Artigos
Planejamento territorial e Geografia Renovada – enfrentando as desigualdades socioespaciais na América Latina
Planificación territorial y Geografía Renovada - enfrentando las desigualdades socioespaciales en América Latina
Territorial planning and Renewed Geography – facing socio-spatial inequalities in Latin America
Planejamento territorial e Geografia Renovada – enfrentando as desigualdades socioespaciais na América Latina
PatryTer, vol. 8, núm. 15, e55746, 2025
Universidade de Brasília
Recepción: 01 Septiembre 2024
Aprobación: 01 Octubre 2024
Publicación: 01 Noviembre 2024
Resumo: O artigo examina como a Geografia Renovada pode aprimorar o planejamento territorial, enfatizando uma crítica a algumas teorias e práticas atuais. Diante das crescentes crises causadas por usos seletivos do território que aprofundam desigualdades socioespaciais, é fundamental que a geografia se comprometa com a resolução de problemas e com métodos que considerem relações territoriais mais complexas. O planejamento territorial deve integrar diferentes escalas, considerar os aprendizados do passado — desde os períodos autoritários até experiências mais recentes — e focar na participação social para superar as crises atuais. Destacam-se, ainda, a necessidade de se considerar interações entre organização social e espacial integradas e dos três tipos de eventos (homólogo, complementar e hierárquico) para um planejamento mais eficaz. Por fim, ressalta-se a necessidade de se compreender as relações entre espaço e lugar, bem como da utilização das recentes potencialidades técnicas e científicas para um planejamento mais soberano nos países do Sul.
Palavras-chave: planejamento territorial, Geografia Renovada, desigualdades socioespaciais, América Latina, solidariedades geográficas.
Resumen: El artículo examina cómo la Geografía Renovada puede mejorar el planeamiento territorial, enfatizando una crítica a algunas teorías y prácticas actuales. Ante las crecientes crisis causadas por usos selectivos del territorio que profundizan las desigualdades socioespaciales, es fundamental que la geografía se comprometa con la resolución de problemas y con métodos que consideren relaciones territoriales más complejas. El planeamiento territorial debe integrar diferentes escalas, considerar las lecciones del pasado —desde los períodos autoritarios hasta experiencias más recientes— y centrarse en la participación social para superar las crisis actuales. También se destaca la necesidad de considerar las interacciones entre organización social y espacial, así como los tres tipos de eventos (homólogos, complementarios y jerárquicos) para un planeamiento más eficaz. Por último, se subraya la necesidad de comprender las relaciones entre espacio y lugar, así como de utilizar las recientes potencialidades técnicas y científicas para un planeamiento más soberano en los países del Sur.
Palabras clave: planificación territorial, Geografía Renovada, desigualdades socioespaciales, América Latina, solidaridades geográficas.
Abstract: This article examines how Renewed Geography can improve contemporary spatial planning, emphasizing the importance of critiquing some of practices and theories. Facing growing crises resulting from selective uses of territory that exacerbate socio-spatial inequalities, it is essential for geographical science to commit to solving problems and developing methods that encompass more complex social and territorial relations. Territorial planning must include different geographical scales, taking into account lessons learned from the past—ranging from authoritarian periods to recent experiences—while also focusing on public participation to address current crises. The article highlights the importance of understanding the interactions between social and spatial organization and underscores the relevance of three types of events (homologous, complementary, and hierarchical) for more effective planning. Finally, the necessity of understanding the relationships between space and place is emphasized, along with the use of recent technical and scientific potentials for more sovereign planning in the Global South.
Keywords: territorial planning, renewed geography, socio-spatial inequalities, Latin America, geographical solidarities.
1. Introdução
Ao explorar esses temas, a ciência geográfica será capaz de contribuir significativamente para a construção de um futuro em que o planejamento territorial não apenas informe, mas também transforme a realidade, assegurando igualdade, soberania e o direito à autodeterminação dos povos, governos e países do Sul nas sociedades contemporâneas.
As sociedades do mundo contemporâneo têm padecido de crises constantes, reveladas de diferentes formas. O aumento das desigualdades, dos conflitos, da fome, da miséria e da violência, são algumas das manifestações geográficas dessas crises (Souza, 2021; Santos, 2006), neste período de desordem estrutural do capitalismo, no qual as contradições parecem cada vez mais acirradas.
Além das profundas desigualdades que criam enormes tensões sociais, a intensificação da crise tenderá a ocorrer por conta da continuidade da expansão das inovações tecnológicas (com incremento do valor), da dilatação de crescentes massas humanas expropriadas, mas crescentemente incluídas no processo de extração da mais-valia; e com a continuidade do acúmulo do capital que, no transcorrer do tempo, deixa mais difícil atender às necessidades e desejos da humanidade (Roberts, 2020).
Outro problema encontra-se com a chamada crise ecológica. O denominado desenvolvimento sustentável, definição de essência política e ideológica, é mais uma das metáforas do capitalismo (Souza, 2009), e que se apresenta como aparente solução para a degradação da natureza causada pelas dinâmicas do modo de produção hegemônico.
A desejada sustentabilidade possui lógica interna inconciliável com os objetivos do próprio sistema capitalista (Vizeu, Meneghetti & Seifert, 2012). Um dos problemas dessa definição é que ela não considera a insustentabilidade como consequência de um modo de produção que sobrevive da exagerada utilização dos recursos naturais, da escassez, das desigualdades e da exploração humana como motores de suas dinâmicas planetárias (Souza, 2009).
O fim das certezas, no período atual, ancora-se na crise terminal do determinismo clássico e na complexidade e infinitude de incertezas do mundo contemporâneo, que apontam para a necessidade de mudança dos paradigmas e uma nova concepção do tempo, na lida com os sistemas naturais e sociais (Prigogine, 1996).
Durante uma dessas crises mais recentes (iniciada em 2020), ocasionada pela pandemia causada pelo vírus Sars-Cov2 (Covid19), por conta de as grandes cidades metropolitanas do mundo terem sido desproporcionalmente afetadas (Wuhan, Milão, Paris, São Paulo, Londres, Nova Iorque, dentre outras), a forma arquitetônica da cidade e os propósitos do planejamento urbano também passaram a ser questionados, a fim de serem reexaminadas suas prioridades (Alraouf, 2021).
Outros autores interrogaram – durante a pandemia – as características e fundamentos até então considerados positivos das metrópoles modernas, como as vantagens do tamanho da grande cidade, sua alta densidade, o transporte de massa, o uso livre do espaço público e a mobilidade individual irrestrita (Kakderi, Komninos, Panori, & Oikonomaki, 2021).
Em outras escalas, a crise contemporânea também ocorre pelo acentuado aumento das desigualdades, pois as dinâmicas econômicas e tecnológicas capitalistas beneficiam desproporcionalmente determinados grupos e regiões, em detrimento de outros. Essa desigualdade manifesta-se em diferentes níveis de acesso a recursos, oportunidades e qualidade de vida, exacerbando as disparidades econômicas e sociais.
A fragmentação territorial é outro aspecto crítico dessa crise. A emergência de redes globais e a interconexão entre diversas regiões têm levado à desarticulação de áreas anteriormente coesas. Essa fragmentação resulta em tensões entre o local e o global, criando conflitos e crises em nível regional que dificultam a coesão social e territorial.
Além disso, a globalização, enquanto interconecta diferentes partes do mundo, gera reações locais que podem variar entre resistência e adaptação. A tensão entre o global e o local representa uma face da crise contemporânea, onde identidades locais são ameaçadas pela homogeneização cultural promovida pela globalização.
A desconexão entre dinâmicas locais e nacionais é uma expressão adicional dessa crise. A crescente ruptura entre as atividades econômicas das grandes cidades e suas regiões circunvizinhas aponta para um descompasso entre o desenvolvimento urbano e rural integrados. Essa situação frequentemente resulta em áreas de prosperidade ao lado de regiões em declínio, evidenciando um desenvolvimento desigual e combinado (Gough, 2014). Decorrente da acumulação do capital e da multiplicidade política, esse processo exige uma análise dos mecanismos causais subjacentes (Dunford & Liu, 2016).
As dificuldades de enfrentamento dessas crises nos campos acadêmico e científico ocorrem, ao menos, por uma tripla razão – a primeira, pela própria contradição das ciências humanas e sociais que, seduzidas pelo mercado, abdicaram em grande parte do seu papel de análise e de crítica social; a segunda, pelo seu distanciamento (incluída a ciência geográfica) do planejamento territorial, e pela predominância do planejamento setorial[i]; por fim, pelo planejamento ainda utilizar ferramentas inadequadas, obsoletas ou pouco comprometidas com a transformação da realidade social.
A ideia central deste artigo de natureza teórica, empírica e metodológica, é analisar como a Geografia Renovada (Souza, 2021; Souza, 2021a) pode ser uma ferramenta importante para a realização de um planejamento territorial mais competente, e que contribua para a superação do paradigma do planejamento setorial, hoje hegemônico no Brasil e em outros países latino-americanos.
O planejamento deve ir além da mera soma de setores e disciplinas, buscando uma compreensão mais profunda das interações sociais e espaciais, e deve ter um alto grau de comprometimento ético, buscando melhorar as condições do espaço e da sociedade, e não apenas aplicar técnicas de forma neutra (Souza, 2021).
Assim, além da revisitação de textos e obras fundamentais da Geografia e do planejamento, pretende-se também desenvolver um diálogo com o pensamento de Milton Santos e de Maria Adélia de Souza. Ele, um dos principais intelectuais brasileiros, com sua proposição de uma Geografia Nova (Santos, 2003, 2004, 2006). Ela, uma geógrafa e planejadora competente, intelectual orgânica e uma das pioneiras no Brasil (Braga, 2021), com atuação em diferentes universidades – brasileiras e estrangeiras – e em órgãos de planejamento territorial, urbano e regional no país[ii] .
A esperança no diálogo frutífero entre a Geografia Renovada e o planejamento territorial, em busca da análise da totalidade e prática de um planejamento mais eficaz, é o que também motivou esta reflexão, como será demonstrado a seguir.
