Artigos

Os deslocamentos do patrimônio: a heterotopia do Beijo Eterno

Los desplazamientos del patrimonio: la heterotopía del Beijo Eterno

The displacements of heritage: the heterotopia of the Beijo Eterno

Rodrigo Valverde
Universidade de São Paulo, Brasil

Os deslocamentos do patrimônio: a heterotopia do Beijo Eterno

PatryTer, vol. 5, núm. 10, pp. 153-166, 2022

Universidade de Brasília

Informamos que a Revista Patryter está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR Autores que publicam na Revista PatryTer concordam com os seguintes termos: - Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, sendo o trabalho simultaneamente licenciado sob a Creative Commons Attribution License o que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria do trabalho e publicação inicial nesta revista. - A contribuição é original e inédita, não está sendo avaliada para publicação por outra revista. Quando da submissão do artigo, os(as) autores(as) devem anexar como documento suplementar uma Carta dirigida ao Editor da PatryTer, indicando os méritos acadêmicos do trabalho submetido [relevância, originalidade e origem do artigo, ou seja, oriundo de que tipo de investigação]. Essa carta deve ser assinada por todos(as) os(as) autores(as). - Autores cedem os direitos de autor do trabalho que ora apresentam à apreciação do Conselho Editorial da Revista PatryTer, que poderá veicular o artigo na Revista PatryTer e em bases de dados públicas e privadas, no Brasil e no exterior. - Autores declaram que são integralmente responsáveis pela totalidade do conteúdo da contribuição que ora submetem ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores declaram que não há conflito de interesse que possa interferir na imparcialidade dos trabalhos científico apresentados ao Conselho Editorial da Revista PatryTer. - Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não- exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista. Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado

Recepción: 01 Diciembre 2021

Aprobación: 01 Marzo 2022

Publicación: 01 Septiembre 2022

Resumo: O que acontece quando um monumento é deslocado? Este artigo investiga as polêmicas sobre a localização da escultura Beijo Eterno, de William Zadig. Criada por demanda da Liga Nacionalista de São Paulo como uma homenagem a Olavo Bilac, esta escultura era inspirada na sua poesia. Porém, entre 1922 e 1966, as esculturas do Monumento a Olavo Bilac foram reposicionadas na cidade: o Beijo Eterno foi colocado na Av. Paulista, nos bairros de Cambuci e Pinheiros, na Av. Nove de Julho e em depósitos públicos até finalmente ser instalado no Largo de São Francisco. O desconforto envolvia elementos políticos, morais e religiosos, tornando passível de uma análise pela noção de heterotopia de Foucault. As fontes deste artigo são os seguintes periódicos: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e A Gazeta.

Palavras-chave: Beijo Eterno, São Paulo, heterotopia, monumento, espaço público.

Resumen: ¿Qué sucede cuando se mueve un monumento? Este artículo investiga las controversias sobre la ubicación de la escultura Beijo Eterno, de William Zadig. Creada a pedido por la Liga Nacionalista de São Paulo como homenaje a Olavo Bilac, esta escultura fue inspirada en su poesía. Sin embargo, entre 1922 y 1966, las esculturas del Monumento a Olavo Bilac fueron reposicionadas en la ciudad: el Beijo Eterno fue colocado en Av. Paulista, en los barrios de Cambuci y Pinheiros, en Av. Nove de Julho y en almacenes públicos hasta su instalación definitiva en Largo de São Francisco. El malestar involucró elementos políticos, morales y religiosos, haciéndola sujeta a análisis por la noción de heterotopía de Foucault. Las fuentes de este artículo son las siguientes publicaciones periódicas: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo y A Gazeta.

Palabras clave: Beijo Eterno, São Paulo, heterotopía, monumento, espacio público.

Abstract: What happens when a monument is moved? This article investigates the controversies about the location of the sculpture Beijo Eterno, by William Zadig. Created on demand by the Liga Nacionalista de São Paulo as a tribute to Olavo Bilac, this sculpture was part of a monument inspired by his poetry. However, between 1922 and 1966, the sculptures of the Monument to Olavo Bilac were repositioned in the city: the Beijo Eterno was placed on Av. Paulista, in the neighborhoods of Cambuci and Pinheiros, on Av. Nove de Julho and in public warehouses until it was finally installed in the Largo de São Francisco. The discomfort involved political, moral and religious elements, making it subject to analysis by Foucault’s notion of heterotopia. The sources are the following periodicals: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo and A Gazeta.

Keywords: Beijo Eterno, São Paulo, heterotopia, monument, public space.

1. Introdução

Os monumentos são confundidos com fenômenos imutáveis ou indiferentes dentro da vida pública do século XXI. O peso real e simbólico de sua materialidade é naturalizado como parte da cidade. Em meio ao ritmo acelerado da vida cotidiana, tais monumentos são majoritariamente entendidos como formas de um passado esquecido. Neste processo, se perdem o registro dos conflitos para a sua instalação e recebimento e uma parte dos próprios vínculos dos cidadãos com a cidade. Tomamos como ponto de partida deste artigo um corte temporal no qual os monumentos eram matérias polêmicas, verdadeiros polos da vida política, e não apenas como pontos de referência para o deslocamento.

Construir monumentos em São Paulo envolvia debate público entre diferentes agentes. A cidade recebia um conjunto de projetos monumentais na primeira metade do século XX. A velocidade da urbanização e a expansão da mancha urbana deveriam ser compensadas por uma estratégia de memória que fomentasse a coesão social. O Monumento às Bandeiras e o Monumento a Olavo Bilac surgiram como projetos na cidade de São Paulo que procurava ainda responder às questões de fundo do período: o centenário da independência do Brasil, a participação brasileira nas guerras mundiais, a construção da nacionalidade brasileira, a instabilidade da Primeira República (1889-1930), a diversidade étnica e econômica.

A escolha de investigar os movimentos da escultura Beijo Eterno, fragmento do Monumento a Olavo Bilac que foi desmontado em 1935, confere luz as interseções entre arte, política e moral na cidade de São Paulo (figura 1). Estabelecemos como período de análise o intervalo entre 1918 (morte de Bilac e início das homenagens) e 1966 (quando da instalação do Beijo Eterno no Largo de São Francisco, localização onde se encontra até os dias de hoje). Esta janela temporal nos permite analisar os momentos nos quais o Monumento a Olavo Bilac (ou suas esculturas desmembradas) causavam grandes comoções públicas, de amor ou de ódio. Quem o havia feito, que cena ilustrava, o quão precisamente representava São Paulo, quem se beneficiava dele eram tópicos válidos.

Diferentes elementos se combinavam nas reações ao Beijo Eterno: xenofobia, racismo, posicionamento político, julgamentos estéticos exacerbados, moralismo religioso, entre outros. Porém, tais reações se mostravam sempre deslocadas de seus habituais suportes de difusão. A escultura Beijo Eterno se tornou portadora de uma área de influência, de um espaço de manifestação de descontentamentos variados, vivenciada pela necessidade de redução do status social de outros grupos. Pretendemos observar como essas reações se construíam por e pelo espaço no contexto da cidade de São Paulo, com variações que aconteciam de acordo com os locais de sua instalação.

