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O sentido de América Latina na formação em Geografia: proposta metodológica a partir do cinema

El sentido de América Latina en la formación en Geografía: propuesta metodológica apartir del cine

The sense of Latin America in Geography education: a methodological proposal with cinema

Paulo Roberto Baqueiro Brandão
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Brasil

O sentido de América Latina na formação em Geografia: proposta metodológica a partir do cinema

PatryTer, vol. 8, núm. 15, e51636, 2025

Universidade de Brasília

Recepción: 04 Enero 2024

Aprobación: 01 Marzo 2024

Publicación: 14 Noviembre 2024

Resumo: Seja como utopia ou realidade histórica, a América Latina é, ainda, uma grande incógnita para a sociedade brasileira e a Geografia – ciência e disciplina escolar – tem um papel a desempenhar na reversão desse quadro. Neste sentido, propõe-se a formulação de uma metodologia de ensino da disciplina Geografia da América Latina lecionada na UFOB que busca conciliar o estudo geográfico a uma ilustração lúdica da formação territorial latinoamericana por meio da análise de produções cinematográficas e na literatura de Eduardo Galeano na perspectiva da Geografia Histórica. Assim, o objetivo deste escrito é dar ciência e debater o escopo metodológico desenvolvido para o plano de ensino proposto. Para tanto, o artigo foi construído seguindo um roteiro que contempla (a) um detalhamento dos aspectos construtivos da metodologia e (b) uma exposição relativa às escolhas das obras constantes em cada um dos períodos definidos.

Palavras-chave: América Latina, formação em Geografia, metodologia de ensino, cinema.

Resumen: Ya sea como utopía o realidad histórica, América Latina sigue siendo una gran incógnita para la sociedad brasileña, y la Geografía, tanto como ciencia y disciplina escolar, tiene un papel fundamental en la reversión de este panorama. En este sentido, se propone la formulación de una metodología de enseñanza de la asignatura de Geografía de América Latina impartida en la UFOB, que busca conciliar el estudio geográfico con una ilustración lúdica de la formación territorial latinoamericana a través del análisis de producciones cinematográficas y de la literatura de Eduardo Galeano desde la perspectiva de la Geografía Histórica. Por lo tanto, el objetivo de este escrito es dar a conocer y debatir el alcance metodológico desarrollado para el plan de enseñanza propuesto. Con este fin, el artículo se ha construido siguiendo un guión que incluye (a) un detalle de los aspectos constructivos de la metodología y (b) una exposición relativa a las elecciones de las obras incluidas en cada uno de los periodos definidos.

Palabras clave: América Latina, formación en Geografía, metodología de enseñanza, cine.

Abstract: Whether perceived as utopia or historical reality, Latin America remains a significant enigma for Brazilian society, and Geography – both as a scientific discipline and an academic subject – plays a crucial role in unraveling this complex scenario. This paper proposes the development of a teaching methodology for the Geography of Latin America course at UFOB, aiming to reconcile geographical study with a playful illustration of Latin American territorial formation through the analysis of cinematic productions and the literary works of Eduardo Galeano from the perspective of Historical Geography. The primary objective of this paper is to present and discuss the developed methodological framework for the proposed teaching plan. To achieve this, the article follows a structured outline encompassing (a) a detailed explanation of the constructive aspects of the methodology and (b) an exposition concerning the selection of works representing each defined historical period.

Keywords: Latin America, geography formation, teaching methodology, movie.

1. Introdução

Com vistas à formação crítica e reflexiva dos futuros egressos sobre a formação territorial una e múltipla da América Latina, foi implantado nos currículos dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Geografia da UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia, Brasil) o componente curricular “Geografia da América Latina” como disciplina optativa. Estando à frente da tarefa de lecionar a dita disciplina, este autor formulou um plano de ensino que busca conciliar o rigoroso estudo geográfico – empregando, adicionalmente, alguns textos de referência da Teoria Social Crítica latinoamericana (Bagu, 1949; Bolívar, 2018; Bomfim, 2008; Krenak, 2020; Mariátegui, 2010b; Martí, 2011; Ribeiro, 1975, entre outros ) – a uma ilustração lúdica – mas não menos sistemática – da formação territorial latinoamericana por meio da exibição e análise de produções cinematográficas a partir da perspectiva metodológica da Geografia Histórica, implicando, pois, na utilização de uma periodização.

Essa dita periodização considera a formação territorial do subcontinente desde o longo período pré-conquista até a atualidade. Assim, ao promover um diálogo entre Ciência Geográfica e Artes para a geração de conhecimentos sobre a América Latina, no plano de ensino da disciplina em exame a periodização empregada toma como base aquela proposta por Eduardo Galeano (1996, 1997, 1998) na trilogia “Memória do Fogo”. Portanto, a compreensão da Geografia Histórica subcontinental se faz pela utilização de uma versão adaptada da periodização proposta pelo escritor uruguaio, ao tempo em que a sua reconstituição se dá pelo exame de filmes atinentes a cada um dos períodos definidos.

Destarte, o objetivo deste escrito é dar ciência e debater o escopo metodológico desenvolvido para ser aplicado no plano de ensino desse componente curricular denominado “Geografia da América Latina”, além de analisar as possibilidades de uso do cinema como recurso para o estudo da geografia latinoamericana na longa duração. De modo complementar, o texto busca contribuir para uma necessária reversão do quadro secularmente duradouro de negação da América Latina como utopia e realidade histórica pela sociedade brasileira.

Para alcançar os ditos objetivos, este escrito foi desenvolvido em duas seções principais, que buscam dar conta de (a) detalhar os aspectos construtivos da metodologia de ensino ora apresentada, mas contemplando, de modo adicional, uma breve abordagem sobre o conceito de formação territorial, que norteia esta proposição metodológica, e (b) expor, a partir de uma perspectiva analítica, as causas para a escolha das obras fílmicas constantes em cada um dos períodos previamente definidos, segundo as premissas a serem destacadas mais adiante.

