Ensaio

Recepção: 22 Julho 2019
Aprovação: 16 Agosto 2019
Publicado: 01 Outubro 2019
DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v2i4.25221
Resumen: Este ensayo aborda aspectos relativos a la formación de nuestra percepción y ciertas relaciones entre artes visuales y cartografía. A través de la exposición de la obra Nuevo Mundo, 2019, discute modos de hacer y la formación de nuestro pensamiento en la actualidad.
Palabras clave: Artes visuales y cartografías, artesanías y contemporaneidad, relaciones entre la forma y el proceso.
Resumo: Este ensaio aborda aspectos relativos à formação de nossa percepção e certas relações entre artes visuais e cartografia. Através da exposição da obra Nuevo Mundo, 2019, este trabalho discute modos de fazer e a formação de nosso pensamento na atualidade.
Palavras-chave: Artes visuais e cartografias, artesanatos e contemporaneidade, relações entre forma e processo.
Abstract: This essay addresses aspects related to the formation of our perception and certain relationships between visual arts and cartography. Through the exhibition of the work Nuevo Mundo, 2019, it discusses ways of doing and the formation of our thinking today.
Keywords: Visual arts and cartography, crafts and contemporaneity, relations between form and process.
Nuevo Mundo, 2019
Do rigor da ciência
… Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. (…) (Suárez Miranda, Viajes de varones prudentes, Libro IV, cap. XLV, Lérida, 1658).

Trazer parte da fantástica ficção de Jorge Luis Borges não é apenas posicionar a beleza do pensamento de um escritor genial na primeira linha, nem visa tampouco seduzi-los a ler este modesto ensaio. O que se pretende é valorizar aquilo que experimentamos, que, ao mesmo tempo, forma nossa noção de mundo e nos constitui.
Na universidade de Brasília, a pesquisa que venho realizando concentra-se sobre escritos e ditos de artistas, ou seja, sobre o que os artistas falam e escrevem em relação a seus modos de produzir suas obras e inseri-las no mundo fora do ateliê. Tais discursos expõem pensamentos que, na maioria das vezes, estão invisíveis nas obras. As narrativas dos artistas evidentemente dialogam também com a crítica, com a história, com a teoria da arte, assim como com outros domínios de conhecimento, tais como a Geografia.
Apesar da minha formação primeira na Geografia, a fala que expresso aqui é da artista visual, que associa alguns modos de fazer e de pensar sobre este fazer. Evidentemente, este discurso carrega as contradições de uma reflexão feita pela a própria artista sobre trabalhos que realiza, como é o caso aqui deste Nuevo Mundo, 2019.
Ainda assim, gostaria de abordar alguns aspectos relacionados ao conhecimento que se produz a partir de cada experiência sensível com mundo no qual estamos inscritos, e de como-quando organizamos nossos pensamentos.
As primeiras experiências que temos no mundo, a partir das quais nossos pensamentos são
construídos, dão-se através dos sentidos : a visão, os sons, as diferentes texturas e sabores… Quero dizer, a compreensão primeira que temos do nosso entorno (desde o nascimento até mais ou menos a alfabetização), das distâncias e proximidades, dos limites, dos percursos e trajetórias do nosso corpo no espaço, das qualidades táteis das diferentes superfícies, das densidades e intensidades dos contatos e das experiências vividas, assim como todas as demais associações que fazemos entre as coisas do mundo e nosso próprio corpo, obviamente não são apreendidas por meio da palavra escrita.
Depois de alfabetizados, as inteligências visual, auditiva, tátil são, de certo modo, inibidas. Essas primeiras sensações-concepções que temos do mundo vão sendo encobertas por uma avalanche de informações e ideias construídas em nossas culturas, espécies de grades de conhecimento criadas para nos « ajudar » a lidar com o caos da realidade. Este saber primeiro fica adormecido, submerso, arquivado dentro de nós. E é somente com trabalho árduo, no embate do próprio
fazer, que os artistas resgatam aquelas percepções primeiras, aqueles entendimentos originais - realizando seus poemas ou ficções, músicas ou obras visuais - associando-os aos conhecimentos e às informações culturalmente incorporadas.

