Resumo: A integração de práticas preservacionistas às políticas de desenvolvimento local constitui um grande desafio ao planejamento urbano, sobretudo em cidades médias e pequenas. O município de Teixeira de Freitas, situado no sul do estado da Bahia, apresenta um acelerado processo de crescimento de forma dispersiva, fomentado sobretudo pela gestão municipal. O objetivo deste artigo é averiguar como o patrimônio ambiental urbano é considerado no processo de dispersão urbana que se consolida no Vetor Leste. A pesquisa qualitativa e exploratória, utiliza procedimentos de campo – entrevistas abertas e semiestruturadas com gestores e pesquisa documental em arquivos sobre a legislação e planos governamentais. Os resultados evidenciam a ausência de uma regulamentação explícita que possibilite que o patrimônio se integre a dinâmica urbana de uma forma planejada, além de desconsiderar os elementos relevantes do entorno.
Palavras-chave:patrimônio ambiental urbanopatrimônio ambiental urbano,gestão patrimonialgestão patrimonial,planejamento urbanoplanejamento urbano,cidades médiascidades médias,urbanização dispersaurbanização dispersa.
Resumen: La integración de prácticas conservacionistas y las políticas de desarrollo local es un gran desafío para la planificación urbana, especialmente en las ciudades medianas y pequeñas. El municipio de Teixeira de Freitas, ubicado en el sur del estado de Bahía, presenta un proceso de crecimiento acelerado de manera dispersiva, impulsado principalmente por la gestión municipal. El propósito de este artículo es investigar cómo se considera el patrimonio ambiental urbano en el proceso de dispersión urbana que se consolida en el Vector Leste. La investigación cualitativa y exploratoria, utiliza procedimientos de campo, realiza entrevistas abiertas y semiestructuradas con gerentes e investigación documental en archivos sobre legislación y planes gubernamentales. Los resultados muestran la ausencia de una regulación explícita que permita al patrimonio integrar la dinámica urbana de manera planificada, además de desconocer elementos relevantes del entorno.
Palabras clave: patrimonio cultural, gestión del patrimonio, planificación urbana, áreas de expansión, urbanización dispersa.
Abstract: Integrating preservationists’ practices into local development policies is a great challenge to urban planning, especially in medium and small towns. The city of Teixeira de Freitas, located in the South of the state of Bahia, presents an accelerated development process in a dispersive way, mainly fostered by the municipal management. This paper aims to analyze how cultural and natural heritage have been considered in the process of urban dispersion that have been consolidated in the Vector Leste. This qualitative and exploratory research, based on field procedures, conducts open and semi-structured interviews with managers and searchs government legislation and plans in public archives. The results show that the absence of an explicit regulation that allows the heritage could integrate the urban dynamics in a planned way, besides disregarding the relevant elements of the surroundings.
Keywords: cultural heritage, heritage management, urban planning, expansion areas, dispersed urbanization.
Artigos
Preservação patrimonial em áreas de urbanização dispersa: o caso de Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil
Desafíos de la preservación del patrimonio en áreas de urbanización dispersa: el caso de Teixeira de Freitas, Bahía, Brasil
Challenges of heritage preservation in areas of dispersed urbanization: the case of Teixeira de Freitas, Bahia, Brazil

Recepción: 08 Febrero 2021
Aprobación: 19 Junio 2021
Publicación: 01 Marzo 2022
A preservação do patrimônio é uma característica comum às sociedades modernas. Das primeiras noções de monumento no século XVIII na França (Choay, 2001), ao surgimento do conceito no Brasil influenciado pelos modernistas ao longo da década de 1930 vinculada à ideia de nação e expressão de uma cultura genuinamente brasileira (Ortiz, 1994), às discussões atuais que incorporam os bens imateriais e a paisagem cultural, evidencia-se que os conceitos de patrimônio e preservação são dinâmicos, evoluem ao longo do tempo, o que torna o debate sobre essa temática complexo, atual e necessário.
Desde meados da década de 1960, a questão da preservação associada à prática de planejamento territorial ganha destaque, tanto no contexto internacional quanto no brasileiro. A Declaração de Amsterdã de 1975 (Iphan, 1975) enuncia a importância da preservação do patrimônio na prática do planejamento das áreas urbanas. A Carta de Washington de 1986 (Iphan, 1986) reitera a importância da preservação de cidades e bairros históricos estar articulada às políticas de desenvolvimento econômico e social, por meio do planejamento físico-territorial. A Carta ressalta que tanto as cidades grandes ou pequenas, com seu entorno natural ou construído estão ameaçadas de degradação ou destruição sob influência de processos de urbanização não planejados (Iphan, 1986, p. 1). Nessa época, consolidam-se ainda as intervenções urbanas – revitalização, reabilitação, requalificação (Carta de Lisboa sobre Reabilitação Urbana Integrada, 1995) – que articulam práticas de preservação ao planejamento urbano, sobretudo em áreas urbanas consolidadas, de alto valor histórico, arquitetônico, cultural e/ou arqueológico. Essas intervenções difundem-se tanto nas grandes quanto nas pequenas e médias cidades, principalmente nas áreas centrais, nas zonas portuárias e ferroviárias, nas zonas de armazenagem e transbordo de mercadorias. No Brasil não é diferente. As intervenções concentram-se nas áreas centrais, portuárias ou em sítios de valores históricos considerados promissores para aproveitamento econômico, sobretudo da atividade turística. Alguns programas criados pelo Governo Federal enunciam esses pressupostos: o Programa de Cidades Históricas (PCH) na década de 1970, o Programa Munumenta na década de 1990, o Plano de Preservação de Sítio Histórico Urbano (PPSH) em 2003 e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas em 2007. A leitura desses programas evidencia que o desenvolvimento de planos específicos de preservação sempre prioriza os sítios históricos preservados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e principalmente os bens valorizados pelos órgãos da patrimonialização mundial, o que evidencia uma dimensão mercadológica do patrimônio. Essa leitura ressalta ainda que o debate do patrimônio em áreas de dispersão urbana ou em áreas periféricas do território que se encontram no limite entre urbano-rural é muito pouco explorado. O debate traz a tona o desafio de muitos municípios que se encontram diante do dilema crescimento versus preservação.