2. Os passos para o desenvolvimento da metodologia

Conforme já mencionado, nesta seção, a pretensão maior é apresentar o passo-a-passo do desenvolvimento da metodologia de ensino aplicada ao componente curricular “Geografia da América Latina”. Contudo, antes de adentrar nos detalhes da dita metodologia, importa destacar que a sua construção parte de uma abordagem assentada no conceito de formação territorial.

Amplamente debatido por autores como Moraes (2000; 2001; 2002), Straforini (2008), Vieira (2013), Oliveira (2014), entre outros, o conceito de formação territorial teve em Antonio Carlos Robert Moraes um contribuinte fundamental na construção de argumentos teórico-conceituais e metodológicos, bem como na sua aplicação à pesquisa geográfica. Ao dar centralidade ao dito conceito, Moraes propôs um olhar pautado em uma perspectiva geográfico-histórica de análise dos processos de construção de um dado território. Como assevera o autor, “Se é possível fazer uma história econômica, uma história cultural, uma história política, também é possível fazer uma história a qual eu daria o nome de história territorial, que é tentar captar a formação de uma sociedade abordada a partir de seu território” (Moraes, 2001, p. 105).

Ao assumir uma abordagem de base geopolítica centrada no Estado no período colonial (seu período de análise mais caro), Moraes (2009, p. 29) define a formação territorial “como um processo político de afirmação de uma forma de domínio social (a estatal) e de obtenção jurídica de sua legitimidade como identificação cultural (a nação)”. Contudo, ao revisitar a obra de Moraes atinente justamente à formação territorial, Straforini (2008) identifica certo descolamento da produção daquele autor mencionado de um debate centrado no Estado, seja na crítica à “ótica judicialista” (Moraes, 2000, p. 25) dos historiadores brasileiros das primeiras décadas do século XX, ou “porque [Moraes] retira do estado português a exclusividade da ação de produção territorial” (Straforini, 2008, p. 68), trazendo à tona a sociedade como agente de construção do território.

Esse enfoque tem o mérito de permitir um olhar sobre território e sociedade em uma perspectiva não monolítica, não homogênea e não hegemônica, ressaltando, a partir da constatação da multiplicidade de agentes e de dimensões, a diversidade contida nas territorialidades e temporalidades exercidas por cada um e por todos os agentes.

Encaminhando para o debate metodológico, vale afirmar que, nas últimas décadas, investigadores e professores de Geografia têm lançado mão de fontes de pesquisa e recursos didáticos que fogem daqueles já tidos como tradicionais em meio ao escopo de afazeres considerados próprios da ciência e da disciplina escolar. Ganha força, por exemplo, o uso científico e didático de filmes e obras literárias que, de alguma maneira, expressem certo conteúdo geográfico em suas tramas. Assim, espaços reais ou imaginados expostos nessas obras de arte recebem um tratamento analítico que permita descortinar aspectos que à Geografia interessam.

O desenvolvimento dessa proposta metodológica se deu a partir da análise de dois aspectos: a constituição de uma periodização que permitisse uma análise espacial da América Latina na longa duração e a escolha minuciosa das obras fílmicas empregadas na empreitada. No campo disciplinar da Geografia Histórica, a periodização exerce um papel fundamental como recurso para a organização do pensamento sobre as transformações e permanências em um dado espaço na longa duração. Esta, por sua vez, deve ser coerente com os processos que devem ser ressaltados, o que, no caso em tela, diz respeito à formação territorial da América Latina, uma vasta região una e múltipla, cujas características físico-ambientais, culturais, econômicas e sociopolíticas dos seus subespaços (Estados, regiões, nações) por vezes convergem e, por vezes, se distanciam mutuamente.

Conforme asseverado por Santos & Silveira (2001, p. 24), os períodos “são pedaços de tempo definidos por características que interagem e asseguram o movimento do todo”. E, seguindo, afirmam: “Mas essa interação se faz segundo um controle que assegura uma reprodução ordenada das características gerais, isto é, segundo uma organização”. Há aí, portanto, uma coerência espaço-temporal que produz a “identidade” de um período. O desmantelamento de tal “identidade” do período se dá quando irrompem inovações que já não cabem no quadro da realidade até então vigente, impondo o surgimento de uma nova fase da história do território. A essa ruptura, Vasconcelos (2009) denomina de período denso.

Neste sentido, conforme mencionado alhures, a periodização se constitui em um recurso metodológico de significativa importância para a compreensão da dinâmica relativa aos usos do território na longa duração, pois permite averiguar as permanências e transformações que se processam em cada lapso da história desse arranjo geográfico. Para Santos (1994, p. 83), “a noção de periodização é fundamental, porque nos permite definir e redefinir os conceitos e, ao mesmo tempo, autoriza a empiricização do tempo e do espaço, em conjunto”, e segue afirmando que seria impossível de se realizar tal empiricização conjunta e concreta do tempo e do espaço sem a periodização.

Vale mencionar que os eventos delimitadores de cada período não marcam rigidamente o conjunto de transformações como que por um decreto, mas apontam os momentos em que a transição entre a realidade precedente e a que passou a vigorar se tornam mais evidentes. Assim, concordando com Santos & Silveira (2001), para quem compreender as épocas é mais importante que estabelecer os marcos que as separam, este escrito dá maior ênfase às “variáveis-chave que, em cada pedaço do tempo, irão comandar o sistema de variáveis, esse sistema de eventos que denominamos período” (Idem, p. 23). Por outro lado, a escolha de um determinado evento, e do ano que ocorreu como determinantes da ruptura e posterior sucessão de um período, permite uma maior clareza na análise que se pretende.

