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O procedimento e a decisão de afetação no IRDR: sistematização e desdobramentos
The procedure and the decision of affectation in the IRDR: systematization and unfolding
O procedimento e a decisão de afetação no IRDR: sistematização e desdobramentos
Revista de Direito da Faculdade Guanambi, vol. 6, núm. 1, pp. 1-32, 2019
Centro Universitário FG

Recepção: 02 Julho 2019
Revised: 18 Julho 2019
Aprovação: 19 Julho 2019
Publicado: 20 Julho 2019
Resumo: Este artigo tem o propósito de analisar o incidente de resolução de demandas repetitivas a partir do seu procedimento, com o delinear dos pontos necessários, desde o pedido de suscitação, admissibilidade, decisão de afetação e organização, as manifestações de todos os atores possíveis, com o intuito de instruir cognitivamente o incidente, para deixá-lo apto para a prolação da decisão que será transformada em precedente judicial naquele Tribunal de segundo grau.
Palavras-chave: Decisão de Afetação, Demandas Repetitivas, Incidente, Procedimento.
Abstract: This article has the purpose to analyze the incident resolution of repetitive demands from your procedure, with the outline of the points required, since the request of evoke, admissibility decision of affectation and organization, the manifestations of all the possible actors, with the aim of instructing cognitively the incident, to make it suitable for the delivery of the decision, which will be transformed into a judicial precedent in that court of second degree.
Keywords: Decision of Affectation, Repetitive Demands, Incident, Procedure.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO; 1 O IRDR: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS; 2 O PROCESSAMENTO DO IRDR; 2.1 O pedido suscitante do IRDR; 2.2 A possibilidade de nova suscitação do IRDR; 2.3 A impossibilidade de instauração quando a matéria está afetada por Tribunal Superior; 2.4 A recepção, distribuição e o juízo de admissibilidade; 2.5 O efeito no processo originário do protocolo do pedido do IRDR: necessidade de petição de informação e impossibilidade de julgamento; 3 A DECISÃO DE AFETAÇÃO DO IRDR; 3.1 A avocação pelo colegiado competente do processo base para o julgamento do IRDR; 3.2 A suspensão dos processos com identidade material naquele Tribunal; 3.3 A possibilidade de ampliação dos processos representativos da controvérsia; 3.4 O processamento do IRDR com a definição do contraditório ampliado; 3.5 A audiência pública no IRDR; 3.6 Existe uma falta de representatividade de ausentes no IRDR?; 3.7 A comunicação da suspensão aos órgãos julgadores e ao CNJ; 3.8 A possibilidade de ampliação ou prorrogação da suspensão; 3.9 A desistência e a inserção do Ministério Público; 3.10 O prazo para o processamento do IRDR, a maturação analítica e a remessa para julgamento; 4 ASPECTOS CONCLUSIVOS; REFERÊNCIAS.
SUMMARY
INTRODUCTION; 1 The IRDR: INCIDENT OF RESOLUTION OF REPETITIVE DEMANDS; 2 IRDR PROCESSING; 2.1 The IRDR's request; 2.2 The possibility of new IRDR appeal; 2.3 The impossibility of establishing when the matter is affected by High Court; 2.4 The receipt, distribution and admissibility judgment; 2.5 The effect in the originating process of the protocol of the request of the IRDR: necessity of request of information and impossibility of judgment; 3 THE IRDR'S DECISION OF AFFECTIONATION; 3.1 The call by the competent collegiate of the basic process for the judgment of the IRDR; 3.2 Suspension of proceedings with a material identity in that Court; 3.3 The possibility of amplifying the representative processes of the controversy; 3.4 The processing of the IRDR with the definition of the extended contradictory; 3.5 The public hearing at IRDR; 3.6 Is there a lack of representation of absentees in IRDR ?; 3.7 The communication of the suspension to the judging bodies and the CNJ; 3.8 The possibility of extending or extending the suspension; 3.9 The withdrawal and insertion of the Public Prosecution Service; 3.10 The deadline for processing IRDR, analytical maturation and referral for judgment; 4 CONCLUSIVE ASPECTS; REFERENCES.
INTRODUÇÃO
Diante da notória opção pelo combate à dispersão da jurisprudência, o CPC/2015 criou o incidente de resolução de demandas repetitivas com o intuito de aplacar a alta litigiosidade e repetitividade de questões idênticas, seja em direitos individuais homogêneos ou em questões com identidade em ações heterogêneas.
O intuito passa por conceder aos Tribunais de segundo grau a possibilidade de, desde logo, fixar tese jurídica vinculante a estas questões repetitivas, com valorização dos precedentes via julgamento por amostragem, um verdadeiro combate à imensa quantidade de processos que abarrotam o judiciário brasileiro em todos os níveis.
Diante da aposta neste novo instituto processual, há uma decisão de mérito que fixa a tese jurídica sobre a qual o art. 987 prevê o cabimento de recurso excepcional, especial quando a matéria for de lei infraconstitucional ou extraordinário quando atingir questão constitucional. Para se chegar nessa definição decisória, um incidente é instaurado, num colegiado com uma composição maior e, com uma procedimentalidade ampliada, com a inserção de manifestação de diversos atores processuais, com o intuito de ampliar os intérpretes para uma melhor fixação da tese jurídica pacificadora das questões repetitivas.
O recorte desse estudo está na identificação desse procedimento, com a sistematização de seu andamento e desdobramento, desde a decisão de afetação, aquela logo após a admissibilidade positiva pelo colegiado ampliado, até o processo incidental estar apto para o julgamento. Ou seja, o intuito aqui é delinear o molde necessário dessa decisão de afetação, a organização realizada por tal momento decisório e as consequências procedimentais, com os detalhes e desdobramentos que entendemos, mediante a pesquisa realizada, como necessários e importantes para se alcançar a melhor discussão jurídica, com uma instrução completa, deixando pronto o incidente para um julgamento racional e completo
Diante de tais entendimentos iniciais, delinearemos as sistematizações e desdobramentos dessa procedimentalidade e afetação.