2. Desafios para a ciência geográfica em seu compromisso com as mudanças do mundo
As ciências humanas e sociais – incluída a ciência geográfica – podem desempenhar um papel essencial para melhoria das condições de vida no mundo contemporâneo, conforme observado por Souza (2011). Quando fundamentadas em paradigmas e teorias consistentes, essas disciplinas oferecem contribuições significativas para a compreensão dos desafios sociais, políticos e econômicos enfrentados pela humanidade.
Dentre os principais desafios enfrentados pelas ciências sociais nas universidades atualmente, inclui-se confrontar uma condição de crescente submissão às agendas do mercado e das empresas. Este processo ameaça a autonomia acadêmica e a busca por um saber crítico e desinteressado, uma vez que a pressão por resultados rápidos e aplicáveis pode desvirtuar a essência reflexiva e questionadora que caracteriza as humanidades. A integração crescente do setor privado nas instituições de ensino impõe critérios de eficiência e produtividade que nem sempre são compatíveis com os objetivos das humanidades (Souza, 2015).
Essa subordinação da universidade ao mercado nega a própria missão da universidade, como defendida por Ortega y Gasset, que seria a transmissão da cultura (como um espaço onde as ideias vivas e relevantes do seu tempo são ensinadas, promovendo uma compreensão clara do universo e do mundo); o ensino de profissões (preparando os alunos para exercerem o trabalho de maneira competente); a realização da pesquisa científica e a formação de novos pesquisadores (preparando a próxima geração de acadêmicos e pensadores críticos) (Escámez Sánchez, 2010).
Segundo Santos (2023), no caso da geografia tradicional, uma disciplina ultrapositivista e fragmentada (Porto & Vitiello, 2020), seu desinteresse pela sociedade e pelas classes sociais colabora para aumento da alienação e do oportunismo; e sua falta de compromisso com a transformação da realidade social, contribui para a reprodução do status quo, ao perpetuar visões que não questionam, criticam ou desafiam as estruturas de poder existentes (Santos, 2023).
Outro desafio é a necessidade urgente de desenvolver uma compreensão do mundo contemporâneo, desde uma abordagem interdisciplinar. Com o avanço contínuo do meio técnico, científico e informacional[iii], as áreas de humanidades necessitam se adaptar e refletir sobre como essas transformações impactam a produção de conhecimento e a pesquisa acadêmica contemporânea.
Ao substituir o meio natural e o meio técnico anterior por uma ordem racionalizada que visa aumentar a eficiência em todos os aspectos da vida, a técnica contemporânea sustenta uma outra ordem social, criando novas relações entre espaço e tempo (Santos, 2006). Essa técnica se estrutura sobre a superfície do planeta, formando o que Santos denomina de tecnoesfera[iv] e psicoesfera[v].
A clássica divisão entre disciplinas torna-se insuficiente para abordar a complexidade dos problemas atuais, demandando uma adaptação metodológica que permita um diálogo frutífero entre diferentes campos do saber. A desvalorização das humanidades em comparação com as ciências exatas e tecnológicas também representa outro desafio significativo.
Em muitos países emergentes, como o Brasil, priorizam-se áreas de conhecimento voltadas para o desenvolvimento tecnológico e econômico, em detrimento das humanidades. Este desequilíbrio suscita inquietações sobre seu papel e a relevância, mesmo que a formação crítica e humanística seja essencial para o desenvolvimento integral do indivíduo e para a construção de uma sociedade consciente e democrática.
A crítica aos métodos e temas iluministas nas ciências humanas sugere que tais abordagens podem estar desatualizadas e desconectadas das realidades contemporâneas. Segundo Souza (2015), a permanência dessas perspectivas clássicas limita a capacidade das ciências humanas de transformar e inovar, tornando-as menos capazes de responder às demandas atuais. Esta crítica aponta para a necessidade da reformulação das bases teóricas e metodológicas das humanidades, para que possam dialogar com as questões emergentes.
Santos também destaca como nos países subdesenvolvidos, mais pobres ou atrasados, a “(...) geografia se colocou a serviço de um planejamento da economia e do espaço geográfico que aumentaram a dependência externa e consagraram a pobreza como algo normal, como resultado indispensável do crescimento, jamais tendo se preocupado com os pobres ou com a independência real da nação” (Santos, 2023, p. 7).
Por outro lado, se o que se busca for a diminuição das desigualdades e promoção de justiça social, a geografia nova e o planejamento territorial devem estar preocupados em não ser instrumentos da exploração dos indivíduos, ou de sua separação (Santos, 2023). Já Maria Adélia de Sousa aponta que essa mudança positiva pode ocorrer quando o espaço geográfico for considerado como seu único objeto de estudo, não separando o “como”, o “que” e o “onde”, ao abordar a totalidade social, com clareza metodológica, competência acadêmica, qualidade técnica e rigor ético (Sousa, 2021).
Sousa (2021) também defende que, nessa busca pela compreensão de um mundo cada vez mais complexo, além do rigor metodológico, a Geografia Renovada não deve permanecer isolada, mas sim promover interconexões com outras áreas do conhecimento, em busca tanto da compreensão das dinâmicas sociais, mas também da formação de geógrafos e planejadores que possam responder às demandas do mundo atual.
O planejamento territorial - considerado uma ciência aplicada – deve envolver equipes multidisciplinares e adotar a interdisciplinaridade. Essa abordagem é caracterizada pela integração das equipes em torno de um objeto de estudo ou intervenção comum, derivado de uma temática concreta. A soma dos conhecimentos, com uma valorização maior das ciências humanas, é de extrema importância.
Souza (2015) enfatiza a relevância da interdisciplinaridade no planejamento territorial, que – além das áreas exatas e tecnológicas - também deve integrar conhecimentos das ciências humanas e sociais para ser eficaz. A ausência dessa integração pode levar a abordagens que ignoram a complexidade do espaço geográfico como uma instância social, comprometendo assim a eficácia das intervenções planejadas. A pesquisa interdisciplinar também é vista como uma maneira de estimular a criatividade, apoiar a inovação e atender a necessidades sociais urgentes (Chen, Gingras, Arsenault & Larivière, 2014).
Outra crítica levantada é em relação ao pragmatismo excessivo. A ênfase em resultados imediatos e inovações tecnológicas, sem uma reflexão crítica sobre suas implicações sociais e éticas, tende a produzir um planejamento que não atende às reais necessidades da população. Também é fundamental que se tenha um olhar atento para posturas e comportamentos neoliberais no planejamento, sob uma perspectiva tríplice: a formulação das políticas, a elaboração dos projetos e o funcionamento do governo, garantindo que a implementação das políticas esteja alinhada às expectativas da população (Tulumello, 2015).
A fragmentação do objeto de estudo da Geografia, o espaço geográfico, resulta em uma geografia despedaçada, contribui para aprofundar a crise disciplinar, para o aumento da alienação e a promoção do planejamento setorial, que consome cada vez mais recursos, gera ou aprofunda sucessivas crises. Para apontar outros caminhos mais promissores, foram fundamentadas as análises a seguir.
3. O planejamento territorial e o planejamento regional: legados, crises e atualidade
O planejamento pode ser caracterizado como uma ação ou processo que abrange, de forma articulada, dimensões técnicas, científicas e políticas. No contexto do planejamento regional (Souza, 1979), reconhece-se a complexidade dessa disciplina, a qual vai além de técnicas e ciência, incorporando igualmente a política como instância social.
Já a dimensão política do planejamento envolve a interação com agentes sociais e políticos, e a cooperação entre diferentes níveis governamentais. A concretização de políticas de desenvolvimento depende, significativamente, da vontade política, da competência e solidariedade entre esses diferentes agentes.
Na década de 1970, a dimensão técnica do planejamento envolvia a aplicação de métodos especializados, como estatísticas e contabilidade econômica, além de pesquisa operacional. Elas permitiam que planejadores conseguissem estruturar dados de forma que embasassem decisões estratégicas, voltadas às propostas de organização do espaço ou desenvolvimento regional.
No aspecto científico, o planejamento regional baseava-se em uma variedade de disciplinas, incluindo Geografia, Economia e Sociologia. Essas áreas ofereciam a base teórica e analítica que possibilitava a compreensão das dinâmicas regionais. Esse entendimento era fundamental para formulação de estratégias que fossem efetivas e adaptadas às especificidades de cada região.
Portanto, o planejamento regional era, naquele período, uma atividade multidimensional. Para alcançar eficácia, era crucial integrar, coerente e harmonicamente, os conhecimentos técnicos, científicos e políticos. Essa integração era o que possibilitava enfrentar a complexidade do desenvolvimento regional. Ao longo do tempo, parte dessa experiência se perdeu.
Ao propor formas de o planejamento regional enfrentar o problema da fome, Santos (1969) sugere integrar a planificação do abastecimento alimentar ao planejamento do crescimento econômico geral, para responder às necessidades do país de maneira eficaz.
Ao integrar ações como reforma agrária e aumento de investimentos nos setores agrícolas com foco na produção alimentar, em vez de apenas em culturas comerciais para exportação, essa mudança melhoraria significativamente a vida da população rural e geraria efeitos positivos em diversos setores sociais nas áreas urbanas (Santos, 1969). Décadas depois dessa proposta, a resolução do problema da fome ainda desperta pouco interesse da comunidade acadêmica, pois muitos não reconhecem sua importância para interpretação do mundo, como aponta Souza (2003). A autora também destaca que a urbanização e a distribuição da renda influenciam os usos do território, o que, por sua vez, afeta a distribuição de recursos e serviços, contribuindo para a perpetuação da pobreza e da fome nas áreas urbanas.
Nos períodos subsequentes, o planejamento regional enfrentou profunda crise e autores como Harrison, Galland & Tewdwr-Jones (2020) anunciaram a morte do planejamento regional. Ao procurarem identificar os elementos disruptivos que erodiram as formas tradicionais do planejamento regional, os autores reconhecem que os debates contemporâneos sobre planejamento estão centrados nas formas institucionais de planejamento, distraindo-se do conteúdo em mudança que advém do quadro do mundo real.
