ESCENARIOS

Cognição como semiose: semiótica cognitiva e cogsem

Cognition as semiosis: cognitive semiotics and cogsem

Winfried Nöth
PUC, Brasil

Cognição como semiose: semiótica cognitiva e cogsem

deSignis, vol. 35, pp. 49-57, 2021

Federación Latinoamericana de Semiótica

Recepción: 07 Octubre 2020

Aprobación: 09 Noviembre 2020

Resumen: El artículo trata sobre la interfaz entre la semiótica y la ciencia cognitiva, el campo de la investigación interdisciplinar en la encrucijada entre lingüística, antropología, psicología cognitiva, filosofía, neurociencia e inteligencia artificial. En él interpretamos una tendencia de la semiótica contemporánea conocida como semiótica cognitiva (Cogsem) a la luz de la semiótica cognitiva de C. S. Peirce. La semiótica cognitiva de Peirce no es el estudio del significado, mucho menos la creación de significados. Es el estudio de los procesos de semiosis cognitiva, no solo de signos encarnados externamente, sino también de las imágenes mentales y otras representaciones mentales, es decir, signos mentales. Sobre la base de Peirce, el artículo rechaza como un error cartesiano la concepción dualista de los significados como fenómenos mentales y los signos como sus encarnaciones externas.

Palabras clave: semiótica cognitiva, Cogsem, significado, cognición, pensamiento como signo.

Abstract: The paper studies the interface between semiotics to cognitive science, the interdisciplinary research field at the crossroads of cognitive psychology, linguistics and anthropology, philosophy, neuroscience, and artificial intelligence. It interprets current trends in cognitive semiotics (Cogsem) in light of C. S. Peirce’s cognitive semiotics. Semiotics is not the study of meaning, let alone of meaning making, but the study of signs, not only externally embodied signs, but also of mental images, mental representations, i.e., thought-signs. With Peirce, the dualist conception of meanings as mental phenomena and signs as their embodiments is rejected as Cartesian an error.

Keywords: cognitive semiotics, Cogsem, meaning, cognition, thought-signs.

1. SEMIÓTICA COGNITIVA

A semiótica cognitiva está se estabelecendo como um campo de pesquisa na encruzilhada da ciência cognitiva e da semiótica, mas as opiniões sobre a relação entre as duas vacilam. Num extremo, encontramos a afirmação de que a semiótica deve ser entendida “como ciência cognitiva” (Houser 1995) ou mesmo que ciência cognitiva e semiótica são denominações sinônimas do mesmo campo de pesquisa, sendo o primeiro apenas uma “variante estilística e metodológica” do segundo (Sebeok 2002: 2). No outro extremo, encontramos a visão de que a semiótica cognitiva não deve “ser vista como um ramo da semiótica”, mas como “um campo transdisciplinar focado no fenômeno multifacetado do significado” (Zlatev 2015: 1043).

Quando a ciência cognitiva foi considerada o estudo de sistemas de símbolos (Newell 1960), mentes e símbolos (Daddesio 1995), modelos mentais (Johnson-Laird 1983), representações mentais (Eco et al. 1988; Nöth 1997) ou representação de conhecimento (Jorna 1990), era natural supor que a ciência cognitiva não era muito diferente da semiótica. Desde então, a ciência cognitiva se expandiu em muitas direções. Mesmo assim, não é convincente que a semiótica da cognição não seja um ramo da semiótica. Se a biossemiótica, a semiótica visual, da música, da mídia, da arquitetura, da cultura, da significação ou da comunicação são ramos da semiótica, por que a semiótica cognitiva deveria ser uma exceção? Ainda mais quando ela se define como um método de “integração de teorias desenvolvidas nas disciplinas da ciência cognitiva com métodos e teorias desenvolvidas na semiótica e nas humanidades e com o objetivo final de fornecer novos insights sobre o reino da significação humana e sua manifestação nas práticas culturais” (Zlatev 2015: 1043).

Cognitive Semiotics (2007ff.) é a revista da Associação Internacional da Semiótica Cognitiva. O seu objetivo é “fornecer novos insights sobre o reino da produção de significados humanos e as modalidades de sua corporificação e descorporificação” (Brandt e Oakley 2007: 5). Há monografias temáticas (Daddesio 1995; Brandt 2004, 2020), coletâneas (Frank et al. 2008; Zlatev et al. 2016), artigos de posicionamento (Zlatev 2012; Brandt 2011; Sonesson 2011) e enciclopédicos (Zlatev 2015), além de edições especiais de revistas (American Journal of Semiotics 35.1-2/2019).