Nas artes visuais, desde meados do século XX, já não importa se usamos imagens reconhecíveis ou não, se a arte é figurativa ou abstrata, se trabalhamos com signos, palavras, imagens, ou simplesmente com manchas de cor. Operamos com essas visões e experiências primeiras, reunindo experiências táteis, visuais e/ou sonoras (indissociáveis de nossa imaginação), num processo que costura o que aprendemos em casa, na rua, na escola, nas viagens e/ou nos sonhos. Os materiais com que trabalhamos se nutrem de tais visualidades. E é também esta visualidade poética que nos torna humanos!
A obra que apresento nasceu com o título « Do mundo nada se leva », numa referência explícita ao filme do diretor Frank Capra (You can’t take it with you , 1938), associada aqui à voracidade com que a América Latina é ocupada e explorada, desde os primórdios de sua « descoberta », por nossos ancestrais europeus. Durante a feitura deste trabalho, encontrei também nos mapas uma legenda que discriminava as línguas faladas em toda a América e, nesta ocasião, surgiu um outro título : « Uma mera questão de boca e língua », sugerindo uma reflexão sobre os tantos povos, também nossos ancestrais «desta terra» ,
« Uma mera questão de boca e língua », sugerindo uma reflexão sobre os tantos povos, também nossos ancestrais « desta terra », com suas centenas de dialetos e Línguas faladas nas Américas, bem antes da chegada dos europeus. Mas, finalmente, prevaleceu o nome que considerei visualmente mais amplo, mesmo se também carregado de valores culturais e simbólicos: Nuevo Mundo, 2019.
Já há 30 anos meu trabalho aparece em diálogo com a pintura, uma pintura visual, é obvio, mas também tátil! Nuevo Mundo, 2019, é uma espécie de pintura discursiva, pois parte da imagem de um Mapa das Américas, carregando suas histórias e metáforas poéticas. Mas também parte de uma materialidade específica - papel grosso, brilhoso, desses mapas desproporcionais aos territórios que representam, coloridos em cores vibrantes, que associei à aspereza alveolada da tule branca, superfície nem tão rígida, nem tão flexível assim. É simplesmente um trabalho de arte realizado em papel e tecido, que surge a partir da costura com fios e linhas, como outros que venho fazendo nos últimos anos.
O prazer é obtido a partir de um fazer transformador, que acompanha nossa história ancestral e a própria inteligência humana. Existe o prazer de fazer com as mãos, em proximidade e diálogo com as coisas, com os materiais. Todo esse prazer pode resultar em objetos belos e bem-acabados, ou mesmo com um aspecto visualmente de
inacabado que, na atualidade, expressa o aspecto transitório de nossa existência, algo em transformação, em mudança, em processo de.


A utilização da costura tem se mostrado de fato presente na arte contemporânea, inclusive no Brasil (ver Lima, 2016). Mas, além disso, a linha, e sua importância na constituição de nossa humanidade, é também objeto de estudo da Antropologia. Alguns desses aspectos são abordados no texto maravilhoso de Tim Ingold, referenciado nesta bibliografia.
Brasil (ver Lima, 2016). Mas, além disso, a linha, e sua importância na constituição de nossa humanidade, é também objeto de estudo da Antropologia. Alguns desses aspectos são abordados no texto maravilhoso de Tim Ingold, referenciado
nesta bibliografia.
O ato de costurar muitas vezes envolve o uso da linha. Linhas que são fios, tecelagens e bordados, que sempre pertenceram aos universos masculino e feminino. Mas a palavra linha tem muitos outros usos e significados. Linha como movimento. Linhas retas, linhas curvas. Linha como escrita. Linha para expressar a noção de passagem do tempo e de evolução, tão utilizada na cultura ocidental (Ingold, 2011, p. 9). Linha para delimitar territórios, percursos, e nossas experiências de transformação. Linha para redes de caça, de pesca, para amarrar cabanas, para tecer nossas roupas, desde os primórdios da humanidade. Linhas fragmentadas ou que indicam a fragmentação de superfícies. Enfim, as linhas, longe de pertencerem a um universo estereotipado de um passatempo feminino, são também carregadas de significados históricos e culturais. Em suas reflexões modernas na Bauhaus, o artista Paul Klee já havia falado sobre a linha como algo dinâmico e temporal. Também para a História da Arte a relação entre linha e superfície é questão teórica bastante antiga, desde os primeiros registros de nossos ancestrais nas pinturas pré-históricas.
Mas, neste texto, não tenho por objetivo dar explicações funcionais para a utilização da linha neste Nuevo Mundo, 2019. Quis apenas trazer à memória do leitor os múltiplos usos da palavra/objeto linha.
Meu processo de trabalho envolve materiais tradicionais da arte e associações com materiais contemporâneos e da vida cotidiana. Um modo de fazer que, se quisermos determinar sua origem, vem do início do século XX, com as assemblages de Picasso, e que se intensificou nas artes após os anos 1960.