As nuances da sociabilidade ligada ao espaço apresentaram interesse secundário dentro da Geografia. Ciosa das grandes escalas geográficas e dos poderes que as dominavam, os movimentos físicos e simbólicos do cotidiano lhe pareciam epifenômenos, classificados como erráticos, banais e/ou reflexivos da estrutura. Quando, finalmente, a Geografia começou a demonstrar algum interesse, privilegiávamos uma perspectiva romântica na qual o cotidiano era olhado como manifestação homogênea de tradições que haviam sobrevivido à modernidade. Estas formas de estudo geográfico descartavam territorialidades modernas, que viriam a ganhar maior visibilidade nos últimos anos do século XX. Nesta última forma, as tentativas de influenciar outros por intermédio de uma estratégia espacial se ligavam ao mundo de modo posicional em relação aos objetos, sem necessariamente entendê-los.

Porém, o que acontecia quando este espaço vivido para além de uma harmônica tradição, da simples funcionalidade do planejamento ou da sua resistência, concentrava múltiplos valores associados ao descontentamento, aos usos, ao ponto que isto tornasse mais difícil a implementação de uma política? Sugerimos aqui que existem monumentos mais “difíceis”, verdadeiros suportes para diferentes registros de memória, várias deles agressivos uns sobre os outros, disparadores de usos conflituosos do espaço. Para lidar com estes monumentos contestados, sugerimos a noção de heterotopia tal qual esta foi apresentada por Foucault. O autor sugeria a necessidade de lidar com uma espacialidade incomum, repleta de ritmos, movimentos e “dessacralizações” que destoavam do modo pelo qual o espaço seria concebido: “os que me interessam entre todos os lugares são aqueles que possuem a curiosa propriedade de estar em relação com todos os outros lugares, mas de um modo tal que eles suspendem, neutralizam ou invertem o conjunto de relações que se acham designados e refletidos” (Foucault, 2001, p. 1574).

A escultura Beijo Eterno no Largo do São Francisco, São Paulo
Figura 1
A escultura Beijo Eterno no Largo do São Francisco, São Paulo

Esta imagem é de uso comum regulado pela licença internacional Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0, com uso livre não-comercial

Isabella T. (2017).

Os conflitos de uma heterotopia não poderiam ser rapidamente resolvidos por um ato político projetado em novo desenho urbano. Seja pela dificuldade em defini-la, seja pela necessidade da sua expressão, este “espaço outro” se organiza para além do controle exclusivo a uma identidade ou classe socioeconômica. É nesse sentido que Foucault argumentava pela “erosão de nossa vida, de nosso tempo e de nossa história, esse espaço que nos corrói e nos marca é também um espaço heterogêneo” (Foucault, 2001, p. 1573). A necessidade que animaria a heterotopia seria obrigatoriamente desconfortável, inclusive para aqueles que participavam dela, ainda que exprimisse um fenômeno visível e interessante da vida cotidiana. Por isso, a heterotopia, espaço real, afetaria a própria estrutura do discurso:

As heterotopias geram inquietação (...) porque elas minam secretamente a linguagem, porque elas impedem a nomeação disto ou daquilo, porque elas quebram os nomes comuns ou os misturam desordenadamente, porque elas arruínam antes de tudo a ‘sintaxe’, e não apenas aquela que constrói as frases — mas sim aquela (...) que ‘mantém em conjunto’ (...) as palavras e as coisas (Foucault, 2016, p. 9).

A escultura Beijo Eterno cumpriu, durante o período especificado, o papel de uma heterotopia dentro da cidade de São Paulo, no qual, para além da ideologia do planejamento, promovia a manifestação dos desconfortos. Para ilustrá-la, usaremos dois tipos de fonte. A primeira se refere a um levantamento de notícias de jornal da época (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e A Gazeta). Cada um destes canais midiáticos participava ativamente do jogo competitivo pelo entendimento e influência sobre o Beijo Eterno, pois estavam ligados a classes e partidos políticos. A segunda fonte se organiza pela revisão jurídico-administrativa encontrada nas plataformas Imprensa Oficial e Jusbrasil, que apresentam polêmicas e decisões acerca da escultura nos arquivos públicos.

Mais precisamente, veremos os discursos promovidos em momentos da sua instalação ou desmonte em diferentes partes da cidade, tomando como referência as datas de seus movimentos: 1922, 1935, 1956 e 1966, respectivamente colocada na Av. Paulista, no Depósito Municipal do Canindé, no bairro do Cambuci, na Av. Nove de Julho e no Largo do São Francisco (figura 2). As bases destes movimentos no tempo e no espaço nos levam a entender sucessivos movimentos de desconforto e apaziguamento, que só findaram com a ditadura militar e com o próprio esvaziamento do sentido do monumento diante do projeto de formação da nacionalidade brasileira (e da identidade paulistana em paralelo).

Definimos o seguinte conjunto de etapas para este projeto. Primeiro, iniciamos com uma adaptação da noção de heterotopia às questões dos espaços públicos e, em particular, dos monumentos. Em segundo lugar, apresentamos o quadro de formação da heterotopia do Beijo Eterno, entre 1919 e 1935, no qual diferentes elementos dos usos e interpretações da escultura sugeriam um recorrente desconforto. Terceiro, convidamos a uma análise mais demorada do período entre 1955 e 1966[i], no qual a escultura Beijo Eterno foi realocada 4 vezes a partir de aspectos ligados à moralidade.

2. Heterotopia, monumento e espaço público

O período histórico da Modernidade (ou Contemporaneidade) costuma ter uma série de características elencadas em seu zeitgeist: ao tomar como marco a transição de monarquias absolutistas para o Estado-Nação, tal período costuma ser vinculado à ampliação conflituosa da política a partir da ascensão da burguesia e de plebeus. Para lidar com os conflitos, todo um aparelho de Estado começava a ser desenvolvido, fundado em um discurso que assumia a forma científica como base e a busca da estabilidade como meta. A Modernidade também costuma ser lembrada pelo novo ritmo e escala na capacidade de transformação das matérias-primas (industrialização), assim como pela tendência crescente de concentração populacional em áreas urbanas. Manter a racionalidade econômica do processo produtivo e a impessoalidade e continuidade da estrutura política do Estado-Nação passaram a se constituir na razão de ser do período. Em plano cultural, isso significa que o espaço social dos indivíduos se apresentava potencialmente mais diverso de origens, classes e, por isso, mais afeito a conflitos. Se as tradições eram foco de desconfianças por parte do aparelho do Estado, seria preciso criar laços de coesão que mantivessem o funcionamento da sociedade.

Localizações da escultura “Beijo Eterno” na cidade de São Paulo (1922-1966)
Figura 2
Localizações da escultura “Beijo Eterno” na cidade de São Paulo (1922-1966)
Elaboração própria, com auxílio de Eliseu Teixeira Neto (2022).

A formação de uma nacionalidade passa a ser tarefa a ser produzida e controlada por um aparelho estatal. Aos olhos da mentalidade do século XIX e do início do século XX, uma das estratégias mais eficazes para manter a estabilidade do projeto da Modernidade seria promover uma homogeneização em plano cultural, por intermédio do Estado. A ideia de nação perdia, então, o seu caráter transgressor e passava a responder diretamente aos objetivos da ordem pública. Tratava-se naquele momento de produzir continuamente a homogeneidade cultural através de escolas, festas cívicas, universidades, patrimônio cultural, heróis, língua única oficial, entre várias outras instituições. Reduzia-se a dependência das formas tradicionais da construção de unidade e identidade, através das instituições religiosas ou dos laços identitários regionais. É neste momento em que o ensino público se difunde, se torna obrigatório, e que a memória passa a ser criada por uma instituição pública. Os monumentos se tornaram elementos-chave neste processo: seria preciso eleger personagens, narrativas, lugares e objetos que evocassem o nosso laço de união; ainda mais importante, esses novos símbolos de unidade deveriam ser materiais, ou seja, deveriam ser vistos e vivenciados (Choay, 2001). Aquilo que “traríamos a memória” seria, portanto, fruto de uma estratégia.