1 O IRDR: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
O CPC/2015 trouxe a novidade do incidente de resolução de demandas repetitivas ou, simplesmente, IRDR, como a aposta em como lidar com a multiplicidade de demandas desde o segundo grau de jurisdição, antecipando a discussão macro das demandas em massa. A competência é dos tribunais estaduais ou regionais – TJs ou TRFs – os quais terão a novidade de apreciar matérias com o intuito de fixar teses jurídicas vinculantes. Um instituto novo, com inspiração notadamente alemã[2], apesar de também ter influências de outras experiências[3], soando como uma real criação jurídica brasileira, com peculiaridades próprias, numa tentativa de aproximar-se da realidade brasileira.
O conceito, nos dizeres de Abboud e Cavalcanti (2015, p. 222), passa por um “mecanismo processual coletivo proposto para uniformização e fixação de tese jurídica repetitiva” que detém o objetivo de “conferir um julgamento coletivo e abstrato sobre as questões unicamente de direito abordadas nas demandas repetitivas, viabilizando a aplicação vinculada da tese jurídica aos respectivos casos concretos”.
Mesmo com a existência de didática processual dos recursos repetitivos e da repercussão geral, no âmbito dos tribunais superiores, a novel legislação processual, primou, sobre o IRDR, por ampliar horizontes, incluindo os tribunais de segundo grau – chamados de apelação/revisão[4] – na sistemática de pensar e contribuir para a resolução de demandas repetitivas, aumentando o leque de órgãos com a finalidade de alcançar processualmente soluções para os litígios que se repetem no âmbito territorial, atribuindo uma eficácia processual até então inexistente, primando pela efetividade de diversos princípios processuais constitucionais, dentre eles, o da duração razoável do processo[5].
O intuito, mediante essa nova espécie de julgamento por amostragem e formação de precedentes[6] vinculantes, é proteger os princípios da isonomia e da segurança jurídica[7], estancando, desde logo, decisões conflitantes em matérias que a multiplicidade já se tornou latente, debatendo, no próprio segundo grau, a fixação de teses jurídicas, incutindo a estes, tal responsabilidade. Uma notória preocupação em trazer a preparação cognitiva e decisória, com um contraditório ampliado desde o segundo grau, para uma antecipação da resolução destes casos.
Mas, será que o termo correto seria mesmo de demandas repetitivas? O intuito é julgar a demanda, como uma causa para servir de paradigma para as demais ou resolver uma questão? Parece que essa segunda visão seria a correta, com o nome equivocado de demanda, o que ensejaria, na visão de Temer, de entender como questões repetitivas[8].
O art. 976 dispõe sobre o cabimento do incidente, com a sua possibilidade para suscitação dos legitimados, quando identificarem uma matéria/questão de direito, que contenha efetiva repetição de processos que versem sobre aquela mencionada controvérsia, causando um possível risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, já que quanto mais processos, maior a possibilidade de decisões conflitantes e não uniformes. Dessa maneira, o referido artigo já dimensiona os requisitos para a instauração do incidente, com a conjunção dos seguintes: a multiplicidade, decisões divergentes e identidade de questão de direito.
A base do instituto é a multiplicidade, a existência de vários – milhares – processos com questão de direito idêntica oportuniza o IRDR. Não se pode pensar em potencialidade[9] sobre a questão a ser discutida, efetivamente devem existir causas em quantidade para tal. Ou seja, não há a possibilidade de um IRDR preventivo, o qual, entendemos que se pensarmos em potencialidade, há a viabilidade da assunção de competência[10] para tal desiderato.
A multiplicidade, por mais que seja antagônico, é um conceito complexo de se trabalhar, uma vez que não se tem uma definição do que seria essa quantidade para delimitar a existência ou não dela, impondo um requisito com ares de objetividade, mas com possibilidade de análise subjetiva por qualquer dos tribunais ou aquele órgão colegiado competente por tal admissibilidade.
Todavia, a mera existência de multiplicidade já permite a instauração de IRDR? Outro ponto pertinente está no risco à segurança jurídica e à isonomia, o que permite essa pergunta, uma é importante descobrir se a simples multiplicidade enseja a instauração de tal incidente. Neste caso, deve configurar-se uma real possibilidade de divergência ou de entendimentos conflitos. Se já houver divergência nas decisões de primeiro grau e, principalmente, do tribunal, a visão fica, naturalmente, mais fácil de visualizar e possibilitar a instauração do incidente, contudo se a matéria for controversa, com multiplicidade, mas ainda sem divergência[11], não visualizado como impossibilitador do IRDR.
A opção de ater-se somente nas questões de direito foi do próprio legislador que, durante a tramitação do CPC/2015, tinha a possibilidade de permitir a discussão sobre questões de fato múltiplas[12], porém foi rechaçada essa possibilidade[13]. Obviamente que há uma certa dificuldade de separar as questões fáticas de questões meramente jurídicas[14], mas não se deve versar sobre o conteúdo das provas ou a discussão que verse sobre os fatos, somente os direitos ali questionados[15] e, ainda, com a conjunção em relação a multiplicidade desta mesma questão em outras demandas.
Dessa maneira, logicamente, o suscitante do incidente deve, de igual maneira, ater-se somente a questionar matérias jurídicas que ensejam uma fixação de uma tese jurídica. Essa questão pode ser tanto do mérito da causa, o que pode acabar por ser mais comum, mas, também, de ponto iminentemente incidental, ainda versando sobre direito material ou processual. Outro requisito importante é a conjunção entre a existência da multiplicidade de demandas, ou questões em demandas, e a identidade material do que se suscitará como base do IRDR. A questão material deve ser idêntica diante dessa multiplicidade.
Diante dessa constatação, os legitimados para suscitar tal instauração, de acordo com o art. 977, são: pelo juiz, pelo relator, pelas partes, pelo Ministério Público e Defensoria Pública. O instituto possibilitou, em sua criação, uma amplitude da legitimidade, permitindo tanto de ofício, pelo juiz de primeiro grau ou o relator em segundo grau, ou por requerimento, pelas partes, Ministério Público e Defensoria Pública[16], não restringindo nenhum dos atores processuais possíveis[17].