Esta pesquisa trata da temática da preservação do patrimônio ambiental urbano - um sistema de objetos que não têm valor em si, mas que adquire relevância por se articular a um suporte de significados referentes ao mundo urbano que só pode ser conhecido em sua apropriação social, sendo “capazes de provocar representações da realidade urbana” (Meneses, 1978, p. 23). Esse conceito está associado à conservação da inteligibilidade do espaço urbano, bem como a compreensão e leitura da cidade (Lemos, 1979), pois possui uma ordem subjetiva que interfere na percepção individual e coletiva e suas relações simbólicas (Tourinho & Rodrigues, 2016). Podem ser reconhecidos como patrimônio ambiental urbano conjuntos arquitetônicos, espaços urbanísticos, equipamentos públicos, bem como a natureza existente na cidade, regulados por relações sociais, econômicas, culturais e ecológicas (Yázigi, 2012).
O foco de análise desta pesquisa é o processo de dispersão urbana - no qual a produção do espaço e seus modos de apropriação enunciam uma reestruturação espacial, orientada sobretudo pelos interesses fundiários, imobiliários, industriais e financeiros – e a gestão patrimonial - “normas, instrumentos urbanos, jurídicos, administrativos e algumas práticas políticas que de alguma maneira repercutem, direta ou indiretamente, no espaço e na preservação do patrimônio” (Oliveira, 2016, p. 182).
Este artigo analisa o processo de dispersão urbana na cidade de Teixeira de Freitas (Bahia/Brasil) para elucidar a rede de interesses, conflitos e alianças estabelecidas, nas diversas escalas de poder, que promovem a gestão do território e, consequentemente, influenciam na gestão patrimonial. O objetivo é averiguar se o patrimônio ambiental urbano é considerado no processo de dispersão urbana que se consolida no Vetor Leste do município em questão. O debate torna-se mais desafiador quando traz a problemática da gestão patrimonial inserido em um contexto das cidades médias e pequenas, no qual o patrimônio local não é reconhecido pela lógica hegemônica global e não se considera a totalidade da constituição histórica dos lugares, o que segundo Mesquita (2020) pode selecionar os aspectos e os sujeitos a serem enaltecidos.
O recorte espacial desta pesquisa enfoca o vetor de crescimento Leste da cidade de Teixeira de Freitas/BA - trecho compreendido por zona rural e que margeia parte da rodovia estadual BA-290. Este recorte foi selecionado devido a expectativa de desenvolvimento e a quantidade de atores envolvidos e afetados pelo processo de espraiamento da malha urbana. Esse perímetro atualmente comporta o polo industrial com 184 mil metros quadrados e o aeroporto comercial da região. A área - denominada de Vetor Leste -, encontra-se em pleno processo de expansão e também comporta remanescentes de Mata Atlântica, juntamente com o único sítio histórico conhecido como Fazenda Cascata, que abriga tanto bens materiais (edificações tombadas a nível estadual e local) quanto bens arqueológicos. Em suma, ressalta-se que uma parcela significante desde setor de análise é caracterizada pela sua relevância arquitetônica, arqueológica, paisagística, cultural e ambiental. Contudo, apesar de se inserir nas características supracitadas, o local apresenta conflitos que se diferem daqueles identificadas nos sítios históricos localizados em áreas centrais urbanas - que coincidem com o caso da maioria das cidades brasileiras dotadas de bens patrimoniais e, geralmente, norteiam a grande maioria das pesquisas acadêmicas que envolvem o debate patrimonial. O caso do município de Teixeira de Freitas, no entanto, se apresenta de forma peculiar, pois o sítio histórico - composto por exemplares característicos do séc. XIX e XX, bem como artefatos arqueológicos - se localiza na linha de expansão da cidade, conduzindo assim a uma análise distinta do que comumente se observa atualmente nos processos de urbanização brasileira.
Conforme os fatos apresentados, questiona-se em que medida o crescimento urbano esperado pode afetar a preservação do patrimônio ambiental urbano e o seu entorno, que também engloba áreas remanescentes de Mata Atlântica. Neste caso, o meio ambiente natural se destaca pela sua relevância do ponto de vista ambiental, devido a composição paisagística que caracteriza o bem cultural em questão. Nota-se que o patrimônio ambiental urbano situado no local de estudo se encontra vulnerável a lógica do desenvolvimento econômico da localidade, o que pode possibilitar o seu desaparecimento no futuro. Sob a ótica dos fundamentos apresentados, o presente artigo analisa a conduta da gestão municipal que adota um modelo de urbanização dispersa, que vende a imagem de um suposto desenvolvimento urbano e econômico.