É neste período que o monumento volta a cumprir uma função, com a cooptação de uma série de símbolos nacionais para a contenção das insurgências. Tais monumentos carregavam a expectativa de uma emoção compartilhada por parte dos indivíduos distintos. Breve, os símbolos da nação eram colocados a serviço do Estado, a partir de uma filtragem e manipulação, para gerar a coesão e estabilidade do projeto da Modernidade. Mais do que uma coleção aleatória de objetos, os monumentos são integrados a projetos políticos e ao planejamento urbano, em um sistema de símbolos materializados. O final do século XIX, em particular, trazia grandes intervenções urbanas, com abertura de avenidas, demolição de morros, casarões e cortiços, retificações e canalizações de rios, aterros, transportes públicos e divisões funcionais para as cidades. Os monumentos eram vistos pelo Estado como partes decisivas deste processo e não como “desafios técnicos”, “custos elevados” ou “barreiras inúteis”.

Porém, nem todos os monumentos foram aceitos pelo público. O mais ilustrativo caso talvez seja encontrado na escultura Monumento a Balzac, feita por Auguste Rodin em homenagem ao escritor Honoré de Balzac a partir de demanda da Societé de Gens de Lettres. O mergulho no caráter provocativo da obra do escritor levou Auguste Rodin a romper com o classicismo de suas obras mais famosas, tornando a escultura polêmica pelo vanguardismo. O Monumento a Balzac vira matéria de debates públicos em Paris: questionava-se a sua localização, se deveria ser pago pela referida sociedade que o contratou, se deveria ser parte da Exposição Universal de Paris ou não, associado à infindável polêmica do Caso Dreyfuss (sobre espionagem e traição dentro do Exército francês), atacado por católicos e conservadores. O recolhimento da obra aos limites da propriedade de Rodin só seria revertido em 1939. Questionava-se como um personagem ambíguo da afirmação republicana francesa (Honoré de Balzac) seria patrimonializado, assim como o modo pelo qual ele estaria ligado às forças opostas que desenvolviam suas ações anos após a morte do escritor (dreyfusards ou antidreyfusards, ou republicanos e conservadores). As próprias imagens e memórias da França e de Paris pareciam estar em jogo, para além das intenções de Rodin e de Balzac.

As falhas da amortização, coesão e institucionalização que a mensagem de um monumento poderia passar eram reveladoras da existência de forças antagônicas existentes dentro de uma sociedade e que estas buscavam, e as vezes necessitavam, de uma maior visibilidade. Porém, a expectativa era a de que os ajustes no seu ordenamento pudessem rapidamente retomar o caráter homogeneizante e funcional dos espaços públicos. Se os espaços públicos não conseguissem estabelecer, pelo planejamento, racionalidade e simbolismo, um princípio de ordem e coesão, apesar de todos os investimentos do Estado, apresentava-se um espaço como marginal aos seus princípios. Sugerimos que essas “badlands” da Modernidade já foram comumente lembradas quando falamos de áreas fechadas (bordel, manicômio, lojas maçônicas, sociedades secretas, casernas militares etc.), e associadas à ideia de heterotopia (Hetherington, 1997). Sugeriam esses autores que, nestes ambientes fechados, era possível que diferentes comportamentos, ideias, sentimentos e forças poderiam encontrar guarida, a despeito do seu caráter ilegal, irregular e/ou imoral diante da sociedade. Diriam os autores que dentro destes muros se encontravam as condições para que certas identidades, valores e ações se desconstruíssem e reorganizassem; tais “espaços outros” apontariam não apenas para algo restrito aqueles que ali se encontravam, mas sinalizavam um eixo de fraqueza para a sociedade e seu tempo como um todo. Acrescentamos, porém, que estas “aberturas e fechamentos” (Foucault, 2001) que indicavam um conjunto de relações distinto do oficial a partir do saciamento momentâneo de uma necessidade eram encontrados não apenas em áreas fechadas. De fato, Foucault argumentou que, em alguns casos, a heterotopia poderia ser encontrada igualmente em áreas abertas, como feiras ou cemitérios.

A pergunta que persistia era a de que, em certos espaços públicos, regidos e visíveis pelas leis, se consolidavam formas e comportamentos marginais. Isto seria possível pela desvalorização de uma área diante do mercado imobiliário, pela impossibilidade da onipresença das forças e instituições disciplinarizadoras do Estado e por uma subjetividade individual que não poderia ser perfeitamente controlada. Assim, algumas localizações abertas escapariam da capacidade do controle do Estado e, pelos usos sociais que se consolidariam, sinalizariam publicamente a desconstrução simbólica da sociedade. Estas heterotopias seriam ainda multiplicadas pelas acusações de autoritarismo por parte do Estado, contenções orçamentárias, questionamento da identidade nacional e pelo reencantamento do mundo, colocando um conjunto de necessidades não-institucionalizadas como matérias de discussões. Assim, as heterotopias pareceriam afeitas aos limites de um ordenamento da publicidade típicos de países em desenvolvimento, no qual a efetividade do período da Modernidade não é a mesma dos países desenvolvidos.

Neste ponto, encontramos o elemento-chave de nosso texto: a heterotopia que se desenvolve em um espaço público se aproveita da visibilidade e dos valores associados ao monumento como estratégia de manifestação de sua necessidade desviante (Valverde, 2019). Tal aproveitamento se dá de modo agressivo, transgressor, contando com a sua visibilidade (e não tentando escondê-la). A expectativa em plano simbólico é que as ações reverberem, cheguem ao conhecimento de outros, e que afetem outras partes do mundo. Não se trata, neste caso, de criar uma perfeita dominância sobre este espaço público, pois a fixação geraria codificação, construção de consenso, ação reguladora, policiamento etc. A apropriação temporária e os usos de símbolos ligados ao monumento permitiriam que os agentes que participam desta heterotopia limitassem os efeitos dos controles da ordem. Tais apropriações não são possíveis em todas as partes da cidade ou, pelo menos, não conferem o mesmo impacto quando projetadas alhures. Além disso, há claro aproveitamento e significação da materialidade, ainda que de forma invertida ou desviante. A heterotopia não se configura apenas como um conjunto de relações sociais a serem livremente dispostas e colocadas em qualquer parte do mundo: tal qual o próprio Michel Foucault colocou, a heterotopia é uma localização, é essencialmente espacial em sua expressão, e esta é a maior causa do desconforto que gera.

Certos monumentos, pelo vanguardismo do seu autor ou pela instabilidade da formação social, acabavam “trazendo a memória” algo diferente do previsto. Ao invés de estimular a unidade, sugeriam de algum modo a divisão dentro da sociedade; ao contrário de incluir novas classes em um projeto comum, colocava-as em oposição; simbolizavam continuamente o conflito que o Estado pretendia amortizar. Em soma, tais monumentos malditos começam a atrair outros descontentamentos, de outras ordens, para além das suas intenções estéticas originais. Não se trata então de um jogo a partir da simples subjetividade do autor e da ordem pública em geral, mas envolveria outros agentes, que conferem nova complexidade ao “reviver o passado” que o monumento sugeriria. O fato então que um monumento se torne uma heterotopia manifestava clivagens e fraquezas dentro do projeto da Modernidade, assim como uma situação de não-dominância.

