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Renda da população e injustiça ambiental no Brasil

Ingresos de la población e injusticia ambiental en Brasil

Population Income and Environmental Injustice in Brazil

Pollyana Martins Santos[1]
Universidade Federal de Viçosa, Brasil
Gustavo Bastos Braga[2]
Universidade Federal de Viçosa, Brasil

Renda da população e injustiça ambiental no Brasil

PatryTer, vol. 7, núm. 14, e46419, 2024

Universidade de Brasília

Recepción: 01 Junio 2023

Aprobación: 01 Agosto 2023

Publicación: 01 Junio 2024

Resumo: O trabalho baseia-se numa leitura da temática ambiental em termos de justiça e distribuição dos impactos ambientais. Neste sentido, tem por objetivo mensurar a relação entre renda e acesso à proteção ambiental no Brasil. Para isso, adotando como indicadores de injustiça ambiental dados secundários da população brasileira no ano de 2010, foram realizados testes estatísticos paramétricos ANOVA de um fator e test post hoc HSD de Tukey (1953) para análise dos dados. Em todas as variáveis testadas, as classes que representavam maiores graus de conforto apresentavam maiores médias de renda total, enquanto as classes que representavam graus mais precários ou indisponibilidade de atendimento correspondiam a rendas médias mais baixas, sendo esta diferença estatisticamente significativa. Logo, os resultados inferenciais demonstraram que a renda é fator determinante para este acesso, o que indica a ocorrência de proteção ambiental desigual da população brasileira, conformando um cenário de injustiça ambiental.

Palavras-chave: justiça ambiental, desigualdade ambiental, proteção ambiental, análise de variância.

Resumen: En el presente artículo se investiga la justicia y distribución de los impactos ambientales. Su objetivo es medir la relación entre los ingresos y el acceso a la protección ambiental en Brasil. Para ello, se utilizaron datos secundarios de los indicadores de injusticia ambiental de la población brasileña de 2010, se realizaron pruebas estadísticas paramétricas de ANOVA de un factor y la prueba post hoc de Tukey para analizar los datos. En todas las variables probadas, las clases que representaban mayores grados de confort tuvieron mayores ingresos promedio, mientras que las clases que representaban grados más precarios o indisponibilidad de atención correspondían a menores ingresos promedio, y esta diferencia fue estadísticamente significativa. Por lo tanto, los resultados inferenciales mostraron que el ingreso es un factor determinante para el acceso a la protección ambiental, lo que indica la existencia de una protección ambiental desigual en la población brasileña, lo que forma un escenario de injusticia ambiental.

Palabras clave: justicia ambiental, desigualdad ambiental, protección ambiental, análisis de variación.

Abstract: This work is based on a reading of environmental issues in terms of justice and distribution of environmental impacts. In this regard, aims to measure the relationship between income and access to environmental protection in Brazil To this end, adopting as indicators of environmental injustice secondary data of the Brazilian population in the year of 2010, one-way ANOVA parametric statistical tests and Tukey's HSD post hoc test were performed to data analysis. In all tested variables, the classes that represented higher degrees of comfort had higher total income averages, while the classes that represented lower degrees or service unavailability corresponded to lower average incomes, being that difference statically significant. Therefore, the inferential results showed that income is a determining factor to this access, which indicates the occurrence of unequal environmental protection of the Brazilian population, conforming a scenario of environmental injustice.

Keywords: environmental justice, environmental inequality, invironmental protection, variance analysis.

1. Introdução

Os processos de reprodução das sociedades são marcados por diferentes projetos de uso e significação de seus recursos ambientais. Neste sentido, a questão ambiental é, necessariamente, conflitiva (Acselrad, 2004), razão pela qual o presente trabalho está ancorado numa leitura da temática ambiental em termos de justiça e distribuição dos impactos ambientais.

As sociedades capitalistas são historicamente marcadas pela desigualdade social e pela lógica utilitarista de apropriação da natureza e seus recursos (Acselrad, Mello & Bezerra, 2009). Neste sentido, mecanismos sociais seriam responsáveis por direcionar para os extratos mais vulneráveis da sociedade uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo e das consequências dos danos ambientais provenientes daquilo que, na perspectiva do capital, é legitimado como desenvolvimento. Sendo assim, adotou-se como perspectiva de análise a existência de uma lógica social na qual a dinâmica de acumulação capitalista encontra-se diretamente relacionada à distribuição discriminatória dos riscos ambientais, conforme apontam autores como Acselrad (2002, 2004) e Porto (2011).

Desta maneira, o objetivo desta pesquisa é de, a partir da perspectiva crítica da justiça ambiental, mensurar a relação entre renda e acesso à

proteção ambiental no Brasil. Como forma de atender aos objetivos da pesquisa, optou-se pela República Federativa do Brasil como área de estudos, conforme representação da Figura 1. Com 8.510.345,538 km², o Brasil é o maior país em extensão territoral da América do Sul e o quinto maior do mundo. Segundo dados preliminares do CENSO 2022, conta atualmente com uma população de mais de 207 milhões de habitantes, distribuída entre 26 Estados e o Distrito Federal, e 5.574 municípios.[i]

Assim, adotando como indicadores de injustiça ambiental (Acselrad, Mello & Bezerra, 2009) os seguintes dados secundários da população brasileira para o ano de 2010[ii] disponibilizados pelo projeto IPUMS International[iii]: renda total; abastecimento de água; destinação do lixo; disponibilidade de água encanada; disponibilidade de energia elétrica; esgotamento sanitário; e grau de escolaridade, procurou-se verificar, através de ferramentas estatísticas paramétricas, uma possível influência da variável renda sobre as demais variáveis.

Neste sentido, o trabalho procura contribuir com as discussões a respeito da relação entre desigualdade social e injustiça ambiental, fornecendo dados concretos que corroborem as construções teóricas presentes na literatura, fortalecendo, assim, os movimentos pela justiça ambiental.

Localização do Brasil - América do Sul
Figura 1
Localização do Brasil - América do Sul
Elaboração própria, 2022.

2. (In)justiça ambiental: algumas reflexões

Conforme pontua Santos (2020), a década de 80 viu emergir, nos Estados Unidos, as primeiras manifestações do que viria a ser conhecido como lutas por justiça ambiental. Neste sentido, organizações de defesa dos direitos civis de comunidades afrodescendentes e etnias marginalizadas questionavam a sobreposição desproporcional de depósitos de lixo químico e indústrias altamente poluentes nas áreas ocupadas por estas populações, dando, assim, os primeiros passos para a consolidação do movimento por justiça ambiental, definido por Acselrad, Herculano e Pádua (2004, p. 9-10) como o “conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo”.

Desde então, o movimento tem se expandido mundialmente, ultrapassando a temática específica da contaminação química e da questão racial norte-americana, para abarcar uma relação mais ampla e complexa entre a temática ambiental, desigualdade social e democracia. A esse respeito, Schlosberg (2007) aponta duas particularidades que explicam este redimensionamento. Em primeiro lugar, o movimento por justiça ambiental não é uma estrutura puramente epistemológica, mas que se constrói a partir da articulação entre as teorizações e as demandas dos próprios atores envolvidos em disputas por justiça ambiental.