No período atual, a teoria regional se concentrou demasiado em algumas histórias de sucesso regional, inspiradas no passado, em detrimento da análise da natureza do capitalismo como um sistema social de acumulação inerentemente propenso a crises com resultados geográficos desiguais (Donald & Gray, 2018).
Uma crítica semelhante foi feita por Hadjimichalis & Hudson (2013), ao constatarem a crise do planejamento baseado na ciência regional, em particular aquele sustentado na Nova Geografia Econômica e no Novo Regionalismo. Os autores apontam que, ao ignorarem abordar o capitalismo como um sistema social propenso a crises produzidas pelo desenvolvimento desigual e combinado, a atual crise económica (iniciada entre 2007/08) empurrou as teorias dominantes do desenvolvimento regional para uma profunda crise teórica homóloga.
Uma relativização dessa crise do planejamento regional também foi feita por Smas & Schmitt (2020). Ao analisarem o planejamento regional em oito países europeus, o estudo aponta que o planejamento regional ainda pode ser útil, desde que adaptado – de diferentes formas – a depender do país avaliado, a contextos em mudança a partir dos anos 2000.
Matus (1987, p. 354) menciona que muitos políticos e tecnoburocratas não distinguem entre tipos de planejamento (estratégico, situacional, normativo), o que pode dificultar a modernização de suas práticas. Além disso, diz que o planejamento deve incluir a demanda social de base e articular os projetos de ação de forma que respondam efetivamente a problemas locais e urgentes.
De forma sintética, o quadro que levou ao colapso das formas de planejamento tradicional poderia talvez ter sido evitado com a incorporação nas análises e propostas dos movimentos da totalidade (Santos, 2006; Souza, 2021). É esta uma das contribuições que pode trazer a Geografia Renovada ao planejamento territorial, como será demonstrado a seguir.
3.1. As experiências concretas de planejamento setorial na América Latina: aprendizados com o passado autoritário e com o processo democrático
A história do planejamento territorial na América Latina, com foco no Brasil, revela uma trajetória pontuada por períodos de intensa centralização e autoritarismo, suprimindo a participação popular em favor de interesses políticos e econômicos específicos. Em particular, os regimes de ditadura militar na região exemplificam essa dinâmica de exclusão.
Santos (1978, 2003) considera o planejamento desse período como um instrumento de dominação que, ao invés de promover o desenvolvimento, serviu para manter a estrutura de classes e assegurar a expansão da pobreza. Ele analisa como práticas de planejamento foram moldadas por interesses externos, negligenciando as necessidades e aspirações das populações locais, contribuindo assim para um ciclo de subdesenvolvimento e atraso permanentes.
Adicionalmente, Santos (2003) apresentou várias críticas à economia política espacial, abordando questões fundamentais como a concentração, descentralização e despersonalização da economia, em conjunto com a redução da complexidade espacial (nos métodos e práticas), o atraso das teorias de crescimento e sua desconexão com a realidade dos países.
Primeiramente, Santos discute a ineficácia das teorias de descentralização concentrada e urbanização deliberada para solucionar problemas de macrocefalia e fragmentação, típicas da maior parte das grandes cidades latino-americanas durante o século XX. Ele argumenta que simplesmente redistribuir geograficamente parcelas da população prejudicadas, não altera a estrutura produtiva existente, o que, em última instância, fortalece ainda mais os centros econômicos sem promover verdadeiro bem-estar às populações excluídas.
Santos (1978, 2003) argumenta que a ideologia exerce uma influência decisiva na imposição de práticas de planejamento que podem ser prejudiciais para os países pobres. Ele aponta para a definição de necessidades dentro do planejamento, que frequentemente ocorre de maneira alheia à realidade das sociedades em questão. Essa desconexão impede a formulação de um modelo de desenvolvimento autenticamente alinhado às necessidades locais, resultando em práticas que desconsideram as especificidades culturais e sociais dos países mais atrasados. Mesmo em países de regime socialista, as desigualdades continuam a ocorrer se não houver uma modificação nos métodos e práticas do planejamento territorial, como ocorre na experiência cubana, analisada por González (2018).
Adicionalmente, Santos (2003) também aponta a falta de uma análise crítica e contextualizada que considerasse as especificidades locais, resultando em soluções inadequadas que ignoram as causas originais da pobreza e do subdesenvolvimento. Essa desconexão, segundo ele, torna o planejamento não apenas ineficaz, mas potencialmente agravante das desigualdades existentes.
Durante os períodos ditatoriais, o planejamento territorial tornou-se uma ferramenta potente para consolidar o poder das elites dominantes (Silvestre & Jajamovich, 2022). O processo era norteado pela centralização das decisões políticas e do orçamento nas mãos de um restrito grupo de técnicos, políticos e burocratas, sem o envolvimento da sociedade civil.
Mega projetos de infraestrutura, por exemplo, foram priorizados, enfatizando grandes hidrelétricas e rodovias, frequentemente gerando impactos sociais e ambientais adversos. Estes planos eram elaborados de forma genérica, ignorando as particularidades locais e as necessidades reais das populações afetadas. Além disso, o planejamento atuava como um instrumento de controle social, restringindo o acesso da população à terra e aos serviços públicos essenciais.
Não foram incomuns casos de corrupção, gastos exagerados de recursos públicos e atrasos por décadas, em obras sobre as quais não havia transparência, controle social ou debate público, como foi o caso da construção das Usinas Hidrelétrica de Yaciretá, entre Argentina (Posadas) e Paraguay (Encarnación) (Guimarães, 2011); ou de Itaipu, na fronteira entre Brasil (Foz do Iguaçu) e Paraguay (Hernandárias), considerada a maior obra do período ditatorial brasileiro (1964-1985).
Durante regimes democráticos, megaprojetos urbanísticos também desempenharam um papel crucial na transformação das paisagens urbanas e na sustentação do poder das elites, e das narrativas estatais. Tais iniciativas, como as observadas em Puerto Madero, na Argentina, e Porto Maravilha, no Brasil, exemplificam esse processo. Esses projetos de transformação urbana não servem apenas como infraestruturas funcionais, mas também como símbolos no território e na paisagem da modernização e do progresso.
No entanto, por trás dessa fachada de desenvolvimento, muitas vezes são mascaradas desigualdades sociais profundas, e injustiças, como ocorre quando há expulsão da comunidade local. Ao utilizar esses megaprojetos como ferramentas de demonstração de poder, o Estado reforça sua autoridade mostrando-se capaz de promover avanços significativos, ao mesmo tempo que reprime vozes dissidentes (Silvestre e Jajamovich, 2022).

Os megaprojetos não se limitam à realização de obras físicas; eles engendram contextos sociais e políticos que influenciam a percepção pública do poder estatal. Ao incorporar tais projetos como parte de suas estratégias urbanas, regimes autoritários conseguem projetar uma imagem de eficiência e progresso, mesmo que essas melhorias não beneficiem equitativamente todas as camadas da sociedade (figura 1). Assim, esses empreendimentos consolidam a dominância estatal na esfera pública, já que perpetuam sistemas de reprodução das desigualdades.
Além disso, esses processos de transformação urbana ilustram claramente o paradoxo de progresso promovido por regimes autoritários, ou o atraso nas formas de mobilização e participação pública, nos regimes democráticos. Enquanto apresentam uma visão de modernidade e desenvolvimento econômico, os agentes que comandam esses processos ignoram, e muitas vezes exacerbam, problemas sociais subjacentes.
Dessa forma, megaprojetos não são apenas infraestruturas tangíveis, mas também narrativas performativas que servem tanto para ostentar realizações estatais quanto para obscurecer tensões sociais. Portanto, a análise desses projetos oferece apontamentos valiosos sobre como a arquitetura de poder e urbanismo pode ser manipulada para fins políticos e ideológicos.
As consequências desse estilo de planejamento centralizado - seja durante regimes autoritários ou democráticos - têm sido profundas e duradouras. Primeiramente, houve um aumento nas disparidades sociais, onde o desenvolvimento favoreceu principalmente as elites econômicas, intensificando as diferenças já existentes, tanto em nível social quanto regional (figura 2). Em termos ambientais, a ênfase em grandes projetos de infraestrutura resultou em degradação ecológica significativa, com destruição de ecossistemas-chave e perda de biodiversidade. As repercussões culturais também foram notáveis, com a imposição de modelos de desenvolvimento homogêneos que contribuíram para a erosão das identidades culturais de diversas comunidades autóctones.

As implicações desses megaprojetos vão além de meras considerações econômicas; também reconfiguram as relações sociais e políticas dentro das comunidades afetadas. A construção de grandes obras de infraestrutura geralmente leva à exclusão das populações locais, como visto em algumas das críticas aos projetos de renovação urbana que deslocaram moradores de baixa renda (Orueta & Fainstein, 2008). O tecido social das comunidades é alterado, levando ao aumento da desigualdade e da agitação social, que os regimes autoritários costumavam suprimir por meios coercitivos (Alderman & Goodwin, 2022). O legado de tais projetos costuma ser um tema polêmico, pois eles podem deixar para trás uma sociedade dividida que luta com as consequências da rápida urbanização e das mudanças na infraestrutura.
Além dos impactos imediatos nas comunidades, o contexto histórico das ditaduras na América Latina moldou a abordagem do desenvolvimento da infraestrutura. Na época da Guerra Fria, os regimes militares priorizavam projetos de grande escala como forma de afirmar o controle e demonstrar o poder do Estado (Oteíza & Castro, 2019). O foco na infraestrutura como ferramenta de legitimidade política geralmente ocorre às custas dos processos democráticos e do envolvimento dos cidadãos, levando a um ciclo de privação de direitos e resistência.