3. As desordens do Beijo Eterno: uma heterotopia diante da Avenida Paulista, 1919-1935

Olavo Bilac não era qualquer poeta e sua presença era frequente na vida pública brasileira. A reputada Revista Fon Fon o classificou como “o príncipe” da poesia brasileira e já havia sido alvo de polêmicas para além da literatura. As críticas ao decreto do estado de sítio durante o governo do Presidente Floriano Peixoto (1891-1894) o levaram a cadeia e suas contribuições como jornalista e como imortal da Academia Brasileira de Letras mostravam mais verve do que sua produção lírica parnasiana. A linguagem ao mesmo tempo clássica e acessível o tornava onipresente na vida social do início do século. Citá-lo em jornais e discursos políticos era algo comum. Mesmo antes de sua morte, Bilac já recebia homenagens e garantia a perpetuação do seu nome pela patrimonialização: escolas, clubes de várzea, grupos escoteiros, instituições militares, ruas, praças e estátuas. Bilac não pode ser ignorado ao analisar as confluências entre arte, política e espaço na primeira metade do século XX. A construção de um monumento dependeu de uma cotização das despesas, de chamadas à bailes, leilões e de uma ampla gama de participantes para que a sua inauguração coincidisse com o centenário da independência brasileira.

A escultura o Beijo Eterno foi criada como parte do Monumento a Olavo Bilac, entre 1919 e 1922, realizada pelo sueco William Zadig. Tal Monumento partiu da demanda estabelecida pelo Centro Acadêmico “XI de Agosto”, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e logo encampado pela Liga Nacionalista de São Paulo da qual o poeta fazia parte. A Liga Nacionalista foi acusada de participação na Revolta Paulista de 1924 e passou, nos anos seguintes, por um período de ilegalidade. Após 1927, a referida Liga retornou suas atividades, ainda em questionamento a deterioração do ambiente republicano e a ausência de espírito cívico. Bilac era frequentador da referida faculdade e agitador político, reconhecido pela defesa apaixonada do serviço militar obrigatório, da república, do voto secreto, da herança bandeirante e do amor à pátria. Júlio Mesquita Filho, Prudente de Moraes Neto, Abreu Sodré e Vergueiro Steidel se somavam a Bilac na procura de uma renovação do poder e de seus valores, então vinculados ao hegemônico Partido Republicano Paulista (PRP). De fato, o controle da oligarquia do café gerava insatisfações não apenas em líderes políticos de outras unidades federativas ou na cúpula das forças armadas, mas também se exprimiam entre os profissionais liberais paulistanos e seus canais midiáticos.

Mesmo tendo eleito 4 presidentes para 5 mandatos presidenciais e se constituindo na principal força política na República Velha (1889-1930), o PRP sofria com rivalidades e conflitos de classes até entre os seus quadros. O vínculo dos perrepistas com a Maçonaria e o apelo ao federalismo como conteúdo programático do Partido geravam tendências à fragmentação de sua influência sobre o território, além da regionalização da política. Os primórdios de uma industrialização ainda incipiente e pulverizada no território brasileiro multiplicavam os conflitos entre classes (oligarquias rurais, industriais, profissionais liberais, militares, operários) e unidades federativas (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais etc.). Nem os jornais que portavam a mensagem oficial do PRP (Correio Paulistano e A Província de São Paulo – O Estado de São Paulo do Brasil de hoje) conseguiam reduzir o volume de polêmicas. A República Velha se apresentou como um período de insurgências, revoltas, bombardeios, greves, entre outros focos de instabilidade. Novos movimentos surgiam, como o Partido Democrático e as ligas nacionalistas; canais midiáticos como a Folha da Manhã (Folha da São Paulo de hoje) e A Gazeta carregavam mensagens distintas dos aparelhos da República Velha. Carecia o Brasil de símbolos e poderes federadores (ao invés de federalistas).

Nesse sentido, as comemorações do centenário da independência do Brasil em 1922 se mostravam urgentes a um quadro de fragmentação territorial observada no Brasil. O PRP as observava como parte de um processo de afirmação da liderança de São Paulo; para os seus defensores, toda uma nova simbologia deveria surgir para exprimir esta liderança e reduzir os problemas do regionalismo. Não à toa, o apelo ao bandeirantismo como uma ideologia (e nem tanto como um fato histórico) se constituía em uma importante chave para a afirmação paulista. Tomava-se a inspiração nos contratos de procura de metais preciosos, de extermínio indígena, de captura de escravos fugidos e de busca de entradas no planalto brasileiro como características de uma identidade paulista que teriam configurado o Brasil como país independente e que conduziriam o país ao progresso no século XX. Tais registros retirados dos séculos XVI-XVIII, sem preocupação em destacar o caráter violento, marginal e localista dos próprios bandeirantes, ganhavam então ares de projeto nacionalista. Um esforço de patrimonialização vinha sendo conduzido: tanto o Monumento às Bandeiras quanto o Monumento à Independência dialogavam com o espírito deste tempo.

Surgido neste mesmo momento dos Monumentos às Bandeiras e à Independência, o Monumento a Olavo Bilac se movia pela disputa das mesmas forças, mas animado por outros agentes em seu ato fundador. O Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito, e a Liga Nacionalista de São Paulo se mostravam críticos. O envolvimento da imagem de Olavo Bilac dentro deste projeto monumental dotava a ação de popularidade junto à juventude e às casernas militares. A sugestão de um espírito cívico-militar renovador da república feita por Bilac em sua campanha de 1915-1916 se mostrava um discurso impactante. Ainda que não fosse revolucionária, a proposição gerava desconfortos entre a oligarquia perrepista instalada no poder federal. A imagem de Bilac não poderia ser simplesmente ignorada. Assim, o projeto de uma homenagem na cidade de São Paulo e conduzida por grupos rivais ao centro do PRP foi tolerado em suas fases iniciais, inclusive com visibilidade conferida nos canais midiáticos:

A idéa levantada pelo Centro Acadêmico ‘Onze de Agosto’, de se erigir em S. Paulo, um monumento a Olavo Bilac, suscitou desde logo, no seio da nossa sociedade – onde a memoria do grande poeta viverá indefinidamente – o mais vivo, mais espontaneo, mais justo enthusiasmo. A esta cidade veiu ele, tantas vezes, trazer a magia de sua palavra, já recitando, já discursando, em inesquecíveis horas de arte; e nesta cidade lançou elle a primeira semente dessa seara belíssima do renascimento nacional, que os seus posteros irão colher. (...) vae ser erigido a Bilac um monumento digno da grandiosidade de sua obra – e a sociedade paulistana tem, mais uma vez, oportunidade de manifestar o affecto e a admiração que vota ao poeta e ao patriota (O Estado de São Paulo, 1919, junho 27, p. 3).