Metodologicamente, a pesquisa trabalha com uma abordagem qualitativa e exploratória. Utiliza como procedimento central a pesquisa de campo, que realiza entrevistas abertas e semiestruturadas com técnicos da gestão pública e usuários/moradores da cidade, de modo a estimular a opinião livre dos inquiridos. As entrevistas com representantes do poder público contemplam duas pessoas responsáveis pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Turismo; um técnico da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos e seis pessoas do setor legislativo do município de Teixeira de Freitas (dois vereadores e quatro servidores da Câmara Municipal)[i]. Quarenta moradores e usuários de Teixeira de Freitas foram entrevistados em instituições de ensino da cidade, nas ruas de comércio central e no entorno da Fazenda Cascata. Todos os entrevistados responderam às questões oralmente, as quais foram anotadas pelos pesquisadores. A pesquisa de campo contou ainda com a realização de atividades de investigação, pautada em observação in loco e execução de fotografias, bem como a coleta de dados no arquivo documental da Câmara Municipal, para consulta dos arquivos referentes a legislação incidente sobre o município em questão; pesquisa no arquivo documental da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Turismo de Teixeira de Freitas para se ter acesso aos projetos implementados no recorte espacial de estudo e pesquisa no acervo da Fundação Quincas Neto, para consulta dos documentos que se relacionam à sua fundação, assim como os livros que relatam a origem da região e história da família proprietária da Fazenda Cascata. A leitura integrada dos dados coletados na legislação, nos planos governamentais e nos documentos, juntamente à opinião dos entrevistados pauta a avaliação das ações municipais, fundamentada em bibliografia de referência. O cruzamento das informações coletadas embasa ainda a produção de mapas do município de Teixeira de Freitas, em softwares como Autocad e Photoshop usando como base imagens do Google Maps, para auxiliar na interpretação e consolidação de uma análise qualitativa sobre a região pesquisada.

O desenvolvimento do artigo está estruturado em três partes. A primeira, com enfoque conceitual, realiza uma abordagem sobre a temática da urbanização dispersa, onde são ressaltados os fenômenos que influenciam as cidades menores e distantes das metrópoles, conforme as características do objeto de estudo apresentado nesta pesquisa. A segunda parte apresenta o município de Teixeira de Freitas/BA e o seu patrimônio ambiental urbano, sobretudo a partir dos documentos produzidos pelos órgãos públicos, tais como o Plano Diretor, as leis orgânicas, as leis de tombamento, dentre outros que se julgam pertinentes a investigação do caso. A terceira parte foca na análise da dispersão urbana no Setor Leste, a partir das políticas públicas e ações implementadas no território.
O debate contemporâneo sobre urbanização e os processos dela decorrentes ganham destaque e suscitam novas discussões na medida em que formas urbanas, cada vez mais complexas e distintas, se manifestam em suas múltiplas escalas e contextos. Essa nova fase da urbanização demonstra a dissolução da cidade como aglomeração concentrada. Vale ressaltar que a concentração e a proximidade espacial são tanto características dos primeiros assentamentos urbanos quanto se constituem como elementos marcantes e determinantes da urbanização a partir do século XX. Para Léfebvre (1999, p. 27), a cidade industrial consolida um processo de concentração urbana, que revela uma zona crítica – um momento de “implosão-explosão” que evidencia a extensão do tecido urbano, a subordinação completa do agrário ao urbano, o crescimento da produção industrial e das trocas comerciais –. No contexto brasileiro, Santos (2005, p. 77) descreve que, a partir da 1950, difunde-se a “urbanização aglomerada” em núcleos urbanos com mais de 20.000 habitantes e, posteriormente, a “urbanização concentrada” em cidades médias e grande cidades, até se atingir o estágio da metropolização. Santos (2005, p. 101) destaca ainda que, em um contexto posterior, ocorre a “dissolução da metrópole”, onde observa-se o processo de dispersão e concentração, que ocorre de modo dialético, pois apesar de ser contraditório, atua de modo complementar. Chatel e Spósito (2015) também compactuam da indissociabilidade desses dois conceitos. Apesar da noção contraditória, as autoras defendem que essas duas dinâmicas pertencem a um mesmo processo de produção do espaço urbano. Lencioni (2015, p. 9) destaca que ‘dispersar’ refere-se ao ato de separar as partes, de romper a unidade de um conjunto, ou seja, a dispersão urbana tem “como contraposto a ideia de unidade, precisamente de uma unidade historicamente constituída, uma vez que o urbano se constitui como feito humano, como produção social”. Lencioni (2015, p. 9) destaca ainda que a temática da dispersão urbana está relacionada à essa noção indissociável de conjunto e unidade, dispersão e concentração, pois “cada fragmento é parte de uma totalidade”.
Nesse sentido, o momento atual expressa uma nova fase da história da urbanização, no qual a produção do espaço urbano e seus modos de apropriação enunciam uma reestruturação espacial, orientada sobretudo pelos interesses fundiários, imobiliários, industriais e financeiros. Para Spósito (2015), esse processo é resultante da ampliação das formas de transporte, sobretudo o automotivo, assim como das novas tecnologias de informação. Para Lencioni (2015), dispersão e finanças constituem os elementos determinantes no momento atual. Spósito (2015) lista diversos conceitos já propostos para a análise dessas dinâmicas, tais como urbansprawl, étalmenturbain, urbanização difusa, urbanização dispersa, metropolização, megalópoles, metápoles, cidade difusa, cidade dispersa, outercities, pós-metrópoles, exópolis, entre outros. Para Chatel e Spósito (2015), o advento do termo urban sprawl nos Estados Unidos está associado a um padrão suburbano de urbanização, associado a expansão das aglomerações urbanas por volta da década de 1960. O termo foi traduzido para o francês como étalement urbain e para o português como dispersão urbana. No português, outras nomenclaturas ainda são utilizadas tais como “urbanização dispersa” (Limonad, 2007; Ojima, 2007; Reis Filho, 2006), “cidade dispersa” e “urbanização difusa” (Lencioni, 2015; Spósito, 2010). Chatel e Spósito (2015) relatam que apesar das inúmeras perspectivas de análise enunciadas é essencial considerar particularidades de cada formação socioespacial.