As desigualdades sociais e territoriais acumuladas durante os anos de autoritarismo continuam a atuar como obstáculos na implementação de políticas de Estado mais justas. Além disso, muitos municípios ainda enfrentam a carência de recursos financeiros e técnicos necessários para realizar um planejamento territorial verdadeiramente participativo e eficaz, do ponto de vista técnico e científico.
Com a transição para regimes democráticos, ocorreram avanços significativos no que tange à participação popular no planejamento territorial. Novo arcabouço legal passou a assegurar a inclusão da sociedade civil em processos de planejamento através de mecanismos como audiências públicas e conselhos municipais. Contudo, o caminho ainda permanece repleto de desafios complexos.
Em tempos mais recentes, já durante períodos democráticos, o financiamento e a execução de megaprojetos envolvem frequentemente investimentos estrangeiros, particularmente de países como a China, que aumentou significativamente a sua presença na América Latina através de empresas apoiadas pelo Estado.
Müller & Colloredo-Mansfeld (2018) destacam que os investimentos chineses levaram ao desenvolvimento de grandes projetos de infraestruturas, como o Canal da Nicarágua e a ferrovia Brasil-Peru, que ecoam padrões históricos de investimento imperial. Este afluxo de capital estrangeiro pode exacerbar os riscos políticos e o clientelismo existentes na região, uma vez que as elites locais podem alinhar os seus interesses com os investidores estrangeiros, reforçando ainda mais as práticas autoritárias (Salamanca, Johnson, & Duhamel, 2016).
Outro ponto crítico são os interesses divergentes entre os múltiplos agentes envolvidos no planejamento como governos, empresas e comunidades que, frequentemente, geram conflitos e atrasam o progresso das decisões.
Desta forma, embora a democratização tenha oferecido um terreno fértil para a participação social, a realização de práticas e implementação de processos de planejamento territorial, comprometidos com a transformação para melhoria de qualidade de vida para a maioria, na América Latina e no Brasil, permanecem ainda como um objetivo desafiador, exigindo abordagens inéditas e radicais, ou seja, que enfrentem as raízes originais dos problemas, como será visto a seguir.
3.2. Os países do Sul e a nova divisão social e territorial do trabalho mundial
Os países do Sul desempenham um papel significativo e complexo na divisão territorial internacional do trabalho, caracterizando-se por sua posição subordinada dentro da hierarquia econômica global. Esses países são frequentemente vistos como locais de produção de bens e serviços que atendem às demandas dos mercados dos países do Norte, onde se concentra uma maior parte do capital e da tecnologia. Esse posicionamento reflete a dinâmica de dependência e subordinação político-econômica, inerente a essa condição.
A posição dos países do Sul como centros de produção com mão de obra barata, legislação “flexível” e recursos naturais abundantes atrai empresas transnacionais que buscam maximizar seus lucros. Nessa dinâmica, ocorre uma “expropriação” dos recursos e do trabalho local, moldando as economias desses países para servir aos interesses das grandes corporações globais (Santos, 2003). Esse processo contrasta com a possibilidade de um desenvolvimento autônomo e soberano, limitando as oportunidades de desenvolvimento independente para essas nações.
No período contemporâneo, a divisão territorial internacional do trabalho apresenta uma configuração complexa e hierárquica, refletindo dinâmicas de poder e interações econômicas globais. Essa divisão é amplamente influenciada pela atuação de firmas monopolistas e transnacionais, que visam maximizar seus interesses em distintas regiões do mundo. Estas empresas possuem a capacidade de moldar os territórios conforme suas necessidades, promovendo uma modernização que se alinha com seus objetivos de produção e lucro.
A hierarquia da divisão do trabalho é multifacetada, abrangendo aspectos econômicos, técnicos e políticos. Cidades mundiais, por exemplo, exercem um comando preponderante tanto político quanto cultural e econômico, controlando a circulação de mercadorias e a distribuição da mais-valia, enquanto cidades locais desempenham mais funções técnicas, focadas na gestão da produção e do trabalho. Tal dinâmica acentua a assimetria nas relações entre os diversos agentes envolvidos, facilitando que cidades e regiões mais desenvolvidas concentrem maiores quantidades de capital e recursos, ao passo que outras regiões permanecem em posições subordinadas.
Adicionalmente, a globalização e a mundialização impactam diretamente os países do Sul. A crescente permeabilidade das fronteiras nacionais permite uma maior circulação de capitais e mercadorias, mas também expõe esses países a vulnerabilidades econômicas e sociais. A dependência econômica e a falta de controle sobre os processos políticos, técnicos e sobre os circuitos espaciais produtivos, restringem a capacidade desses países de se desenvolverem de maneira mais justa e soberana. A divisão territorial do trabalho aprofunda as desigualdades nas cidades, onde áreas com alta densidade de atividades dependentes do meio técnico-científico e informacional abrigam o circuito superior da economia, caracterizado por desenvolvimento, capitais e formalização elevados. Em contraste, regiões menos estruturadas abrigam o circuito inferior, marcado por atividades informais e de baixa eficiência (Santos, 2004a). Essa dualidade impacta o acesso a recursos e serviços, perpetuando a exclusão de certos grupos sociais e evidenciando as tensões, conflitos e violências nas cidades.
As chamadas “cidades mundiais” (Sigler, 2016)[vi], centros do poder político, econômico e cultural hegemônico, exemplificam a nova divisão social e territorial do trabalho. Nessas metrópoles, o circuito superior, controlado por grandes monopólios e corporações multinacionais, se beneficia da globalização ao atrair investimentos, modernas tecnologias e talentos; enquanto o circuito inferior abriga a maioria da população pobre, frequentemente excluída das dinâmicas globais (Mayne, 2011), e que enfrenta desafios como o aumento da precarização do trabalho, da pobreza e da exclusão social (Ogun, 2010).
No período atual, diante dos novos círculos de cooperação[vii] no espaço geográfico mundial, reconfigurando circuitos espaciais produtivos locais, regionais e nacionais[viii] (Santos, 2006), e levando a novas formas da divisão social e territorial do trabalho, devem ser consideradas novas práticas de planejamento territorial, como será demonstrado a seguir.
3.3. Uma nova geopolítica para a América do Sul e o planejamento territorial
A geopolítica e o planejamento territorial estão interligados por seu foco na organização espacial e na distribuição territorial do poder. Enquanto uma nova geopolítica – adaptada aos desafios e realidades contemporâneas (Hu & Lu, 2016), modifica as relações de poder entre Estados e regiões, o planejamento territorial continua responsável por responder às demandas sociais, econômicas e políticas, sejam elas nacionais ou internacionais.
A geografia, ao se transformar em uma espaciologia (Santos, 2011), pode interpretar processos que transcendem as fronteiras nacionais, incorporando as interações globais e locais que influenciam os usos do território, em diferentes escalas geográficas. Um exemplo é o projeto do período da ditadura militar da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que fez parte do rol de quatro grandes projetos nacionais desenvolvimentistas que os militares projetaram como símbolos do poder na época: a grande usina soma-se à construção da ponte Rio-Niterói, a abertura da Rodovia Transamazônica (BR-231) e as usinas nucleares de Angra (Borges, 2023).
A dominação se manifesta na organização social por meio da forma como o território é planejado. As decisões sobre os usos do território, infraestruturas e serviços públicos não são neutras e podem reforçar desigualdades preexistentes. Ao transformar-se em um mecanismo de controle social e econômico, o território influencia as interações e dinâmicas de poder, refletindo e perpetuando relações desiguais que moldam as interações sociais conforme interesses dominantes (Santos, 1978).
A delimitação de fronteiras e dos limites territoriais internos ou externos, é outro ponto central de interseção entre os campos da geopolítica e planejamento, já que as fronteiras - influenciadas por considerações geopolíticas - também direcionam o planejamento territorial. A localização de capitais e centros urbanos também é impactada por fatores geopolíticos, refletindo a necessidade de controle territorial e fortalecimento da identidade nacional.
Como analisam (Costa & Steinke, 2014, p. 2), “o poder constrói malhas nas superfícies territoriais para delimitar campos operatórios; a criação do nó de uma rede, por exemplo, favorece o estabelecimento de ordens de diferentes graus e relações de poder voltadas à prática espacial”. Infraestruturas como rodovias e portos são planejadas considerando-se a conectividade interna e as relações internacionais, destacando a influência geopolítica no desenvolvimento territorial. Além disso, a distribuição e exploração de recursos naturais não só afetam o planejamento territorial, mas também têm significativas implicações geopolíticas.
A segurança nacional é outra área de interseção, onde o planejamento dos usos do território deve integrar estratégias de defesa e proteção das fronteiras. Também, o planejamento territorial pode ser uma ferramenta para construir identidade nacional e promover o apego ao território.
Exemplos concretos ilustram essas interações, como a construção de Brasília (Brasil, DF) ou de Ciudad Guyana (Venezuela), que foram motivadas por necessidades geopolíticas e de integração nacional. O caso de Brasília é simbólico, com relação à estrutura do poder, para ampliar a circulação, os usos da energia e a industrialização, sendo a nova Capital considerada como meta-síntese do desenvolvimentismo (Costa & Steinke, 2014).
A criação de zonas econômicas especiais, por sua vez, reflete interesses geopolíticos em atrair investimentos e reforçar laços comerciais internacionais. Conflitos territoriais recentes, como os observados na Europa Oriental, no Oriente Médio, no interior do México (construção do Trem Maia) ou no Brasil (Usina Hidrelétrica de Belo Monte), muitas vezes têm raízes geográficas e geopolíticas complexas, ligadas a disputas por recursos, hegemonia, direitos ao uso do território e construção da identidade nacional.
Os desafios contemporâneos apresentam novas questões para a interseção entre geopolítica e planejamento territorial. A globalização e a interdependência entre nações desafiam conceitos tradicionais de fronteiras e territórios. A urbanização acelerada impõe desafios adicionais, como a administração de grandes cidades e a busca por soluções para problemas socioeconômicos.