Para definir os períodos da história territorial da América Latina com o propósito didático já revelado alhures, optou-se pela periodização inspirada pelo jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1996, 1997, 1998) na trilogia “Memória do Fogo”, uma vez que, além de conter a coerência histórica necessária para a sua validação, denota um certo grau de ludicidade que a aproximação entre Geografia e Arte deve ostentar.

Na dita trilogia, Galeano evocou uma memória da América Latina por meio de um amplo mosaico de histórias que abarcam distintas espacialidades e temporalidades. Para tanto, o autor reinterpreta fragmentos extraídos de uma base rigorosa de fontes documentais e bibliográficas. Os três volumes, por sua vez, formam uma periodização cujos períodos foram assim definidos: “Os nascimentos”, que abarca uma temporalidade anterior à chegada dos europeus na América até 1700, “As caras e as máscaras”, entre 1701 e 1900, e “O século do vento”, que abrange o século XX. Há que se considerar, porém, que a constituição dos períodos não contempla o século atual, exigindo a formulação de um quarto, correspondente aos três decênios do século atual (figura 1).

Ilustração da periodização da proposta metodológica
Figura 1
Ilustração da periodização da proposta metodológica
elaboração própria (2021).

O período denominado “Os nascimentos”, correspondente ao primeiro volume da trilogia, é atemporal no seu início, pois trata dos mitos fundadores e outras histórias de algumas das diversas sociedades indígenas, e tem o seu encerramento em 1700, ano da morte do Rei Carlos II de Espanha, a quem se atribui a condição de último monarca da dinastia responsável pela conquista da América. Nesse interstício, o debate sobre a formação territorial latino-americana proposto é dedicado à compreensão dos seguintes temas: (a) Das geografias de Abya Yala à conquista europeia e (b) As lógicas territoriais da conquista e colonização europeias.

O período seguinte, “As caras e as máscaras”, tem início com o findar do anterior, seguindo, conforme delineado por Galeano, até 1900. Porém, vale acentuar uma adaptação: na proposta da disciplina, o dito período tem seu término em 1898, ano da Guerra Hispano-Americana, evento que demarca o ocaso do poder colonial europeu na América Latina, inaugurando a fase imperialista estadunidense. A análise desse período destina-se à compreensão desses temas: (a) Geopolítica colonial e fronteiras latinoamericanas; (b) As independências e a fragmentação territorial; e (c) O desenvolvimento desigual das nações latinoamericanas.

“O século do vento” é o terceiro período – o último, segundo a trilogia – e transcorre ao longo do século XX. Aqui, uma segunda adaptação foi estabelecida em relação à delimitação originalmente proposta por Galeano, com seu término tendo sido demarcado pela ascensão de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, em 1999 (o primeiro dirigente da onda progressista que teve lugar na América Latina ao longo das primeiras décadas do século XXI). A sua apropriação didática se dá a partir da abordagem dos seguintes temas: (a) A geopolítica do imperialismo na América Latina; (b) A alienação do território no século XX; (c) Urbanização e metropolização latinoamericanas.

Aos períodos assinalados coube acrescentar um último (não previsto na trilogia de Galeano), mas denominado como “Giros vertiginosos”, que corresponde às três primeiras décadas da atual centúria. O dito período tem como principal tema (a) As dinâmicas territoriais América Latina na contemporaneidade, que destaca, em especial, questões como migrações, neoextrativismo, revoluções coloridas, além da nova ofensiva neoliberal e suas reações em distintos contextos nacionais e subnacionais.

Uma vez definida a periodização e temas correlatos, o passo seguinte correspondeu à escolha dos filmes, partindo de três premissas: (a) a produção deve permitir o exame de temas de cunho geográfico; (b) o enredo deve transcorrer em um dos períodos aventados; e (c) a produção deve ser uma síntese de um fenômeno ou processo cuja ocorrência tenha rebatimentos em toda a América Latina (ainda que reconhecendo as idiossincrasias das diferentes territorialidades e temporalidades regionais), permitindo um exame contextualizado da obra.

Como bem expressa Carreras (2023, p. 10), o cinema e a literatura têm o território como cenário – ou, em suas palavras, um fundo real – que dá maior verossimilidade a uma narrativa ficcional. Não obstante, por vezes, os territórios transcendem o seu papel de cenário “para convertirse en protagonistas auténticos de la creación, junto con la trama y sus personajes”. Ainda segundo o autor, tal constatação tem fornecido irrefutáveis possibilidades de interpretação à Geografia.

A assertividade dessa ponderação feita pelo eminente geógrafo catalão é assim corroborada por Alvarado-Sizzo, Costa & Escudero (2023):

La geografía no ha sido ajena a la temática del cine, pues como un fenómeno de potencial y demandas técnicas de gran alcance es capaz de transformar la realidade social situada, divulgar imágenes de los lugares y, en el límite, configurar territorios al estimular o imponer interacciones socioespaciales a través de nuevas apropiaciones y usos en la sociedad del consumo dirigido (Alvarado-Sizzo, Costa & Escudero, 2023, p. 15).

Ainda naquilo que o cinema pode aportar como matéria-prima à análise geográfica, Costa & Alvarado-Sizzo (2021, p. 177) afirmam que “El cine ha servido al control, pero también al ocio y a la educación; alcanza corazones y mentes de los individuos y grupos, estimula el cambio de actitudes y elecciones sobre lugares y poblaciones, con la transmisión de mensajes e imágenes exclusivas”. Mais adiante, destacam o papel do cinema na incitação à continuada reflexão teórica e metodológica da Geografia:

Como la formulación de los conceptos (y metodologías) tiene relación directa con la dinámica material-inmaterial del mundo (son co-determinantes) y el cine es productor, reproductor y producto de este mundo (en el período y por el medio técnico-científico-informacional), el poder de las imágenes técnicas y representaciones espaciales obliga a pensar los fenómenos redefinidores de los conceptos y metodologías geográficas. Eso justifica el estudio geográfico del cine, con su capacidad de inducir nuevos usos al territorio, de manera interescalar (Costa & Alvarado-Sizzo, 2021, p. 177).