E, como decorrência direta deste primeiro aspecto, a justiça ambiental é também uma concepção que se aplica não apenas a indivíduos, mas também a comunidades – ou seja, a justiça ambiental transcende a órbita do individualismo, tal como nas teorias clássicas de justiça, para se reportar ao coletivo – o que, na contemporaneidade, pode ser demonstrado pelas disputas por justiça ambiental decorrentes das alterações climáticas ou de crises sanitárias como as desencadeadas pela pandemia de COVID-19 (Schlosberg, 2013). Neste sentido, a justiça ambiental é um conceito tanto teórico quanto empírico, que, ao acompanhar a evolução das sociedades, encontra-se permanentemente em construção.

Sob este aspecto, no Brasil, assim como em outros países na América Latina, cujas sociedades são extremamente desiguais e historicamente marcadas por relações assimétricas de poder, as lutas por justiça ambiental têm se construído a partir do questionamento das contradições do modelo capitalista, ambientalmente exploratório em sua essência. Assim, no cenário latino-americano, os ativistas por justiça ambiental têm voltado seu olhar para a contestação do conceito hegemônico e reducionista de desenvolvimento enquanto crescimento econômico, que direciona para os mais pobres os ônus ambientais do que, nas sociedades capitalistas contemporâneas, é legitimado como desenvolvimento, ao mesmo tempo em que pouco, ou quase nada, beneficia estas mesmas populações (Santos, 2020).

Nesta perspectiva, conforme Santos, Loreto e Oliveira (2022), pode-se afirmar que, no contexto das sociedades capitalistas contemporâneas, a injustiça ambiental pressupõe a hierarquização social nas condições de acesso ao ambiente e de seus recursos. Assim, isso importa concluir que as disputas ambientais são, portanto, marcadas por relações assimétricas de poder, nas quais os atores sociais encontram-se desproporcionalmente expostos à degradação ambiental, o que tem sido reiteramente comprovado em pesquisas como as de Acselrad (2022); Falls (2019), Porto, Ceron e Araújo (2013), Porto, Finamore e Ferreira (2013), Porto (2011), Acselrad (2010), Acselrad et al. (2009), Martinez-Alier (1992, 2007), dentre outras.

De acordo com Porto (2011), no Brasil, a criação, em 2002, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) trouxe ainda mais visibilidade à temática. Formada a partir da articulação entre organizações não-governamentais, entidades ambientalistas, movimentos sociais, representantes da sociedade civil, pesquisadores, comunidades afrodescendentes e indígenas, a rede foi essencial para impulsionar politicamente os movimentos por justiça ambiental no país, ainda que grande parte deles, até então, não utilizassem tal expressão (Acselrad et al., 2004).

Assim, Cartier et al. (2009, p. 2696) destacam como uma das principais contribuições da da RBJA a definição de injustiça ambiental, trazendo um conceito que, para além da percepção inicial do movimento americano, abrange as particularidade dos movimentos latino-americanos. Neste sentido, é que se entende a injustiça ambiental como

o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior parte dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis.

É neste sentido que a visão crítica da injustiça ambiental questiona a concepção homogênea da questão ambiental, segundo a qual o meio ambiente é percebido como escasso, uno e homogêneo, estado todos os seres humanos igualmente sujeitos aos riscos inerentes à degradação ambiental, independentemente de origem, credo, cor ou classe social (Porto, 2011). Isto porque, nesta linha de pensamento, defendida por autores como Giddens (1996), a questão ambiental é tratada de forma dissociada da dimensão sociológica, alheia a qualquer questionamento no que tange aos fins pretendidos com a apropriação do meio ambiente (Acselrad et al., 2009).

Por sua vez, a concepção crítica da injustiça ambiental procura trazer ao debate a articulação entre injustiça social e degradação ambiental, de tal modo que

os mecanismos de produção da desigualdade ambiental se assemelham muito aos mecanismos de produção da desigualdade social. Ao contrário do discurso da escassez, que pressupõe uma distribuição homogênea das partes do meio ambiente, o discurso dos movimentos por justiça ambiental evidencia o caráter fortemente desigual da apropriação das partes do meio ambiente e dos recursos naturais (Acselrad et al., 2009, p. 76).

Assim sendo, conforme Porto (2011), a grande contribuição da temática da justiça ambiental é demonstrar a importância de levar em consideração as desigualdades presentes na sociedade para o entendimento e enfrentamento das questões ambientais. Nesta perspectiva, a injustiça ambiental seria, consequentemente, um mecanismo gerador de desigualdade ambiental, visto que esta “nada mais é do que a distribuição desigual das partes de um meio ambiente injustamente dividido” (Acselrad et al., 2009, p. 76).

Seguindo este raciocínio, os autores apontam que a desigualdade ambiental pode se manifestar, dentre outros aspectos, sob a forma de proteção ambiental desigual. Para Cartier et al. (2009), a desigualdade ambiental seria característica de um quadro de vulnerabilidade socioambiental, causada pela sobreposição espacial entre grupos populacionais pobres, discriminados e com alta privação (vulnerabilidade social), que vivem ou circulam em áreas de risco ou de degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental).

Logo, a perspectiva da justiça ambiental traz ao debate questões éticas, morais, políticas e práticas institucionais que se encontram no viés de inúmeros problemas ambientais, conforme assevera Porto (2011). Sob este viés, tal desproporcionalidade não é natural, mas sim fruto próprio da dinâmica do capital. Afinal, conforme esclarecem Acselrad et al. (2009, p. 73), “se há diferença nos graus de exposição das populações aos males ambientais, isso não decorre de nenhuma condição natural, determinação geográfica ou casualidade histórica, mas de processos sociais e políticos que distribuem de forma desigual a proteção ambiental”.

Desta forma, observa-se, a bem da verdade, uma lógica social na qual a dinâmica de acumulação capitalista está diretamente relacionada à distribuição discriminatória dos riscos ambientais (Porto, 2011; Acselrad, 2002). Trata-se de um processo tão inerente ao contexto de mercado das sociedades capitalistas que a proteção ambiental desigual acaba por ser naturalizada, invisibilizando populações pobres e marginalizadas, conforme apontado por autores como Porto (2011), Acselrad, Mello & Bezerra (2009), Cartier et al. (2009), e Herculano (2002).

Diversos trabalhos têm expressado a preocupação dos pesquisadores em evidenciar cenários de injustiça ambiental, notadamente no que diz respeito à desproporcionalidade de distribuição dos riscos ambientais entre populações de baixa renda e grupos étnicos, tais como as pesquisas de Bullard (1993, 1996, 2004), Haughton (1999), Marcondes (1999), Martinez-Alier (1999) e Bryant (1995). Contudo, Cartier et al. (2009) ressaltam que, no Brasil, são ainda recentes pesquisas que procurem examinar, na forma de indicadores, a coincidência entre pobreza e vulnerabilidade ambiental. De acordo com Acselrad, Mello & Bezerra (2009, p. 50):

a verificação de dados internacionais, nacionais, regionais ou até municipais acerca da distribuição dos riscos ecológicos, de um modo geral, não explicita sua sobreposição sobre os mais pobres. Isto se dá porque a coincidência socioespacial entre privação social e privação ambiental costuma ficar encoberta pelas médias alcançadas por aquele dado território em geral, em termos de renda ou de provisão de serviços.