Media-se, a época, a capacidade de internalizar a homenagem a Bilac e o impacto que o grupo dissonante poderia ter na sociedade. A fase de provas e maquetes do projeto realizado por Zadig transcorreu sem sobressaltos, com anuência dos jornais da época, a despeito do curto prazo entre 1919 e 1922. Os eventos (bailes, leilões, bazares etc.) para angariar recursos eram noticiados na Gazeta, na Folha da Manhã e no Estado de São Paulo, sem comentários adicionais. Fotos ilustravam as reportagens, conferindo conhecimento ao desenvolvimento do projeto para além da maquete. Em análise às provas de Zadig, o Estado de São Paulo detalhava que: “A concepção geral é bella e naturalmente ganhará ainda com inevitáveis modificações (...). Desde já se destacam como dois grupos esculpturaes de notavel belleza ‘O Beijo Eterno’ e o ‘Caçador de Esmeraldas’” (O Estado de São Paulo, 1919, julho 2, p. 3). Os jornais de 8 de setembro de 1922 registraram a popularidade do Monumento e o papel que cumpria nas comemorações:

Ficou na memória de todos como um complemento indispensável das cerimonias determinadas para a consagração da pátria que elle [Bilac] tanto amou (...). não obstante o curso lapso de tempo que entre [ilegível]e a comemoração offertada no Ipiranga (...) o trabalho do escultor Zadig a cidade attrahiu muita gente no recanto da aristocratica avenida em que ora se ergue. (...) tomando todo o trecho da avenida que vae do encontro da avenida Angelica ao ponto de cruzamento com a rua da Consolação. (...) entrega-o a população de S. Paulo, nas mãos de nosso governador, não para servir de enfeite, como obra de arte que é, senão para que se saiba em qualquer tempo se proclame que a sua gratidão procurou reflectir o alto merecimento do Poeta. (...) Uma verdadeira romaria se estabeleceu para o extremo da Avenida Paulista (....). A impressão geral publico é altamente favorável (O Estado de São Paulo, 1922, setembro 8, p. 2).

Porém, os elogios podem ser encontrados apenas até o dia seguinte da inauguração do Monumento. A partir de então, uma campanha detratora se consolidava na cidade de São Paulo, liderada pela A Gazeta de Cásper Líbero e em resposta a um suposto desconforto da população em geral. “Aleijão”, “Aborto”, “Trambolho” e sobretudo “Monstrengo” passaram a ser as palavras usadas para descrever o Monumento, em reportagens de primeira página, quase que diariamente, ao longo dos meses restantes de 1922 e esporadicamente até os anos 1930. Tais críticas envolviam nomes importantes da sociedade paulistana, como Monteiro Lobato e Menotti Del Vecchia e confundiam arte e política. A Gazeta assumia a liderança de uma crítica interna ao PRP, ainda que Líbero tenha sido um ferrenho defensor da hegemonia paulista. A escultura do Beijo Eterno ganhava destaque:

O beijo (...)é a palpitação máxima da carne (...). Cumpria, pois, ao artista satisfazer alli ao objectivo esculptorico, transplantando para o bronze a psychologia do beijo. Mas não ha (...) a mais leve demonstração animica. Além disso, a impressão que se tem é de que a mulher beija, e o homem, friamente, recebe o sello do amor. A figura do homem, com braços de athleta e pernas de adolescente, está em pasmosa desproporção com a da mulher, que não é mulher, é menina. (...). Analysemos, portanto, neste caracter a figura feminina daquelle grupo. Se lhe falarmos nas pernas, tão pouco esculpturaes; sem lhe referirmos o cabelo, que é positivamente o cabelo de uma bugre, typo que jamais podia ter influído nos amores do poeta; sem lhe mencionarmos o antebraço direito, impraticavelmente recurvo (...) sobre a cabeça de amante; sem lhe dizermos da deformidade anatomica do dorso (...) a forma daquelle tronco, que é inteiramente masculina. O corpo da mulher distingue-se (...) principalmente pelos ossos da bacia, sempre de maiores diâmetros horizontaes nella e verticaes nelle. (...) Este elemento de transformação e progressiva do feto e ao mesmo tempo de formosura e graça na mulher, diminue com a inferioridade da raça e aumenta com a superioridade dela (A Gazeta, 1922, dezembro 7, p. 1).

Os próceres da Liga Nacionalista passaram a evitar o tema, negar maior participação ou justificá-la pela incapacidade dos críticos em entender a arte. Vergueiro Steidel, por exemplo colocava que a Liga Nacionalista e ele mesmo não eram “responsaveis pelas primeiras ‘demarches’ relativas ao contracto com o esculptor Zadig (...), nenhuma ação havendo tido no caso senão de abril de 1921 para cá, a pedido do ‘Centro Onze de Agosto’, e isso mesmo só no que respeitou ao grangeio da quantia necessaria” (A Gazeta, 27/11/1922, p. 1). Cásper Líbero acusava Steidel de se misturar as “malhas de uma rede perigosa” e ameaçava: “deante da inercia dos poderes publicos, o povo vae cumprir o seu dever”. O próprio Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito, que animou a proposta, deixou de apoiar a manutenção do monumento após um tempo. Oscar de Vasconcellos Galvão, representante do Centro Acadêmico, convidava a todos a “virar a página”, e apoiar a ideia da refundação do bronze aventada pelos detratores:

O Monumento a Olavo Bilac, em certa occasião, esteve em foco (...). As mais sérias e fundadas accusações se fizeram ao ‘XI de Agosto’. Todas ellas, manda a justiça que se escreva, eram procedentes. Não cabe a Abreu Sodré a menor parcella de responsabilidade e nem siquer taes accusações foram levantadas (...). Falámos em tal assumpto porque, na presidencia Abreu Sodré, em 1919 é que se iniciou tão bella campanha da sociedade academica. (...) achamos de melhor aviso virar a pagina que temos na historia do ‘XI de Agosto’, pagina triste e humilhante. (...)Tudo foi pago, é verdade. Mas... não se livrou São Paulo daquella monstruosidade que está no começo da avenida (Galvão, 1930, setembro 6, s/p).

Destacamos que não se notava maior escândalo com a nudez da escultura Beijo Eterno na imprensa dos anos 1920. A pudica reação popular que tomou lugar décadas mais tarde foi precedida por leituras estéticas: “Aquelle grupo nú, de um beijo, revoltante, de gente esfomeada. Aquelle bloco enorme de bronze, de onde emerge, como da bocca de um sacco, o busto do insigne patriota?” (A Gazeta, 1922, novembro 8, p. 1). Em alguns momentos, um discurso xenofóbico se apresentava contra Zadig. No entanto, as proporções, a composição, a plasticidade ganhavam maior peso. Chamava maior atenção a vinculação étnica que era livremente feita pelos críticos, ao sugerir que o cabelo seria o de uma bugre (sic), forma pejorativa de associá-la a uma ascendência indígena, enquanto o homem era identificado como europeu. Não há, no poema de Bilac, qualquer alusão a isto; tampouco se nota um esforço por parte de Zadig em representar um beijo interétnico. A crítica citava diretamente a proporção do corpo feminino representado como um elemento próprio a superioridade racial.

A gigantesca repercussão das críticas parecia ecoar julgamentos negativos por parte da população em geral. Ao longo do período de sua duração, o Monumento a Olavo Bilac concentrou diferentes registros nas páginas de jornais: era o ponto de partida da famosa corrida noturna de São Silvestre, marco de início de desfiles militares, ponto de reunião para eventos públicos variados, lugar dezenas de acidentes automobilísticos e atropelamentos, cena de assassinatos registrados em São Paulo, referência para encontros comerciais. O exílio de Cásper Líbero, a ocupação pelo aparelho repressor do poder federal da Folha de São Paulo após 1930 e a censura às publicações do Estado de São Paulo diminuíram a frequência do uso do Monumento a Olavo Bilac e da escultura do Beijo Eterno como instrumentos de manifestação de insatisfações. O controle do federalismo e a gestão da dissensão foram, de fato, marcas do governo Vargas.

