Editorial

A vida, a cordialidade e a sabedoria de um grande mestre. De tempos e ritmos, homenagem a Carlos Augusto Figueiredo Monteiro

Maria Adélia Aparecida Souza
Universidade de São Paulo , Brasil
Everaldo Batista Costa
Universidade de Brasília , Brasil

A vida, a cordialidade e a sabedoria de um grande mestre. De tempos e ritmos, homenagem a Carlos Augusto Figueiredo Monteiro

PatryTer, vol. 5, núm. 9, pp. 1-4, 2022

Universidade de Brasília

Recepción: 01 Octubre 2021

Aprobación: 27 Octubre 2021

Publicación: 01 Marzo 2022

É com muita alegria que a PatryTer homenageia o geógrafo brasileiro Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (figura 1), neste volume 5, nº 9 da Revista, que lhe é dedicado. Adentrar seu quinto ano de existência homenageando este erudito acadêmico, que contribuiu com o pensamento social e a a disciplina geográfica, ao largo do século XX e primeiras décadas do XXI, é uma grande honra para este periódico.

O Professor Carlos Augusto é conhecido pela sua produção acadêmica e científica na Climatologia onde se destaca como professor, pesquisador e inovador. Seus experimentos mensurados sobre o clima brasileiro vão revolucionar a teoria do clima com os conceitos de tempos e ritmos. Atuou, regularmente, na Comissão de Problemas Ambientais da UGI – União Geográfica Internacional presidida pelo geógrafo russo I. Gerasimov, com quem colaborou durante anos. Com suas apreciações geográficas sobre o clima, ambos revolucionam essa teoria dadas as implicações que ela trouxe para a vida das pessoas e suas atividades, sobretudo, para agricultura.

Nascido em 1927, em Teresina - Piauí, neste ano de 2022, justamente no dia 23 de março ele celebra seus 95 anos, com o lançamento deste volume da PatryTer.

É um enorme prazer e privilégio tê-lo conosco nesta celebração!

Como ele nos diz em seu precioso Dossiê de comemoração dos seus 80 anos:

Muito além da esperança de vida na média da população brasileira (±72 anos) já é uma longa “travessia”. Se considerarmos que desde o meu ingresso no Curso de Geografia e História na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da então Universidade do Brasil no Rio de Janeiro, em 1947, até minha aposentadoria como Professor Titular de Geografia Física na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em março de 1987, a Geografia, ao longo de quarenta anos, foi a preocupação central em minha vida. (Monteiro, 2007)

O currículo acadêmico de Carlos Augusto é de domínio público, muito extenso, no entanto, o resumiremos aqui, para deixar registrada sua trajetória:

· Em 1947, na qualidade de “Auxiliar de Geógrafo” ingressa no CNG - Conselho Nacional de Geografia (Divisão de Geografia), instituição a qual permanecerá vinculado até 1967. Em 1949/50, conclui o Bacharelado e a Licenciatura em Geografia e História na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, D.F.

· Em 1951, foi publicado na Revista Brasileira de Geografia, Ano XIII nº 1, p.3-46, o seu primeiro artigo (concluído em 1949) e intitulado “Notas para o Estudo do Clima do Centro Oeste Brasileiro”.

· Inicia sua carreira docente como Professor de Geografia Física na Faculdade Catarinense de Filosofia, em Florianópolis - SC, onde, paralelamente, colabora como assessor do IBGE junto ao Departamento Estadual de Geografia e Cartografia, aí permanecendo de 1955 a 1959. Como geógrafo-auxiliar do CNG – IBGE, é posto à disposição do Diretório Regional de Geografia de Santa Catarina; Departamento Estadual de Geografia e Cartografia onde planeja, dirige e participa do “Atlas Geográfico de Santa Catarina” editado pelo DECC - SC.

· De 1960 a 1964, foi Professor de Geografia Física junto à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, Instituto Isolado do Ensino Superior do Estado de São Paulo (atual UNESP). É nesse momento que ele conclui o trabalho de pesquisa, com seus alunos, que configura a obra A dinâmica climática e “As Chuvas no estado de São Paulo - estudo geográfico sob forma de Atlas” que só viria a ser publicado em 1973, graças ao empenho do Prof. Aziz Nacib Ab’Saber, no Instituto de Geografia da USP.

· Nos anos de 1966- 1967, colabora com o Instituto de Ciências da UnB - Universidade Nacional de Brasília - ministrando a disciplina Geomorfologia, no Curso de Geologia. Em conversa telefônica, em novembro de 2020, o professor Carlos Augusto recordou ao editor desta revista da sua satisfação em estar na UnB, quando a mesma era uma universidade recém criada, que emergia junto à nova capital.