Por esta razão, os autores destacam a necessidade de estudos desta natureza, especialmente no que tange à falta de infraestrutura e de serviços urbanos adequados, notadamente em relação a fatores como acesso a serviços públicos de saneamento básico, infraestrutura, renda, escolaridade, proximidade das moradias com áreas de risco ou de instalação de empresas poluentes, maiores percursos para o trabalho, dentre outros aspectos ligados à saúde e conforto da população.

3. Procedimentos metodológicos

O presente trabalho foi construído com base numa perspectiva metodológica quantitativa, notadamente pela forma de tratamento dos dados secundários, buscando-se construir inferências estatísticas. Considerando seus objetivos, o estudo possui natureza descritiva, já que procura descrever as características de determinados grupos, estabelecendo relações entre as variáveis (Gil, 1994).

Para construção do estudo, foram utilizados os dados secundários da população brasileira constantes no projeto IPUMS International, relativos ao censo demográfico do ano de 2010. Desta maneira, o universo da pesquisa abrangeu todos os moradores de domicílios particulares permanentes no Brasil em 2010, num total de 193.861.160 (cento e noventa e três milhões, oitocentas e sessenta e uma mil, cento e sessenta) pessoas.

Para tanto, foram consideradas as seguintes variáveis: renda total; abastecimento de água; destinação do lixo; disponibilidade de água encanada; disponibilidade de energia elétrica; esgotamento sanitário; e grau de escolaridade. A escolha destas variáveis se justifica por retratarem condições ligadas à disponibilidade de saneamento básico, infraestrutura, escolaridade e renda da população brasileira, o que, conforme Acselrad, Mello & Bezerra (2009), as qualifica como indicadores de injustiça ambiental para este período.

3.1. Variáveis e sua descrição

3.1.1 A distribuição da renda no Brasil

Trata-se de uma variável numérica de 7 dígitos, cujo universo compreende as pessoas com idade igual ou superior a 10 anos de idade. A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas para a variável renda total.

Esta variável retrata a renda bruta total declarada referente ao mês anterior à aplicação do questionário. Para processamento dos dados, foram excluídos da amostra os casos nos quais o entrevistado foi categorizado como não pertencente ao universo, assim como categorizado como desconhecido/faltando, respectivamente códigos 9999999 e 9999998.

Conforme se observa da Tabela 1, foram analisados 162.053.523 casos válidos, sendo que a média de renda da população brasileira em 2010 foi de R$ 898,63 (oitocentos e noventa e oito reais e sessenta e três centavos). No entanto, o alto valor do desvio padrão (3.694,581) indica que os dados se encontram bastante dispersos em relação à média, apresentando ainda alta amplitude (valor mínimo de zero e valor máximo R$ 1.754.000,00). É possível ainda observar que a maioria da população (75%) apresenta renda total de até R$ 900,00, valor próximo da média apresentada pela variável.

3.1.2 A distribuição da renda no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que indica o tipo de abastecimento de água do domicílio, cujo universo consiste nos domicílios particulares permanentes brasileiros no ano de 2010. A Tabela 2 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 2, de um total de 189.871.201 casos válidos (99,5% do total), 81,4% da população brasileira em 2010 possui acesso a abastecimento de água por meio da rede geral de distribuição. Desta forma, é alta a variação entre as frequências, já que a maioria se encontra concentrada em uma única classe, que é a classe de maior conforto para esta variável. Já a menor frequência é representada pela fração de população que conta com abastecimento de água por poço ou nascente fora da aldeia (4.518 casos), que representa a classe de menor conforto para a variável.

3.1.3 A distribuição da destinação do lixo no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que indica a destinação dada ao lixo, cujo universo consiste nos domicílios particulares permanentes brasileiros no ano de 2010. A Tabela 3 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 3, de um total de 189.871.201 casos válidos (99,5% do total), a maior parte está concentrada numa única classe, já que 78,6% da população brasileira em 2010 tem o lixo coletado diretamente pelo serviço público de saneamento (classe de maior conforto dentro da variável). Já a menor frequência é representada pela fração de população que descarta o lixo em rios, lagos ou mar (0,1%), seguida da frequência “outros destinos” (0,4% dos casos válidos) e “enterrado na propriedade” (0,6%), que correspondem às classes de menor conforto dentro da variável.

3.1.4 A distribuição da agua encanada no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que registra a presença de água encanada na residência, cujo universo consiste nos domicílios particulares permanentes brasileiros no ano de 2010. A Tabela 4 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 4, de um total de 189.871.201 casos válidos (99,5% do

Tabela 1
Estatísticas descritivas para a variável escalar renda total.
Casos
VálidosAusentesTotal
NPercentualNPercentualNPercentual
Renda total16205325384,9%2876949715,1%190822749100,0%
Estatística Descritiva
EstatísticaErro Padrão
Renda totalMédia898,63,287
95% Intervalo de confiança da médiaLimite Inferior898,06
Limite Superior899,19
5% Média Truncada566,60
Mediana510,00
Variância13319438,086
Desvio Padrão3649,581
Mínimo0
Máximo1754000
Amplitude1754000
Intervalo Interquartil900
Assimetria101,887,000
Curtose25494,916,000
Percentis
Percentis
5102550759095
Média PonderadaRenda total,00,00,00510,00900,002000,003000,00
Tukey's HingesRenda total,00510,00900,00
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 2
Frequências das classes da variável abastecimento de água
Tabela 2 – Frequências das classes da variável abastecimento de água
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
VálidosSistema de distribuição geral154.473.79181,081,481,4
Poço ou nascente na propriedade20.042.16710,510,691,9
Poço ou nascente fora da propriedade7.901.1974,14,296,1
Caminhão tanque (carro-pipa)1.171.469,6,696,7
Água da chuva armazenada em tanques1.264.732,7,797,4
Água da chuva armazenada por outros meios188.834,1,197,5
Rios, lagos, lagoas e riachos3.102.6961,61,699,1
Outros1.633.364,9,9100,0
Poço ou nascente na aldeia88.433,0,0100,0
Poço ou nascente fora da aldeia4.518,0,0100,0
Total189.871.20199,5100,0
AusentesFora do universo951548,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

total), a maior parte está concentrada numa única classe, já que 88,8% da população brasileira em 2010 possui água encanada em pelo menos um cômodo da residência (casse de maior conforto na variável). Já a menor frequência é representada pela fração de população que possui água encanada apenas no terreno (4%), seguida da classe de menor conforto “não possui água encanada” (6,7%).