Cabe salientar que, naquilo que é de interesse para este escrito, o cinema não é relevante e inovador apenas nos estudos geográficos destituídos de uma abordagem espaço-temporal. Ao contrário, justamente por propor, concomitantemente, imersões em outros tempos e temporalidades, a Sétima Arte enriquece o olhar sobre a história dos territórios desvelados nas produções fílmicas. Neste sentido, os filmes históricos e os filmes de ambientação histórica possuem expressiva vocação como fontes para o conhecimento de uma dada formação territorial. Assim, na próxima seção serão apresentadas as obras fílmicas selecionadas e os méritos que substantivam a sua escolha, dando sentido empírico às reflexões apontadas anteriormente.

3. Os períodos, os filmes e as abordagens

Para cada um dos quatro períodos abordados, foram escolhidas três obras fílmicas. Tal definição visa adequar a metodologia à carga horária do componente curricular, permitindo ao grupo envolvido (docente e estudantes) realizar leituras, estudos e debates crítico-reflexivos dos textos atinentes a cada um dos temas explorados nos filmes, além da sua própria exibição comentada, que também deve gerar um debate coletivo em sala de aula. Quanto à escolha das obras cinematográficas, além dos critérios mencionados no final da seção anterior, foram considerados também os seguintes aspectos: (a) ser uma obra de fácil acesso, de preferência acessível gratuitamente na plataforma YouTube® ou em formato DVD®, o que facilita a exibição em diferentes espaços institucionais e sem maiores óbices legais, e (b) estar disponível com legendas e/ou dublagem em português.

Há que se considerar, porém, que a seleção dos filmes não é imutável, podendo ser continuamente atualizada, seja em função do surgimento de novas obras que contemplem temas ligados à proposta metodológica em suas respectivas narrativas ou pelo aparecimento de obras antigas lançadas no mercado lusófono, o que implica em tradução dos diálogos para o português, no caso de filmes produzidos em outros contextos idiomáticos que não o da língua oficial dos brasileiros. Essa opção por propiciar um continuado processo de atualização das obras acaba exigindo do docente uma constante “garimpagem” de filmes e textos correlatos.

Nas próximas linhas, serão inventariadas as obras empregadas em cada um dos períodos, além da realização de um breve exame da pertinência do seu uso no contexto do ensino de Geografia da América Latina e dos respectivos textos de suporte às aulas.

3.1. Os nascimentos

O período denominado de “Os nascimentos” abarca o interstício temporal que antecede a chegada dos conquistadores europeu na América e o ano de 1700, quando da morte do Rei Carlos II, último monarca espanhol da dinastia dos Habsburgo, os responsáveis pelo início da sistematização da administração colonial espanhola na América. Assim, interessa desvelar, no âmbito do ensino, temas relacionados às formas de organização territorial das tribos, nações e Estados indígenas no contexto pré-colombiano, o encontro extremo causado pela instalação colonial, os mecanismos e estratégias territoriais da conquista e colonização, especialmente a partir da implementação de modelos administrativos coloniais nas possessões espanholas (1521) e portuguesas (1532).

Desta forma, os filmes escolhidos para o tratamento didático e analítico do período e dos temas são: “Apocalypto” (título original homônimo, 2006, Direção: Mel Gibson), “1492. A conquista do paraíso” (1492: Conquest of Paradise, 1992, Direção: Ridley Scott) e “Aguirre, a cólera dos deuses” (Aguirre, Der Zorn Gottes, 1972, Direção: Werner Herzog), (figura 2).

Dirigido e roteirizado por Mel Gibson, “Apocalypto” foi lançado em janeiro de 2007 como uma obra fílmica do gênero drama épico. O enredo central trata da saga de Jaguar Paw, um jovem indígena de uma pequena tribo localizada na floresta tropical mesoamericana que foge do acosso de uma tropa pertencente a uma cidade-Estado não nominada da civilização maia. Os guerreiros estão em busca de pessoas para serem escravizadas e sacrificadas, com vistas à dinamização da produção e apaziguamento da ira do deus Kulkukán, conjuntura revelada nas diversas passagens que denotam características tanto do modo de produção quanto da cosmovisão da dita civilização.

Por meio do filme “Apocalypto” é possível construir um panorama – ainda que parcial – de aspectos culturais, políticos e econômicos maias, permitindo, pois, inferir sobre a forma de organização territorial dessa civilização mesoamericana. Nesse sentido, a exibição da obra fílmica busca elucidar aspectos relativos aos usos do território pela sociedade e Estado maias, além de servir como mote para estimular uma compreensão sobre a diversidade de formas de organização existentes no contexto da Abya Yala.

Portanto, interessa, de forma extensiva, abordar os processos de formação territorial das três grandes civilizações pré-colombianas, mas também de nações que compuseram o diverso mosaico sociocultural dos povos originários. Para tanto, a exibição comentada do filme aventado se faz de modo transversalizado com a leitura e debate crítico-reflexivo de textos selecionados, escritos por Casas (2006 [1552]), Prescott (1851), d’Olwer (1963), Ribeiro (1975) e Sahagún (1981).

O filme seguinte, intitulado “1492. A conquista do paraíso”, foi realizado sob a direção de Ridley Scott a partir do roteiro desenvolvido por Roselyne Bosch e teve a sua estreia em outubro de 1992 como parte das celebrações dos 500 anos da primeira viagem de Cristóvão Colombo à América. De caráter biográfico, o filme aborda a vida do navegador genovês na perspectiva de seu filho, apresentando-o como um obstinado visionário, respeitador e admirador dos povos originários com os quais manteve contato, algo que não converge, de todo, com seus próprios relatos (Colombo, 1984).