O incidente tem o intuito de minorar as dificuldades que o judiciário tem em resolver as demandas em plano pluri-individual, com a possibilidade de resolução de um processo modelo para, após, servir de base para toda a multiplicidade existente. Didier Jr. e Zaneti Jr. [18] (2016, p. 210) entendem que o incidente é uma técnica de processo coletivo, para aplacar direitos homogêneos, o que Temer (2016, p. 92) discorda[19], acentuando que o IRDR tem uma matriz diversa em sua base, o que não o transforma em um processo coletivo, mas uma base para uma resolução de uma demanda ou então, uma questão repetitiva, para a fixação de tese para ser multiplicada em processos idênticos ou com questões idênticas.
2 O PROCESSAMENTO DO IRDR
Existem características próprias do IRDR, com inovações processuais intensas, como a instauração independente de um processo, formando um incidente autônomo, em paralelo ao andamento do próprio processo/recurso[20], o que já difere dos demais institutos, inclusive dos repetitivos em graus superiores.
O processamento do IRDR tem diversas fases, desde o pedido de instauração até o julgamento que fixa a tese jurídica do incidente e, a seguir, analisaremos esses pontos.
2.1 O pedido suscitante do IRDR
O protocolo é realizado fora do processo originário, aquele que será usado como base fática para tal análise, ou seja, é um incidente que detém procedimento próprio e desvinculado do seu processo base, ainda que a ele se interligado, com evidentes reflexos processuais.
O IRDR, portanto, é um procedimento autônomo, com uma instrumentalidade própria.
A petição de requerimento é quase que uma petição inicial, com a menção das partes, o endereçamento ao presidente do Tribunal, para a devida distribuição, a fundamentação jurídica com o preenchimento dos requisitos pertinentes ao próprio incidente e o pedido da resolução da questão repetitiva. Mesmo que seja realizado de maneira oficiosa, pelo relator, pelo colegiado ou pelo juízo de primeiro grau, deve haver um documento que inicie o incidente em paralelo, nem que seja um ofício organizacional da questão e da presença de todos os requisitos.
Tanto na forma oficiosa pelo juízo ou em requerimento, há a necessidade de instrução com documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente, para uma maior e melhor verificação pelo órgão julgador do cumprimento dos requisitos. A necessidade de melhor instrução do pedido tem como intuito uma comprovação dos requisitos para uma análise com base nestes documentos pelo órgão julgador[21].
Independe do pagamento de custas processuais.
O momento do pedido ou de ofício da instauração do incidente deve ser prévio ao julgamento do recurso[22], pelo seu fator incidental. Não há como suscitar um incidente recursal em momento posterior ao julgamento do recurso, pela própria desnecessidade de resolver a questão repetitiva, caso tal julgamento já tenha ocorrido.
A suscitação tem um ponto temporal limite em segundo grau, dada a necessidade de ser anterior ao julgamento recursal, mas, se for suscitado quando o processo estiver em primeiro grau, pode ser a qualquer momento.
Um ponto relevante sobre do instituto é, justamente, essa possibilidade do pedido ser realizado quando o processo ainda está em primeiro grau, fase em que todos os legitimados, salvo o relator, podem requerer a instauração do incidente, ampliando o cabimento para uma divergência maior do que somente entre decisões internas do Tribunal e, dessa forma, possibilitando por existências de decisões ou sentenças conflitantes de juízos em primeiro grau.
Diante de tal possibilidade, criou-se um incidente em que um processo do primeiro grau pode suscitar a manifestação de Tribunal, sobre questão de direito, antecipando a jurisdição do Tribunal, para, desde logo, fixar uma tese jurídica, via IRDR. Evidentemente que a possibilidade do pedido, quando a demanda ainda está em primeiro grau, necessita de questões somente de direito, sem a necessidade de instrução probatória. Por outro lado, se a demanda de primeiro grau ainda carece de produção de prova, não cumpre o requisito da questão somente de direito, impossibilitando de instauração do incidente.
2.2 A possibilidade de nova suscitação do IRDR
A necessidade do preenchimento dos requisitos para a instauração do incidente de demandas repetitivas é fundamental para o juízo de admissibilidade do próprio incidente. Quando o pedido da instauração for carente de algum dos requisitos estipulados pelo art. 976, I e II, e, em juízo de admissibilidade, não for admitido, com a impossibilidade de instaurar o incidente, não formará coisa julgada. Ou seja, não há preclusão, tampouco estabilização da decisão que rejeita a instauração do incidente por falta de cumprimento dos requisitos.
Sem preclusão ou coisa julgada, quando qualquer dos legitimados suscitar um IRDR e, for inadmitido, por não preencher os requisitos, em outro momento processo, até o julgamento recursal, podem suscitar novamente o incidente e sua devida instauração. De acordo com o art. 976, §3º, somente basta que esse novo pedido de instauração do incidente traga novos subsídios sobre o preenchimento de todos os requisitos, com a sua devida comprovação, principalmente daquele que o Tribunal firmou entendimento como ausente na suscitação anterior.
Um exemplo seria um pedido em que o Tribunal rejeitou a instauração por ausência de efetiva repetição e, com o passar do tempo, com uma quantidade maior de demandas sobre a mesma questão de direito, o requisito carente, no momento anterior, preenchido estaria, cabendo um novo pedido, com total possibilidade de admissibilidade pelo Tribunal.
E, ainda, um outro motivo sobre tal possibilidade está na impossibilidade de um determinado pedido de instauração, por vezes mal realizado por uma parte, impeça que outras partes, em demandas com a mesma questão de direito, com um zelo maior, possam suscitar o IRDR, com uma qualidade melhor de comprovação da presença dos requisitos.
2.3 A impossibilidade de instauração quando a matéria está afetada por Tribunal Superior
Apesar da possibilidade de suscitar a qualquer momento processo até o julgamento do recurso, há um impedimento objetivo para a instauração do IRDR: a hipótese daquela mesma matéria suscitada, num Tribunal Superior – STJ ou STF, ter uma decisão de afetação idêntica, seja em rito repetitivo ou em repercussão geral, tornando incabível o incidente, nos moldes do art. 976, § 4º.
Nessa hipótese, a instauração do incidente não teria efeito prático, tornando-se inócuo, uma desnecessidade processual[23]. Com a afetação da mesma questão de direito pelo Tribunal Superior, em outro nível, num rito também de julgamento por amostragem, repetitivo ou em repercussão geral, não há motivos para o Tribunal de segundo grau afetar uma matéria já afetada.