2. INSIGHTS SEMIÓTICOS DA COGNITION SERIES

O que Peirce tem a dizer sobre a cognição? Em uma série de três artigos, também conhecidos como “série cognitiva”, publicados em 1868 e 1869 no Journal of Speculative Philosophy, ele lançou as bases de uma filosofia da cognição. Os artigos são “Questões relativas a certas faculdades reivindicadas pelo homem” (1868), “Algumas consequências de quatro incapacidades” (1868), e “Fundamentos da validade das leis da lógica: outras consequências de quatro incapacidades” (1869) (CP 5.213-357; EP 1: 11-82). Ao contrário daquilo que a filosofia tradicional havia ensinado, Peirce postulou as seguintes incapacidades da mente humana (CP 5.265):

(1) Não temos poder de pensamento e cognição sem signos, já que todo pensamento se dá em signos.

(2) Não temos o poder da introspecção.

(3) Não temos o poder da intuição; cada cognição é logicamente determinada por outras anteriores.

(4) Não podemos pensar o incognoscível.

A primeira destas quatro incapacidades é fundamental para o estudo semiótico da cognição. Para Peirce, o conceito de “cognição” inclui pensamentos, percepções, assim como sentimentos. A afirmação de que cognição e percepção, isto é, raciocinar, pensar, ver, ouvir, degustar e tatear acontecem sempre na forma de signos significa que a cognição acontece sempre num fluxo, em que a cognição presente está indissoluvelmente ligada às anteriores (das quais é uma representação) e às futuras, que são suas interpretações (interpretantes). Não há primeira nem última cognição. Nenhuma cognição é não mediada, “imediata”, ou seja, sem se dar em signos. Como foi resumido por Fisch, a doutrina de Peirce de que “todo pensamento se dá em signos” (CP 5.253) significa que “cada pensamento continua outro e é continuado por outro ainda. Não há nenhuma premissa não inferida e não existem conclusões definitivas. Nenhuma cognição é descrita adequada ou precisamente como uma relação diádica entre uma mente que conhece e um objeto conhecido, seja este um primeiro princípio intuído ou um dado perceptivo, uma ‘primeira impressão de sentido’ (CP 5.283)” (Fisch 1986: 325).

Uma das premissas subjacentes a estes postulados, mais elaborada em escritos posteriores, é o sinequismo de Peirce, a teoria de que tudo é contínuo. Cognição é um processo mental que ocorre num fluxo contínuo. Os pensamentos e as percepções nunca são puramente espontâneos e totalmente alheios aos anteriores. Nenhuma cognição é inteiramente nova, já que todas as cognições são determinadas por cognições anteriores. Não há uma primeira, nem uma última cognição no sentido de uma cognição “conclusiva”. Os processos cognitivos podem ser interrompidos, mas não “concluídos”, assim como o fluxo do tempo nunca poderá ser interrompido. A continuidade se estende tanto ao passado remoto quanto ao futuro distante, mas ela também se refere ao momento presente, o que significa que a cognição nunca pode ser “imediata”, pois qualquer momento é apenas um fragmento de continuidade.

O argumento relativo à continuidade da cognição está ligado ao argumento de que a cognição acontece sempre em signos, já que um signo é uma cognição precedida por um outro signo, o seu objeto, e seguida por um terceiro signo, o seu interpretante. “Dizer, portanto, que o pensamento não pode acontecer em um instante, mas requer um tempo, é apenas uma outra forma de dizer que todo pensamento deve ser interpretado em outro, ou que todo pensamento se dá em signos” (CP 5.253).

A doutrina da continuidade de Peirce é igualmente aplicável à pretensa dicotomia entre cognições internas e externas. Não há nenhuma oposição entre ambos, mas continuidade. São signos as representações mentais e outros signos mentais (thoughtsigns), bem como os signos exteriores corporificados. Na verdade, no caso dos símbolos, a sua corporificação em forma de fala ou escrita é apenas secundária. Um símbolo é uma regra, uma “lei ativa” (CP 4.447, c. 1903), ativa na mente, mesmo quando não encarnada externamente.