Neste artigo adota-se o termo urbanização dispersa, que de forma geral, caracteriza-se como um modelo espraiado e desequilibrado, que marca o avanço do tecido urbano em direção as áreas periféricas do território, que até então se encontravam no exercício de atividades rurais. Destaca-se pelo aumento considerável dos índices de ocupação do solo e, consequentemente, conduz a cidade a um processo de expansão da zona urbana marcado pela horizontalidade. Conforme aponta Monte-Mór (1994), este fenômeno não se restringe apenas às regiões metropolitanas, podendo ser observado em cidades médias e pequenas, como no caso de Teixeira de Freitas. Ele se estende às outras cidades e se diferencia apenas no grau e na intensidade com que elas ocorrem. A urbanização dispersa pode implicar diretamente na intensificação das desigualdades, o que resulta na segregação socioespacial do território. Além disto, influencia no custo referente ao consumo energético, no aumento das distâncias de deslocamentos, nos investimentos com urbanização e na ampliação das possibilidades de degradação do meio ambiente em diferentes níveis (Farias, 2012).
Ojima (2007) ressalta a existência de dois fatores que necessitam serem considerados no processo urbano: o populacional e a expansão territorial. O primeiro exerce no outro um peso maior, entretanto, a definição do padrão de ocupação pode ser considerada um fator essencial para que esse crescimento ocorra com maior ou menor custo social, refletindo assim na sustentabilidade ambiental. As cidades podem organizar a sua configuração espacial de forma compacta, verticalizada e monocêntrica ou podem conformar-se de modo disperso, horizontalizado e policêntrico para comportar a mesma taxa de crescimento populacional.
Conforme o exposto, verifica-se que as cidades que apresentam o modelo de urbanização dispersa podem sofrer com impactos econômicos, sociais e ambientais. Limonad (2007) aponta em seus estudos que esse processo não está mais restrito à cidade, pois extravasa os limites da aglomeração física de edificações, infraestruturas e atividades de fixos e fluxos, através das diversas práticas, táticas e estratégias dos distintos capitais e do trabalho para garantir sua reprodução. Limonad (2007) destaca ainda que, uma das consequências do modelo dispersivo de urbanização é o aumento das carências relacionadas à disponibilidade de infraestruturas e ao acesso a equipamentos e serviços urbanos desigualmente distribuídos no território, o que pode acarretar na diminuição da qualidade de vida da população e a repentina modificação da paisagem devido a mudança do uso e ocupação do solo. Em relação as áreas verdes, Reis Filho (2006) descreve que a expansão territorial pode pressionar os remanescentes florestais e resultar na degradação contínua do meio ambiente que, segundo Mont-Mór (1994), impossibilita a reprodução e conservação do espaço natural. Com essa nova dinâmica de urbanização se intensifica a necessidade de reflexão a respeito das áreas rurais, de certo modo articuladas com o planejamento territorial.
Neste debate também é possível acrescentar que os novos arranjos territoriais podem se comportar de forma predatória ao espaço preexistente, seja ele natural ou urbano, como o caso do município de Teixeira de Freitas (BA) e o Setor Leste, objeto deste estudo. Assim como o meio natural, o patrimônio ambiental urbano também se apresenta como um ponto vulnerável em meio ao contexto existente. Conforme Capute e Castriota (2015, p. 5) “preservar o ambiente significa preservar o patrimônio ambiental urbano e a qualidade de vida dos cidadãos”. Entretanto, essa construção de integração na vida contemporânea é o desafio imposto a cada localidade, que possui bens com interesse de preservação.
Localizada no extremo sul baiano, à 884 quilômetros de Salvador, Teixeira de Freitas é um município relativamente novo. Sua emancipação ocorre em 9 de maio de 1985. O surgimento do povoado no local – onde hoje se situa o centro do município – está atribuído ao processo de exploração da madeira, que recebe o nome de São José de Itanhém, devido a sua proximidade com o rio Itanhém. Com o grande comércio madeireiro, o povoado obtém um crescente desenvolvimento, o que impulsiona a imigração de comerciantes, agricultores e pecuaristas de outras regiões (UNEB, 2011). De acordo com entrevista realizada com um representante da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Turismo, na década de 1940, o território compreendido pela Fazenda Cascata ocupava uma posição central e é constituído como a principal povoação rural, pois oferta meios para escoamento e abastecimento das fazendas vizinhas. Além da farinheira, ocorre um comércio com diversos produtos que contribuem para essa movimentação (UNEB, 2011).
A Fazenda Cascata data do final do século XIX e se constitui como um dos marcos da ocupação daquela região. Está localizada dentro do recorte espacial definido pelo Setor Leste (figura 2), mais precisamente à 9 km do centro da cidade e à 2 km do aeroporto Nove de Maio. Ressalta-se ainda que esta localidade “desempenhou papel significativo na produção de café e cacau na região e o seu complexo de edifícios indica a existência naquele espaço de um lugar de sociabilidade” (UNEB, 2011, p. 05). Outro indício de sua importância é o fato de que a mesma consta no mapa do Estado da Bahia de 1925, elaborado por Theodoro Sampaio, conforme aponta o parecer técnico realizado no ano de 2004 pela Universidade Estadual Santa Cruz (UESC, 2009).
A área da Fazenda Cascata constitui na atualidade um relevante sítio histórico que abriga tanto bens materiais (edificações rurais) quanto bens arqueológicos e naturais. Corresponde a um espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações, ou seja, um “contexto amplo que comporta as paisagens naturais e construídas, assim como a vivência de seus habitantes, devido ao seu contexto preexistente” (Iphan, 1987). Nesta pesquisa é denominado de patrimônio ambiental urbano, pois contempla um acervo histórico e arquitetônico associado à memória local, além da Mata Atlântica do seu entorno e os remanescentes arqueológicos, ou seja, esse patrimônio ambiental urbano está associado à noção de ambiente – aspectos ligados à natureza e às questões culturais, o que contribui para a preservação das características locais, ajudando “a manter o equilíbrio do homem em seu habitat” (Tourinho & Rodrigues, 2016, p. 80). A totalidade do conjunto não se encontra tombado em nenhuma das três esferas de governo. Atualmente, apenas três edificações são tombadas – na escala estadual em 1980 e na municipal em 2001 –. O tombamento[ii] dessas edificações ocorreu por terem sido consideradas como as mais relevantes para o processo de formação e desenvolvimento da região. Dentre elas estão: a casa rural, datada no final século XIX, construída em forma de sobrado; a casa de farinha, construída no mesmo período da casa rural, equipada com antigo e valioso maquinário utilizado para o beneficiamento da mandioca e do café; a estufa de secagem de cacau, datada no século XX (figura 3). O restante do seu acervo arquitetônico é composto pela capela, as casas dos trabalhadores, o armazém, além de quatro barcaças.