Em meio ao lento ritmo das reformas urbanas e do acelerado espraiamento da mancha urbana, os monumentos públicos e suas localizações ganharam polêmicas na cidade de São Paulo dos anos 1930 e 1940. O Plano de Avenidas, do arquiteto e político Prestes Maia, apontava a necessidade de uma maior racionalidade na circulação da cidade de São Paulo, já muito engarrafada. A Av. Paulista se mostrava ao centro de uma estratégia de ampliação da cidade em direção às áreas de várzea dos rios Pinheiros e Tietê. O desmonte do Monumento ocorreu em 1935, de modo rápido e com poucos registros públicos: “Fabio Prado mandou retirar, da avenida Paulista, o mostrengo ali erguido em homenagem a Olavo Bilac” (Folha da Manhã, 1937, junho 23, p. 6). O Monumento e sua escultura sumiam juntamente ao Partido Republicano Paulista, desfeito em um cenário de intervenção militar no território nacional.

4. Localização e deslocamento de uma heterotopia: o monumento em movimento, 1955-1966

O fim da ditadura de Getúlio Vargas em 1945 e o seu suicídio em 1954, durante novo mandato presidencial, desta vez ratificado pelo voto, colocavam o Brasil em um outro momento. A liderança implementada por este político gaúcho havia conduzido, por diferentes estratégias de coerção e coesão, uma nova liderança política, deslocada de São Paulo para outros centros do território nacional. O federalismo presente originalmente no projeto republicano brasileiro foi reduzido por uma crescente intervenção do poder federal. O vácuo deixado pela morte de Vargas após décadas no poder abria todo um novo conjunto de possibilidades de combinações políticas e revisões. De fato, a década de 1950 é novamente um tempo de ascensão de um discurso republicano, da procura de outro um regionalismo paulista, agora potencializado por um projeto industrial mais forte e centralizado.

Um novo conjunto de agentes disputava influência sobre o território brasileiro. Os partidos políticos (UDN, PTB, PSD, PSP) começavam a tentar se expressar em escala nacional, como um reflexo de uma maior centralização e integração territorial que Vargas iniciou. A formação da Escola Superior de Guerra em 1949 fomentava de modo sistemático um projeto geopolítico para o Brasil, com participação direta das Forças Armadas em golpes militares – o que destoava do voluntarismo e da pulverização observadas no movimento tenentista que citamos anteriormente. O Brasil se urbanizava, se metropolizava e se industrializava em ritmos acelerados, vivenciando problemas sociais como a pobreza, a carência de políticas habitacionais e a desigualdade socioterritorial. A procura de uma retomada política do regionalismo paulista era parte deste cenário. Nomes da República Velha, alguns críticos à Vargas e outros aderentes ao mesmo, como Júlio de Mesquita Filho e Ademar de Barros, participavam ainda da retomada democrática, agora divididos em partidos diferentes. De um modo geral, os maiores partidos em escala nacional nesta época (UDN, PTB e PSD) tinham pouca expressão em São Paulo, que confiava em sua luta pela ascensão de sua influência em partidos menores (PDC, PSP) e com força concentrada nesta unidade federativa.

A discussão dos monumentos ganhou então nova abertura na esfera pública pela necessidade de afirmação de São Paulo diante do cenário político nacional. Por exemplo, finalmente foi realizada a inauguração do Monumento às Bandeiras, durante as comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954). Esse caso do Monumento às Bandeiras. Os monumentos acumulados em depósitos públicos como o do Canindé e o da Várzea do Carmo nas décadas de 1930 e 1940, em meio às reformas urbanas e à ditadura de Vargas, eram novamente discutidos pelo seu apelo à memória republicana (e paulista). Prefeitos de São Paulo como Jânio Quadros, Toledo Piza, Faria Lima, Prestes Maia, Ademar de Barros, entre outros, discutiam publicamente as possíveis localizações, com muitas polêmicas surgindo.

Jânio Quadros teve particular importância no período entre 1955-1966: ele, que já havia sido aluno da Faculdade de Direito da USP e vereador de São Paulo nos anos 1940, foi prefeito da cidade e governador do estado de São Paulo nos anos 1950 e presidente da república em 1961. Seu nome e personalidade se mostraram importantes chaves de acesso ao conteúdo deste texto, pois conhecia de perto, como estudante de direito, a história do Monumento a Olavo Bilac, passou por todos os cargos eletivos públicos e, pela sua personalidade narcísica e expansiva, procurava criar polêmicas morais como elemento de visibilidade política. Mais do que os outros em sua época, Quadros confiava na força do cotidiano como elemento de popularidade, abusando do moralismo e da provocação de acordo com as circunstâncias. Foi neste mesmo espírito que o vereador Angelo Bortolo solicitou a retirada do depósito, através da indicação nº 1739, colocar a estátua de Bilac na praça de mesmo nome (DOSP, 1948, setembro 26, p. 25), e que foi secundado pelos pedidos dos vereadores Valério Giuli, Marcos Mélega e Derville Alegretti através da indicação nº 1216 (DOSP, 1950, maio 5, p. 29-30). Lamentavam os vereadores que as reformas urbanas tivessem obrigado a retirar os monumentos e solicitavam, especificamente, que o conjunto do Monumento a Olavo Bilac retornasse “a uma praça pública de São Paulo”, enquanto o vereador Cid Franco defendia que o mesmo havia sido retirado “em virtude do seu pouco ou nenhum valor artístico”. O consenso da sessão pública se alcançou pelo reconhecimento da “feiura” do monumento e da necessidade de refundação (jamais realizada).

Jânio Quadros promoveu um episódio importante no que se refere ao Beijo Eterno a partir de 1955, em meio a uma contínua deterioração das condições democráticas no Brasil, entre tentativas de golpe militar, crescente corrupção e problemas da urbanização acelerada. Em seus últimos dias como prefeito da cidade de São Paulo, antes de assumir o governo do estado, Quadros determinou o desarquivamento de parte dos fragmentos do Monumento a Olavo Bilac, em suas formas originais, em diferentes partes da cidade de São Paulo. Por exemplo, “Caçador de Esmeraldas” e o “Beijo Eterno”, foram instaladas em frente à Escola Estadual Fernão Dias Paes, grande colégio público situado no bairro de Pinheiros. O fragmento “Caçador de Esmeraldas”, que apela ao bandeirantismo, parecia estar em plena aceitação por parte dos alunos, professores, funcionários, pais da escola e políticos. Afinal, a violência étnica contra negros e indígenas, própria ao bandeirantismo como fato histórico, era continuamente idealizada e contemporizada dentro do estado de São Paulo, que identificava seu povo como a “gente bandeirante”. O próprio nome da escola pública já patrimonializava uma certa memória de um bandeirante. Porém, o “Beijo Eterno” não encontrou igual consenso ou apoio: mesmo o reconhecimento de Olavo Bilac como “um grande paulista” (embora carioca de nascimento) não impedia que esta escultura fosse mais bem recebida. Moradores do bairro de Pinheiros e pais da escola estadual pressionaram a câmara de vereadores e os demais órgãos públicos a retirar a escultura desta localização. Esta solicitação foi atendida em tempo recorde, não tendo a escultura passado mais do que poucos dias dispostas em Pinheiros. No ano seguinte, Quadros determinou a instalação do Beijo Eterno no Largo do Cambuci, bairro residencial em que morava e que havia supostamente um grande reduto eleitoral. Novamente, tratou-se de uma passagem relâmpago, pois a associação de moradores acionou os seus canais políticos e midiáticos para arquivar mais uma vez a obra de arte maldita.