3. COGSEM

Desde os anos 70, quando a Cognitive Science Society e a sua revista Cognitive Science foram fundadas (em 1979 e 1976, respectivamente), a ciência cognitiva tem sido um projeto multidisciplinar. As estátuas da sociedade declaram que ela visa estudar mentes e sistemas inteligentes a fim de “fomentar o intercâmbio científico entre pesquisadores de diversas áreas de estudo, incluindo Inteligência Artificial, Linguística, Antropologia, Psicologia, Neurociência, Filosofia e Educação” (https://cognitivesciencesociety.org/).

Nesta mescla multidisciplinar, a semiótica cognitiva, abreviada por seus proponentes como “Cogsem”, perde o foco na filosofia, quando Zlatev (2015: 1044) afirma que ela tem um “endividamento aproximadamente igual com a linguística, a semiótica e a ciência cognitiva”. Particularmente, a filosofia semiótica da cognição de Peirce é marginalizada. Ocasionalmente, Peirce é até denunciado como um filósofo “bastante místico”. Como uma melhor “fonte de inspiração”, um dos estudiosos de Cogsem recomenda até a adoção da definição de semiótica como “o estudo sistemático dos significados” (Zlatev 2009: 171), extraída de um artigo de duas páginas de Nova Gales do Sul sobre visitantes de jardins zoológicos (Fuller 1997: 30).

A Cogsem parece mais uma “semântica” do que uma “semiótica cognitiva”, quando se define como um estudo do significado (Brandt 2004), visando “novos insights sobre o domínio da produção de significados humanos” (Brandt e Oakley 2007: 5). São várias as razões pelas quais o cordão umbilical entre a semiótica cognitiva e a semiótica, concebida como um estudo de signo, é cortado e abandonado. A afinidade da linha de pesquisa com a semântica cognitiva, a sua teoria da corporificação (Ziemke, Zlatev e Frank 2007), da integração conceptual (blending) (Fauconnier e Turner 2002) e todas as teorias de como o corpo molda a mente (Gallagher 2005), é apenas uma dessas razões.

4. SIGNIFICADO VS. SIGNO: UM ERRO CARTESIANO

Uma das razões para postular significados e não signos como o objeto de pesquisa pode também ser encontrada nas opiniões da Cogsem sobre o significado como uma representação mental. Os “esquemas mentais”, um tópico proeminente da ciência cognitiva, estão excluídos da categoria de signos, uma vez que eles não têm “corporificação” externa e assim “constituem um nível de significado anterior ao signo” (Sonesson 2007: 86).

Na raiz desta exclusão das imagens mentais da categoria dos signos reside o antigo dualismo cartesiano entre a mente e o corpo. As imagens mentais não pertencem à mesma esfera que as imagens externas. As primeiras são “significados”; apenas as últimas são signos. A concepção de signo como um fenômeno que precisa de corporificação externa em contraste com a representação mental interna, que é um significado, também é evidente nos escritos de P. A. Brandt. (2011: 59). O autor revitaliza o dualismo entre os signos encarnados externamente e a representação mental interna, há muito deixado para trás com o conceito de “signos mentais” de Peirce, quando ele declara:

Aquilo a que esta realidade imaterial, “intropectível” corresponde em nossas próprias mentes é o significado – em sua distinção dos estados de coisas materiais – incluindo o que podemos reconhecer como sememas na análise de integração semiótica que consideramos. A cognição se torna semiótica no momento em que a introspecção também se torna “extrospectável”, ou seja, quando começamos a ver que o significado pode ser compartilhado, pois podemos significá-lo um para o outro. A semiose torna o Significado uma instância potencialmente pública, por mais privada que possa ser e é de imediato. Este momento é a origem da república, res publica, a fundação do mundo da vida humana e do pensamento abstrato. Desde então, o Significado tem sido um domínio próprio, tão diferente de cada um de nós, tão descorporificado que temos que levá-lo à escala humana por meio de uma teoria da corporificação. (Brandt 2011: 59)

Os “esquemas mentais”, segundo Peirce, são exemplos clássicos de signos mentais da classe dos diagramas (cf. Stjernfelt 2007). Porém, os diagramas mentais não são os significados de diagramas representados externamente. Eles representam objetos e criam interpretantes, sejam internos ou externos, sem essa falsa oposição entre descorporificados ou corporificados. Os esquemas mentais, pelo menos quando realmente estão presentes em uma mente, não são de forma alguma descorporificados, mas corporificados, ou seja, presentes nos cérebros e assim nos corpos daqueles cujos pensamentos são determinados por eles.