As ações de fazer, desfazer e refazer uma forma configuram um processo que envolve relações entre fragmentos de alguma totalidade e a reorganização de elementos autônomos.
Este processo se dá no contato direto com o material, e é mais importante do que qualquer projeto inicial. A forma do trabalho é intuída, mas não é projetada com precisão. Não há uma regra a priori, mas há protocolos que se criam durante o próprio fazer. De modo que é cortando, rasgando, amassando, reunindo, costurando que realizo objetos, instalações, desenhos.
Há quase 20 anos venho costurando papéis, madeiras e tecidos com linhas diversas. O fato de trabalhar de modo artesanal, e com minhas próprias mãos (e não delegando a costura a outra pessoa), expressa um posicionamento político em relação a nosso mundo, cada vez mais acelerado e virtual, que vem nos tirando, ao menos por enquanto, o tempo e a experiência direta, viva, material e prazerosa com as coisas e entre as pessoas. Faço assim não apenas pelo prazer ancestral da transformação do material, mas devido ao valor que dou ao silêncio, à reflexão, à meditação, à presença física dos encontros e à duração necessária para vivermos nossas experiências.
Nuevo Mundo, 2019[i]trata das mesmas questões que me mobilizam desde sempre: como fazer, agir, pensar, associando o que é construído, registrado, histórico, à presença viva da experiência atual?
Interessa-me também a associação entre a fragilidade orgânica aparente de certos materiais e as estruturas fortes e definidas da « obra final », o que me traz lembranças das antigas construções improvisadas nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.
Mas a costura deste Novo Mundo, 2019 não forma uma imagem abstrata, simplesmente com cores e linhas e sua composição, duas bolas dentro de um retângulo. Ela carrega informações cartográficas, políticas, narrativas, históricas, folclóricas, e até esotéricas (essas duas bolas poderiam ser vistas como mandalas). É uma costura que opera também com estereótipos - o dourado da « moldura » dos quadros e mapas, a exploração do ouro na América Latina, ou simplesmente o dourado espetacular das fantasias de Carnaval. Propõe uma evidência sobre o lugar político dos mapas, que hierarquizam e são comprometidos com diferentes narrativas (bélicas, históricas, políticas, folclóricas, etc.). Novo Mundo, 2019 é também uma imagem comprometida com o lugar social das representações que se cria do mundo em que vivemos.
Todos os meus trabalhos carregam o desejo de reunir coisas distintas. Eles buscam reunir pensamentos construtivos, históricos, com as instabilidades das experiências da vida. Buscam unir coisas que, na cultura ocidental, aprendemos a separar: tanto noções, quanto diferentes fazeres. Percebo também que há uma intenção de desfazer, de desconstruir « grades de pensamentos ». Acho que o que nós, artistas, buscamos evidenciar é esta abertura de possibilidades de modos de pensar e de agir.
Porque não somos máquinas, nem somos virtuais!
Não podemos nos livrar desta condição do corpo vivo, animal, e como se diz na língua francesa: il faut faire avec. Somos humanos, pensadores, e podemos viver conscientes de nossos passos, caminhos, com tudo de bom e difícil que tal consciência nos traz.
Somos seres sensíveis, corajosos, mas também com muitos medos. E, talvez por causa desses medos, somos armazenadores, territorialistas e vorazes. Penso que, dentre nossas prioridades atuais, estaria repensar escolhas, organizações, desejos de propriedade e ganâncias.
Não estamos mais tão seguros das noções que aprendemos em « nossa cultura ocidental », das separações e hierarquias que criamos e dentro das quais operamos. Não seria fundamental reunirmos, questionarmos, o que sabemos com o que intuímos no presente, a partir da experiência viva e atual?
E isto não diz respeito apenas a conceitos dentro da Arte, sobre o que é hoje pintura, desenho ou escultura – estes questionamentos também dizem respeito aos nossos modos de organização espacial.
Mas este é o objeto de estudo de vocês, caros Geógrafos!
A Geografia é uma imitação da pintura da Terra inteira, escreveu Ptolomeu. Ou, como retomará Joan Blaeu, autor de uma dos maiores Atlas do século XVII, « a Geografia é o olho e a luz da História ». Um olho imenso, em escala planetária, (…) o todo do mundo e seu detalhe infinitesimal seriam as duas pulsões fantásticas originais de um saber do mundo que leva a viagem, a errância e a descoberta. Um saber de Icaro se quisermos, onde se costuram ligações internas entre a cartografia e a arte (…)[ii] (Buci-Glucksmann, 1996, p. 51).
Referencias Bibliográficas
Borges, J. L. (1999). Obras Completas volume II,1952-1972. São Paulo: Editora Globo.
Buci-Glucksmann, C. (1996). L’oeil cartographique de l’art. Paris: Editions Galilée.
Colombo, C. (1998). Diários da Descoberta da América.Porto Alegre: L&PM.
Harari, Y. N. (2018). Sapiens, Uma breve historia da humanidade. Porto Alegre:LP&M pocket.
Harmon, C. (2004). Personal Geographies and others Maps from the Imagination. New York: Princeton Architectural Press.
Ingold, T. (2011). Une brève Histoire des Lignes. Bruxelas: Zones Sensibles.
Jacob, C. (1992). L’empire des cartes, approche théorique de la cartographie à travers l’histoire. Paris: Editions Albin Michel.
Lima, G. (2016). Sobrepanos, 60 pontos na arte brasileira. Trabalho de conclusão de curso, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
Seemann, J. (2013). Carto-crônicas, Uma viagem pelo mundo da Cartografia. Fortaleza: Expressão Gráfica.
Tiberghien, G. (2001). Lettres a Alexis sur l’idée du bord. Les Carnets du Paysage (Vol. 7). Versailles: Ecole Nationale Supérieur du Paysage.
Notas