Além do significativo sítio histórico supracitado, o Setor Leste destaca-se por compreender um sítio arqueológico descoberto em uma obra de reparo da cerca da Fazenda, no ano de 2004. Tal ocorrido é comprovado pelo Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), por meio de investigações que constatam sua origem e veracidade. Todos os fatos que envolvem este acontecimento são relatados no Parecer Técnico no 01/2004, produzido pelo Professor Elvis Pereira Barbosa (UESC, 2009). Este documento classifica o material lítico encontrado como oriundo da Tradição Aratu. Esta, por sua vez, é constituída por povos horticultores e ceramistas que habitam grandes aldeias circulares a céu aberto, em área de floresta. Um dos aspectos principais que caracterizam o território da sua aldeia são as urnas funerárias em material cerâmico que eles produziam e utilizavam para sepultar os seus aldeões (Dócio, 2008). Através do parecer técnico enfatiza-se as probabilidades de se encontrar mais evidências como esta, não só na Fazenda Cascata, mas também em outras propriedades situadas do entorno, visto que o sítio é estimado em aproximadamente 10.000 m² de extensão de áreas de achados. Destaca-se a relevância do papel da gestão municipal para assegurar a integridade desses elementos que apresentam valor histórico e arqueológico situados no local, para que as possíveis mudanças não descaracterizem a ambiência existente, levando em conta o potencial apresentado pelos estudos arqueológicos.


As entrevistas realizadas com os moradores e usuários durante a fase da pesquisa de campo tiveram como objetivo investigar e compreender a maneira como a sociedade civil se relaciona com o patrimônio ambiental urbano de Teixeira de Freitas. Os resultados da investigação demonstram que 90% dos entrevistados reconhecem a Fazenda Cascata como patrimônio e um artefato relevante para a memória do município e 80% dos inquiridos já visitaram a Fazenda. A pesquisa demonstra que a Fazenda não é reconhecida somente pelo seu valor arquitetônico, mas também pelo seu valor histórico por estar associado às origens da cidade. A pesquisa identifica ainda que a população possui fortes vínculos afetivos com a Fazenda no universo das relações simbólicas. Como destaca Tourinho e Rodrigues (2016, p. 76), essas relações orientam a percepção “propiciando, ou não, a aproximação entre ela e seus moradores, por meio de mecanismos de reconhecimento de espaços e remissão às experiências aí já vividas”.
Ressalta-se que, apesar de não haver o tombamento do sítio histórico (o reconhecimento feito pelo Estado por um ato jurídico) ou qualquer dispositivo legal que garanta alguma proteção paisagística da área, o valor desse patrimônio não pode ser desconsiderado. O tombamento não é o único instrumento de preservação e reconhecimento do patrimônio ambiental urbano. No caso da Fazenda Cascata, pode ser considerado patrimônio a implantação da fazenda, a arquitetura rural remanescente, os resquícios arqueológicos. Sobre os bens naturais, o entorno da Fazenda engloba pastagens e áreas remanescentes de Mata Atlântica, como se observa na figura 4. Em suma, ressalta-se que a Fazenda Cascata caracteriza-se pela sua relevância arquitetônica, arqueológica, paisagística, cultural e ambiental, ademais dos valores afetivos que a fazenda representa para seus moradores. Possui um papel de destaque, pois além de apresentar sua importância do ponto de vista do patrimônio material, também é dotada de um significado intangível, construído através da memória coletiva da população, como destacou a pesquisa de campo.
No ano de 2001, por iniciativa dos proprietários da Fazenda, foi constituída a Fundação Quincas Neto com a proposta de “fomentar e desenvolver a atividade cultural, bem como promover a consciência e preservação ambiental, tendo como prioridade a conservação do acervo da Fazenda Cascata” (Fundação Quincas Neto, 2001, p. 1). Vale ressaltar que a preservação dos artefatos arquitetônicos quanto do Bioma Mata Atlântica e dos remanescentes arqueológicos é necessária para a permanência da ambiência da Fazenda Cascata e estimular a salvaguarda da memória coletiva, de modo que as gerações vindouras possam também fazer uma leitura da totalidade do sítio histórico, facilitando assim o seu entendimento e sua apropriação. Segundo Castriota (2009), o patrimônio é um instrumento de reconhecimento de memórias e identidades, que contribui para o fortalecimento da cidadania.
No que se refere a gestão patrimonial, verifica-se na versão mais recente do Plano Diretor de Teixeira de Freitas (BA), sancionado através da Lei nº 310/2003, que o mesmo não faz menção a área de preservação do patrimônio ambiental urbano. Visto que o tombamento municipal realiza-se no ano de 2001, compreende-se que a gestão possuía conhecimento destes bens. Sendo assim, é importante que essa área sob proteção especial tivesse sido mencionada neste documento para fomentar as medidas de preservação. Em todas as ressalvas elaboradas posteriormente sob o comando de gestores distintos, também não são abordadas diretrizes que poderiam ser aplicadas ao longo dos anos para promover a proteção do sítio histórico e da Mata Atlântica do entorno, nem tampouco do sítio arqueológico descoberto posteriormente. A gestão municipal é um dos atores responsável por desenvolver meios de promover proteção para o patrimônio ambiental urbano, pois ele se encontra no vetor de crescimento Leste do município, local de permanente conflitos e interesses. Os projetos de expansão do perímetro urbanizado e a implantação de equipamentos urbanos que não dialogam com o entorno possibilitam que esse patrimônio fique submetido ao risco de ser modificado e desviado da sua função social.