Excluir as representações mentais da categoria dos signos é defender uma teoria dualista dos signos segundo a qual o significado é interior, enquanto os signos só são signos quando são corporificados externamente. Isto dificilmente pode ser compatível com qualquer teoria semiótica, muito menos com uma que busca suas raízes na fenomenologia. Somente os Epicuristas, os semioticistas favoritos de Karl Marx, propuseram uma interpretação inteiramente materialista do signo (cf. Nöth 1997; 2000: 7).

Embora os signos incluam representações mentais, tanto externas quanto internas, isto não significa que um signo seja apenas um signo quando realmente corporificado física ou mentalmente. Peirce também reconhece o caso dos signos sem corporificação, que são os signos por hábito e signos virtuais, distinção adotada de Duns Escoto, que diferenciou entre “cognições reais, habituais e virtuais” (CP 2.398, rodapé, 1867). Símbolos, por exemplo, são signos mesmo quando não expressos ou presentes em uma mente, e a frase muito citada de Chomsky das “ideias verdes incolores” era um signo meramente virtual antes que seu autor a escrevesse em suas Estruturas sintáticas de 1957.

Outro problema relativo aos fundamentos semióticos da Cogsem é a tese acima citada de que a Cogsem é o estudo da criação de sentido (meaning making). Mas, o significado pode ser “feito”? Os signos têm, transmitem, ou expressam um significado. A ideia de que o significado seja feito pressupõe um criador de sentido. Contudo, nós não fazemos significados, mas fazemos signos que têm significado (ou não). Os produtores de signos não são, portanto, produtores de significados.

A teoria de Peirce sobre a criação de significados é ainda mais radical. Não somos nós que criamos os significados, mas sim os nossos signos, que têm o seu próprio propósito. É por isso que Peirce escreveu frases como “é a sentença que transmite o seu significado...” (CP 8.178). A teoria de Peirce sobre a agência do signo é certamente difícil de engolir, já que equivale ao destronamento do sujeito, que parecia ser o mestre dos signos, para torná-los seus meros coagentes (Nöth 2009). No entanto, a questão do significado não é diretamente afetada por isso, tendo em vista que, para Peirce, os significados são signos, ou melhor, o significado de um signo é outro signo, quer dizer, seu interpretante.

5. SIGNIFICADOS SEM SIGNOS?

Göran Sonesson, um dos fundadores da Cogsem, também redefine a parte semiótica do novo campo de pesquisa da Cogsem como o estudo do significado, em vez do signo. O autor declara: “Tratemos de chamar o processo por meio do qual o significado é transmitido de alguém ou algo a alguém, usando um termo peirciano, semiose” (Sonesson 2011: 339). Com esta declaração, o autor se distancia tanto de Peirce como dos Estoicos, dos quais Peirce havia adotado o termo (σημείωσις, semiosis), violando assim a ética da terminologia invocada por Sonesson, ele mesmo, como o postulado de “não introduzir um termo que entre em conflito com o uso anterior” (ibid.). A definição de semiose de Peirce não trata de significados, mas afirma que semiose é o estudo da “ação do signo”, a saber, a ação de ser interpretado (CP 5.473, 5.484, 1907).

Uma das razões pelas quais a Cogsem não está satisfeita com a definição da semiótica como um estudo dos signos parece ser o problema da pluralidade das definições do signo na história da semiótica. Na premissa de que “o conceito de signo, na semiótica, é notoriamente mal definido”, já que “Saussure disse que o signo tinha duas partes, enquanto Peirce afirmou ter três”, Sonesson (2011: 339) chega a duas conclusões a respeito do presente e do futuro da semiótica. Primeiro, porque parece existir um “amplo acordo” de que o conceito de signo “não é suficientemente abrangente para delimitar o campo da semiótica” (2011: 340). Segundo, porque “a grande tarefa para a semiótica será caracterizar aqueles tipos de significado que não são signos” (2011: 341).