3.1.5 A distribuição do acesso à energía elétrica no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que registra a disponibilidade de energia elétrica na residência, cujo universo consiste nos domicílios particulares permanentes brasileiros no ano de 2010. A Tabela 5 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 5, de um total de 189.871.201 casos válidos (99,5% do total), a maior parte está concentrada numa única classe, já que 97,4% dos domicílios brasileiros em 2010 contam com energia elétrica fornecida por uma empresa de distribuição. Já a menor frequência é representada pela classe “sim, a partir de outras fontes” (1,2%), seguida da classe “não há eletricidade” (1,4%), que representa a classe de menor conforto dentro da variável.

3.1.6 A distribuição do esgotamento sanitário no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que registra o tipo de esgotamento sanitário presente na residência, cujo universo consiste nos domicílios particulares permanentes brasileiros no ano de 2010. A Tabela 6 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 6, de um total de 184.188.852 casos válidos (96,5% do total), mais da metade está concentrada numa única classe, já que 54,5% dos domicílios brasileiros em 2010 contam com esgoto público ou sistema de drenagem, que também corresponde à classe de maior conforto dentro da variável. Já a menor frequência é representada pela classe “outros” (1,6%), que representa a classe de menor conforto para esta variável.

3.1.7 A distribuição do grau de escolaridade no Brasil

Trata-se de uma variável nominal, que registra o grau máximo de escolaridade do entrevistado, cujo universo consiste em todas as pessoas residentes no Brasil em 2010, com 05 anos ou mais de idade. A Tabela 7 apresenta as frequências observadas para cada classe definida na variável.

Conforme se pode observar na Tabela 7, de um total de 189.858.300 casos válidos (99,5% do total), mais da metade está concentrada numa única classe, já que 58% da população não é alfabetizada ou possui ensino fundamental incompleto. Já a menor frequência é representada pela classe “ensino superior completo” (7,1%). Observa-se que a variável grau de escolaridade apresenta tendência oposta às demais variáveis deste estudo, já que a maior parte da população encontra-se concentrada na classe de menor conforto para a variável, enquanto a menor fração da população encontra-se alocada na classe de maior conforto dentro da variável.

3.2. Tratamento e análise dos dados

Para processamento dos dados, foi utilizado o software IBM SPSS Statistics para Windows 20.0.0 (SPSS), em sua versão para testes. Para obtenção dos resultados inferenciais, foi aplicado um teste de análise de variância (ANOVA de um fator) e, posteriormente, o teste HSD de Tukey (honestly significant difference).

A análise de variância (Analysis of Variance - ANOVA) consiste numa ferramenta estatística que permite inferir a respeito das médias de populações. Neste sentido, ela procura identificar a existência de diferenças significativas entre as médias de determinados grupos, e se os fatores exercem influência em alguma variável dependente (Milone, 2009; Montgomery, 1996; Gomes, 1981).

De acordo com Dancey & Reidy (2006), a ANOVA consiste num teste paramétrico aplicável a no mínimo três grupos, e testa se existe uma diferença significativa entre alguma ou todas as médias das condições, comparando-as com a média global. Assim, conforme Milone (2009), para a ANOVA de um fator, consideram-se como H0 (hipótese nula) e H1 (hipótese alternativa): Hipótese nula (H0): as médias populacionais são iguais.

Hipótese alternativa (H1): as médias populacionais são diferentes, ou seja, pelo menos uma das médias é diferente das demais.

Neste sentido, foi realizada a ANOVA para verificar se havia diferença estatisticamente significativa entre a média da variável renda total e as médias das demais variáveis. Logo, o objetivo foi o de verificar se eventual diferença entre as médias das variáveis de agrupamento (acesso a abastecimento de água, destinação de lixo, disponibilidade de água encanada, disponibilidade de energia elétrica, tipo de esgotamento sanitário e

Tabela 3
Frequências das classes da variável destinação do lixo
Tabela 3 – Frequências das classes da variável destinação do lixo
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
VálidosColetado diretamente pelo serviço de saneamento14926595078,278,678,6
Destinado ao serviço de saneamento137306697,27,285,8
Queimado (na propriedade)2070258110,810,996,7
Enterrado (na propriedade)1138171,6,697,3
Descartado em terrenos baldios ou áreas públicas41289492,22,299,5
Descartado em rios, lagos ou mar167210,1,199,6
Outro destino737670,4,4100,0
Total18987120199,5100,0
AusentesFora do universo951548,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 4
Frequências das classes da variável água encanada.
Tabela 4 – Frequências das classes da variável água encanada.
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
ValidosSim, em pelo menos um cômodo16950905288,889,389,3
Sim, no terreno75411384,04,093,2
Não128210116,76,8100,0
Total18987120199,5100,0
AusentesFora do universo951548,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 5
Frequências das classes da variável disponibilidade de energia elétrica.
Tabela 5 – Frequências das classes da variável disponibilidade de energia elétrica.
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
VálidosSim, fornecida por uma empresa de distribuição18491999896,997,497,4
Sim, a partir de outras fontes22412681,21,298,6
Não há eletricidade27099341,41,4100,0
Total18987120199,5100,0
AusentesFora do universo951548,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 6
Frequências das classes da variável tipo de esgotamento sanitário
Tabela 6 – Frequências das classes da variável tipo de esgotamento sanitário
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
VálidosEsgoto público ou sistema de drenagem10038980452,654,554,5
Séptico2243713111,812,266,7
Fossa séptica rudimentar4910824725,726,793,3
Vala51649792,72,896,2
Rio, lago ou mar41454992,22,398,4
Outros29431931,51,6100,0
Total18418885296,5100,0
AusentesFora do universo66338973,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 7
Frequências das classes da variável grau de escolaridade
Tabela 7 – Frequências das classes da variável grau de escolaridade
ClassesFrequênciaPercentualPercentual VálidoPercentual Cumulativo
VálidosNão-alfabetizado/ensino fundamental incompleto11019098957,758,058,0
Ensino fundamental completo/ensino médio incompleto2818748514,814,872,9
Ensino médio completo/ ensino superior incompleto3801781719,920,092,9
Ensino superior completo134620097,17,1100,0
Total18985830099,5100,0
AusentesDesconhecido964449,5
Total190822749100,0
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

grau de escolaridade) apresentam diferença estatisticamente significativa com a média da variável dependente “renda total”, assim como se esta diferença é estatisticamente significativa para ser atribuída à variável dependente, em vez de ao acaso.

Milone (2009) aponta ainda que, para a análise de variância, os seguintes pressupostos devem ser observados: amostras aleatórias e independentes; as populações testadas devem seguir distribuição normal; e as variâncias populacionais devem ser iguais. Contudo, conforme ressalvam Dancey & Reidy (2006), para a execução da ANOVA, na prática, os pressupostos não precisam ser rigorosamente observados, uma vez que a

ANOVA é robusta a violações de seus pressupostos (Field, 2009).

Assim, no caso específico da presente pesquisa, considerando que a amostra é de tamanho considerável, abrangendo informações de quase 194 milhões de pessoas, pressupõe-se a normalidade dos dados, dado que, segundo o Teorema Central do Limite, à medida que o tamanho da amostra aumenta, a distribuição amostral da sua média aproxima-se cada vez mais de uma distribuição normal, ou seja, a média de uma amostra de n elementos de uma população tende a uma distribuição normal (Bussab & Morettin, 2002).