A pesquisa de campo realizada junto ao arquivo da Câmara Municipal constatou que, durante os anos que se passaram após o tombamento de alguns bens da Fazenda Cascata, apenas um projeto foi lançado em 2013 com o intuito de fomentar o desenvolvimento cultural e social dos teixeirenses. No campo do patrimônio ambiental urbano seu discurso se voltou para o incentivo a valorização da cultura local, assim como o incentivo ao ensino da história da região. Em seus três anos e cinco meses de funcionamento, o projeto recebe 36.570 visitantes, sobretudo estudantes da rede pública, do ensino fundamental e médio. O programa também contemplou os alunos das instituições particulares, escolas técnicas e universitários de Teixeira de Freitas e região, conforme os relatórios da Fundação Quincas Neto. A Fazenda Cascata também oferece o espaço físico da propriedade para recreação, piqueniques, lazer, confraternização, comemorações e caminhadas pelas trilhas ecológicas. Esse projeto é interrompido por motivos políticos, pois o sucessor do prefeito que o cria, não proporciona continuidade ao mesmo, bem como não renova a parceria com a Fundação. Conforme todos estes apontamentos supracitados, conclui-se que com o passar dos anos, os poucos avanços obtidos por parte da gestão atuaram muito timidamente em prol das questões histórico-culturais do município, principalmente aquelas que fomentam ações de valorização e a preservação do seu patrimônio ambiental urbano.
Desde a implantação da BR 101 na década de 1970, o município de Teixeira de Freitas apresenta um processo de crescimento populacional bastante considerável. Após a construção da rodovia, muitas pessoas de localidades distintas são atraídas pela exploração madeireira, ocorrida em função da preexistência da Mata Atlântica naquela região. Nesta mesma década, o Censo Demográfico registra uma população de 8 mil habitantes. Com a imigração ocorrida, o povoado cresce repentinamente: em 1980 o município possui mais de 40 mil habitantes e se transforma no maior polo industrial, comercial e habitacional da região. Em 1985, ano de sua emancipação, a cidade conta com aproximadamente 80 mil habitantes e, em 2004, segundo o censo do IBGE, esse número aumenta para 114.208 habitantes. No ano de 2017, o IBGE estima a população em 161.690 pessoas, registrando assim uma taxa média anual de 2,57%, enquanto no Brasil essa taxa não alcança 1,7% neste mesmo período (Atlas Brasil, 2013).
Atualmente, a Bahia está entre as primeiras posições no setor de produção de papel e celulose do país destinada ao mercado externo, sendo o Extremo Sul um destaque entre os maiores produtores locais no estado. Teixeira de Freitas é um dos municípios que faz parte das áreas de plantio de grandes empresas produtoras de celulose no mundo. Para viabilização de tal acontecimento, uma parcela significativa da sua área rural é destinada ao cultivo do eucalipto. Entretanto, algumas áreas remanescentes de Mata Atlântica são devastadas para viabilizar o desenvolvimento pleno desta atividade. Outro ramo que, neste sentido, também contribui negativamente é o desenvolvimento das pastagens para a pecuária (Almeida, 2009).
No Setor Leste do município, objeto de investigação deste artigo, verifica-se na pesquisa de campo que, além do cultivo do eucalipto e pecuária, a prefeitura, através da Lei Complementar 548 de 2010, cria uma área destinada ao desenvolvimento de indústrias, às margens da rodovia BA-290. Este Polo Industrial, situado no bairro Caminho do Mar, próximo ao limite da zona urbana, sentido Teixeira de Freitas-Alcobaça, conta com uma área total de 184 mil metros quadrados. Segundo entrevista realizada com representante da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município, “depois dos estudos técnicos, foi apresentado um projeto ao legislativo para criação de uma emenda à Lei Complementar 548, que contemplepasse a ampliação do Polo Industrial’’. De acordo a entrevista supracitada, 32 empresas estão instaladas no local e, na segunda etapa, há previsão para receber mais 64 empresas. Para viabilizar este processo, a Prefeitura Municipal decreta a desapropriação das áreas nas imediações dos Bairros Caminho do Mar I e Caminho do Mar II. Segundo o entrevistado da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município, estima-se que a área da segunda etapa de implantação do polo ocupe 32 hectares. Para incentivar essas instalações, a gestão municipal se compromete a criar a infraestrutura viária no local, além da concessão de incentivos fiscais e a redução dos entraves burocráticos no processo de implantação destas empresas no município. Sua implantação é concebida em um local estratégico, à apenas 2 Km do Aeroporto Comercial Nove de Maio[iii], característica favorável do ponto de vista econômico e das facilidades de transporte e escoamento de produtos. A planta de uso e ocupação do solo do entorno do aeroporto (figura 5), elaborada por uma empresa contratada como parte de um relatório ambiental simplificado, ilustra como estes fatos supracitados estão articulados.