Todavia, é importante salientar que a matéria deve ser afetada em repetitivo ou em repercussão geral para que seja um impeditivo de instauração do IRDR, se somente existirem decisões no âmbito dos Tribunais Superiores, sem a presença de uma decisão de afetação, em rito específico, o Tribunal de segundo grau pode aceitar o incidente, sem nenhum impedimento.
O intuito da impossibilidade é a própria desnecessidade, pelo fato de que o instituto do grau superior resolverá a questão e vinculará, via decisão futura, o sistema como um todo, tornando, portanto, desnecessário, naquele momento, a instauração do IRDR.
2.4 A recepção, distribuição e o juízo de admissibilidade
Com o recebimento o pedido de instauração do IRDR, o presidente do Tribunal deve remeter ao órgão competente para a matéria. Mas, qual seria esse órgão? Dependerá do regimento de cada Tribunal, com a definição de tal atribuição, determinando um órgão para a pacificação e uniformização da jurisprudência naquele Tribunal[24].
E, nos Tribunais maiores, com divisões materiais, é importante que o regimento tenha o cuidado de dividir tais órgãos por matérias também, sem concentrar em uma só órgão a competência para todo e qualquer IRDR. Quando um Tribunal tiver, por exemplo, uma divisão entre Câmaras Cíveis e Especial (Fazenda Pública) e afins, seria mais interessante ter órgãos competentes para o incidente, atinentes a cada matéria. No entanto, é importante frisar que a competência, na existência de diversos órgãos dependerá da suscitação, se a matéria for processual, muitas vezes deve ser uma junção maior de órgãos, pelo fato de que tal situação pode ocorrer em diversas matérias, ao mesmo tempo.
Distribuído para o órgão competente, realizar-se o sorteio de um relator dentre os membros desse colegiado, sem nenhuma relação com o relator do processo originário. A função do relator, a princípio, será da análise sobre os pontos de admissibilidade, para a inserção na pauta de julgamento.
O juízo de admissibilidade do IRDR nunca deve ser realizado de modo monocrático, somente pelo relator, pelo teor do art. 981, o correto é a submissão para o colegiado analisar tal feito, colocando em pauta para o julgamento da admissibilidade, baseando nos requisitos do art. 976, I e II[25].
Importante salientar que o órgão originário daquela demanda, não realiza nenhuma análise sobre a admissibilidade ou a possibilidade de instauração do incidente, sendo a prerrogativa exclusiva do órgão competente para o julgamento meritório do próprio IRDR, até pelo caráter autônomo do próprio incidente, com o protocolo e o pedido em procedimento em separado, com novo número e sem a ciência do órgão originário.
Essa análise colegiada sobre a admissibilidade tem duas possibilidades de resultado: a negativa do incidente; ou a admissão.
Se o colegiado entender que falta algum dos requisitos para a instauração do IRDR, pertinente será a inadmissibilidade do incidente, culminando numa decisão negativa sobre o pedido ali realizado. No entanto, tem total pertinência de que, na decisão, especifique-se, claramente, qual o requisito não foi devidamente comprovado.
Rejeitado o incidente, o mesmo será arquivado.
Por outro lado, se a resposta da admissibilidade for positiva, com o aceite em relação a instauração do incidente, a tramitação inicia-se, permeando a necessidade da decisão de afetação pelo relator, determinando qual a questão de direito específica do IRDR, denominada tese jurídica, bem como a busca e o início de um contraditório ampliado e democrático, permitindo um grande número de manifestações, almejando, como toda técnica de julgamento por amostragem e formação de precedente vinculante, o exaurimento cognitivo material da questão de direito ali suscitada.
Ou seja, a decisão do colegiado é somente pela admissibilidade e, partir daí, autorizando a procedimentalidade do próprio incidente e ao relator de proferir a decisão de afetação.
2.5 O efeito no processo originário do protocolo do pedido do IRDR: necessidade de petição de informação e impossibilidade de julgamento
O pedido de instauração do IRDR tem endereçamento ao presidente do Tribunal de segundo grau, de modo autônomo ao processo-base para o próprio incidente. Inaugura-se, portanto, um procedimento incidental com total autonomia e, em um colegiado totalmente diverso daquele que em que o processo – recurso, remessa necessária ou competência originária – tramita.
Desse modo, o requerente do IRDR pleiteia tal instauração em órgão diverso, como o próprio ordenamento prevê. A preocupação necessária passa pela impossibilidade, dado o pleiteio pela instauração do incidente, do prosseguimento do julgamento do processo originário, base do IRDR. Mas, como impedir que o colegiado originário julgue o recurso, remessa necessária ou ação de competência originária, se, num primeiro momento, nem tem ciência da existência de tal requerimento protocolado em órgão diverso – o colegiado maior? Esse ponto é importante para o requerente, afinal, o IRDR deve ser proposto em momento anterior ao julgamento da demanda principal em segundo grau e, partir de tal pedido, consequentemente, não pode ocorrer tal julgamento, pelo fato do protocolo realizado estar em tramitação, com a necessidade de distribuição para o relator e análise colegiada de admissibilidade.
Há uma ausência de procedimentalidade nesse ponto, após a admissibilidade positiva, seja pela ampla divulgação, preconizada no art. 979, ou, especificadamente ao processo originário, a avocação do feito, com a transferência de competência para esse colegiado maior. Contudo, tais providências somente ocorrem em momento posterior à admissibilidade positiva e, naturalmente, impedem o órgão originário de julgar a demanda principal, uma vez que, agora, o julgamento será pelo órgão também competente para o IRDR.
O problema procedimental está no período de tempo entre o pedido de instauração e o julgamento da admissibilidade pelo colegiado, com duas consequências necessárias: a ciência do órgão originário sobre a existência do IRDR; e a impossibilidade do julgamento da demanda principal.
Com o protocolo do IRDR, direcionado ao presidente do Tribunal, e, posteriormente, remetido ao colegiado competente para a formação de precedente, o órgão originário deve ser cientificado de tal ato e, para isso, seriam possíveis duas hipóteses: protocolo de uma petição de informação pelo requerente; ou expedição de ofício pela Presidência do Tribunal.