· Torna-se Doutor em Ciências (Geografia) pela Universidade de São Paulo – USP, com a Tese “A Frente Polar Atlântica e as Chuvas de Inverno na Vertente Sul Oriental do Brasil”, publicada no nº 1 da Série Teses e Monografias do IGEOG - USP. E, em 1968, a convite do catedrático Aziz N. Ab’Saber, ingressa como Professor Assistente Doutor junto a Cadeira de Geografia Física do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. E logo assume a direção do Laboratório de Climatologia do Instituto de Geografia, IGEOG-USP, onde permanecerá até 1984. Junto aos professores Ab’Saber e André Libault, no curso de Pós-Graduação, credencia-se na Área de Geografia Física pelo regime vigente, prosseguindo após a reforma de 1971 até sua aposentadoria (1987).

· Importante ressaltar que, em 1972, ele inicia no Curso de Pós-Graduação em Geografia da USP a disciplina de Climatologia Urbana, há meio século atrás, onde orientou dissertações de metrado e teses de doutorado.

· Em 1975, é aprovado, pela Universidade de São Paulo, no concurso à Livre-Docência em Geografia Física, com a tese “Teoria e Clima Urbano”, editada, no ano seguinte, pelo IGEOG-USP. Em 1985, é aprovado no concurso para Professor Titular junto ao Departamento de Geografia da FFLCH na Universidade de São Paulo, na área de Geografia Física e Biogeografia.

· Em 1987, aposenta-se no cargo de Professor Titular sendo também Professor Emérito da Universidade de São Paulo.

Iremos aqui prestar uma homenagem de braços dados com o Professor Carlos Augusto, que vive, atualmente, na cidade paulista de Campinas.

Queremos celebrar seus tempos e ritmos, sua forma de viver, sua sabedoria, cordialidade e elegância no trato com a vida e com as pessoas. Não por acaso, o Professor Carlos Augusto foi muito sensível e profundo conhecedor da Literatura e da Filosofia. Desconhece-se, nos dias atuais, geógrafo ou geógrafa de sua área com tamanha erudição advinda desses dois campos do saber, o que se pode verificar pelo artigo publicado no ano de 2001, pela Revista Geografia, da UNESP de Rio Claro-SP, cujo título é: “De tempos e ritmos: entre o cronológico e o meteorológico para a compreensão geográfica dos Climas”. Este texto de caráter geográfico impressiona pela capacidade argumentativa deste intelectual, que aprofunda na filosofia, nos mitos, na arte, para explicar sua teoria sobre o clima. O excerto abaixo, apesar de longo, é importante para justificar nossos argumentos.

Muito provavelmente o que confere esta importância à música e sua universalidade como linguagem é que ela é, antes de tudo a arte do tempo. Impregnada de Física– com arte dos sons (acústica) – materializável em seu enquadramento no tempo. O tempo é subjacente à música. Para conduzi-lo no fluxo musical existe o“metrônomo”, aperfeiçoado em 1816 por Johan MAETZEL. Assim como o pêndulo nos relógios este engenho movente é o “guia” na execução musical. Mas também aqui na música o “medir” não é decisivamente rígido. A mente humana do executante mobiliza algum princípio organizador de modo tal que, se um agrupamento de sons – elemento básico de música – não está objetivamente definido ela (a mente) impõe algum princípio compensador emanado dela. A música também oscila entre “moverse” em termos de uma matemática inflexível e um instinto ou sensibilidade. Isto cria a diferença entre o compositor – o criador – e o intérprete – o recriador – de uma peça musical. A interpretação requer alternativas no andamento, como na figura do rubato (tempo escamoteado). As partituras (o nome já é sugestivo) indicam os “períodos”, unidades de medidas do tempo assinaladas em barras.O ritmo, na música, mantém relações íntimas com a melodia, conectados que estão na cadência (as cadeias de “agoras” na filosofia ou “cadeias de tipos de tempo no clima). A música européia apresenta grande variedade de estilos, não só num dado momento histórico como especialmente “através”, ao longo da evolução deles. E estas repousam nas variações rítmicas (cadências) em relação à melodia que caracterizam a música medieval (modos rítmicos restritos); renascentistas (polifônico, falante-oratorial), barroca (corpos rítmicos fortes) etc., etc. Do mesmo modo, o ritmo é inseparável da harmonia, de vez que a estrutura rítmica está ligada às considerações harmônicas. Por isso emprega-se na música o tempo-padrão (time-pattern) que controla a mudança de harmonia, o que explica o conceito de harmonia rítmica.Não exorbito se propuser uma analogia entre este conceito musical ao procedimento de atingir a caracterização (quiçá delimitação) dos climas regionais pelas afinidades rítmicas ou solidariedade espacial exibida nas cadeias de tipos de tempo. São as diferenças em “harmonia-rítmica” que diferenciam a música ocidental (européia) daquelas da Arábia, Índia, Indonésia. Assim também os fatores zonais possibilitam diferentes arranjos nas circulações sobre os continentes e seus fatores internos (relevo, vegetação, etc.) criando os diferentes grandes padrões (zonais) climáticos no globo. Na música o ritmo é tão essencial que ele se torna algo imprescindível. Pode haver música sem melodia e sem harmonia; mas o ritmo é indispensável. Veja-se a percussão, tão importante nas culturas ditas primitivas. Ela é calcada apenas no ritmo. A arte dos tambores no Japão é capaz de fazer brotar até mesmo melodia e harmonia de uma percussão sublimada. (Monteiro, 2001, p. 150)