A pesquisa de campo identifica que recentemente, no Setor Leste, cria-se um complexo de lazer às margens do Lago existente. Este local conta com atividades recreativas para faixas etárias diferentes, piscinas, espaço para eventos, pousada, restaurante e bar. Em suas imediações estão sendo comercializados lotes para o uso residencial, no entanto, a área apresenta-se ainda pouco adensada. Esta característica pode estar atribuída ao curto período passado desde o lançamento das vendas. Entende-se que a instalação de outras formas de ocupação do uso do solo e equipamentos urbanos, nas áreas do entorno, poderão ocorrer, atraídas em função do avanço no desenvolvimento de todas estas atividades até aqui apresentadas. A ampliação da quantidade de indústrias que a área provavelmente irá comportar será um dos fatores mais atrativos. A distribuição de rede elétrica e de água potável que vem sendo instalada também poderá ser um fator condicionante para contribuir para o adensamento populacional deste eixo. Com a pressão do mercado imobiliário, a legislação futuramente poderá possibilitar a diminuição da área rural do município devido as novas instalações no entorno.
Conforme pode ser observado na figura 6, as possibilidades de crescimento urbano para o Vetor Leste são demasiadas devido aos usos implantados e descritos anteriormente. Desta forma, o contexto urbano tende a ocupar num curto ou médio prazo as áreas de vizinhança do patrimônio ambiental urbano, que até o momento não foram devidamente regulamentadas e incluídas no processo de ordenamento territorial da cidade, conforme identificado na pesquisa de campo.

A pesquisa de campo, nos arquivos da Câmara Municipal de Teixeira de Freitas, verificou a desconsideração deste trecho de expansão da cidade na Lei de Zoneamento mais recente. Nota-se que o zoneamento atual contempla apenas um pequeno trecho do Setor Leste, definido como área de proteção ambiental pela Lei complementar no 371/2005. A pesquisa de campo mostrou que após a criação do Programa de Desenvolvimento Econômico de Teixeira de Freitas (PRODETEF), criado por meio da Lei no 548/2010, que possui o objetivo principal de “fomentar o desenvolvimento econômico do município por meio de ações voltadas ao comércio, indústrias e prestação de serviços”, a lei de zoneamento é novamente alterada. Este fato, ocorre no ano seguinte após a aprovação do PRODETEF. A área que sofre uma mudança de uso repentina foi o setor leste: de Área de Proteção Ambiental caracterizada por ser non aedificandi, passou a ser classificada como Zona Setorial, onde foram permitidas a construção de edificações de pequeno, médio e grande comércio; pequeno, médio e grande serviço e pequena, média indústria leve e pesada em lotes não lindeiros e fora da faixa de proteção da rodovia descrita pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER).
A análise dos resultados da pesquisa de campo evidencia uma forma de conflito socioambiental, onde o interesse econômico se sobrepõe às questões ambientais. A pesquisa evidencia ainda que, se o município valorizasse o seu patrimônio ambiental urbano e a preservação da sua memória, ou tampouco tivesse investigado outras áreas da cidade, mais propícias para desenvolvimento destes setores, provavelmente este tipo de mudança no zoneamento não teria ocorrido. Acredita-se que o desenvolvimento econômico poderia ter sido propiciado sem necessariamente prejudicar estas outras esferas.
Outro aspecto relevante ao debate, evidenciado pela pesquisa nos arquivos, refere-se às políticas de desenvolvimento local instituída pelo município. A Constituição Federal de 1988 estabelece que os municípios poderiam adotar suas próprias políticas de desenvolvimento local desde que em consonância com a legislação estadual e federal. Para tanto, os artigos 182 e 183 são regulamentados pelo Estatuto da Cidade no ano de 2001, frente “aos reclames de ordem pública, interesse social, bem-estar dos cidadãos e equilíbrio ambiental, estabelecendo normas gerais para a política de desenvolvimento urbano’’ (Santin & Maragon, 2008). Este, quando bem aplicado à realidade local, pode contribuir para o aprimoramento da administração municipal e, consequentemente, para a proteção patrimonial. Entretanto, Teixeira de Freitas, assim como grande parte das cidades brasileiras, se referencia em modelos que adotam critérios de densidade e infraestrutura e negligenciam as questões sociais e culturais que caracterizam o seu patrimônio. Outra realidade comum está relacionada aos Planos Diretores, por enquadrarem os instrumentos de forma genérica, apenas repetindo o disposto no Estatuto e, portanto, não se adequando à realidade local do município. Observa-se também, uma dissociação entre o planejamento urbano e as políticas de proteção do patrimônio ambiental urbano que, segundo Castriota (2009), são uma responsabilidade da gestão municipal. Assim, pode-se considerar que essa competência não se refere apenas a inclusão da norma de proteção na legislação municipal, mas na execução de medidas e/ou diretrizes nesse sentido.
Por fim, a pesquisa de campo evidencia a possibilidade de medidas que mitiguem prováveis impactos urbanos que possam vir a degradar o sítio histórico e o arqueológico, bem como possam descaracterizar a região do entorno do seu patrimônio, assim como as áreas remanescentes de Mata Atlântica. Deste modo, ocorrências como a destruição de parte do sítio arqueológico, causado pela implantação da rodovia BA-290 no início dos anos noventa, teriam sido prevenidas. A pesquisa mostra que a forma como vem sida praticada a preservação, onde o poder público atua como espectador em meio a demolição de conjuntos significativos poderia ter sido evitada.
A origem desta reflexão parte da observação da postura da gestão municipal de Teixeira Freitas diante do seu patrimônio ambiental urbano nos últimos anos. A hipótese da falta de mecanismos de gestão e controle do desenvolvimento urbano aliado às práticas preservacionistas no processo de dispersão urbana implementado pelo município despertou o interesse de pesquisa e conduziu a investigação.
Mediante os fatos apresentados nesta pesquisa, verifica-se que na prática não ocorre a articulação da preservação do patrimônio ambiental urbano com as demais medidas implantadas no entorno do sítio histórico da Fazenda Cascata, ou seja, não verifica-se a interação com o desenvolvimento econômico e medidas que busquem assegurar tanto a qualidade de vida dos seus moradores, quanto a proteção do meio ambiente natural e cultural.