Qualquer dos atos processuais sugeridos satisfaria a ciência do órgão originário e, consequentemente, impediria o julgamento da demanda principal. O ideal seria cada Tribunal adotar, regimentalmente, a necessidade de expedição de ofício ao órgão em que tramita a tal demanda, com o intuito de cientificar da existência do IRDR, impossibilitando qualquer julgamento meritório nesse intermédio temporal até a admissibilidade do incidente.
Entretanto, sem previsão legal, tampouco regimental, pertinente que o requerente realize o protocolo de petição de informação – tal qual no agravo de instrumento, mas sem as sanções dali existentes – do IRDR, com o claro intuito de cientificar o colegiado e impedir qualquer julgamento meritório em sua demanda. Tal ato é uma obrigação do requerente? Evidentemente que não. Afinal, por tratar-se de uma construção procedimental, não há como entender que haja uma obrigatoriedade, porém sem tal informação, o requerente correrá o risco de sua demanda ser pautada para o julgamento do recurso, remessa necessária ou competência originária, o que imputar-se-á, a partir desse momento, a necessidade de tal comunicação.
E, ainda, caso haja o julgamento dessa demanda principal, tal ato judicante, pela existência do IRDR, é nulo, contudo para se chegar nessa conclusão de nulidade, o interessado deverá interpor embargos de declaração, com a explicação da existência de pedido de instauração do incidente. Toda essa sucessão de atos – julgamento, recurso, decisão anulatória – na demanda principal são desnecessários e, plenamente, evitáveis, via uma petição de informação.
Uma pergunta é pertinente para tal questão: esse possível julgamento é realmente nulo? O IRDR é um incidente processual no Tribunal e, comparando-o com outros incidentes recursais, como o incidente de assunção de competência – IAC – e o incidente de arguição de inconstitucionalidade, uma vez suscitados, o mérito daquela demanda principal não pode ser julgado, com a necessidade de suspensão do julgamento principal para o enfrentamento da questão incidental.
No entanto, o IRDR é, procedimentalmente, diferente dos demais, pelo fato que os outros incidentes são suscitados no mesmo órgão competente para o julgamento meritório. Como o IRDR é protocolado diretamente para o presidente do Tribunal, o órgão originário não tem a ciência, mas a lógica processual da existência de um incidente processual impõe a mesma necessidade a esse incidente, que a simples suscitação impede o julgamento meritório, como entendemos.
Desse modo, o requerente, ao protocolar o pedido de instauração do IRDR, deve peticionar ao órgão originário de sua demanda, com a informação da existência de tal pedido, funcionando esse ato como uma cooperação dessa parte para o processo, seja para seu próprio benefício – não ver a existência de um julgamento desnecessário e nulo, quanto para a procedimentalidade como um todo, pelo fato de impedir a realização de atos desnecessários.
Não há forma para tal petição, tampouco prazo, dada a sua inexistência no ordenamento, contudo pertinente que o requerente realize tão logo protocole o IRDR, pelo risco de uma tramitação desnecessária da demanda principal. E, por outro lado, ao receber tal petição, o relator, no órgão originário, deve suspender a tramitação, sem incluir em julgamento e, se pautado, retirar da pauta da sessão.
3 A DECISÃO DE AFETAÇÃO DO IRDR
A decisão de afetação no IRDR tem uma notória diferença na comparação com as demais de outros institutos, uma vez que a atuação do relator não será de delimitação livre de tal matéria, mas de uma resposta ao pedido realizado no pleito do IRDR. Afinal, o requerente – qual dos legitimados, ainda que de maneira oficiosa – realizou um pedido de instauração com a especificação e delimitação, nesse ato postulatório, da questão jurídica que entende como possível de controvérsia propícia para a suscitação de um IRDR.
De modo inicial, a delimitação material está a cargo de quem pleitear a instauração do IRDR, contudo na resposta concedida ao requerimento de instauração, já na admissibilidade, o colegiado já analisa a questão de direito ali suscitada como repetitiva, com o pleito do julgamento via esse procedimento. Por consequência, não pode o colegiado delimitar de maneira diversa as questões ali colocadas, ampliando-as, por guardar, de igual modo, o princípio da congruência com o pedido de instauração do IRDR.
No entanto, pertinente entender que o colegiado pode delimitar de modo menor a questão ali invocada, deferindo o incidente em parte do que se propôs, o que leva a possibilidade de delimitação da questão jurídica, mas não seria pelo relator e, sim, pelo colegiado, no momento da verificação analítica dos requisitos do art. 976.
A decisão de afetação no IRDR não guarda a delimitação da questão jurídica em seu bojo, apesar da pequena margem do colegiado em poder diminuir a questão suscitada, deferindo a instauração em questão menor do que aquela suscitada.
Ao relator, sobre a questão de direito controversa admitida pelo colegiado, cabe somente, na decisão de afetação, sistematizar e publicizar, contudo sem defini-la. Até por isso, Temer e Didier Jr. chamam de decisão de organização[26], o que não é uma visão errada, pelo fato de que a questão jurídica já virá determinada pelo colegiado, sem uma liberdade do relator, cabendo-lhe, realmente, mais a organização procedimental do IRDR. No entanto, continuamos a entender que a nomenclatura mais acertada seria de decisão de afetação, pelo fato de que o relator tem a incumbência de definir a suspensão e a afetação dessa questão de direito aos demais processos com identidade material, naquele Tribunal.
3.1 A avocação pelo colegiado competente do processo base para o julgamento do IRDR
Com a admissibilidade positiva realizada pelo colegiado competente ao IRDR, o relator, na decisão de afetação, apesar de não disposto no art. 982, avocará o processo-base do incidente, determinando a expedição de ofício para o órgão fracionário, com a comunicação de tal ordem de transferência de competência daquela demanda principal para o colegiado competente de formação de precedente.
Independentemente da discussão se o IRDR é causa-piloto ou procedimento modelo, o art. 978, parágrafo único, dispõe que esse colegiado será o responsável pelo julgamento, também, da questão principal, ou seja, do recurso, remessa necessária ou competência originária. Com a admissibilidade positiva, essa decisão já impõe a necessidade de transferência de competência, com a consequência, portanto, dessa alteração de colegiados, remetendo, após o recebimento do ofício, confirmando o resultado da admissibilidade, para o colegiado maior.