Ilustração do período “Os nascimentos”, eventos relevantes e filmes
Figura 2
Ilustração do período “Os nascimentos”, eventos relevantes e filmes
elaboração própria (2021).

A obra fílmica aborda um período denso da história territorial da América e de significativas transformações em escala planetária, uma vez que o desembarque de Colombo representa o início da conquista continental – como o próprio título da obra em exame expõe – e do consequente “encuentro extremo” (Todorov, 1987, p. 15) entre as culturas americanas e europeias, além da própria expansão do capitalismo ao Novo Mundo.

Embora o enredo esteja centrado na vida do seu protagonista e haja estratégias narrativas e de convencimento que buscam construir uma imagem mais humanizada da conquista (Abdaja Júnior, 2008), a obra contribui sobejamente para problematizar as causas e consequências mais imediatas da conquista na formação territorial da América Latina, em especial no que diz respeito à relação com os povos originários, bem como das diversas tentativas de implantação de vilas e cidades como marcas primeiras da presença dos Estados europeus na América. Esse debate deve ser feito em diálogo com escritos de Stein & Stein (1970), Todorov (1987), Romano (1995), Colombo (1984) e Bomfim (2008).

O encerramento da análise do período denominado Os nascimentos é feito por meio da exibição comentada do filme “Aguirre, a cólera dos deuses”, obra dirigida e roteirizada por Werner Herzog e lançada em dezembro de 1972 como um drama histórico. Baseada em fatos reais, a obra aborda a expedição ordenada por Francisco Pizzaro e comandada por Don Pedro de Urzúa dos Andes ao Rio Amazonas em busca da lendária cidade de El Dorado. Ao chegar na calha do Rio Orinoco, o grupo sofre um motim liderado por Lope de Aguirre, o segundo em comando da expedição, que empreende uma obcecada jornada para encontrar a mitológica cidade.

O filme deve ser trabalhado em sala de aula com o propósito de fomentar uma análise de três aspectos fundamentais para a compreensão da formação territorial da América Latina durante, pelo menos, os três primeiros séculos da colonização: (a) as formas da administração colonial, que envolviam a escravidão indígena e africana (esta última não abordada no filme) e a formação de mercados centrados na exploração de commodities minerais (México, Perú, Bolívia, Colômbia, etc.), extrativistas e/ou agropastoris (Argentina, Brasil, Uruguai, Caribe, etc.), (b) o papel das expedições militares – mas também das religiosas – na incorporação crescente dos fundos territoriais à lógica econômica e política da colonização e (c) aquilo que Stein & Stein (1970) chamam de estruturas de dependência, ou seja, a relação econômica desigual e dependente que os países ibéricos mantinham com as grande potências Inglaterra e França, altamente demandantes de pedras e metais preciosos a serem carreados como pagamento de dívidas e do comércio desfavorável.

Para uma análise o quanto mais ampla possível desses aspectos relatados, são sugeridas as leituras crítico-reflexivas de textos contidos nas obras de Bagu (1949; 1959), Frank (1968), Stein & Stein (1970), Bosi (1992) e Moraes (2000).

3.2. As casas e as máscaras

Na versão original do período denominado por Eduardo Galeano como “As caras e as máscaras”, o interstício temporal tem início em 1700, imediatamente após o final do período anterior, e encontra o seu encerramento em 1900. Na proposta da abordagem aqui explicitada, a ideia, contudo, é considerar como período denso de finalização desse interstício o ano de 1898, que marca o término da Guerra Hispano-Americana, essa que, por sua vez, implicou na destituição do poder colonial na América Latina e a inauguração da sua fase imperialista, hegemonizada pelos EUA.

Quanto à abordagem didática da história territorial da América Latina, o que se pretende é colocar a descoberto três temas principais: (a) a geopolítica da colonização (seus agentes, processos e espacialidades) e a formação das fronteiras, (b) as independências e (c) a oposição entre fragmentação territorial da antiga América Espanhola e formação de um grande Estado como herança da expansão colonial portuguesa no continente.

Para essa empreitada, as obras fílmicas a serem empregadas na ilustração e análise dos temas atinentes ao período são “A Missão” (The Mission, 1986, Direção: Roland Joffé), “Libertador” (título original homônimo, 2014, Direção: Alberto Arvelo) e “Amargo Mar” (título original homônimo, 1984, Direção: Antonio Equino), (figura 3).

O filme “A Missão”, lançado em 1986 como uma obra do gênero drama histórico e vencedor do Festival de Cannes no mesmo ano, foi dirigido por Roland Joffé a partir do roteiro escrito por Robert Bolt, contando com um elenco formado por atores atualmente consagrados no mercado cinematográfico, a exemplo de Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson. O enredo explora a história do espanhol Rodrigo Mendoza, um mercador de escravos indígenas que passa a levar uma vida monástica e voltada à defesa dos povos originários, após um trágico evento familiar.

Os eventos narrados no filme ocorrem na região das Missões, em meados do século XVIII, pouco antes da assinatura do Tratado de Madrid por

Ilustração do período “As caras e as máscaras”, eventos relevantes e filmes
Figura 3
Ilustração do período “As caras e as máscaras”, eventos relevantes e filmes
elaboração própria (2021).

Portugal e Espanha (1750), da Guerra Guaranítica (1753-1756) e da expulsão da Companhia de Jesus da América Portuguesa (1759) e América Espanhola (1767). O dito período foi marcado por negociações e escaramuças pela fixação da fronteira entre as terras coloniais espanholas e portuguesas na bacia platina e pela contestação da experiência missioneira na região no bojo do crescente antagonismo à atuação da ordem inaciana (Tavares, 1995).

