Artigo

SAÚDE SEXUAL DA MULHER LÉSBICA E/OU BISSEXUAL: ESPECIFICIDADES PARA O CUIDADO À SAÚDE E EDUCAÇÃO SEXUAL

SALUD SEXUAL DE LA MUJER LESBICA Y/O BISEXUAL: ESPECIFICIDADES PARA EL CUIDADO DE LA SALUD Y LA EDUCACIÓN SEXUAL

SEXUAL HEALTH OF LESBIAN AND/OR BISEXUAL WOMAN: SPECIFICITIES FOR HEALTH CARE AND SEX EDUCATION

Firley Poliana da Silva LÚCIO
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
João Paulo ZERBINATI
Universidade de São Paulo, Brasil
Maria Alves Toledo BRUNS
Universidade de São Paulo, Brasil
Célia Regina Vieira de SOUZA-LEITE
Centro Universitário Moura Lacerda, Brasil

SAÚDE SEXUAL DA MULHER LÉSBICA E/OU BISSEXUAL: ESPECIFICIDADES PARA O CUIDADO À SAÚDE E EDUCAÇÃO SEXUAL

Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 14, núm. 2, Esp., pp. 1465-1479, 2019

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepção: 02 Outubro 2018

Revised document received: 05 Dezembro 2018

Aprovação: 03 Abril 2019

RESUMO: A produção do conhecimento quanto à saúde sexual de mulheres lésbicas e/ou bissexuais é escasso, de modo a colaborar para manter esse grupo social exposto e em risco de contágio às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e ao HIV/Aids. Essa realidade nos instigou a realizar este artigo de revisão acerca da saúde sexual das mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM). Trata-se de uma revisão integrativa nas bases de dados Scopus, Cinahl, Lilacs e Scielo. Os 16 artigos encontrados, de um modo geral, investigam: (1) Conhecimento de MSM quanto à transmissão das IST e HIV/Aids, (2) Comportamentos sexuais de MSM e (3) Especificidades no Cuidados à saúde da mulher lésbica e/ou bissexual. Os artigos desvelam a necessidade de investir em políticas de saúde pública, bem como na qualificação de profissionais em educação sexual de modo a viabilizar informações e orientações focadas em estratégias específicas de prevenção às IST e HIV/Aids.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde sexual, Saúde da mulher, MSM, IST, HIV/Aids.

RESUMEN: La producción del conocimiento sobre la salud sexual de mujeres lesbianas y/o bisexuales es escasa, y así colabora para mantener ese grupo social expuesto y en riesgo de contagio a las Infecciones Sexualmente Transmisibles (IST) y al VIH/SIDA. Esta realidad nos instigó a realizar este artículo de revisión sobre la salud sexual de las mujeres que tienen sexo con mujeres (MSM). Se trata de una revisión integrativa en las bases de datos Scopus, Cinahl, Lilacs y Scielo. 16 Artículos encontrados, en general, investigan: (1) El conocimiento de MSM como la transmisión de enfermedades de transmisión sexual y el VIH/SIDA, (2) los comportamientos sexuales de MSM e (3) Especificidades en el cuidado de la salud de la mujer lesbiana y/o bisexual. Los artículos desvelan la necesidad de invertir en políticas de salud pública, así como en la calificación de profesionales en educación sexual para viabilizar informaciones y orientaciones enfocadas en estrategias específicas de prevención a las IST y VIH/SIDA.

PALABRAS CLAVE: Salud sexual, Salud de la mujer, MSM, TSI, VIH/SIDA.

ABSTRACT: The production of knowledge about the sexual health of lesbian and/or bisexual women is scarce, in order to collaborate to keep this social group exposed and at risk of transmitting Sexually Transmissible Infections (STIs) and HIV/AIDS. This reality has prompted us to conduct this review article on the sexual health of women who have sex with women (WSW). This is an integrative review in the Scopus, Cinahl, Lilacs and Scielo databases. The 16 articles found generally investigate: (1) WSW knowledge of STI and HIV/Aids transmission, (2) WSW sexual behaviors, and (3) Particularities in the health care of lesbian and/or bisexual women. The articles reveal the need to invest in public health policies, as well as in the qualification of professionals in sex education in order to provide information and guidelines focused on specific strategies to prevent STIs and HIV/AIDS.