Para análise das variâncias populacionais, foi realizado o teste das igualdades das Variâncias de Levene (1960), que testa a hipótese nula de que as variâncias dos erros são iguais entre os grupos (Dancey & Reidy, 2006). Em todas as análises realizadas, o teste de Levene (1960) demonstrou que as variâncias entre os grupos testados são significativamente diferentes. Por esta razão, para corrigir a violação deste pressuposto, foi utilizado o teste F-ratio alterado F de Brow-Forsythe (Brown & Forsythe, 1974), já que o mesmo não supõe homogeneidade de variância (Almeida, Ellian & Nobre, 2008). A hipótese nula de que as médias dos grupos são iguais será rejeitada caso as estatísticas sejam significativas ao nível 0,05.

Em seguida, considerando que o teste ANOVA de um fator pode indicar ao pesquisador se existe uma diferença estatisticamente significativa entre as médias dos grupos, porém não indica quais são os grupos diferentes, foi utilizado o teste pos hoc HSD de Tukey (1953) para identificar onde se localizam as diferenças significativas entre as médias, ou seja, que média de grupo difere da média de outros grupos ( Vieira, 1999; Gomes, 1981). O teste HSD de Tukey foi utilizado como teste post hoc por se tratar de um teste mais rigoroso, recomendável quando se for processar um grande número de comparações, como no caso da presente pesquisa (Dancey & Reidy, 2006). Ainda conforme Levin (1987), o teste das diferenças honestamente significativas de Tukey é um dos mais úteis no uso da comparação múltipla.

4. Resultados e análises

4.1. Relação entre renda e a forma de abastecimento de água

Conforme Tabela 8, as estatísticas descritivas demonstram que domicílios que contam com abastecimento de água por meio da rede geral de distribuição apresentam renda total média mais alta que nas demais classes. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que, em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001.

Comparações posteriores entre pares de médias, realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças em 36 dos 44 pares de média testados, revelando assim que não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas somente entre os pares 5 e 6 (p = 0,939); 5 e 10 (p = 0,935); 6 e 7 (p = 0,884); 6 e 10 (p = 0,978); 7 e 9 (p = 0,563); 7 e 10 (p = 0,995); 8 e 10 (p= 0,504) e 9 e 10 (p = 1,000). Todas os demais pares apresentaram diferenças significativas ao valor de p < 0,001, exceto os pares 3 e 10 (p = 0,02), 4 e 8 (p = 0,02); 5 e 9 (p = 0,04) e 6 e 9 (p = 0,221).

Como se pode observar, as duas primeiras classes, que indicam a existência de alguma forma de abastecimento de água independente para o domicílio (rede geral de distribuição e poço ou nascente na propriedade) correspondem, também, às maiores rendas médias, respectivamente, R$ 986,16 e R$ 643,80, sendo esta diferença estatisticamente significativa. Por sua vez, menores rendas médias correspondem às classes de menor conforto, valendo registrar que as menores rendas médias, representadas pelas classes “poço ou nascente fora da aldeia” (R$ 153,60), “poço ou nascente na aldeia” (R$ 185,43) e “rios, lagoas, lagos ou riachos” (R$ 216,48) não apresentam diferença estatisticamente significativa entre si.

Desta maneira, os resultados demonstram que embora a maior parte da população seja atendida pela classe de maior conforto “rede geral de distribuição”, a renda é um fator de influência neste acesso, já que esta condição é acessada pela população de maior renda média. Paralelamente, as classes que não apresentaram diferença significativas entre si consistiram em condições mais precárias, acessadas por populações com renda média mais baixa.

4.2. Relação entre a renda e o descarte de resíduos

Conforme Tabela 9, as estatísticas descritivas demonstram que domicílios que contam com coleta de lixo diretamente pelo serviço de saneamento apresentam renda total média mais alta que nas demais classes. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que, em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001. Comparações posteriores entre pares de médias realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças entre 20 dos 21 pares ao valor de p < 0,001, revelando que não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas somente entre o par 5 e 6 (p = 1,000).

Nesta variável, as duas classes que indicam pelo menos alguma forma de coleta de lixo doméstico apresentam as maiores rendas médias, sendo elas as classes “coletado diretamente pelo serviço de saneamento” (R$ 1009,52) e “destinado ao serviço de saneamento (R$ 806,41), sendo a diferença entre elas estatisticamente significativa. Por sua vez, as classes que apresentam as menores médias, quais sejam, as classes “descartado em terrenos baldios ou áreas públicas” (R$ 263,53) e “descartado em rios, lagos ou mar” (R$ 259,16) correspondem a

Tabela 8
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e abastecimento de água
Tabela 8 – Estatísticas descritivas ANOVA renda total e abastecimento de água
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Rede geral de distribuição132086268986,163875,849,337985,49986,8201754000
2. Poço ou nascente na propriedade16777124643,802916,568,712642,40645,190750000
3. Poço ou nascente fora da propriedade6405617420,191741,656,688418,84421,540709000
4. Carro-pipa956023315,25820,277,839313,61316,890100510
5. Água da chuva armazenada em tanques1056047245,00541,423,527243,97246,04049000
6. Água da chuva armazenada por outros meios149312231,29502,9251,302228,74233,84024000
7. Rios, lagoas, lagos e riachos2418383216,48499,043,321215,85217,11069000
8. Outros1263835295,17866,492,771293,66296,68080000
9. Poço ou nascente na aldeia59606185,43467,1021,913181,68189,18010000
10. Poço ou nascente fora da aldeia3032153,60275,2724,999143,80163,4101834
Total161175247901,213656,534,288900,65901,7801754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022)

Tabela 9
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e destinação do lixo
Tabela 9 – Estatísticas descritivas ANOVA renda total e destinação do lixo
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Coletado diretamente pelo serviço de saneamento1278668341009,523996,148,3531008,831010,2201754000
2. Destinado ao serviço de saneamento11489890806,412645,218,780804,88807,940308500
3. Queimado (na propriedade)16781518304,391015,851,248303,90304,870709000
4. Enterrado (na propriedade)953857507,121425,5681,460504,26509,990132000
5. Descartado em terrenos baldios ou áreas públicas3340397263,53580,557,318262,91264,150136510
6. Descartado em rios, lagos ou mar129614259,16461,9081,283256,65261,67010202
7. Outro destino613137647,462224,5432,841641,89653,030153200
Total161175247901,213656,534,288900,65901,7801754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

condições mais precárias, não havendo diferençaestatisticamente significativa entre estas médias.

Os resultados demonstram desta maneira que, embora a maior parte da população seja atendida pela classe de maior conforto “coletado diretamente pelo serviço de saneamento”, a renda é um fator de influência neste acesso, já que esta condição é acessada pela população de maior renda média. Paralelamente, as classes que não apresentaram diferença significativas entre si consistiram em condições de menor conforto, acessadas por populações com renda média mais baixa.