No âmbito do ensino de Geografia da América Latina, a película se converte em uma importante fonte para o debate sobre aspectos geopolíticos coloniais, em especial, quanto às relações luso-espanholas, bem como sobre a formalização das fronteiras no Cone Sul. Ademais, é possível estimular análises e reflexões acerca do papel das entidades religiosas na formação territorial latinoamericana, considerando, por exemplo, a importância da Companhia de Jesus na assimilação de indígenas às lógicas territoriais dos Estados europeus.

O filme seguinte na ordem de exibições comentadas é intitulado “Libertador” e foi lançado em junho de 2014, tendo Alberto Arvelo como diretor e Timothy J. Sexton como roteirista. Representante venezuelano para a disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2015, a obra é categorizada no gênero drama histórico. Trata-se de uma cinebiografia de Simón Bolívar (1783-1830), um dos próceres da independência da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, e seu roteiro está centrado na história de Bolívar como líder das lutas pela independência das colônias espanholas na América.

Embora seja esta uma proposta de contação da história territorial da América Latina avessa a conferir centralidade a indivíduos, uma vez que os processos que dão materialidade às transformações e permanências no espaço são, antes de tudo, realizações coletivas, a obra fílmica em questão tem sua validade por aludir à consolidação dos ideais independentistas que, desde o século XVIII, ganharam status de debate fulcral junto às sociedades criollas hispanoamericanas e de certos setores das elites intelectuais da colônia portuguesa na América. Assim, interessa, por meio do filme, discutir quê América independente se quis construir à época e, para tanto, será fundamental recorrer, de modo complementar, a textos de Bolívar (2018) e Martí (2011), além das análises de James (1980), sobre a independência haitiana (a primeira da América Latina), e Neves (2003), sobre a formação do Império do Brasil (que conseguiu manter a integridade do território colonial).

A terceira obra fílmica a fazer parte da análise do período é “Amargo Mar”, uma produção boliviana lançada em 1984, com direção e roteiro de Antonio Eguino. A obra está entre o documentário e o drama histórico, uma vez que mescla elementos factuais e ficcionais sobre os antecedentes imediatos da Guerra do Pacífico, ocorrida em 1879, que colocou Bolívia e Perú em enfrentamento bélico contra o Chile, tendo resultado em fragorosa derrota dos dois primeiros países mencionados e, como consequência direta, na perda de toda a faixa litorânea historicamente pertencente ao território boliviano.

O filme Amargo Mar é exibido com o propósito de promover uma transversalização das causas e consequências da formação e consolidação de fronteiras entre os Estados recém independentes, considerando não apenas o caso exemplificado no filme, mas também outros, como as aquisições e anexações estadunidenses de terras coloniais espanholas e francesas, as fragmentações da Gran Colombia e da República da América Central, além das perdas territoriais mexicanas resultantes do Tratado Guadalupe Hidalgo (1848), entre outros casos fronteiriços. Tal abordagem é apoiada nas leituras das produções de Barros (1888), Wasserman (2000), Guerra (2013) e Tamayo (2014), todas ilustrativas de conflitos territoriais na América Latina.

3.3. O século do vento

O período denominado “O século do vento”, conforme construído por Eduardo Galeano, cobre o interstício entre 1900 a 1996, quando foi publicada a primeira obra da trilogia “Memória do Fogo”. Não obstante, nesta proposta, o dito período se inicia em 1901, quando da promulgação da Emenda Platt, que concedeu plenos poderes aos EUA para exercerem tutela sobre a recém criada República de Cuba, e tem o seu encerramento em 1999, com a ascensão de Hugo Chávez como chefe de Estado da Venezuela, sendo a primeira experiência daquilo que se convencionou denominar de Onda Rosa na América Latina, movimento no qual lideranças progressistas e desenvolvimentistas de diversos países assumiram o poder pela via eleitoral.

Vale salientar que, para efeito didático, a análise do período visa privilegiar a abordagem dos seguintes temas, tão característicos da formação territorial latinoamericana ao longo do século XX: (a) a consolidação da geopolítica do imperialismo estadunidense, (b) capitalismo, modernização conservadora no contexto da Guerra Fria e (c) os processos de urbanização e metropolização.

Neste sentido, as obras fílmicas empregadas no exame geográfico-histórico do período são “Diários de Motocicleta” (título original homônimo, 2004, Direção: Walter Salles), “Machuca” (título original homônimo, 2004, Direção: Andrés Wood) e, por fim, “Cidade de Deus” (título original em português, 2002, Direção: Kátia Lund e Fernando Meirelles), (figura 4).

A primeira exibição referente ao período é do filme “Diários de Motocicleta”, lançado em janeiro de 2004, sob direção de Walter Salles e roteiro de José Rivera e Alberto Granado com base no livro homônimo escrito por Ernesto Che Guevara. Classificado como drama biográfico, a produção explora um breve período das vidas dos jovens Ernesto Rafael Guevara de la Serna e Alberto Granado Jiménez, quando, em 1952, empreenderam, a partir de Buenos Aires, uma viagem de motocicleta pela América do Sul com destino a uma colônia de tratamento de hanseníase na Amazônia peruana. Na viagem, os estudantes universitários puderam conhecer toda a diversidade físico-ambiental e sociocultural da América Latina, além de tomarem ciência da desigualdade do/no subcontinente.

No contexto do componente curricular e tomando a questão em tela pelo olhar do revolucionário argentino que protagoniza a narrativa, a obra cinematográfica deve servir de mote para o debate sobre a construção de um modelo de desenvolvimento dependente na América Latina, as consequências da dinâmica de acumulação do capital e a sua territorialização na região. O filme, ao seu modo, revela os três traços marcantes da dominação imperialista sobre as quais Fernandes (1973) faz referência: (a) a concentração de riqueza e poder nos estratos sociais nacionais que atuam para garantir a dependência, (b) a coexistência dialética de bases econômicas, políticas, sociais e culturais “atrasadas” e “modernas” atuando para a expansão da dominação externa e concentração interna de renda e poder e (c) a exclusão de uma parcela significativa da população da distribuição dos resultados da produção de riqueza como requisito essencial à estabilidade e expansão do modelo.