Sua majestosa obra como cientista e professor percorre tantas veredas quanto sua sensibilidade permite, atravessando as trilhas da Geomorfologia, da Geografia Física, da Climatologia, do planejamento ambiental, mas também, como realçado anteriormente, enveredado por outras áreas do conhecimento, pois é conhecedor profundo de obras como a de Guimarães Rosa, um dos maiores gênios brasileiros; da pintura e do cinema. É essa sua versatilidade que também é acolhida pela PatryTer, revista plural de tantas trilhas latino-americanas, dedicada à Geografia e às Humanidades.

Trazemos conosco para homenagear a vida, a coragem, a sabedoria, a sensibilidade e o primor existencial do Professor Carlos Augusto, as inspirações de Epicuro, filósofo grego, para quem o viver era o projeto mais importante da vida. E iniciamos com ele a redação deste texto.

Relendo o filósofo, lembramo-nos do seu tetrafármaco epicurista, que nos ensina – e nosso homenageado parece conhecê-lo profundamente – os quatro grandes remédios do viver, dois de efeitos imediatos, quais sejam: primeiro, deixar de lado o medo que há pelos deuses e, segundo, não temer mais a morte. Já, os dois últimos necessitam de prática constante: terceiro, compreender que o bem e o prazer estão à disposição de todas e todos, apostando na simplicidade e em um modo de vida não luxuoso e, finalmente, o quarto e último é aquele que nos remete a lidar e dialogar com a dor e o sofrimento, ou, melhor dizendo, abraçá-las tanto quanto as outras sensações. Epicuro não negligencia esse tipo de sensação, ele se importa em pensá-la tanto quanto o prazer e a felicidade, uma vez que tudo faz parte da corporeidade de sentir-se vivo e atuante de si mesmo.

Todos os amigos, colegas, ex-alunos de Carlos Augusto que o conhecem bem identificam-no com esta sabedoria epicurista, embora saibamos que Nietzsche tem sido seu inspirador importante.

Mas, sabedores da sua admiração pelos escritos de Hélio Pellegrino, psiquiatra e escritor brasileiro, é em sua homenagem e, agradecendo a alegria de tê-lo conosco, que repetimos o que ele próprio buscou nesse autor, para abrir seu dossiê de 80 anos.

Aqui o repetimos, na certeza de que abrirá a celebração de seu centenário:

O sonho é a centelha que salta do desejo e é através dela que vou acender as fogueiras através das quais o rosto do mundo se ilumina. O sonho, levado aos ombros da realidade, que o simboliza, é o projeto profundo do homem e a teleologia da história. O sonho vivido, enraizado no real, que o suporta, vai ser a matriz da utopia, o eixo das grandes transformações que fazem da grandeza do processo civilizatório. (Pellegrino, 2004, p. 176)

Obrigada, Professor Carlos Augusto, querido amigo e mestre por nos ensinar a sonhar, a construir utopias e imaginar grandes transformações para esta América Latina que amamos e ao mundo do qual somos também sujeitos.

Alegrias e até 2027!

1. Referências

Monteiro, C. (2001). De tempos e ritmos: entre o cronológico e o meteorológico para a compreensão geográfica dos Climas. Revista Geografia, Rio Claro, 23(3), 131-154. https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/ageteo/article/view/15369

Monteiro, C. (2007). Dossiê: Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro. Professor Emérito da FFLCH da USP. Ao ensejo de seu 80º aniversário (1927-2007). Edição do próprio autor.

Onfray, M. (2010). A potência de existir. São Paulo: Martins Fontes.

Pellegrino, H. (2004). Lucidez embriagada. São Paulo: Planeta.

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