KEYWORDS: Sexual health, Women's health, WSW, IST, HIV/AIDS.

Introdução

A transmissão das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e, sobretudo, do Human Immunodeficiency Virus (HIV), atinge indiscriminadamente qualquer grupo social, entretanto, há um maior acometimento quando as vulnerabilidades são sobrepostas, seja em nível individual, social ou programática (BRASIL, 2013a). Apesar de o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde de 2017 (BRASIL, 2017, p. 3) destacar algumas populações vulneráveis como “conscritos das forças armadas, homens que fazem sexo com homens (HSH), mulheres profissionais do sexo e travestis e transexuais”, o relatório também deixa claro que a saúde sexual é ainda um campo do conhecimento científico recente, em desenvolvimento, o que impede uma análise epidemiológica rigorosa com relação às tendências de infecção e mesmo quanto ao número total de casos, comportamentos de risco e vulnerabilidades.

A abordagem da vulnerabilidade tem como finalidade contribuir para o entendimento acerca do desenvolvimento dos processos sociais, culturais e individuais que identificam a suscetibilidade das pessoas a um determinado evento, mediante uma reflexão abrangente sobre os processos saúde-doença. Sendo assim, possibilita pensar as suscetibilidades orgânicas, como a “forma de estruturação de programas de saúde, passando por aspectos comportamentais, culturais, econômicos e políticos” (AYRES et al., 2003, p. 122), contribuindo para orientar o planejamento de ações de prevenção pautadas na realidade de uma determinada população (GUANILO; TAKAHASHI; BERTOLOZZI, 2014).

O cuidado em saúde na interface com a sexualidade, principalmente ligada às relações sexuais de caráter homossexual, traduzidos ao âmbito de reivindicações de direitos e assistência à saúde, surge no Brasil final do século XX início do XXI (BARBOSA; FACCHINI, 2009). A sexualidade adentra o campo social mediante campanhas de conscientização de âmbito político, como também agrupamentos populares para conscientização e busca por direitos. Embora a sexualidade tenha sua especificidade subjetiva, íntima e pessoal, diz respeito também ao social, coletivo e político, delimitada pelas relações de poder nos domínios privado e público (HEIDARI, 2015).

Assim, as políticas públicas alicerçadas nos direitos humanos e sexuais foram elaboradas de modo a abarcar o sujeito em todos os seus aspectos multiculturais. Dessa perspectiva inclusiva, a sexualidade e a saúde sexual conquistaram um lugar de destaque nas questões de saúde pública (HEIDARI, 2015).

A pressão reivindicatória exercida por diversos segmentos sociais vinculados à defesa dos direitos da população Lésbica, Gay, Bissexual e Trans (LGBT), desde a década de 1980, levou o Ministério da Saúde (MS) a, inicialmente, pensar em estratégias para o enfrentamento da epidemia do HIV/Aids mediante parceria dos movimentos sociais vinculados à defesa dos direitos da população LGBT. Tais estratégias fortaleceram a participação desses grupos nos esforços e intervenções voltadas às políticas de saúde pública, ou seja, ao direito constitucional à saúde (BRASIL, 1990; BRASIL, 2010).

Em resposta às reinvindicações, o MS lançou a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, reconhecendo a importância e complexidade da saúde dessa população. Neste contexto, elaborou estratégias de saúde mais amplas para atender a um conjunto de demandas que resguardassem as especificidades deste grupo no que diz respeito ao processo saúde-doença, além de inserir, dentre seus objetivos específicos, a garantia dos seus direitos sexuais e reprodutivos, prevenindo novos casos de cânceres ginecológicos (cérvico-uterino e de mamas) entre as mulheres lésbicas e bissexuais e promovendo o acesso ao tratamento qualificado, o que vem a contribuir para a redução das desigualdades e consolidação dos princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2011; BRASIL, 2013).

