentual de Pobreza Microrregião Ceres / 2010 Importar tabla
Município Percentual (%) da renda apropriada pelos 20% mais ricos Percentual (%) de pobres Barro Alto 49,87 6,44 Carmo do Rio Verde 50,4 7,81 Ceres 58,37 4,43 Goianésia 52,81 4,61 Guaraíta 45,77 14,98 Guarinos 45,94 22,00 Hidrolina 47,16 11,56 Ipiranga de Goiás 47,35 14,96 Itapaci 60,77 8,42 Itapuranga 54,06 8,79 Morro Agudo de Goiás 47,53 11,09 Nova América 42,93 10,91 Nova Glória 52,03 14,49 Pilar de Goiás 57,25 19,75 Rialma 51,08 5,45 Rianápolis 47,49 8,09 Rubiataba 49,52 7,47 Santa Isabel 44,67 8,58 Santa Rita do Novo Destino 47,07 16,14 São Luíz do Norte 44,37 11,15 São Patrício 50,16 9,57 Uruana 51,49 13,89 Importar tabla
A análise proposta contribuiu para ratificar que não é a modernização da agricultura ou a incorporação de técnicas ou maquinários que vão contribuir para o desenvolvimento econômico de determinada região. O acesso à terra, ferramentas de trabalho e incentivo, por meio de políticas públicas eficientes, contribui de forma muito mais eficaz para o desenvolvimento, que deve perpassar a dimensão econômica, o que vai em consonância com as teorias avaliadas e a realidade local da região.
Concorda-se com Locatel (2012), por fim, quando este destaca que a modernização da agricultura brasileira não foi um elemento homogeneizador das condições técnicas e socioeconômicas. Ao contrário, em relação a condições sociais, esse processo serviu para agravar ainda mais as desigualdades já existentes e as condições de vida de uma significativa parcela das famílias trabalhadoras rurais. E em relação à tecnificação do território, o mesmo autor ressalta que se trata de um processo seletivo e desigual espaço- temporalmente.
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano - PNUD
5. Considerações Finais
A atividade canavieira na microrregião Ceres trouxe incremento de novos elementos -técnicos, além de empregos diretos e indiretos, contudo a falta de diversidade nas atividades econômicas e a falta de acesso e permanência dos pequenos agricultores à terra, deixa a região refém do setor sucroenergético, além do poder público local e a população, o que faz com que essa dinâmica se processe de forma extremamente frágil.
Grande parte das terras da microrregião Ceres estão arrendadas para a produção canavieira, lembrando que a região possui parte relevante de sua estrutura fundiária em pequenas e médias propriedades. Para os pequenos proprietários a rentabilidade frente ao arrendamento é praticamente irrisória, além de estimular a expropriação do produtor rural e o desemprego estrutural nas cidades. Outro grave problema é que o contrato entre as usinas e os arrendatários costuma ser longo, por no mínimo 5 anos, dessa forma o agricultor fica muito tempo longe do trabalho na terra, além da cultura canavieira exaurir bastante o solo, inviabilizando ou onerando o trato do solo após a finalização do contrato com a usina.
Segundo Elias (2006) a presença do trabalhador assalariado temporário não representa somente aqueles que não detêm a propriedade da terra, como também incluem os pequenos proprietários que são obrigados a se assalariar em determinados períodos do ano (durante a safra da cana-de-açúcar). A afirmação de Elias (2006) é bastante pertinente para a realidade da microrregião estudada, pois mostra que muitas vezes o pequeno proprietário, que arrendou sua terra para o empreendimento canavieiro e foi expropriado para a cidade, acaba trabalhando na própria usina como assalariado, já que o valor pago ao arrendamento nas pequenas propriedades é muito baixo, não sendo suficiente para a sobrevivência das famílias (durante as entrevistas nos trabalhos de campo realizados ficou evidente que o arrendamento de terra somente é rentável para os grandes proprietários).
Diante disso, infere-se que, o fato da microrregião Ceres não apresentar diversificação econômica e estar focada em segmento único do agronegócio, o canavieiro, acaba por intensificar a fragilidade socioeconômica, associada a uma co-dependência das usinas sucroenergéticas, o que é fortalecido pelo mito do progresso, difundido pelas agroindústrias, e absorvido pelo poder público local e por parte da população.
As regiões que servem ao agronegócio geralmente acabam associando-se a outras redes comerciais, como os frigoríficos, agropecuárias, cooperativas de beneficiamentos de grãos ou de ração animal, entre outras, como observado no sudoeste de Goiás, por exemplo. A microrregião Ceres não apresenta essa característica, o que acaba por fragilizar ainda mais a economia local e regional e, em consequência, as relações em sociedade.
Atrelados a isso têm-se o Estado, como agente fundamental, e a dimensão política que se fazem importantíssimos, tanto para a territorialização das agroindústrias canavieiras, quanto para sua permanência. Em contrapartida aos vultosos investimentos no agronegócio estão as pequenas parcelas direcionadas aos agricultores familiares da microrregião Ceres.
Acredita-se, portanto, que há uma dinamização socioeconômica provinda da atividade sucroenergética, mas essa é altamente concentrada e causa uma co-dependência social e econômica, devido ao fato de estar focada no segmento canavieiro e não criar redes autônomas a este. Essa dinamização concentrada e altamente dependente acaba por contribuir com um desenvolvimento econômico incompleto, bem como por construir um elo legitimador das contradições socioespaciais e ambientais, fruto do agronegócio sucroenergético, verificadas na microrregião Ceres e que são, muitas vezes, mascaradas pelos mitos do progresso e do desenvolvimento econômico, atrelados à lógica do capital agronegocista, mas que são facilmente verificadas pelas formas espaciais, pelas fragilidades verificadas e pelas desigualdades materializadas, ou seja, pelo que revela sua paisagem regional.
Referências
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Notas