Ainda aludindo à questão da dependência latinoamericana naquele transcurso do século XX atravessado pela Guerra Fria e pelo temor de uma nova Revolução Cubana (1959), Fernandes (1973, p. 24) assevera que “O que torna a hegemonia dos Estados Unidos entre as nações latino-americanas uma força incontrolável e perigosa é a presente concepção norte-americana de segurança, fronteira econômica e ação conjunta contra mudanças radicais ou revolucionárias nos países vizinhos”. Essa lógica se materializou, na região, por meio da militarização do poder e autoritarismo civil das ditaduras, tema explorado no drama “Machuca”, o segundo filme da lista relativa ao período em análise.

Essa obra cinematográfica, dirigida por Andrés Wood e roteirizada por Eliseo Altunaga, Mamoun Hassan, Roberto Brodsky, além do próprio diretor, foi lançada em agosto de 2004, tendo como mote a história de uma amizade entre dois garotos de Santiago do Chile de classes sociais

Ilustração do período “O século do vento”, eventos relevantes e filmes
Figura 4
Ilustração do período “O século do vento”, eventos relevantes e filmes
elaboração própria (2021).

distintas durante a violenta passagem do governo de Salvador Allende para a ditadura de Augusto Pinochet.

Como é sobejamente sabido, a América Latina foi palco privilegiado das ações que, ao longo da Guerra Fria, opuseram Estados Unidos, União Soviética e as suas respectivas esferas geopolíticas e geoeconômicas. Nesse contexto, a “ameaça comunista” serviu como pretexto à implantação de regimes ditatoriais em todo o subcontinente (Moreno, 2016), com tais ações tendo servido, mais que tudo, ao reforço do imperialismo estadunidense. Neste sentido, o filme em voga valoriza o debate circunstanciado sobre as causas das ditaduras na América Latina e a sua repercussão na formação territorial dos países da região.

O terceiro e último filme a ilustrar o período em exame é o “Cidade de Deus”, lançado em agosto de 2002 e dirigido por Kátia Lund e Fernando Meirelles a partir do roteiro elaborado por Bráulio Mantovani com base em livro homônimo (Lins, 1997). Aclamado por público e crítica, é considerado por muitos estudiosos da Sétima Arte como a mais importante obra do cinema brasileiro. A narrativa aborda o processo de territorialização do crime organizado na Cidade de Deus – um bairro periférico do Rio de Janeiro – pelo olhar de um dos seus jovens moradores.

O filme, do gênero drama/ação, ilustra diversos processos espaciais ligados à vertiginosa urbanização da sociedade que se seguiu à industrialização tardia em alguns dos países latinoamericanos[i], tais como o êxodo rural, metropolização, periferização e acirramento das desigualdades nas grandes cidades do subcontinente. Para a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), por exemplo, na segunda metade do século XX, a questão metropolitana se constitui como um dos aspectos mais importantes do problema social na região (Gros, Galilea & Jordán, 1987).

3.4. Giros vertiginosos

Conforme já mencionado, a trilogia Memória do Fogo não cobre a atual centúria, uma vez que tenha sido concluída em finais do século XX. Assim, foi necessário acrescentar um período que abarcasse a fase mais recente da contemporaneidade, cuja denominação, dada por este autor, é “Giros vertiginosos”, graças às aceleradas e importantes mudanças que ocorreram nas nuanças políticas. Esse período recobre o intervalo temporal entre 2001 e o momento presente em que a disciplina seja lecionada, o que exige constante atualização dos conteúdos, graças às possíveis transformações na realidade vigente.

Destarte, até a finalização deste escrito, são três os temas abordados na análise do período, a saber: (a) aspectos sociodemográficos das migrações contemporâneas, (b) neoextrativismo, povos tradicionais e meio ambiente e (c) A territorialização atual do neoliberalismo e seus projetos ultraconservadores.

As obras cinematográficas escolhidas para dar suporte à abordagem proposta para o período são “Maria Cheia de Graça” (María Llena Eres de Gracia, 2004, Direção: Joshua Marston), “Conflito das Águas” (También la Lluvia, 2011, Direção: Icíar Bollaín) e “A Ditadura Perfeita” (La Dictadura Perfecta, 2014, Direção: Luis Estrada), (figura 5).

A exibição de abertura do período é o aclamado drama “Maria Cheia de Graça”, uma coprodução colombiana e estadunidense lançada em janeiro de 2004, com roteiro e direção de Joshua Marston. Por conta da sua atuação como a protagonista María Álvarez, a atriz colombiana Catalina Sandino Moreno foi indicada aos prêmios de melhor atriz no Festival de Berlim e Oscar de 2005. O enredo discorre sobre a situação de uma adolescente do interior da Colômbia – grávida e desempregada – que aceita uma proposta para migrar aos EUA, mas na condição de “mula” do tráfico internacional de drogas.

Neste sentido, a obra fílmica contribui para a interposição de um debate sobre a questão migratória na América Latina, um aspecto presente na história regional há tempos, mas que cobra uma importância central na contemporaneidade, seja por suas causas nos espaços de origem dos fluxos ou pela complexidade atual das dinâmicas sociodemográficas daí advindas. Vale salientar que tal análise explora distintas escalas dos múltiplos fluxos vigentes, desde as migrações direcionadas especialmente aos EUA (considerando o recrudescimento das leis restritivas pós 11 de Setembro), àquelas de caráter intercontinental, com ênfase na Europa como destino, tratando, ainda, dos casos de migrações intrarregionais que envolvem populações migrantes do Haiti, Colômbia, Bolívia, Venezuela, América Central e Caribe, além do Brasil (Zoomers, 2007; Baeninger, 2012; Audebert, 2017; Villalever & Schütze, 2021).