Dessa perspectiva, nota-se um avanço em relação à saúde de mulheres lésbicas e/ou bissexuais, entretanto, um olhar mais atento às políticas públicas de saúde e de educação sexual revela a fragilidade e marginalização na prestação do cuidado integral a esta população, permeado por entraves que acabam por excluir às lésbicas da atenção e direito à saúde sexual e reprodutiva (LÚCIO, 2016). Há também uma séria lacuna na literatura quanto ao cuidado e atenção às específicas necessidades de saúde das mulheres lésbicas, e/ou bissexuais, bem como acerca dos seus comportamentos sexuais. Essa falta de conhecimento pode reforçar a concepção de que o relacionamento entre mulheres não traz riscos à saúde sexual, tornando-as mais expostas às IST e ao HIV/Aids (BARBOSA; FACCHINI, 2009).

Dessa realidade, faz-se necessário investir na produção de pesquisas científicas e na socialização desse conhecimento com o propósito de conscientizar grupos de mulheres que se identificam como lésbicas e/ou bissexuais para os reais riscos de contágio às IST. Assim, este artigo, enquanto uma revisão integrativa da literatura nacional e internacional, buscou compreender as especificidades acerca das produções científicas que investigam a experiência sexual de mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM) na interface com às IST e HIV/Aids.

Método

O estudo bibliográfico, tipo revisão integrativa, tem por objetivo sintetizar e integrar o conhecimento acerca determinado fenômeno (WHITTEMORE; KNAFL, 2005). Optamos pela realização da uma análise integrativa por ser uma estratégia de pesquisa detalhada, que proporcione uma síntese de conhecimento científico, incluindo estudos quantitativos e qualitativos, auxiliando na criação de propostas práticas de cuidado e atenção baseadas em evidências (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008; SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010; HOPIA; LATVALA; LIIMATAINEN, 2016).

Para auxiliar a operacionalização deste estudo, foram seguidas as seguintes etapas, como proposto por Whittemore e Knafl (2005): identificação da questão norteadora; definição dos critérios de inclusão das produções científicas; busca dos estudos nas bases de dados; análise dos resumos dos estudos; seleção dos estudos de acordo com os critérios de inclusão; avaliação criteriosa e fichamento dos estudos selecionados; e análise dos dados.

O levantamento dos dados ocorreu nas bases de dados SciVerse Scopus (Scopus), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (Cinahl), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências de Saúde (Lilacs) e The Scientific Electronic Library Online (Scielo). As estratégias de busca dos artigos foram adaptadas em consonância com as especificidades de acesso das bases de dados em questão, sendo reguladas pelo objetivo do estudo e pelos critérios de inclusão e exclusão detalhados a seguir.

Definiu-se como critérios de inclusão: todos os artigos originais nos idiomas Inglês, Português e Espanhol. Como critério de exclusão: teses, dissertações, monografias, editoriais, as revisões integrativas, sistemáticas ou conceituais, bem como a repetição de publicação de estudos em mais de uma base de dados e os artigos que não responderam à questão específica aqui proposta. Para o presente estudo não houve limitação de período de publicação, por vislumbrar um maior número de artigos que abordem a temática.

Os descritores utilizados na língua inglesa foram “women’s health”, “lesbian” e “sexually transmitted diseases” de acordo com a Medical Subject Headings (MESH) da U.S. National Library of Medicine (NLM). Os descritores na língua portuguesa foram “saúde da mulher”, “homossexualidade feminina” e “doença sexualmente transmissível”, e na língua espanhola foram “salud de la mujer”, “homossexualidad feminina” e “enfermidades de transmisión sexual”, ambos oriundos da base de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME). Em cada base foi realizado cruzamento único com o boleando AND, primeiramente aos pares entre os descritores e, posteriormente, com os três descritores.