A geopolítica e o planejamento territorial são campos inter-relacionados e complementares. Compreender suas relações é essencial para decifrar os processos de transformação espacial e as dinâmicas de poder atuais. Analisar a organização e utilização dos territórios ajuda a identificar as forças transformadoras das sociedades, da política nacional e internacional, dos governos e das empresas internacionais, como expressão das dinâmicas do modo de produção capitalista (Topalov, 1979).
Ciudad Guayana foi concebida na década de 1960 como uma peça-chave no plano estratégico da Venezuela para fortalecer suas capacidades industriais e aproveitar os recursos naturais da região. A equipe que desenvolveu o projeto da nova cidade foi coordenada pelo general Rafael Alfonzo Ravard[ix], em colaboração técnica com o Instituto Tecnológico de Massachussetts e a Universidade de Harvard (EUA).
A fundação da cidade tinha como objetivo principal a criação de um polo para a indústria pesada, com especial ênfase nas produções de aço e alumínio, elementos considerados fundamentais para impulsionar o crescimento econômico nacional. Esse desenvolvimento foi amplamente impulsionado pela Corporación Venezolana de Guayana (CVG), cuja missão era estabelecer empresas estatais que desempenhassem um papel dominante no cenário industrial do país (MacDonald, 1975).
Rivière d'Arc & Schneier (1983) apontam como o projeto de Ciudad Guayana teve pouco sucesso para a maior parte da população da região, pois a cidade, marcada por um baixo nível de criação de empregos industriais, viu a maior parte de suas atividades econômicas concentradas no comércio e nos serviços informais. Tal estrutura econômica refletia mais uma economia de sobrevivência, do que um crescimento dinâmico e integrador.
A defesa da construção de Brasília e a mudança da capital do Rio de Janeiro para o Planalto Central foi fundamentada em várias teses, por diferentes intelectuais (Oliveira, 2006). No âmbito do desenvolvimentismo e nacionalismo, a nova capital simbolizava um novo início para o Brasil, promovendo o desenvolvimento econômico e social no interior do país e incentivando a industrialização ao integrar regiões menos desenvolvidas. Assim, são criados pontos nevrálgicos essenciais para a manutenção do poder sobre o território, promovendo a integração e a comunicação entre diferentes regiões (Costa & Steinke, 2014).
Em termos de segurança nacional e geopolítica, a localização central de Brasília era estratégica para afastar a capital das fronteiras, diminuindo influências externas e facilitando a administração do território brasileiro. Em relação à modernização e urbanismo, a cidade foi projetada como um empreendimento moderno, representando as aspirações de um Brasil contemporâneo e progressista. Arquitetos como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa idealizaram uma nova estética urbana.
A tabela 1 e a figura 3 trazem exemplos de alguns dos grandes projetos de desenvolvimento setorial, regional e de implantação de infraestruturas na América Latina:

| Projetos | País(es) | Ano/período | Custos estimados dos investimentos |
| Usina hidrelétrica de Itaipu | Brasil - Paraguay | 1973-1983 | U$ 20,0 bilhões |
| Usina hidrelétrica de Yaciretá | Paraguay - Argentina | 1973-2011 | U$ 15,0 bilhões |
| Ciudad Guyana | Venezuela | 1964 - 1975 | |
| Hidroelétrica de Belo Monte | Brasil | 2011-2019 | U$ 18,0 bilhões |
| Porto de Chancay (Peru) | Brasil, Equador, Colômbia e Peru | 2021 - 2024 | U$ 3,7 bilhões |
| Brasilía (DF) | Brasil | 1957-1960 | U$ 83,00 |
| Corredor Bioceânico da América do Sul, Eixo de Capricórnio | Brasil – Paraguai – Argentina - Chile | 2023-2026 | - |
| Corredor Interoceânico do Istmo de Tehuantepec, México | México | U$ 4,0 bilhões |
O tabela 2 revela alguns dos maiores projetos de infraestrutura no atual período, como a construção do porto de Chancav (Peru), da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Brasil) e dos corredores interoceânicos do México e de Capricórnio, na América do Sul.
Uma análise preliminar aponta esses projetos relacionados a uma mudança geopolítica no continente, pela maior influência da China na América Latina, e com foco em outras estratégias além do desenvolvimento regional. Contrariamente ao que ocorreu anteriormente com os projetos de Brasília e de Ciudad Guayana, os maiores projetos de infraestrutura da atualidade estão relacionados aos usos do território por grandes projetos de infraestrutura logística ou para produção de energia, conectando diversas áreas produtoras e consumidoras não contíguas, entre diferentes países da América Latina com a Ásia, em especial com a China.
Um exemplo dessa parceria é o projeto do novo Corredor Interoceânico do Istmo de Tehuantepec, no México, estruturado por meio de ferrovias que interligam os oceanos Pacífico e o Atlântico, conectando o Porto de Salina Cruz, em Oaxaca, ao de Coatzacoalcos, na cidade de Veracruz (figura 3). Com uma primeira etapa inaugurada em dezembro de 2023, essa rota será uma possível alternativa ao canal do Panamá.
Além do grande investimento em infraestrutura e aumento da conectividade entre os dois oceanos, a aposta no novo Corredor mexicano é que seja um indutor do crescimento e desenvolvimento econômico na região Sul, uma das mais pobres e atrasadas do país (Cardoso, 2024). Essa estratégia será buscada com a criação de 10 novos polos e centros de desenvolvimento industriais ao longo da rota.
Contudo, sua implementação tem enfrentado enormes desafios nos campos do planejamento envolvendo a articulação e aprovação política, o desenvolvimento de novas técnicas e de sistemas de engenharia para superar as barreiras naturais, e os custos do projeto, impactando as finanças nacionais (BNamericas, 2024).
Outro exemplo é o porto de Chancay, no Peru, que servirá como elo de conexão entre a região norte do Brasil, como o Acre e a zona franca de Manaus, com a China, reduzindo o deslocamento entre essas regiões, aproximadamente, de 46 para 20 dias (SUFRAMA, 2024).
Com a promessa de alterar significativamente as rotas que atualmente utilizam-se do oceano Atlântico, deslocando o tráfego de cargas para a costa do Pacífico, e com a capacidade de transportar mais de um milhão de contêineres e seis milhões de toneladas de carga por ano, Chancay poderá encurtar em até sete mil quilômetros a distância percorrida pelos produtos brasileiros até o mercado asiático, reduzindo drasticamente o tempo e os custos de transporte. O novo porto servirá como elo de conexão regional entre Chancay, Pucallpa, Iquitos, Tabatinga e Manaus, integrando quatro países entre si e com a China (além do Brasil, Peru, Equador e Colômbia) (SUFRAMA, 2024).
Já em relação a grandes projetos nas áreas urbanas e metropolitanas, a reestruturação e refuncionalização de antigas áreas portuárias, como Puerto Madero (Buenos Aires, Argentina) e Porto Maravilha (Rio de Janeiro, Brasil), e a proposta de sua transformação em áreas turísticas, também trazem enormes desafios e apresentam inúmeras e profundas contradições (Rua, 2015; Mosciaro & Pereira, 2019; Pacheco, M. & Schicchi, F. (2022).
Essas transformações promovem reformas de modo a integrar antigas áreas logísticas urbanas degradadas ao mercado global, valendo-se de pesados investimentos públicos em torno da ideia da cidade-espetáculo. Por meio de modernizações seletivas e incompletas, promovem a cidade como mercadoria, obtendo como resultado a espetacularização da paisagem e a criação de novas formas de exclusão urbanas (Turrado, 2013).
Alguns dos novos problemas envolvem dificuldades para atrair e manter novos investimentos, frear a especulação imobiliária e integrar as novas áreas nas dinâmicas e usos do território da cidade como totalidade, dando outros usos para antigas áreas de infraestrutura logística obsoletas e degradadas (Silvestre & Jajamovich, 2022).
Nos projetos de renovação dos centros urbanos, são ainda deixados de lado os conceitos de patrimônio, rugosidades e território usado (Souza, 2019). A importância desses conceitos envolve a defesa – além da preservação da história e da memória – da identidade e da cultura de um povo. Yázigi (2014a) por sua vez, destaca que o principal desafio no planejamento de regiões turísticas como regiões solidárias é a tendência de restringir a definição dessas regiões aos limites administrativos oficiais, o que é inadequado, pois ignora o fato de que os serviços e equipamentos turísticos frequentemente transcendem essas fronteiras formais.
A cada novo projeto, corre-se o risco de o país enfrentar consequências como a ampliação dos desequilíbrios regionais, o aumento da fragmentação, da urbanização descontrolada, da pobreza e da violência, características comuns das cidades latino-americanas (Gorelik, 2005).
Como projetos que decorrem do planejamento setorial, surgem outros problemas, como a dificuldade de integração entre setores. A setorialidade gera barreiras na coordenação de políticas, resultando em conflitos e incoerências no planejamento territorial. A falta de articulação entre os níveis de governo e setores reforça essa limitação, dificultando a construção de uma visão integrada e abrangente do território.
Como esse quadro poderia ser alterado, com a contribuição da Geografia Renovada aos novos projetos de planejamento territorial. A seguir, veremos com essa questão pode ser respondida.
4. Desafios para um novo planejamento territorial e as contribuições da Geografia Renovada
O planejamento territorial pode adquirir mais qualidade, mitigando as desigualdades, por meio da contribuição da Geografia Renovada. Para tanto, torna-se fundamental incorporar nas análises geográficas e no desenvolvimento dos projetos de planejamento, uma compreensão mais aprofundada sobre os usos do território que produzem desigualdades espaciais (Souza, 2021; Souza, 2021a; Santos, 1979).
Souza avança em relação à proposição de Santos (2004, 2006), ao diferenciar espaço geográfico de território usado. Para a autora, “o território usado é o espaço geográfico historicizado pelas formações socioespaciais e constituído nelas e por elas” (Souza, 2021, p. 45). Dessa forma, são os usos do território que permitem que se compreenda como a humanidade exista social e politicamente na superfície do Planeta Terra.