O cerne dessa necessidade está na competência determinada pelo art. 978, parágrafo único, apesar de tal dispositivo não descrever qual o momento correto para a ocorrência dessa transferência de competência. O momento correto, no nosso entendimento, é aquele imediatamente posterior à admissibilidade positiva.
No entanto, há a ressalva ao processo-base que ainda estiver em primeira instância, em alguma vara, com a impossibilidade de tal avocação ou de transferência, contudo quando houver eventual recurso, naquela demanda, a competência para julgamento será do colegiado que julga o IRDR.
3.2 A suspensão dos processos com identidade material naquele Tribunal
No IRDR, a suspensão é realizada logo após a decisão pela admissibilidade, sob a responsabilidade do relator, justamente inserta na decisão de afetação, aquela em que se delimita trâmite do incidente.
Com a definição da matéria pelo colegiado, o ato da suspensão é posterior, realizado somente pelo relator, com a necessidade de que todos os processos naquele Tribunal sejam imediatamente suspensos, respeitando, portanto, a limitação territorial do próprio instituto, pelo fato da competência ser de Tribunal de segundo grau – Estadual ou Regional Federal – para o julgamento da tese jurídica ali invocada.
Dessa feita, a suspensão somente atingirá os processos afetados daquela região pelo prazo de um ano[27] para julgamento do incidente.
A suspensão deve ser de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos[28].
O ato do relator deve ser oficiado a todos os órgãos daquele Tribunal, internamente, e aos juízos de primeiro grau, com a decisão de afetação e a delimitação material condizente para tal suspensão, justamente para que esses juízos possam realizar a identidade fático-jurídica da afetação e da causa a ser suspensa.
3.3 A possibilidade de ampliação dos processos representativos da controvérsia
Uma das maiores dúvidas sobre a decisão de afetação do IRDR é a possibilidade, ou não, de ampliação dos processos representativos da controvérsia. E, ainda, há quem defenda que o processo que serviu de base para suscitar não será, necessariamente, aquele que será afetado, podendo ser descartado se o colegiado entender que não seria completo ou pertinente para tanto.
Sobre esse ponto de descarte do processo suscitante, não entendo com plausível tal posição, seja pela falta previsão para isso e, ainda, a posição de requerente deve ser mantida por aquele que assim o suscitou, pelo fato de ser um procedimento a parte, com um pedido e com o interesse de que seja aquele processo suscitante, contudo não vejo como problema, tampouco óbice que se agregue mais demandas como repetitivas daquelas questões, mas não vislumbre o descarte da demanda requerente[29].
Ultrapassado esse ponto, com a evidente necessidade pela manutenção do processo suscitante como representativo da controvérsia, pode-se afetar outros processos, incluindo-os como representativos da controvérsia, de igual maneira, ampliando, para tal fim, a possibilidade das partes desses processos também aderirem como requerentes ou parte do próprio incidente.
De outra forma seria impossível se prever, pelo fato de que seria imputar uma responsabilidade imensa ao processo afetado, que, talvez, nem queria ser o alvo da discussão.
Pode, então, uma parte de um outro processo, com a mesma questão de direito, requerer a sua entrada como representativo da controvérsia? Não vejo óbice para tanto, contudo não deve ser vinculado ao relator a tal pedido.
3.4 O processamento do IRDR com a definição do contraditório ampliado
Na decisão de afetação do IRDR, pelo relator, deve-se cumprir o determinado pelo art. 982[30], após a determinação da suspensão dos processos pendentes e a delimitação dos processos representativos da controvérsia, como já vimos, ainda realizar-se-á a definição da procedimentalidade do próprio incidente, com a ampliação do contraditório: poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias; intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.
Uma vez instaurado o incidente, com a decisão positiva de admissibilidade e a posterior afetação, de igual maneira aos demais institutos, transforma-se em um procedimento de objetivação, apesar da concretude de basear-se em situações fático-jurídicas ali determinadas, há uma abstração, com a necessidade de ampliação do contraditório, como o próprio 982, III dispõe ao falar da intimação do Ministério Público para manifestação e, ainda, requerer informações de órgãos em que tramitem demandas com aquela determinada questão de direito.
O Ministério Público pode manifestar-se sobre tal questão, proferindo um parecer no prazo de 15 dias, contudo sem a necessidade de fazê-lo, adequando ao interesse público sobre tal matéria.
Os órgãos que têm demandas sobre a questão de direito do IRDR, devem manifestar-se no prazo de 15 dias. Não existe uma faculdade, mas um dever desse juízo em colaborar com a instrução do incidente. O relator deve analisar a matéria atinente à questão de direito para delimitar quais serão os órgãos que serão oficiados e terão tal incumbência.
O art. 983 complementa essa visão de contraditório ampliado do processamento do IRDR, quando preconiza que “os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia,” além do próprio amicus curiae, já que na visão de Nery Jr. e Nery[31] (2016, p. 2.120), esses seriam outros entes que não inseridos nas possibilidades de amicus curiae, que também são possíveis, uma vez que o art. 138 preconiza essa viabilidade, inclusive com a permissão para a interposição do recurso perante o resultado desse julgamento.
3.5 A audiência pública no IRDR
Outro ponto importante da decisão de afetação, no IRDR, passa pela possibilidade de realização de audiência pública sobre a questão de direito ali controvertida, para que se tenha a participação efetiva da sociedade sobre a matéria posta como afetada, com a previsão expressa do art. 983, § 1º.
Dessa feita, o relator pode, após a afetação, se entender pertinente, determinar a realização de audiência pública[32], ou de várias, com data fixada e com ampla divulgação, para, nesse momento, ouvir pessoas sobre a matéria, principalmente aquelas com experiência e conhecimento sobre a questão de direito controversa.
A possibilidade de uma audiência pública demonstra uma abertura à sociedade, com um procedimento com fácil acesso, com ampla discussão, concedendo a palavra a pessoas com expertise na matéria, mas que não teriam como atuar perante o processo, atuando, via audiência pública, como uma ampliação do próprio amicus curiae, alcançando indivíduos que não têm condições de participar como aquele interveniente, mas que detém sapiência suficiente para tal desiderato.