4.3. Relação entre renda e acesso à agua potável encanada

Conforme Tabela 10, as estatísticas descritivas demonstram que domicílios que contam com água encanada em pelo menos um cômodo apresentam renda média total mais alta do que aqueles que contam com água encanada no terreno ou aqueles que não possuem água encanada. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que, em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001. Comparações posteriores entre pares de médias realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças entre todas as classes, sendo entre as condições 1 e 2 (p < 0,001), 1 e 3 (p < 0,001) e 2 e 3 (p < 0,001).

Os resultados demonstram, assim, que embora a maior parte da população seja atendida pelas classes de maior conforto “sim, em pelo menos um cômodo” (R$ 962,51) e “sim, somente no imóvel ou terreno” (R$ 518,21) a renda é um fator de influência neste acesso, já que os domicílios que contam, de alguma forma, com água encanada, correspondem à população de maior renda média. Paralelamente, a classe que indica a indisponibilidade de água encanada para o domicílio corresponde por sua vez, às populações com menor renda média (R$ 249,78).

4.4. Relação entre renda e acesso à energía elétrica

Conforme Tabela 11, as estatísticas descritivas demonstram que os domicílios que contam com energia elétrica proveniente de uma empresa de distribuição apresentam renda total média mais alta que aqueles que contam com energia elétrica proveniente de outras fontes, assim como aqueles onde não há energia elétrica. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001. Comparações posteriores entre pares de médias realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças entre todas as classes, sendo entre as condições 1 e 2 (p < 0,001), 1 e 3 (p < 0,001) e 2 e 3 (p < 0,001).

Os resultados demonstram, desta maneira, que embora a maior parte da população seja atendida pelas classes de maior conforto “sim, fornecida por uma empresa de distribuição” (R$ 916,57) e “sim, a partir de outras fontes” (354,11), conforme Tabela 5, a renda é um fator de influência neste acesso, já que os domicílios que contam, de alguma forma, com energia elétrica correspondem às populações de maior renda média. Paralelamente, a classe que indica a indisponibilidade de energia elétrica para o domicílio corresponde, por sua vez, às populações com menor renda média (R$ 193,22).

4.5. Relação entre renda e esgotamento sanitário

Conforme Tabela 12, as estatísticas descritivas demonstram que os domicílios atendidos por rede pública de esgoto ou sistema de drenagem apresentam renda total média mais alta que nas demais classes. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que, em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001. Comparações posteriores entre pares de médias realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças entre todas as classes, todas ao valor p < 0,001.

Como se pode observar, as duas primeiras classes, que indicam a existência de alguma forma de esgotamento sanitário para o domicílio, sendo elas “rede pública de esgoto ou sistema de drenagem” (R$ 1175,90) e “esgoto séptico” (R$ 907,35) correspondem, também, às maiores rendas médias, sendo esta diferença estatisticamente significativa em relação a todas as demais classes. Por sua vez, menores rendas médias correspondem a classes de menor conforto, sendo elas “outros” (R$ 286,19) e “vala” (R$ 361,45).

Os resultados demonstram, desta maneira que, embora a maior parte da população seja atendida pela classe de maior conforto “rede pública de esgoto ou sistema de drenagem” (R$ 1175,90), a renda é um fator de influência neste acesso, já que os domicílios atendidos pela classe de maior conforto correspondem à população de maior renda

Tabela 10
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e disponibilidade de água encanada
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Sim, em pelo menos, um cômodo145023216962,513801,345,316961,90963,1301754000
2. Sim, somente no imóvel ou terreno6078464518,212818,4391,143515,97520,450518000
3. Não possui água encanada10073567249,78727,925,229249,33250,230200000
Total161175247901,213656,534,288900,65901,7801754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 11
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e disponibilidade de energia elétrica
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Sim, fornecida por uma empresa de distribuição157370774916,573693,166,294915,99917,1401754000
2. Sim, a partir de outras fontes1722599354,111947,7411,484351,21357,020250000
3. Não há eletricidade2081873193,22419,101,290192,66193,79066120
Total161175247901,213656,534,288900,65901,7801754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

Tabela 12
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e tipo de esgotamento sanitário
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Rede pública de esgoto ou sistema de drenagem871330601175,904485,976,4811174,961176,8401754000
2. Esgoto séptico19049963907,353682,834,844905,70909,000950000
3. Fossa séptica rudimentar40755304512,981594,528,250512,49513,470709000
4. Vala4143575361,45716,849,352360,76362,150107220
5. Rios, lagos ou mar 3434916480,412014,4401,087478,28482,540700000
6. Outros2290921286,191528,7841,010284,21288,170300000
Total156807739921,223704,759,296920,64921,8001754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

média. Paralelamente, as menores rendas médias correspondem às classes que representam graus mais precários de atendimento para esta variável.

4.6. Relação entre renda e escolaridade

Conforme Tabela 13, as estatísticas descritivas demonstram que as pessoas com curso superior completo apresentam renda total média

mais alta que as demais classes. Realizada a ANOVA, rejeita-se a hipótese nula H0, assumindo-se que, em pelo menos um par, as diferenças entre as médias populacionais são estaticamente significativas ao valor de F de Brow-Forsythe, p < 0,001. Comparações posteriores entre pares de médias realizadas recorrendo ao teste post hoc HSD de Tukey confirmaram as diferenças entre todas as classes, todas ao valor p < 0,001.

Os resultados demonstram que as classes que representam os maiores níveis de escolaridade, quais sejam, “ensino superior completo” (R$ 3805,37) e “ensino médio completo/ensino superior incompleto” (R$ 1070,30) correspondem às maiores rendas médias. Paralelamente, as classes com menores graus de escolaridade correspondem às menores rendas médias, respectivamente “não alfabetizado/ensino fundamental incompleto” (R$

441,62) e “ensino fundamental completo/ensino médio incompleto” (R$ 614,96). Interessante ainda notar que, conforme a Tabela 13, a classe de maior frequência (não alfabetizado/ensino fundamental incompleto) é também a de menor renda média, enquanto a classe de menor frequência (ensino superior completo) representa a maior renda média.

No entanto, é possível que a frequência da classe de menor renda média (não alfabetizado/ensino fundamental incompleto) possa ser impactada pela presença de crianças em idade escolar regular (e não necessariamente indivíduos que tenham abandonado os estudos) já que o universo considera pessoas a partir de 05 anos de idade.

5. Discussão e resultados

Com base na análise dos resultados deste trabalho, os dados demonstram que, em todas as variáveis testadas, as classes de maior conforto apresentaram também as maiores médias de renda; por sua vez, as classes que representavam graus mais precários de atendimento, ou a indisponibilidade do serviço, corresponderam às menores rendas médias, o que era esperado considerando o que prescreve a visão crítica da justiça ambiental (Acselrad, 2002, 2004, 2022; Santos et al., 2022; Santos, 2020; Porto,

Tabela 13
Estatísticas descritivas ANOVA renda total e grau de escolaridade
ClassesNMédiaDesvio PadrãoErro Padrão95% Intervalo de confiança da médiaMínimoMáximo
Limite InferiorLimite Superior
1. Não alfabetizado/ensino fundamental incompleto81425815441,621435,762,159441,31441,930600000
2. Ensino fundamental completo/ensino médio incompleto28183163614,962112,520,398614,18615,730600000
3. Ensino médio completo/ ensino superior incompleto380178171070,303250,337,5271069,261071,330802550
4. Ensino superior completo134620093805,379910,9462,7013800,073810,6601754000
Total161088803901,423654,787,288900,86901,9801754000
Elaborado pelos autores a partir de IPUMS (2022).