A interpretação de Souza envolve dimensões políticas e existenciais. “É no direito ao uso do território que está o problema político da existência. E o uso varia de uma formação econômica para outra formação econômica, como diz Marx. Ou de uma formação socioespacial para outra formação socioespacial, como diz Milton Santos (Porto & Vitiello, 2020, p. 758).
É preciso também considerar que há outra natureza constituinte do espaço geográfico, uma Segunda Natureza (Santos, 2006), como resultado da integração entre ciência e tecnologia, tendo a informação como elemento central[x]. Já os objetos geográficos, tornados objetos técnicos, não são apenas ferramentas, mas também portadores de informação e de intencionalidade, e a capacidade de processar e transmitir essa informação é fundamental para o funcionamento do todo como sistema. A informação se torna um vetor essencial para a ação social e a organização do espaço (Santos, 2006).
A organização social e a organização espacial devem ser consideradas, de forma integrada, na elaboração das políticas e dos projetos, como demonstraremos a seguir.
4.1 A complexidade da organização da sociedade e do planejamento territorial
O planejamento territorial pode adquirir mais qualidade, avançando na resolução de problemas crônicos, ao se incorporar nas análises geográficas e no desenvolvimento do planejamento uma compreensão geográfica mais aprofundada da realidade (Souza, 2021), e ampliar a participação política.
Para Santos (1986), os elementos que compõem o espaço geográfico e que devem ser considerados no processo de planejamento territorial incluem seres humanos, empresas, instituições, o meio ecológico e as infraestruturas. Cada um desses elementos desempenha funções específicas que influenciam a dinâmica do espaço e afetam a produção de bens, serviços e normas sociais (Santos, 1986).
As interações entre os elementos do espaço são essenciais para a análise. Cada ação deve ser interpretada como resultado de processos sociais em andamento. A interdependência funcional entre os elementos é outro dado crucial para entender o espaço como uma totalidade coesa.
A interdependência entre esses elementos constitui um sistema complexo, no qual suas interações moldam a organização e a dinâmica do espaço geográfico (Souza, 2021). A análise espacial deve considerar como esses elementos se influenciam mutuamente e de que maneira suas funções podem evoluir ao longo do tempo, permitindo uma compreensão mais profunda das mudanças e continuidades no espaço geográfico.
O conceito de território usado, conforme definido por Souza (2019), expressa a natureza do espaço geográfico como uma instância social. Essa definição ressalta que o território só ganha existência por meio de seu uso e das práticas associadas, funcionando como uma ferramenta analítica que reflete as relações sociais e as dinâmicas dos usos contemporâneos. A noção de território usado vai além da simples configuração física, abrangendo também as dimensões sociais e simbólicas que emergem das interações humanas.
Souza (2019) discute o território usado como uma instância que evidencia a indissociabilidade entre sistemas de objetos e sistemas de ações. Essa inter-relação destaca a importância dos elementos físicos e sociais do espaço, junto com as práticas humanas que nele se manifestam. Assim, o território usado reflete uma complexidade que ultrapassa as características tangíveis, incorporando as vivências e percepções dos indivíduos em relação ao espaço
É necessário considerar que existe uma outra dimensão constitutiva do espaço geográfico mundial, chamada de Segunda Natureza (Santos, 2006), que resulta da integração entre ciência e tecnologia, com a informação desempenhando um papel central. Os objetos geográficos que compõem a configuração territorial — como estradas, portos, aeroportos, cidades, pontes e ferrovias — não são meras ferramentas isoladas; atualmente, eles funcionam como portadores de informação. Assim, a capacidade de processar e transmitir essa informação torna-se fundamental para o funcionamento do sistema integrado como um todo. A informação, portanto, se transforma em um vetor essencial para o planejamento territorial (Santos, 2006).
Milton Santos aborda a categoria de formação social como um conceito que engloba a evolução das sociedades em seus contextos específicos, levando em conta as interações entre forças internas e externas que as influenciam (Santos, 1979). A formação social consiste em um conjunto de relações sociais, econômicas e políticas que moldam a estrutura e a dinâmica de uma sociedade ao longo do tempo. Assim, essa categoria é essencial para compreender como as sociedades se organizam e se desenvolvem, refletindo suas particularidades históricas e culturais.
O planejamento territorial é um processo intrinsecamente complexo que envolve a participação política de uma ampla gama de agentes sociais e a consideração de diversas escalas de ação geográfica, que vão da local à global. Nesse contexto, atuam governos federais, estaduais e municipais, empresas, instituições públicas e privadas, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos, sociedades civis organizadas e universidades, entre outros grupos, cada um contribuindo com interesses distintos e perspectivas variadas. Essa pluralidade enriquece o debate sobre o uso e a organização do território, refletindo a diversidade de interesses e funções que permeiam o processo.
As esferas governamentais desempenham um papel fundamental nesse contexto, pois são responsáveis pela elaboração de leis, regulamentos, normas e políticas que orientam a utilização do solo e o desenvolvimento territorial. Os investimentos em obras de infraestrutura são, em grande parte, realizados pelo Estado, financiados por meio do sistema de impostos.
Embora as empresas possam investir diretamente em infraestrutura, é comum que atuem como executoras dos projetos, sendo contratadas pelo poder Executivo nas esferas municipal, estadual ou nacional. Assim, as parcerias entre o governo e o setor privado tornam-se essenciais para a realização desses projetos, uma vez que cabe ao poder público definir prioridades, contratar, executar, financiar e fiscalizar.
Além disso, muitas comunidades locais, dotadas de conhecimentos específicos sobre suas realidades e necessidades, devem engajar-se ativamente nos processos decisórios, lutando para garantir que seus interesses sejam devidamente representados. Universidades e centros de pesquisa também são relevantes, pois contribuem com a produção de conhecimento científico e oferecem suporte técnico essencial na fundamentação das decisões.
O planejamento territorial tem se tornado um desafio significativo, pois os interesses conflitantes dificultam a gestão administrativa das cidades, tornando-a complexa, mas vital. A menos que as instituições de planejamento urbano e regional se tornem mais eficazes, o resultado será o caos urbano em diversas cidades ao redor do mundo, como exemplificado pela cidade de Nkambe, no noroeste de Camarões (Awudu, Nguh & Kimengsi, 2020).
Matus (1991, p. 39) discute a importância da “escolha entre confronto e negociação na implementação de um plano”. Ele sugere que uma boa estratégia deve evitar confrontos, buscando consenso através de autoridade, cooptação e negociação, mas também reconhece que, se o confronto for inevitável, deve-se escolher o momento adequado para isso. Os resultados de um plano dependem das circunstâncias e da interação entre os agentes envolvidos. As circunstâncias internas (ao plano), e as circunstâncias externas, influenciam os resultados e a eficácia do plano (Matus, 1991)
Além disso, o planejamento deve se preocupar constantemente com a redução das desigualdades e a promoção do bem-estar social (Souza, 2015a). Isso implica que as políticas e ações planejadas devem atender aos grupos vulnerabilizados, garantindo que todos tenham acesso aos recursos e oportunidades.
4.1.1. As escalas de articulação dos eventos e os tipos de solidariedades geográficas
Santos (2006) identifica três tipos ou níveis de solidariedade que desempenham um papel crucial no planejamento territorial, cada um com suas distinções e implicações específicas.
Primeiramente, a solidariedade mundial é caracterizada pela interconexão global, com redes de comunicação e comércio que transcendem fronteiras nacionais. Este nível reflete a realidade da globalização, onde a interligação global pode enfraquecer as fronteiras tradicionais e comprometer os contratos sociais estabelecidos entre os Estados e suas populações. A solidariedade mundial, portanto, promove uma interdependência que influencia políticas locais e territoriais, remodelando o espaço geográfico com base em dinâmicas mundiais.
Em segundo lugar, a solidariedade territorial, ou dos Estados, se manifesta dentro dos limites de um país, resultante de um contrato social e demarcada por fronteiras. Este tipo de solidariedade é moldado por políticas e práticas de governo que regulam e controlam as dinâmicas sociais e econômicas internas. Assim, a solidariedade territorial contribui para a coesão social e para a construção de redes de apoio entre os habitantes de uma determinada área, ao estabelecer normas e identidades nacionais que configuram a interação entre os indivíduos dentro daquele território.
Por fim, a solidariedade local é baseada em interações e relações dentro de comunidades específicas. Este nível de solidariedade é orgânico, fundamentado em laços sociais, culturais e econômicos que conectam indivíduos em uma escala específica do espaço geográfico. A solidariedade local é essencial para a coesão social, influenciando diretamente a organização do espaço em níveis mais micro, através das práticas cotidianas e das identidades culturais e econômicas locais.
Yázigi (2014, p. 16) destaca tipos específicos de solidariedades, que decorrem dessa classificação maior como a solidariedade pessoal e humanística (laços de cooperação entre indivíduos, baseados em valores éticos e humanitários), solidariedade geopolítica (associação entre países que buscam objetivos comuns, em um contexto global complexo e interconectado), solidariedade institucional (acordos entre diferentes instituições, para melhorar seu desempenho em sistemas associativos) e solidariedade regional (colaboração entre municípios ou regiões próximas, que podem se unir para a prestação de serviços e desenvolvimento de infraestrutura).
Ao analisar as regiões solidárias ao turismo, Yázigi destaca como esses tipos são fundamentais para a construção de regiões solidárias, que buscam viabilizar projetos e iniciativas que, isoladamente, teriam menos chances de sucesso. As três últimas formas seriam mais relevantes, para as práticas de planejamento territorial.
Esses tipos de solidariedade são fundamentais para o planejamento territorial, pois promovem a coesão social, integram diversos interesses, aumentam a resiliência, facilitam a formação de redes de apoio e impulsionam o desenvolvimento local, ao promover diferentes formas de interação e cooperação entre indivíduos e grupos. Enquanto a solidariedade mundial estabelece uma rede de interdependências globais, as solidariedades territorial e local, moldam as identidades e as práticas sociais dentro de contextos mais específicos (Santos, 2006). A interação entre esses níveis de solidariedade dinamiza e configura o espaço geográfico contemporâneo, refletindo as complexidades das relações sociais e econômicas em um mundo globalizado.