Para as cidades de pequeno e médio porte que possuem em seu contexto urbano imóveis ou sítios históricos com interesse de preservação, o desafio da salvaguarda é ainda maior, sobretudo quando esses bens não são alvos dos órgãos internacionais que promovem a patrimonialização ou de áreas que não são exploradas turisticamente. Nesses casos, consolida-se o desafio para definir outras estratégias de preservação que busquem conciliar o “patrimônio, a memória e o porvir” (Souza, 2019).
A elaboração de um Plano Diretor que possibilite a aplicabilidade de suas diretrizes de forma explícita, contemplando a sua real situação é uma possibilidade. O atual Plano Diretor do Município de Teixeira Freitas, elaborado no ano de 2003, poderia ser revisado, visto que ele possui uma articulação de forma genérica, produzido como cópia dos apontamentos do Estatuto da Cidade. Destaca-se, assim, a possibilidade de articulação com a realidade atual do município, de modo a criar uma nova proposta de zoneamento harmônico, de modo mais inclusivo, que considere também os aspectos naturais, arqueológicos, culturais e paisagísticos. O atual plano contribui para esta lógica de risco dessas áreas mais vulnerabilizadas diante da lógica desenvolvimentista vigente. Poderia ser interessante expandir a visão setorial para uma visão compreensiva que envolva os sistemas de planejamento e de meio ambiente para a construção de uma sociedade mais equânime, analisando os impactos que podem ser gerados a partir de pontos de vista distintos, viabilizando assim, o cumprimento da função social da cidade para o benefício de toda a população. Quanto a isto, Sachs (2008) aponta que o progresso somente pode ser considerado exitoso quando o desenvolvimento econômico e social caminham juntos, considerando assim a qualidade de vida para todos.
É desejável que o patrimônio se integre a dinâmica urbana de uma forma planejada e sustentável, de modo a evitar que tais áreas vulneráveis sejam danificadas pela urbanização dispersa. Além disto, destaca-se que este modelo de urbanização acentua as assimetrias nas distribuições de infraestrutura e fortalece problemas relacionados a desigualdade social no território. Para ordenar o desenvolvimento local da cidade de Teixeira de Freitas, além de serem considerados os aspectos supracitados, a gestão poderia avaliar quais áreas se encontram compatíveis com o projeto de expansão, visando questões como infraestrutura, mobilidade, além das implantações das atividades dedicadas aos serviços e comércios, sem necessariamente ter que modificar negativamente os locais com relevância histórica e ambiental. Estes últimos possuem a possibilidade de serem novamente analisados para que houvesse legalmente um perímetro de proteção adequado com a regulamentação do governo.
É importante também citar que com o predomínio do desenvolvimento das funções das atividades de agropecuária e, principalmente do cultivo de eucalipto, as áreas do Setor Leste se encontram vulneráveis a sofrerem alterações significativas que podem contribuir para a destruição do sítio arqueológico que, até o momento, não se encontra protegido por lei. Destaca-se a importância da articulação das ações preservacionistas com as demais medidas implantadas no entorno do sítio histórico do município, a fim de conciliar o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida para a proteção do meio ambiente natural e cultural.
É recomendável que se estabeleça alguns indicadores de natureza qualitativa e quantitativa que permitam avaliar a contribuição do entorno para o significado da área caracterizada como bem cultural. O desenvolvimento do entorno da área considerada patrimônio poderia contribuir para uma interpretação positiva de seu significado e de seu caráter peculiar. As volumetrias, os panoramas e as distâncias adequadas, entre qualquer novo projeto público ou privado e as edificações, os sítios e as áreas do patrimônio são fatores importantes a serem considerados para evitar distorções visuais e espaciais ou usos que possam causar algum impacto ou dano em um entorno repleto de significados. A transformação rápida e progressiva do patrimônio ambiental urbano, as formas de vida, os fatores econômicos ou o meio ambiente natural podem afetar de forma substancial ou irreversível a verdadeira contribuição do entorno para o significado de uma edificação, um sítio ou uma área de valor patrimonial (Castriota, 2009).
Para salvaguardar a ambiência e o conjunto dos bens, não basta o tombamento feito de forma isolada. A ambiência e a identidade da localidade deve ser analisada com cautela, objetivando que as gerações posteriores possam também contemplar a totalidade destes exemplares que contribuíram para a consolidação do seu povoado. Entretanto, de nada adianta o ordenamento jurídico proclamar a necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural, paisagístico, artístico e urbano, se não forem adotados mecanismos para concretizar esta ação. Assim, ao município, destaca-se a possibilidade de incentivar a salvaguarda dos bens por meio do estímulo às ações educativas, políticas de incentivo à conservação e manutenção dos bens, insenção de impostos, dentre outras ações. Considera-se que, desta forma, possa contribuir para o cumprimento de uma das principais premissas do desenvolvimento sustentável, onde se concilia a promoção do desenvolvimento local sem subtrair os direitos das gerações futuras. E, sobretudo, preservar o patrimônio legitimado pela sua população e contribuir para a perpetuação da memória teixerense.
Nas análises supracitadas, observa-se a prevalência dos interesses do Estado em parceria com os setores privados, pactuados de forma estratégica para valorar a reprodução do capital e a produção de um espaço homogêneo, fragmentado e hierarquizado, no qual prevalecem interesses externos em relação aos do lugar. Isso ocasiona perdas significativas nas relações identitárias devido a alteração dos referenciais urbanos que embasam a vida cotidiana. Em consonância com Oliveira (2016, p. 183), a gestão patrimonial poderia preconizar “o direito à cidade num sentido amplo, incluindo-se o direito à vida urbana e à possibilidade de construção das memórias coletivas, sem rompimentos traumáticos com os elos sociais conquistados’’.