2011; Acselrad, Mello & Bezerra, 2009; Schlosberg, 2007; Bullard, 2004; Gould, 2004; Herculano, 2002).

As estatísticas descritivas das variáveis de agrupamento demonstram que as maiores frequências estão concentradas nas classes de maior conforto, nos seguintes termos: abastecimento de água: 81,4%; destinação do lixo: 78,6%; disponibilidade de água encanada: 89,3%; disponibilidade de energia elétrica: 97,4%; esgotamento sanitário: 54,5%. Além disso, os resultados inferenciais comprovaram que a renda é um fator determinante para o acesso nas variáveis testadas. Assim, esta concentração das frequências nas classes de maior conforto acaba por dissimular a ocorrência de proteção ambiental desigual da população brasileira em termos de renda para as variáveis testadas na presente pesquisa, conforme alertado por Acselrad, Mello & Bezerra (2009).

De outro lado, embora as menores frequências estejam concentradas nas classes mais precárias, estas concentram também as populações com rendas médias significativamente mais baixas, sendo a renda, também, um fator estatisticamente significativo para esta distribuição.

Em relação à variável abastecimento de água, as duas classes com menores rendas médias,

“poço ou nascente na aldeia” (classe 9) e “poço ou nascente fora da aldeia” (classe 10) apontam para o fato de que, para esta variável, além da renda, a etnia foi também um fator relevante para o acesso (dado que estas duas classes são aplicáveis especificamente às populações indígenas). Neste sentido, resultados semelhantes foram obtidos por Acselrad, Mello & Bezerra (2009), já que os autores, a partir do cruzamento de dados disponibilizados pelo IBGE na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, comprovaram que a raça é também um fator de influência no que tange à distribuição da oferta de saneamento básico. No entanto, os pesquisadores alertam para o fato de que, a despeito deste resultado, é prudente a realização de novas pesquisas, antes que se possa inferir pela existência, no Brasil, de um racismo ambiental nos moldes da percepção inicial do movimento norte-americano.

Por sua vez, Morato, Kawakubo e Luchiara (2005), em estudo similar ao da presente pesquisa, investigaram a existência de desigualdades espaciais na distribuição dos índices de qualidade ambiental no Distrito de Campo Limpo/SP. Assim, a partir dos indicadores “abastecimento de água”, “destino da água servida e do lixo”, “ocorrência de domicílios improvisados” e “presença de cobertura vegetal", os autores geraram um Índice de Qualidade Ambiental Urbana, o que, a partir de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) possibilitou a análise espacial da distribuição do índice para o Distrito. A população foi dividida em cinco grupos, de acordo com seu índice de qualidade ambiental, e foi calculada a renda média de cada um dos grupos.

Os resultados obtidos, que seguiram a mesma tendência observada na presente pesquisa, demonstraram que as áreas com piores índices de qualidade ambiental urbana correspondiam às áreas habitadas pelas populações de mais baixa renda, havendo forte correlação espacial entre os rendimentos dos responsáveis pelos domicílios com a qualidade ambiental urbana. Ou seja, aqueles que viviam sob condições ambientais mais favoráveis tinham os mais altos rendimentos, enquanto os de renda mais baixa viviam sob as piores condições. A mesma pesquisa foi replicada pelos autores nos Distritos de Santo Amaro/SP e Lapa/SP, obtendo-se os mesmos resultados (Morato & Kawakubo, 2006; Morato et al. 2005).

Ainda neste sentido, Cartier et al. (2009) realizaram estudo no Distrito Industrial Fazenda Botafogo, município do Rio de Janeiro. Na pesquisa, os autores procuraram investigar a existência de correlação entre grupos socialmente vulneráveis e risco ambiental, tendo como referência a proximidade de indústrias na região. Os resultados apontaram que, na região analisada, as populações com as piores condições socioeconômicas (dentre elas, esgotamento sanitário inadequado, coleta de lixo inadequada, domicílios sem banheiros, domicílios não atendidos por rede geral de distribuição de água) tendiam a se localizar mais próximas às fontes industriais de riscos ambientais. De modo inverso, também foi verificado que os grupos populacionais com melhores condições socioeconômicas tendiam a se localizar mais distantes de tais espaços, o que também corroborou um cenário de injustiça ambiental para a região.

Em relação ao grau de escolaridade, observou-se uma tendência similar às variáveis de saneamento, pois a classe referente ao maior nível de escolaridade corresponde à maior renda média, ao passo que a classe de menor escolaridade corresponde à menor renda média. Neste mesmo sentido, o estudo de Cartier et al. (2009) demonstrou a existência de correlação entre nível de instrução e proximidade de áreas de risco, na medida em que populações com menores níveis de instrução tendem a residir mais próximas de áreas de risco ambiental, enquanto populações com maiores níveis de escolaridade tendem a residir em locais mais afastados das áreas de risco.

Assim, os achados da presente pesquisa corroboram a visão crítica de autores como Porto (2011), Acselrad, Mello & Bezerra (2009), Acselrad (2002, 2004), Bullard (1996, 2004), Gould, Schnaiberg & Weinberg (1996), Gould (2004) e Herculano (2002), já que restou demonstrado que os segmentos sociais mais pobres são também os mais desfavorecidos em termos de proteção ambiental. Neste sentido, os resultados inferenciais deste estudo se alinham àqueles alcançados em outras pesquisas de mesma natureza já realizadas no país, apontando para a ocorrência de proteção ambiental desproporcional da população brasileira, em termos de renda, no ano de 2010. Importante ainda destacar que as tendências regionais observadas nas pesquisas de Cartier et al. (2009) e Morato et al. ( 2005, 2006) confirmam os resultados nacionais obtidos no estudo ora realizado, , conformando um cenário de injustiça ambiental no país.

A esse respeito, conforme aponta Schlosberg (2007), a injustiça ambiental reflete quatro dimensões: distribuição, reconhecimento, participação e capacidades. Isto porque, conforme pondera Young (1990, 2000), a hierarquização que se observa entre diferentes grupos no contexto social não é circunstancial, mas sim determinada por mecanismos sociais típicos de sociedades capitalistas contemporâneas; ou seja, trata-se de uma hierquização estrutural. Sendo assim, a par do aspecto distributivo da injustiça ambiental, referente à desproporcionalidade na distribuição dos riscos e impactos ambientais entre as populações socialmente mais vulneráveis, não há como não agregar à discusssão da injustiça ambiental a questão do reconhecimento da vulnerabilidade social de determinados grupos ou comunidades, nem a importância da efetiva participação social nas instâncias decisórias ambientais e a garantia do funcionamento individual e comunitário como medidas igualmente importantes na construção da justiça ambiental (Schlosberg, 2013).