4.1.2. Os três tipos de aconteceres (homólogo, complementar e hierárquico) e sua importância para o planejamento
O conceito de 'acontecer solidário' abrange a colaboração em tarefas comuns entre diversos agentes sociais ou localidades que, apesar de suas diferenças, se unem em torno de um objetivo comum (Santos, 2006). Baseado nas ideias de Émile Durkheim e em seu clássico Da divisão do trabalho social (Durkheim, 2010), esse tipo de solidariedade enfatiza a interdependência e a cooperação entre indivíduos e grupos, sem necessariamente implicar uma conotação moral. No contexto atual, o acontecer solidário pode ser observado em três formas principais: homólogo, complementar e hierárquico (Santos 2006; Santos 2008).
No acontecer homólogo (ênfase nas normas e nas técnicas), a solidariedade manifesta-se quando diferentes agentes ou localidades realizam tarefas semelhantes ou apresentam funções similares dentro de um mesmo contexto (Santos, 2006). Um exemplo típico ocorre em regiões agrícolas, onde os produtores adotam práticas de cultivo semelhantes, formando uma rede de solidariedade baseada em atividades comuns. Essa modalidade destaca como práticas comparáveis podem gerar laços comunitários fortes e fomentar uma cooperação natural entre os envolvidos.
A segunda forma, o acontecer complementar (ênfase nas relações de interdependência), refere-se à solidariedade entre agentes ou localidades que desempenham funções distintas, mas que se complementam para alcançar um objetivo comum (Santos, 2006). Um exemplo característico é a relação entre a cidade e o campo: a cidade fornece serviços e infraestrutura que sustentam a produção agrícola, enquanto o campo oferece alimentos e recursos essenciais para a população urbana. Essa forma de solidariedade demonstra como funções diferentes, embora interdependentes, podem se integrar para promover o bem-estar coletivo.
Por fim, o acontecer hierárquico (ênfase nas normas e na política) é caracterizado pela presença de uma estrutura de poder na qual alguns agentes ou localidades exercem controle ou influência sobre outros (Santos, 2006). Essa forma de solidariedade é comum em contextos com divisões claras de funções e responsabilidades, como nos circuitos espaciais produtivos, onde empresas maiores dominam e regulam as atividades de fornecedores menores. Essa modalidade ressalta a complexidade das interações sociais, evidenciando como hierarquias estruturais podem tanto facilitar quanto restringir a cooperação.
Essas formas de acontecer ilustram a diversidade e a complexidade das interações sociais e econômicas no espaço geográfico contemporâneo. Elas demonstram como diferentes agentes e localidades podem se unir em torno de objetivos comuns, mesmo quando suas interações são permeadas por desigualdades ou hierarquias. Essa análise proporciona uma compreensão mais aprofundada das dinâmicas de cooperação e interdependência que moldam a organização social e devem ser consideradas nas práticas de planejamento territorial.
4.1.3. A importância do lugar como espaço do acontecer solidário
Souza (2021, p. 18) nos ensina que “o planejamento que estamos propondo discutir aqui — o planejamento do território — pressupõe uma refuncionalização do mundo. Essa refuncionalização ocorre nos lugares. Assim, o planejamento, enquanto ação, realiza-se nos lugares”.
O conceito de lugar transcende a mera definição de um espaço físico, emergindo como um constructo complexo onde interações sociais, culturais e econômicas se entrelaçam. Através de uma análise detalhada, examinaremos como o lugar serve como condição para o "acontecer solidário", que pode ser homólogo, complementar ou hierárquico (Santos, 2008, p. 36), e como ele contribui para a consciência do mundo.
O lugar é frequentemente descrito como resultante e resultado da funcionalização do mundo, compreendido como espaço funcionalizado, a partir do qual apreendemos valores, identidades, fluxos heterogêneos, centralidades e conectividades (Bango, 2016). O lugar é onde o espaço se torna significativo através das experiências humanas, que permite compreender que estar no mundo é estar juntos, e para estar juntos é necessário estar no mundo (Saives, Charles‐Pauvers, Schieb-Bienfait & Michel, 2018).
O lugar, em perspectiva fenomenológica e existencialista, também pode ser definido como “a fusão da ordem humana e natural e qualquer centro privilegiado da experiencia vivida de uma pessoa ou grupo”, onde as relações interpessoais e as interações sociais são centrais (Relph, 1976, p. 141).
Esta dimensão relacional do lugar é o que permite que ele seja um contexto, onde as relações de solidariedade se estabelecem, possibilitando que as pessoas realizem tarefas comuns, mesmo que não compartilhem um projeto comum. A solidariedade, nesse sentido, é um elemento chave que define a natureza do lugar.
O conceito de "acontecer solidário" refere-se às interações que ocorrem dentro de um lugar, que podem ser homólogas, complementares ou hierárquicas. Segundo Massey (1994), o lugar é um ponto de encontro onde diferentes trajetórias se cruzam, criando um tecido social complexo. As interações homólogas são aquelas em que os indivíduos compartilham experiências e objetivos semelhantes, enquanto as interações complementares envolvem a cooperação entre indivíduos com habilidades ou recursos diferentes. As interações hierárquicas, por outro lado, são caracterizadas por relações de poder e autoridade.
O lugar também desempenha um papel crucial na construção da identidade. Como argumenta Agnew (1987), a identidade é moldada pelas experiências e interações que ocorrem em lugares específicos. O lugar é onde as pessoas desenvolvem um senso de pertencimento e identidade coletiva, influenciando como elas percebem a si mesmas e o mundo ao seu redor. Esta construção de identidade é um processo dinâmico, onde o lugar atua como um mediador entre o indivíduo e a sociedade.
O lugar é um elemento ativo na produção de significados. Segundo Cresswell (2004), o lugar é onde as experiências são interpretadas e os significados são construídos. Esta produção de significados é um processo contínuo, onde o lugar serve como um contexto para a interpretação das experiências e a construção da história. O lugar, portanto, não é apenas um cenário passivo, mas um agente ativo na formação de narrativas e na construção da memória coletiva.
O lugar é fundamental para a construção da consciência do mundo (Santos, 2008), por ser um referencial essencial para se entender a complexidade do mundo contemporâneo. Como também argumenta Casey (1996), o lugar é onde as experiências são ancoradas e a percepção do mundo é formada. Através das interações e experiências que ocorrem em lugares específicos, as pessoas desenvolvem uma compreensão do mundo e de seu lugar nele. Esta consciência do mundo é um processo contínuo, onde o lugar serve como um ponto de referência para a interpretação das experiências e para construção do conhecimento.
Em suma, o lugar é um conceito que vai além de sua definição como um espaço físico. Ele é um conceito complexo, definido a partir da forma como interações sociais, culturais e econômicas ocorrem, desempenhando um papel crucial na construção da identidade, na produção de significados, na funcionalização do mundo.
O lugar é onde o "acontecer solidário" se manifesta, permitindo que as pessoas realizem tarefas comuns e construam uma consciência do mundo. Portanto, o lugar é um elemento ativo na formação da história, destacando sua importância na compreensão das dinâmicas sociais e culturais.
4.1.4. A interação entre Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) e Inteligência Artificial (IA)
A integração entre Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e Inteligência Artificial (IA) representa uma transformação significativa na análise e utilização de dados geográficos complexos. Essa combinação tem introduzido novas abordagens para o estudo do espaço geográfico, tornando-se essencial em diversas áreas do conhecimento, especialmente na ciência aplicada, como o planejamento territorial.
Os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) são ferramentas poderosas para o armazenamento, manipulação e visualização de dados geoespaciais. Eles possibilitam a análise de múltiplas camadas de informações e são amplamente utilizados em disciplinas como planejamento urbano, planejamento territorial, Geografia e logística. Contudo, a complexidade e a expansão dos conjuntos de dados geográficos exigem técnicas mais avançadas para a extração e análise de informações, subsidiando uma tomada de decisão eficaz.
É nesse contexto que a Inteligência Artificial (IA) se integra ao ambiente dos SIGs. Com suas capacidades de aprendizado de máquina, redes neurais e algoritmos de análise preditiva, a IA permite a automação e o aprimoramento da análise de grandes volumes de dados. Por exemplo, no planejamento urbano, algoritmos de IA podem prever o crescimento populacional e monitorar o uso do solo, permitindo que as cidades se planejem de forma mais eficiente (Wang, Fu, Liu, Chen, Wang & Lu, 2021).
No âmbito da gestão de proteção de recursos naturais no meio rural ou agrícola, a IA pode ser utilizada para monitorar mudanças ambientais, identificando rapidamente áreas de desmatamento ou alterações nos corpos d’água, no solo ou na vegetação, dentre outras mudanças nas paisagens (Li, 2024).
A capacidade da IA de lidar com dados não estruturados é particularmente valiosa (tabela 2, tabela 3). Dados de sensores remotos, imagens de satélite e informações climáticas podem ser processados de maneira mais rápida e precisa. Essa habilidade de processamento avançado auxilia na identificação de relações que anteriormente poderiam passar despercebidas ou levar muito tempo para serem detectadas (tabela 2). As novas descobertas científicas nos levam a incorporar – ao planejamento – os conceitos de probabilidade e irreversibilidade, ingredientes da estratégia (Souza, 2021a).
Além disso, a IA contribui para a automação de processos rotineiros em SIGs, como a classificação de imagens geográficas, que antes eram realizadas de forma manual e morosa. Essa automação não só economiza tempo, mas também reduz a probabilidade de erros humanos, aumentando a confiança nas decisões baseadas nos dados analisados.
Entretanto, a integração entre SIG e IA não está isenta de desafios. A necessidade de dados de qualidade, a gestão ética das informações e a interpretação correta dos resultados preditivos são questões críticas que precisam ser abordadas. Ademais, a implementação bem-sucedida desta integração requer uma formação adequada dos profissionais envolvidos, que devem possuir uma compreensão tanto das capacidades dos SIGs, domínio de teorias geográficas e do planejamento, quanto das técnicas e tecnológicas envolvendo IA, em suas interfaces com outras tecnologias (tabela 3).