Esses debates visam ampliar visões das mais variadas possibilidades dos afetados, dos possíveis autores ou réus, peritos, estudiosos, especialistas, pessoas comuns, dentre outros. Um procedimento, organizando pelo relator, menos formal diante do processamento do microssistema. Uma abertura processual para ampliar os debates, para uma decisão mais próxima de realidade da causa, com uma pluralidade de conhecimentos. Quando o julgamento for proferido, se realmente houver a influência do que ali for discutido, haverá, de certo modo, uma participação efetiva da sociedade, certamente estão mais preparados para embasar juridicamente suas decisões, com uma visão dos impactos sociais nas partes daquela decisão.
A própria realização de uma audiência pública demonstra uma abertura à sociedade, com um procedimento com fácil acesso, com ampla discussão, concedendo a palavra a pessoas com expertise na matéria, mas que não teriam como atuar perante o processo.
3.6 Existe uma falta de representatividade de ausentes no IRDR?
Mesmo diante de toda essa abertura para as devidas manifestações de terceiros, há quem entenda, como Marinoni (2015, p. 410), que o IRDR carece de um controle de representatividade, pelo fato de que a fixação da tese jurídica vinculará terceiros ausentes no incidente – talvez até aqueles que ainda nem intentaram a demanda – podendo configurar uma decisão vinculativa que cause prejuízo a quem não participou do incidente, o que violaria o próprio disposto no art. 506, quando dispõe que há a impossibilidade de uma decisão prejudicar terceiros. Marinoni (2015, p. 411) ressalta essa problemática no IRDR, ao dispor que esta técnica não forma precedente e não teria correlação com o stare decisis, por não julgar casos e, sim, julgar questões, o que faria que não se poderia decidir uma prejudicial, um incidente de modo a afetar a matéria com prejuízos a terceiros que nem tiveram a oportunidade de comparecer em juízo e influenciar no julgamento.
A solução seria, na visão de Marinoni (2015, p. 411), a legitimidade para a propositura e participação do contraditório a permissão dos legitimados da Ação Civil Pública e do CDC, essa seria uma forma de aplacar o problema da representatividade. O próprio art. 983 já permite a manifestação, sobre tal fato, Marinoni propõe que esses também seriam legitimados para a instauração do incidente, em tal ampliação não vejo grandes problemas, o que, de igual maneira, não enxergo a solução apresentada como algo que seja tão diferente do que a lei já dispõe, somente uma estipulação objetiva do que o mencionado artigo, uma vez que este tem viés aberto e subjetivo.
Cavalcanti (2015, p. 44) tem a mesma preocupação que Marinoni e, até acentua esta nesse ponto[33], uma vez que demonstra ceticismo sobre a aplicabilidade da tese jurídica formada no incidente como maneira atingir terceiros que serão prejudicados e, isso invariavelmente, uma vez que o julgamento implicará em fundamentos vencidos e vencedores na formação daquele precedente – ou tese jurídica.
Mas, como dirimir esse ceticismo? Vitorelli (2016, p. 32) preconiza que o direito coletivo deve viver um diferente devido processo legal[34], como uma real adaptação do que se entende como contraditório individual para uma outra espécie coletiva[35], num viés de representatividade como existência de uma participação, ainda que efetivamente não tenha ocorrido, possibilitando até a vinculatividade de uma decisão prejudicial, como Gidi (1995, p. 127) já preconizava.
Temer (2016, p. 136-138, 141) apresenta outra solução no caminho de Vitorelli, destrinchando que há, no IRDR, a impossibilidade de participação de cada indivíduo[36], o que ocasionaria uma inviabilidade do próprio instituto, o que perfaz a diferenciação de visão processual com a transposição, para aqueles terceiros não participantes, de um direito de consentimento para um direito de convencimento[37], ou seja, o contraditório ali disposto pelos participantes representantes é exercido com o intuito de influenciar o debate na formação da decisão que formará a tese jurídica do próprio incidente e, ainda, que para se entender que há um convencimento desse resultado pelos não participantes, há um exercício “independentemente do envolvimento pessoal[38]” dos indivíduos.
Diante desse ínterim, o IRDR deve caminhar, procedimentalmente, com todo um cuidado amplo pelo órgão formador do precedente, para que todo o procedimento seja permeado com o máximo de manifestações possíveis daqueles interessados, para a devida legitimação da decisão dali oriunda, justamente para que a influência dessas manifestações no julgamento exerçam, posteriormente, o convencimento naqueles que não participaram e, tampouco, influenciaram o julgamento.
3.7 A comunicação da suspensão aos órgãos julgadores e ao CNJ
Com a suspensão decretada pelo relator do incidente, este comunica, primeiramente, os órgãos competentes ao julgamento em primeiro e segundo grau nos processos normais, com ampla divulgação, cadastrando o incidente no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para as partes e demais interessados terem acesso às matérias afetadas, bem como o acompanhamento do incidente[39].
São importantes tais medidas para garantir a publicidade[40] da instauração do instituto, dado o caráter coletivo e transcendental. A primeira providência é pertinente para que os órgãos vinculados à matéria, naquele Tribunal, realizem tal suspensão das demandas. E, a comunicação e cadastro no CNJ tem a serventia de ampliar a publicidade sobre a existência dos IRDRs, até pelo fato de que determinadas matérias podem gerar diversos incidentes em Tribunais diferentes, tendo a função, portanto, de credenciar e sistematizar as informações para os interessados.
3.8 A possibilidade de ampliação ou prorrogação da suspensão
Além disso, há a possibilidade de algum dos legitimados para a instauração do IRDR, em demanda idêntica de qualquer outro foro[41] do Brasil, requerer ao Tribunal Superior competente – STJ ou STF – para o julgamento daquela tese jurídica delimitada pelo incidente, para que amplie os efeitos da suspensão para todo o território nacional, com impactos em todos os processos individuais ou coletivos da questão de direito afetada.
Sobre tal hipótese há toda uma complexidade, pelo fato de que o IRDR tramita no Tribunal de segundo grau e, tal pleito será realizado para um Tribunal Superior, ser ter, ainda, um rito repetitivo ou um recurso excepcional sobre a questão, somente baseado na existência de um IRDR tramitando em algum Tribunal de segundo grau. Apesar de complexa a ideia, plenamente possível e pertinente.