Neste aspecto, a sobreposição espacial entre pobreza e desproteção ambiental que foi estatisticamente comprovada em todas as variáveis testadas no presente estudo reflete uma das dimensões mais evidentes da injustiça ambiental: o seu aspecto distributivo. E, considerando que a justiça ambiental é uma estrutura multidimensional, o aspecto distributivo aqui evidenciado é fundamental para permitir inferir que a proteção ambiental no Brasil reflete não apenas a má distribuição dos riscos entre as populações, mas também, e muito provavelmente, lesões por ausência de reconhecimento, falta de participação social e impossibilidade do funcionamento de indivíduos e comunidades.

6. Considerações finais

No presente trabalho, a partir de uma leitura da temática ambiental em termos de distribuição e justiça, buscou-se tem por objetivo mensurar a relação entre renda e acesso à proteção ambiental no Brasil

Assim, adotando como indicadores de injustiça ambiental os seguintes dados secundários da população brasileira para o ano de 2010 disponibilizados pelo projeto IPUMS International: renda total; abastecimento de água; destinação do lixo; disponibilidade de água encanada; disponibilidade de energia elétrica; esgotamento sanitário; e grau de escolaridade, procurou-se verificar, através de ferramentas estatísticas, uma possível influência da variável renda sobre as demais variáveis.

Processada a ANOVA, as estatísticas descritivas apontaram que, em todas as variáveis testadas, as classes que representavam maiores graus de conforto apresentavam também maiores médias de renda total, ao passo que as classes que representavam graus mais precários de atendimento, ou mesmo a sua indisponibilidade, correspondiam às rendas médias mais baixas. Em todas as situações testadas, considerando F de Brow-Forsythe (Brown & Forsythe, 1974), rejeitou-se a hipótese nula H0, assumindo-se que as diferenças entre as médias populacionais apresentavam diferenças estatisticamente significativas em pelo menos um par.

Por sua vez, os testes post hoc HSD de Tukey confirmaram diferenças estatisticamente significativas em todos os pares de médias testados nas variáveis: disponibilidade de água encanada; disponibilidade de energia elétrica; esgotamento sanitário e grau de escolaridade. Para a variável “abastecimento de água”, o teste pos hoc de Tukey não confirmou diferença estatisticamente significativa em 08 pares de médias, enquanto na variável “destinação do lixo”, em 01 par de médias. Todos os noves pares de médias que que não apresentaram diferença estatisticamente significativa corresponderam a classes de maior precariedade ou indisponibilidade do serviço, apresentando médias de renda significativamente mais baixas.

Os resultados inferenciais corroboram, desta maneira, a existência de uma lógica de distribuição discriminatória dos riscos ambientais, por meio da qual as populações mais pobres são também as mais vulneráveis em termos de proteção ambiental e acesso a serviços públicos básicos. Isto porque, muito embora os indicadores selecionados no presente trabalho tenham, a princípio, apresentado altos índices de atendimento nas classes de maior conforto, estas médias dissimulam uma relação subjacente, na qual as classes de menor conforto para a variável, ou mesmo de sua indisponibilidade, coincidem com as populações de mais baixa renda, sendo esta diferença estatisticamente significativa em todos os casos.

Assim, naturalizar a relação entre pobreza e exposição a riscos ambientais equivale a invisibilizar um universo de populações que suportam uma parcela injusta dos riscos e da degradação ambiental, em decorrência de processos sociais, políticos e econômicos próprios das sociedades capitalistas. Por sua vez, desnaturalizar esta relação, como na proposta da presente pesquisa, expondo a existência de uma lógica entre desigualdade social e proteção ambiental, é um passo extremamente importante na compreensão e trato das celeumas ambientais: significa trazer ao cerne do debate as desigualdades e discriminações que caracterizam as relações do capital, na busca pela construção de resultados ambientalmente mais justos e democráticos.

Neste sentido, o estudo realizado permite questionar a visão reducionista segundo a qual a degradação ambiental afeta a todos de forma indiscriminada. Não é por acaso que as populações economicamente mais pobres sejam também as mais marginalizadas em termos de acesso a serviços públicos e estejam mais expostas aos problemas ambientais. Assim, o conjunto de achados desta pesquisa pode contribuir evidenciar cenários de injustiça ambiental que, a princípio, poderiam ser encobertos pelas altas médias de atendimento nos indicadores de injustiça ambiental apresentadas por uma determinada região.

Como limitações do presente trabalho, pode-se apontar o fato de que os universos das variáveis “renda total” e “grau de escolaridade”, correspondem, respectivamente, a pessoas com idade igual ou superior a 10 e 5 anos de idade. Este fato pode ter influenciado as análises realizadas, já que parcelas expressivas da população brasileira apresentavam renda zero (25%) e estavam concentradas na classe “não alfabetizado/ensino fundamental incompleto” (58%). Contudo, pelo formato dos dados disponibilizados pelo IPUMS, não foi possível redimensionar as variáveis, restringindo seu universo a pessoas com 18 anos ou mais (o que poderia ter contribuído para resultados ainda mais representativos). Outra limitação refere-se à atualidade dos dados analisados, que são referentes ao último censo de 2010, uma vez que o Censo 2022 ainda não se encontra finalizado.

A partir destas reflexões, futuros estudos podem apresentar análises que abordem, para além da dimensão nacional, as desigualdades regionais e socioespaciais, inclusive com caráter comparativo. Além disso, podem também agregar novas variáveis às análises, adicionando, para além de outros elementos ligados à saúde e conforto da população, variáveis como raça ou gênero, possibilitando uma leitura mais completa da proteção ambiental, em termos de desigualdade social e justiça ambiental. Por fim, a repetição do estudo com dados recentes, coletados no Censo 2022 podem servir como parâmetros para analisar se houve evolução ou piora no cenário de proteção ambiental da população brasileira no período.

7. Contribuições dos autores:

Pollyana Martins Santos: conceituação; metodologia; análise formal; investigação; escritura original, preparação do borrador; redação – revisão e edição; recursos; curadoria de dados; administração do projeto; aquisição de fundos.

Gustavo Bastos Braga: conceituação; metodologia; análise formal; investigação; escritura original, preparação do borrador; redação – revisão e edição; recursos; curadoria de dados; administração do projeto; aquisição de fundos.

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Notas

[i] Embora o Censo 2022 ainda não tenha sido finalizado, os dados coletados até o dia 25 de dezembro de 2022 apontam para uma população estimada de 207,8 milhões de habitantes no país. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/35954-brasil-tem-207-8-milhoes-de-habitantes-mostra-previa-do-censo-2022.
[ii] Foram utilizados os dados censitários do ano de 2010 por serem os únicos disponíveis no momento de construção da pesquisa, considerando que, até o momento, o Censo 2022 ainda não se encontra finalizado.
[iii] O projeto IPUMS International é mantido por meio de uma parceria entre a Universidade de Minnesota (EUA) e institutos nacionais de estatística em todo o planeta, os quais fornecem os dados ao projeto americano e permitem a sua divulgação. Disponível em https://international.ipums.org/international/.
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