Em relação ao que foi visto no período anterior, diferentes aspectos ganharam força como elemento de questionamento: um moralismo cristão exacerbado que se apresentava pudico em relação à nudez do casal do “Beijo Eterno”; uma defesa da importância da visibilidade da representação de Bilac, em um ambiente no qual a publicidade e o civismo se deterioravam. Ao contrário do que foi observado até 1935, elementos referentes à estética, à composição artística, eram desprezados como partes da discussão. Tampouco se notava após 1955 um argumento racista explícito ou xenófobo, como pareciam animar as discussões no período anterior. Por último, a pulverização do sistema partidário e a modernização conservadora nas Forças Armadas conferiam muita instabilidade à democracia brasileira. Dificultadas os debates das questões estruturais, de fundo econômico e das alianças políticas duráveis, uma parte importante da tensão da vida pública se deslocava para aspectos cotidianos e, no que interessa à Geografia, para além das câmaras políticas formais. O “Beijo Eterno” cumpria, então, uma função política informal, de testar influências em uma cidade disputada – o atraso na pacificação da seara política renovava as disputas.

Novamente arquivada, surgiram mais tarde pedidos subsequentes de realocação dos fragmentos do Monumento a Bilac na década seguinte. A solicitação realizada pelo vereador Monteiro de Carvalho buscava encontrar a localização da estátua de Olavo Bilac nos depósitos públicos (DOSP, 15/03/1961, p. 53). Quando o então prefeito Faria Lima, já durante o regime militar, permitiu a reinstalação do Beijo Eterno na Av. 9 de Julho, em frente ao túnel, há registros de reações populares dispostos nos periódicos. Estes apareceram sobretudo no Estado de São Paulo, que apoiou inicialmente o golpe militar e participava dos desvios do foco de atenção popular em 1966, ao procurar esvaziar as grandes mobilizações observadas nos espaços públicos. Outros periódicos, como a Folha de São Paulo, demonstraram maior grau de politização em sua linha editorial, e pouco retrataram a histeria contra o Beijo Eterno, em favor dos conflitos internacionais ou do crescimento da repressão violenta pelas Forças Armadas, em plano nacional.

Como sintetizava artigo publicado mais tarde, o Beijo:

A estátua estava, em meados da década de 1960, colocada na entrada do túnel da avenida 9 de Julho, mas sofria constante campanha promovida por moradoras da região, que a acusavam de obscena. Elas se revoltavam principalmente com a mão do jovem de bronze, que se apóia na nádega da moça também metálica, e por isso com freqüência o conjunto amanhecia pudicamente coberto por saias e camisas velhas, quando não inteiramente caiado, para que a tinta recobrisse as ‘partes íntimas’ da obra (O Estado de São Paulo, 1983, agosto 9, p. 1).

Em meio as grandes crises pelas quais o Brasil passava, achava-se interesse em revelar o “atentado ao pudor” cometido em praça pública, para desespero das senhoras paulistanas:

Dizendo-se portador de memorial assinado por um grupo de senhoras residentes na avenida 9 de Julho, o sr. Antonio Sampaio, membro da ARENA, solicitou ontem ao brigadeiro Faria Lima a retirada de estatua colocada junto ao túnel. (...) Segundo o vereador, a estatua constitui ‘verdadeiro acinte ao decoro e aos bons costumes do paulistano’. O sr. Sampaio tomou por base lei do prefeito, proibindo publicidade, mediante qualquer meio, atentatória aos costumes da sociedade local (O Estado de São Paulo, 1966, outubro 8, p. 1).

O registro da disputa na Câmara de Vereadores é ainda mais revelador, uma vez que Antonio Sampaio, representante do partido ARENA, que apoiava o funcionamento legislativo do regime militar, justificava a remoção da escultura pela religiosidade e pela moralidade, sem se ater a aspectos artísticos. Um simples beijo ganhava descrição de profana, violadora dos bons costumes. Em suas palavras:

Não se trata de aquilatar ou discutir o valor artístico ou não que a referida estátua pode representar. Trata-se, sim, é de se exigir que as coisas sejam colocadas em lugares certos. Uma obra artística representativa do demônio não deve ter lugar num santuário. Uma obra artística de pungente piedade não deve ser exposta numa festa mundana. (...) cada coisa deve estar no seu lugar (Dosp, 1966, outubro 11, p. 48).

O recolhimento da estátua e o agravamento progressivo da crise institucional no Brasil se mostravam fatos concomitantes. Porém, se as forças estatais usavam questões do cotidiano ou do ufanismo como elementos de distração, o mesmo poderia ser conduzido por outros agentes. O Centro Acadêmico XI de Agosto sofria com inquéritos policiais, recolhimento de materiais, prisões de “elementos esquerdistas” (como descrevia O Estado de São Paulo em 1966) e proibições de eventos, assim como outras instituições. Se as assembleias eram vigiadas, reprimidas e proibidas, atos cotidianos poderiam ser colocados como elementos de visibilidade e de insatisfação pública. Neste espírito, o Dalmo Dallari, aluno e posteriormente professor da Faculdade de Direito, rememorou os acontecimentos de 18/10/1966:

Os acadêmicos do XI de Agosto pediram emprestado um caminhão de transportar cana para as pastelarias do Largo de São Francisco e pegaram a estátua, colocando-a no centro do ‘território livre’, onde passou a ser conhecida como ‘O Procedimento’ (...) nas Arcadas. Isso foi em 1966, relembra o então estudante e hoje secretário Dallari, e ‘O Beijo’ continua diante da faculdade (O Estado de São Paulo, 1983, agosto 9, p. 1).

Chocavam as palavras de seus estudantes, que clamavam que “a estátua é nossa”, na Gazeta Arcádia publicada pelo próprio Centro Acadêmico e que classificavam a Faculdade de Direito como um “território livre”, no qual a política deveria ser parte da vida de todos. Na reportagem do Estado de São Paulo, o Centro Acadêmico ameaçava que se a estátua fosse “retirada do Largo de São Francisco, vestiremos todas as outras estátuas nuas da cidade e colocaremos aliança nas que representam pessoas abraçadas” (O Estado de São Paulo, 1966, outubro 19, p. 1).

O retorno da escultura ao Largo do São Francisco catalisou algumas reuniões públicas que, eventualmente, acabaram diminuídas em suas possibilidades pelo agravamento da situação política brasileira. De fato, a partir de 1968, a proibição de aglomerações em lugares públicos, da organização de partidos políticos e de movimentos estudantis, a censura prévia aos jornais, amortizavam qualquer sentido maior de dissensão. A tendência à heterotopia foi extinta como normalmente acontece: em ato autoritário, homogeneizador e afirmativo, exprimindo a retomada da normalidade pela repressão ao divergente, o que normalmente sinaliza uma deterioração da sociabilidade e da democracia em si.

5. Considerações finais

Três elementos sintetizam este artigo. Primeiro, a trajetória da escultura Beijo Eterno nos informa sobre diferentes leituras do que podia ou não podia ser representado em um espaço público de São Paulo entre 1922 e 1966, com variações ao longo do tempo. Em segundo lugar, os sucessivos deslocamentos do Beijo Eterno sinalizam que os monumentos foram construídos a partir de um posicionamento ideológico que, desde o início, passa por polêmicas a partir de suas localizações dentro da cidade e que podem ser alterados tanto em sua forma, quanto em sua posição. Terceiro, que um objeto disposto no espaço público pode catalisar reações e deslocar partes dos ressentimentos, identidades e forças latentes que possuem claro impacto na política, ainda que normalmente não sejam identificados como tal.