No entanto, não somente os legitimados para a suscitação do IRDR podem realizar tal requerimento ao Tribunal Superior. O art. 982, § 4º permite a qualquer parte, em todo o território nacional, independente da limitação daquele Tribunal do incidente, que tenha um processo com a mesma questão objeto do incidente, requerer a ampliação da suspensão para todo o Brasil, direcionando esse pedido para o STJ ou o STF, de acordo com a tese jurídica definida no incidente, devendo também fundamentar o pedido e a comprovação da necessidade e requisitos.
Esses novos processos afetados, agora pelos Tribunais Superiores, de igual maneira aos afetados do Tribunal competente para julgar o IRDR, ficam sobrestados pelo prazo de um ano para julgamento do incidente. Um tempo razoável para que o IRDR seja processado, instruído e esteja apto para julgamento. Obviamente que uma demanda com suspensão por um ano, causa impacto nas partes de processos afetados, mas diante da possibilidade de solução para as demandas repetitivas, está dentro da razoabilidade.
Ultrapassado esse prazo, mesmo sem o julgamento do IRDR, os processos saem do sobrestamento com o devido prosseguimento do feito na mesma fase em que foi suspenso. Porém, o relator, caso entenda pertinente, pode, fundamentadamente, prorrogar a suspensão por mais tempo.
3.9 A desistência e a inserção do Ministério Público
A partir do momento da instauração do IRDR mesmo se for por requerimento de uma parte, o interesse público tem prioridade, não cabendo para essa situação processual, a desistência como meio de encerrar o incidente. A parte tem total direito de requerer a desistência, de não mais continuar com a demanda e, consequentemente, deixando de ser o processo-base daquele procedimento, conforme preconiza o conteúdo do art. 976, §1º e §2º.
Ainda que a parte suscitante do IRDR desista de sua demanda, pelo caráter transcendental do procedimento, seja social ou juridicamente, o prosseguimento da instrução procedimental do incidente terá o Ministério Público, pela determinação legal, como o novo requerente[42].
Esse entendimento segue a tendência dos julgamentos por amostragem, numa amplitude que acata o pedido de desistência da parte, pelo fato de que tal deliberação cabe somente a própria parte, mas impossibilita a desistência do procedimento, seja pelo interesse público ou pela própria transcendência da matéria. Desse modo, ainda que a parte daquela demanda base para o IRDR desista da demanda, o incidente tem prosseguimento.
3.10 O prazo para o processamento do IRDR, a maturação analítica e a remessa para julgamento
Uma vez oportunizada a manifestação por todos os legitimados, interessados e amicus curiae, outrora admitidos, sendo possível também a realização de audiências públicas sobre a matéria, o incidente estará pronto, procedimentalmente, para o julgamento.
O prazo de procedimentalização do IRDR não é fixado pela norma, somente há a estipulação de um ano para a suspensão dos processos de igual questão de direito. Esse prazo nos dá a medida comparativa do que o legislador entendeu como um prazo razoável para o processamento e devido julgamento do incidente.
O fato de existência de muitas demandas, uma efetiva repetitividade, não significa um afã do Judiciário para que se apresse a tramitação do IRDR, em busca de uma solução rápida para a questão. O processamento deve ser gradual e ampliado, respeitando todas as manifestações, com a ampla divulgação, com o intuito de que todos os interessados sejam alcançados e cientificados, com a possibilidade de participação de todos os legitimados para manifestação, justamente para possibilitar um incidente que respeita o contraditório, totalmente democrático.
Desse modo, a cognição do colegiado competente deve ocorrer somente quando houver o exaurimento da matéria, com uma ampla discussão e possibilidade de manifestações, numa busca pelo meio termo sobre a dicotomia entre a necessidade de ouvir todos os interessados e a duração razoável do processo.
Realizadas tais manifestações, com um contraditório totalmente democrático, o incidente deve ser remetido para julgamento, com a devida inclusão na pauta da sessão do colegiado competente.
4 ASPECTOS CONCLUSIVOS
O intuito deste estudo foi delinear como entendemos que a procedimentalidade do IRDR deve ser, com a necessidade de que a decisão de afetação, além de delimitar materialmente o incidente, organize toda essa alteração, desde a necessidade de avocação dos autos do colegiado menor para o maior, com a consequência de não se julgar o recurso, remessa necessário ou ação em competência originária, enquanto não for resolvido o próprio incidente.
O pedido de suscitação do IRDR deve ser realizado diretamente ao Presidente do Tribunal, com a remessa para o colegiado que o regimento interno indicar, com a escolha de um novo relator, sem guardar correspondência com aquele do processo originário ou base do incidente.
A partir de tal ponto, com a análise colegiada pela admissibilidade, o relator terá o encargo de proferir a decisão de afetação, com a delimitação jurídica do incidente e a organização de todos os próximos passos procedimentais, com a suspensão – ou não – dos processos, a manifestação de todos os atores de um contraditório ampliado, a instrução como um todo do próprio IRDR, com o intuito de esgotar materialmente as teses jurídicas possíveis, num debate ampliado.
Mediante tal diferença de procedimentalidade, com a manifestação de todos os atores possíveis – partes, Ministério Público, Defensoria Pública, amicus curiae, audiências públicas, etc – o incidente estará pronto para o devido julgamento, com o respeito a uma ampliação de contraditório, com uma cognição ainda maior, para ser possível contemplar todas as teses jurídicas.
Desse modo, a partir do recorte proposto pelo estudo, delineamentos a procedimentalidade necessária para o andamento do IRDR, bem como as consequências que entendemos como lógicas do próprio incidente, suscitação, admissibilidade, afetação, manifestações, com o processo pronto para o julgamento.
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Notas
Enunciado no. 95 do FPPC: A suspensão de processos na forma deste dispositivo depende apenas da demonstração da existência de múltiplos processos versando sobre a mesma questão de direito em tramitação em mais de um estado ou região.
Autor notes
viniciuslemos@lemosadvocacia.adv.br
Informação adicional
COMO CITAR ESTE ARTIGO: LEMOS, Vinícius Silva. O procedimento e a decisão de afetação no IRDR: sistematização e desdobramentos. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 6, n. 01, e254, jan./jun. 2019. doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v6i01.254. Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/254
Ligação alternative
http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/254 (html)