O filme seguinte, intitulado “Conflito das Águas”, reporta os fatos ocorridos na Bolívia, em 2000, e que ficaram conhecidos como “La Guerra del Agua”. Dirigido por Icíar Bollaín e roteirizado por Paul Laverty, a obra, do gênero drama/ficção histórica, foi lançada em janeiro de 2011, apresentando um retrato das revoltas populares ocorridas após o anúncio da privatização dos serviços de fornecimento de água em Cochabamba (Drumond, 2015), a terceira maior cidade boliviana.

Embora os fatos reais tenham ocorrido no desfecho do século XX, seu enredo lança luzes sobre o controle corporativo de bens naturais, tema central da obra, mas, adicionalmente, sobre estrangeirização de terras e neoextrativismo na América Latina, questões tão presentes na centúria atual, especialmente, a partir da ascensão de governos de contornos neoliberais na região. Tal debate encontra eco, no âmbito do componente curricular Geografia da América Latina, na análise dos escritos de Whitacker (2015), que trata do uso e controle dos recursos naturais na atual fase de desenvolvimento capitalista, e de Ribeiro (2008), que versa sobre a Geografia Política da Água.

Ilustração do período “Adendo ao século XXI”, eventos relevantes e filmes
Figura 5
Ilustração do período “Adendo ao século XXI”, eventos relevantes e filmes
elaboração própria (2021).

O último filme do período e que também encerra o programa do componente curricular é “A Ditadura Perfeita”, uma produção mexicana, do gênero comédia, lançada em 16 de Outubro de 2014, sob direção de Luis Estrada, que também assina o roteiro junto com Jaime Sampietro, ao tempo em que o protagonista do filme, Carmelo Vargas, é interpretado pelo famoso ator mexicano Damián Alcázar. Satirizando alguns fatos reais recentes da política mexicana, o filme aborda a ascensão de um político corrupto e polêmico à presidência por meio de um conluio com um importante veículo de comunicação do país.

A obra provoca uma reflexão sobre as tentativas ou concretizações de deflagração de revoluções coloridas que, em muitos casos, levaram à ascensão recente de políticos autoritários, populistas e conservadores – para dizer o mínimo – à chefia de Estado de diversos países latinoamericanos, desencadeando um refluxo na chamada “Onda Rosa” (Rohter, 2005) ocorrida nas décadas iniciais deste século. Tais eventos foram determinantes no realinhamento da região à política externa estadunidense e a reorganização e formação de blocos interestatais, como a OEA (Organização dos Estados Americanos) e o Grupo de Lima, além das proposituras conservadoras, neoliberais e até antidemocráticas. A abordagem do tema é feita sob apoio de escritos de Puello-Socarrás (2008), França (2022), Machado (2022), além de um transbordamento do tema, com a introdução de uma reflexão mais ampla sobre a ascensão do neofascismo, amparada em Mariátegui (2010a) e Traverso (2018).

4. Considerações finais

Debater a América Latina e os percalços da sua formação territorial é um imperativo na trajetória formativa de profissionais de Geografia no Brasil, seja pela necessidade de recuperar (ou, talvez, adquirir pela primeira vez) um sentido de pertencimento a esta vasta região que une povos e nações tão distintos, mas semelhantes pelas tragédias comuns de formação, seja pela premência de superar, por meio da guerrilha epistemológica que propunha Lacoste (1988), as consequências de um quadro multissecular de colonização, imperialismo e dependência.

Neste sentido, ainda que este escrito não contenha qualquer pretensão de ser um guia para quem lecione temas relativos à América Latina ou sequer para curiosos sobre a região, vale a pena ocupar parte deste trecho final para discorrer, a título de contribuição, sobre as potencialidades e limites da empreitada.

Quanto às potencialidades, recorrer a uma comunhão didático-pedagógica entre ciência e arte, parece ser um meio profícuo para substantivar esse processo formativo, tornando-o prazeroso, por sua ludicidade, e, ao mesmo tempo, efetivo na apreensão e produção de conhecimentos pelos graduandos. O contato com a vasta e profunda bibliografia proposta tem nos filmes e na crônica de Eduardo Galeano um anteparo que, por vias tortas, serve como uma espécie de empiricização dos conteúdos.

Além disso, o contato com obras fílmicas pouco conhecidas – algumas já antigas e outras com pouca circulação no circuito comercial brasileiro – amplia sobremaneira os horizontes culturais dos estudantes e, em paralelo, contribui para fomentar o gosto pelo cinema e pelo desenvolvimento de uma olhar análitico e crítico sobre as produções.

Por outro lado, quanto aos limites do uso de filmes como eixo principal para o ensino do componente curricular em tela, cabe mencionar que há, ainda, um considerável distanciamento na difusão de obras cinematográficas de países latinoamericanos no Brasil, o que repercute na pouca disponibilidade de filmes com legenda e/ou dublagem em português. Tal fato, aliado ao massivo quantitativo de estudantes sem qualquer iniciação em línguas estrangeiras, menos ainda em espanhol, reduz bastante as opções de filmes que se enquadram à proposta.

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Notas

[1] Professor doutor da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8342-9130. E-mail: paulo.baqueiro@ufob.edu.br.
[i] Embora seja necessário reconhecer que a concentração demográfica em algumas grandes cidades latinoamericanas preceda à industrialização, posto que fossem centros econômicos, políticos e culturais dinâmicos, na maioria dos casos, desde o período colonial (Silva, 2021), não se pode negar que a implantação massiva de indústrias ao longo da segunda metade do século XX em alguns desses centros produziu vigoroso crescimento populacional, contribuindo decisivamente para um irreversível processo de metropolização.
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