Se vista sobre o pano de fundo da história milenar da semiótica, a previsão de que o futuro da semiótica está no estudo dos signos sem significado soa como a de um biólogo que propõe uma nova biologia que não está mais preocupada com o estudo da vida. Se a Cogsem acha necessário abandonar o estudo dos signos, a ética da terminologia passa a exigir um novo termo. Talvez Cogsem seja de fato melhor do que “semiótica cognitiva”.

6. O QUE É SIGNIFICADO?

Mas o que é o significado? Seria ele realmente mais simples ou mais fácil de definir do que o signo, sobre cuja definição, segundo alguns, não foi possível chegar a um acordo? Brandt (2011: 59) o define em termos da “realidade imaterial (res cogitans)” cartesiana. (Sonesson (2007: 85) refere-se à fenomenologia de Husserl como uma fonte de sua tese de que os signos precisam ser distinguidos de “outros significados”, mas este argumento implica que os signos são uma espécie de significado, o que seria incompatível com a concepção comum de significado como algo inerente a outra coisa.

Além disso, os signos de Husserl (Zeichen) sem significado são essencialmente signos indexicais em contraste com signos com significados, que são expressões (Ausdrücke; Husserl 1890; 1900, IV.1, §§ 14-15; cf. Kalinowski 1985: 49). Ou seja, os primeiros são signos “sem significados” no sentido de que “não afirmam nada”. Ao invés de transmitir um significado, eles “só dizem ‘Lá!’”, afirmou Peirce (CP 3.361, 1885). No entanto, tais signos têm sim um interpretante, um efeito de constatação sobre os seus intérpretes. Em suma, Husserl distingue dois tipos de signos e não dois tipos de significado, sendo um deles (a expressão ou Ausdruck) com significado, o outro (o signo indicativo ou Anzeichen, como Husserl o chamou) sem significado os quais, para Peirce, seriam índices. Portanto, a distinção da Cogsem entre dois tipos de significados, dos quais um é um signo, enquanto o outro não é, também não pode ser fundamentada na fenomenologia de Husserl.

Partindo da sua premissa de que existem dois tipos de significados, aqueles que são signos e aqueles que não são, Sonesson vai ainda mais longe ao criticar Saussure e Peirce por não terem definido o signo como ele mesmo propõe. Não satisfeito com as mais de 88 definições de signo de Peirce (1997), nas quais a palavra “significado” pode ser encontrada nada menos que 32 vezes, o autor diz que Peirce nunca apresentou uma definição do signo na sua relação com o significado. Professando a docta ignorantia, a linha de argumentação do autor é: “É verdade que ambas as principais tradições da semiótica, a saussuriana e a peirciana, nunca ofereceram realmente alguma definição específica do signo, ou seja, um conjunto de critérios que nos permite separar os significados que são signos de outros significados” (Sonesson 2007: 92).

No que diz respeito a Peirce, era apenas lógico para ele ignorar supostos significados sem signos, porque tais fenômenos seriam uma contradição semiótica em termos. O significado nada mais é que “aquilo que o signo expressa, o resultado que ele produz na sua capacidade como signo” (MS 318:13-4, 1907). Esperar que Peirce investigue os significados sem signos é esperar que ele seja autocontraditório. Afinal, uma de suas doutrinas é que “o significado de uma representação não pode ser senão uma representação. Na verdade, nada mais é do que a própria representação concebida como despojada de roupas irrelevantes” (CP 1.339, c. 1895).

Então, o que é o significado? Neste artigo, por falta de espaço, a teoria do significado de Peirce só pode ser delineada de uma maneira bastante incompleta. O significado está situado na experiência da vida real, por assim dizer, em uma Lebenswelt, para usar a expressão de Husserl. O significado não está em palavras, nem em pensamentos em si, mas nos efeitos que os signos podem ter nos processos contínuos de semiose. “Nenhum pensamento atual [...] tem qualquer significado [...]; pois este reside naquilo a que esse pensamento pode estar conectado na representação a pensamentos subsequentes, de modo que o significado de um pensamento é inteiramente algo virtual” (CP 5.289, 1868). O significado é um signo virtual ao qual Peirce atribui um ser no futuro (CP 2.148, 1902). Mas, neste ponto, já começamos a adentrar na teoria pragmaticista peirciana cuja exploração nos levaria para outros caminhos que devem ser deixados para outra ocasião.

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