A relação entre a aceleração contemporânea e a emergência do meio técnico-científico e informacional (MTCI) é intrínseca e se manifesta de diversas maneiras. Uma das expressões mais evidentes dessa interconexão é a interdependência entre ciência e tecnologia. A emergência do meio técnico-científico é caracterizada por uma interação profunda entre esses dois campos, em que a pesquisa científica impulsiona inovações tecnológicas que, por sua vez, abrem novas possibilidades para a investigação. Essa relação sinérgica acelera o desenvolvimento de soluções e produtos, contribuindo para a velocidade das transformações sociais e econômicas.
No âmbito da produção de conhecimento e informação geográfica, o MTCI possibilita a geração e disseminação rápida de conhecimentos sobre os usos do território. A capacidade de processar grandes volumes de dados e informações em tempo real facilita a tomada de decisões e impulsiona a inovação, acelerando o ritmo das mudanças em diversos setores, como agricultura, cidades, economia, saúde, educação, dentre outros. As mudanças das paisagens, por conta da urbanização, da implantação de infraestruturas, mudanças de culturas agrícolas, podem ser monitoradas com maior precisão, velocidade, e menor custo.
As transformações nas relações sociais também são um reflexo da aceleração contemporânea e são mediadas pela tecnologia de comunicação. A instantaneidade das interações sociais, permitida pelas plataformas digitais, altera a forma como as pessoas se conectam e se organizam, criando novas dinâmicas sociais que são mais rápidas e fluidas entre áreas, locais e regiões não contíguas, do que em épocas anteriores.
| Aplicações por Tipo | |||||
| Usos | Monitoramento e previsão de incêndios e enchentes | Planejamento Urbano | Agricultura de Precisão | Gestão de Recursos Naturais | Logística e Transporte |
| Benefícios | Detecção de incêndios florestais: Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar imagens de satélite em tempo real para identificar focos de calor e prever a propagação de incêndios. | Análise de demanda por serviços públicos: Algoritmos de aprendizado de máquina podem identificar padrões de uso do solo e prever a demanda por serviços como transporte público, escolas e hospitais. | Monitoramento de culturas: Imagens de satélite e drones podem ser analisadas por algoritmos de aprendizado de máquina para identificar áreas com deficiência de nutrientes, pragas ou doenças, permitindo a aplicação precisa de fertilizantes e pesticidas. | Monitoramento da qualidade da água: Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar dados de sensores para monitorar a qualidade da água em rios e lagos, identificando fontes de poluição. | Otimização de rotas de entrega: Algoritmos de aprendizado de máquina podem otimizar rotas de entrega, considerando fatores como distância, tráfego e restrições de tempo. |
| Previsão de enchentes: Modelos de IA podem combinar dados históricos de precipitação, topografia e uso do solo para criar mapas de risco de inundação e auxiliar na tomada de decisões de emergência | Otimização de rotas de transporte: A IA pode ser utilizada para otimizar rotas de transporte público e de entregas, levando em consideração fatores como congestionamento e demanda. | Previsão de rendimento: Modelos de IA podem prever o rendimento de culturas com base em dados climáticos, históricos de produção e informações sobre o solo. | Mapeamento da biodiversidade: Imagens de satélite e drones podem ser utilizadas para identificar e mapear espécies de plantas e animais, auxiliando na conservação da biodiversidade. | Gestão de frotas: A IA pode ser utilizada para monitorar a localização e o desempenho de veículos, otimizando a manutenção e reduzindo custos. | |
| Novas Tecnologias Associadas e Ganhos esperados | |
| Tecnologias e Ferramentas Utilizadas | Benefícios da Integração entre SIG e IA |
| · Aprendizado de máquina: Algoritmos como redes neurais artificiais, árvores de decisão e máquinas de vetores de suporte são amplamente utilizados para analisar grandes volumes de dados geográficos. · Deep learning: Redes neurais profundas são utilizadas para tarefas complexas, como reconhecimento de objetos em imagens de alta resolução e processamento de linguagem natural. · Visão computacional: Essa tecnologia permite extrair informações úteis de imagens e vídeos, como a identificação de características geográficas e a detecção de mudanças ao longo do tempo. · Plataformas de SIG: Softwares como ArcGIS, QGIS e Google Earth Engine oferecem ferramentas para integrar dados geográficos com algoritmos de aprendizado de máquina. | · Análise de dados mais rápida e precisa: A IA permite analisar grandes volumes de dados geográficos em tempo real, identificando padrões e tendências que seriam difíceis de detectar manualmente. · Tomada de decisões mais informada: A combinação de SIG e IA fornece informações mais precisas e completas para a tomada de decisões em diversas áreas. · Automação de processos: A IA pode automatizar tarefas repetitivas, liberando os profissionais para se concentrarem em atividades de maior valor agregado. · Desenvolvimento de novos produtos e serviços: A integração de SIG e IA permite o desenvolvimento de novos produtos e serviços inovadores, como aplicativos de mapas personalizados e plataformas de monitoramento ambiental. |
Por fim, a emergência desse novo meio geográfico está intrinsecamente ligada a um processo de racionalização que visa aumentar a eficiência em todos os aspectos da vida. A utilização de tecnologias avançadas no campo da análise geográfica, para otimizar processos produtivos e administrativos, contribui significativamente para a aceleração das atividades econômicas e sociais, refletindo uma busca contínua por maior produtividade e eficácia, que também pode ser incorporada pela área de planejamento territorial.
5. Consideraçoes finais
Em resposta às crises atuais, a Geografia Renovada não deve apenas refletir sobre os legados de práticas passadas, mas também comprometer-se com propostas efetivas para as mudanças necessárias. Para dar conta dessa missão, foram examinadas as formas pelas quais ela pode aprimorar os métodos e práticas do planejamento territorial contemporâneo, ressaltando a necessidade de um reexame crítico das teorias e práticas que orientam esse campo.
Em um mundo onde as crises parecem cada vez mais constantes, é imperativo que a ciência contribua para o enfrentamento e a resolução de problemas, como as crescentes desigualdades socioespaciais. É necessário revisar temas, métodos e procedimentos tanto na ciência geográfica quanto no planejamento territorial, a fim de que este último, como ciência aplicada, atue no planejamento do território que responda pelas condições de vida da maioria das pessoas.
Os desafios enfrentados pela ciência geográfica são multifacetados, demandando um compromisso que transcenda a mera descrição de fenômenos e processos espaciais. A construção e o resgate de métodos para compreensão que contemplem a complexidade das relações sociais e territoriais é fundamental. Assim, cabe à comunidade geográfica assumir um papel ativo na identificação das dinâmicas que moldam os territórios e a vida das populações, prestando especial atenção às desigualdades geradas pela nova divisão social e territorial do trabalho. O reconhecimento de que os países do Sul enfrentam realidades diversas, marcadas por contextos históricos e políticos próprios, é essencial para a formulação de estratégias adequadas que promovam um desenvolvimento mais justo.
O planejamento territorial e regional revela-se um campo fértil para a aplicação dos aprendizados obtidos por meio das experiências passadas, incluindo aqueles marcados por períodos autoritários. A compreensão dos impactos desses legados, juntamente com as práticas e ferramentas desenvolvidas em processos democráticos, pode estabelecer uma base sólida para superar as crises que o planejamento enfrenta atualmente. Lições do passado, especialmente no que se refere à participação social e à análise crítica das ações estatais, devem ser incorporadas em uma abordagem que valorize o enfrentamento das desigualdades e promova justiça social.
Dentro desse contexto, emergem desafios de um novo planejamento territorial, que deve ser norteado por uma compreensão profunda das interações entre os usos sociais do território, a técnica e a política. A superação da alienação implica buscar formas de integrar as vozes e demandas das comunidades, nas políticas e práticas de planejamento. A teoria e a prática geográfica devem convergir para facilitar um entendimento que incorpore as dimensões do trabalho vivo (as capacidades e iniciativas das populações) e do trabalho morto (as estruturas e instituições existentes, construídas em períodos remotos), promovendo uma análise crítica sobre a distribuição das riquezas resultantes do modo de produção e da divisão social e territorial do trabalho contemporâneo.
Ademais, a discussão sobre os três tipos de aconteceres (homólogo, complementar e hierárquico) é crucial para se compreender as dinâmicas e interações que podem influenciar o planejamento como prática política, que possui componentes científicos e técnicos significativos. O reconhecimento de como essas interações podem gerar solidariedades — aprofundando vínculos e estratégias ou criando barreiras — será vital para um planejamento mais eficaz e inclusivo. A geopolítica se apresenta, ainda, como um elemento-chave a ser considerado, uma vez que cálculos estratégicos e influências externas podem impactar decisivamente as decisões locais, regionais e nacionais relacionadas ao planejamento territorial.
Entre os caminhos a serem explorados em futuras pesquisas, destaca-se a necessidade de investigar de forma mais aprofundada as relações entre espaço e lugar, considerando-se a importância do lugar como espaço do acontecer solidário. A construção de vínculos entre as comunidades e seus territórios é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de planejamento verdadeiramente participativas, promovendo um senso de pertencimento e superando a alienação e exclusão.
Por fim, a inter-relação entre ciência geográfica, tecnologia e planejamento precisa ser rigorosamente examinada, à luz da ética e da política, compreendendo como as características e potencialidades do meio técnico-científico e informacional podem ser utilizadas para empoderar as comunidades, ao invés de implementar soluções técnico-burocráticas ineficazes.
Ao explorar esses temas, a ciência geográfica será capaz de contribuir significativamente para a construção de um futuro em que o planejamento territorial não apenas informe, mas também transforme a realidade, assegurando igualdade, soberania e o direito à autodeterminação dos povos, governos e países do Sul nas sociedades contemporâneas.
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