A força de um discurso estetizado contra o Monumento a Olavo Bilac na década de 1920, então disposto na Av. Paulista, era a chave de uma crítica política materializada na área central da cidade de São Paulo. Enquanto periódicos como o Estado de São Paulo manifestavam um posicionamento favorável ao Monumento, em apoio a Liga Nacionalista de São Paulo que o financiou, A Gazeta se mostrava agressivamente contrária. Mais do que uma simples questão artística, tratava-se de diferentes reações aos militares e profissionais liberais que demandavam maior reconhecimento e visibilidade dentro do Brasil dominado pelo Partido Republicano Paulista. Neste processo, o referido monumento era capaz, simultaneamente, de simbolizar o orgulho paulistano e a ojeriza de um julgamento estético negativo que exigia a demolição. Ao longo deste embate, a sociedade se desconstruía discursivamente, tal qual Foucault sugeria: racismo, xenofobia, julgamento estético exagerado, ufanismo e regionalismo se misturavam na tentativa de sanar a necessidade do alcance de uma hegemonia. Em parte, dissociados dos freios e contrapesos das câmaras políticas formalizadas, alcançavam mais rapidamente reações da população, assim como afetavam a força de seus adversários (Valverde, 2019). Os atos repressivos do governo Vargas, com extinção de partidos e censura à imprensa, amortizam o regionalismo paulistano e suas expressões ao longo dos anos 1930, com o desmonte do Monumento a Olavo Bilac conduzido por políticos interventores.

Com a retomada democrática após Vargas (1945), e, sobretudo, com o suicídio deste em 1954, um novo regionalismo paulista se afirma sobre outra estrutura partidária, as vésperas de um novo golpe militar (em 1964). As reações, naquele momento, apontavam para a moralidade religiosa, em detrimento de um julgamento estético. É aí que a nudez e o ato erótico do Beijo se tornam os elementos dominantes das reações. Colocar ou retirar o Beijo Eterno, a partir daí individualizado em relação aos outros fragmentos do Monumento a Olavo Bilac, em meio aos bairros residenciais de classe média de São Paulo como Cambuci e Pinheiros se mostrava uma forma de mobilização política informal. Enquanto as finanças nacionais se deterioravam em um quadro de difícil resolução e as alianças políticas formalizadas não se mostravam duráveis e oscilavam de acordo com as tentativas de golpe militar ao longo das décadas de 50 e 60, o cotidiano fornecia combustível a quem quisesse cooptar a população para seus próprios projetos ideológicos. Jânio Quadros foi eleito para todos os cargos públicos executivos fazendo uso intenso dos monumentos como base de popularização, enquanto os militares agiam pela homogeneização e pacificação. O fim das polêmicas sobre a localização do Beijo Eterno coincide, por isso, com o momento de maior diminuição dos direitos de manifestação política, na década de 1960.

Um monumento, então, não deve ser entendido como simples obra de arte, tirado da subjetividade do autor e colocado sobre uma plataforma abstrata. Há um jogo intersubjetivo que se inicia pela própria inspiração do artista, se problematiza pelo financiamento, se altera pelo lugar de exposição e pelas reações de outros grupos de interesse. Tampouco o julgamento tecido quando da inauguração é necessariamente durável ao longo do tempo, na medida em que as pessoas, a política e a cidade mudam. Até a década de 1960, a força do projeto da Modernidade parecia exigir um conjunto monumental que o representasse; porém, a necessidade de fazer frente a expressão hegemônica deste período histórico sugeria que os monumentos pudessem ser confrontados por uma necessidade, por agentes descontentes. Resta a dúvida se, na atualidade, os monumentos ainda são capazes de disparar tais reações. A tecnificação da cidade e de seus conjuntos de relações leva à aceleração do cotidiano, à velocidade dos transportes e à remoção de obstáculos ao progresso. Neste processo, a memória não seria vinculada do mesmo modo à cidade, através de um projeto estatal. O espaço público seria vivido então mais como um receptáculo para diferentes fenômenos do que como portador de valores e representações em si mesmo.

6. Referências

A Gazeta. (1922, 8 de novembro). Acha o Sr. Zadig que o trambolho está muito bom e que não precisa de reformas. A Gazeta.

A Gazeta. (1922, 9 de novembro). O monstrengo da avenida. A Gazeta.

A Gazeta. (1922, 27 de novembro). Peorou a situação do dr. Vergueiro Steidel. A Gazeta.

A Gazeta. (1922, 7 de dezembro). Exame crítico “res non verba”. A Gazeta.

Beiguelman, G. (2019). Memória da amnésia: Políticas de esquecimento. São Paulo: Edições Sesc.

Choay, F. (2001). Alegoria do património. São Paulo: Editora Unesp.

Diário Oficial do Estado de São Paulo. (1948, 26 de setembro). Indicação nº 1739. DOSP.

Diário Oficial do Estado de São Paulo. (1961, 15 de março). Indicação nº 426. DOSP.

Diário Oficial do Estado de São Paulo. (1966, 11 de outubro). Pequeno expediente. DOSP.

Folha da Manhã. (1937, 23 de junho). O culto do passado. Folha da Manhã.

Foucault, M. (2001). Ditset écrits. Paris, France: Gallimard.

Foucault, M. (2016). As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes.

Galvão, O. (1930, 6 de setembro). Centro Acadêmico XI de Agosto. A Gazeta.

Hetherington, K. (1997). The Badlands of Modernity. London, England: Routledge.

Isabella T. Contexto social e político do Monumento Beijo Eterno. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/10/Contexto_Social_e_Pol%C3%ADtico_do_Monumento_Beijo_Eterno.jpg .

O Estado de São Paulo. (1919, 27 de junho). Sociedade – Monumento a Olavo Bilac. O Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo. (1919, 2 de julho). O Monumento ao grande poeta. O Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo. (1922, 8 de setembro). O Monumento a Olavo Bilac. O Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo. (1966, 19 de outubro). XI de Agosto quer a estátua. O Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo. (1983, 9 de agosto). Prefeitura tenta salvar monumentos. O Estado de São Paulo.

Valverde, R. (2019). Guerra cultural e multiterritorialidade. In R. Cruz & A. Carlos (Ed.). A necessidade da Geografia (pp. 215-226). São Paulo: Editora Contexto.

Valverde, R. (2018). O sentido político do Monumento às Bandeiras, São Paulo: condições e oportunidades para a multiplicação de narrativas a partir da transformação do espaço público. PatryTer 1(2), 29-40. https://doi.org/10.26512/patryter.v1i2.10117.

Valverde, R. (2009). Sobre espaço público e heterotopia. Geosul24, 7-26. https://doi.org/10.5007/2177-5230.2009v24n48p7.

Notas

[1] Entre 1935 e 1955, a escultura Beijo Eterno se encontrava recolhida no Depósito Municipal do Canindé, na cidade de São Paulo. Com isto, não analisamos este intervalo como um momento do artigo. Recebido: dezembro de 2021. Aceite: março de 2022. Publicado: 01 de setembro de 2022.
HTML generado a partir de XML-JATS4R por