Buscando avaliar a qualidade dos estudos selecionados, foram utilizados dois instrumentos: o primeiro, adaptado do Critical Appraisal Skills Programme (CASP) (MILTON, 2002) – Programa de habilidades em leitura crítica, integrante do “Public Health Resource Unit” (PHRU). O referido instrumento é constituído por 10 itens: 1) Objetivo; 2) Seleção da amostra; 3) Apresentação dos procedimentos teóricos e metodológicos; 4) Seleção da amostra; 5) Procedimento para coleta de dados; 6) Relação entre pesquisado e pesquisadores; 7) Consideração dos aspectos éticos; 8) Procedimento para análise dos dados; 9) Apresentação dos resultados e 10) Importância da pesquisa. Os estudos foram classificados de acordo com as seguintes pontuações: 06 a 10 pontos (boa qualidade metodológica e viés reduzido), e mínima de 5 pontos (qualidade metodológica satisfatória, porém com risco de viés aumentado). Neste estudo, a fim de assegurar a qualidade das produções, optou-se por utilizar os artigos classificados de 6 a 10 pontos.

O segundo instrumento utilizado correspondeu à classificação hierárquica das evidências para avaliação dos estudos (GALVÃO, 2006), e contempla os seguintes níveis: 1) revisão sistemática ou meta-análise; 2) ensaios clínicos randomizados; 3) ensaio clínico sem randomização; 4) estudos de corte e de caso-controle; 5) revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; 6) único estudo descritivo ou qualitativo; 7) opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialidades.

Para análise da amostra foi utilizada a leitura analítica, cujo processo está dividido em (1) análise textual, a partir da leitura detalhada dos artigos; (2) análise temática, que explica as evidências acerca do tema em estudo; e (3) análise interpretativa, que contextualiza o assunto abordado (SEVERINO, 2002).

Resultados e discussão

Ao iniciar o rastreamento dos artigos que iriam compor a amostra, cada base de dados foi explorada separadamente, nos idiomas Inglês, Português e Espanhol, pelo cruzamento dos descritores controlados. Dessa maneira foram encontradas 120 publicações. A partir da leitura exploratória dos resumos e exclusão dos repetidos foram selecionados 23 artigos que se enquadravam nos critérios de inclusão e objetivo do estudo, bem como responderam à questão norteadora.

Com a leitura integral das produções, foram excluídos mais sete artigos, chegando à composição final de 16 artigos. Para melhor compreensão do processo de seleção do qual resultou a amostra final, a figura 1 descreve o procedimento aplicado em detalhe.

Fluxograma de seleção dos Estudos para Construção de Revisão Integrativa.
Figura 1
Fluxograma de seleção dos Estudos para Construção de Revisão Integrativa.
Fonte: Elaboração própria.

Todos os artigos selecionados foram publicados em periódicos de circulação nacional e internacional. A base de dados que recuperou o maior número de publicações ao final foi a Scopus (N=11), seguida da Cinahl (N=3), Scielo (N=1) e Lilacs (N=1). Concernente ao idioma, a maioria das publicações se concentraram no idioma inglês (N=15). Quanto ao tipo de delineamento de pesquisa, evidenciou-se que a maioria dos artigos eram estudos descritivos ou com abordagem qualitativa.

Os resultados encontrados nesta revisão integrativa foram sumarizados no quadro 1, que apresenta o título, autores, ano, objetivos, metodologia e principais resultados.

Quadro 1
- Síntese dos resultados encontrados nos artigos selecionados na revisão integrativa. (N=16)
- Síntese dos resultados encontrados nos artigos selecionados na revisão integrativa. (N=16)
Fonte: Elaboração própria.

Os 16 artigos selecionados, publicados entre os anos de 1993 e 2016, de um modo geral, se debruçaram em três categorias principais de investigação, a saber:

  1. 1. 1

    Conhecimento de MSM quanto à transmissão das IST e HIV/Aids (MARRAZZO; COFFEY; BINGHAM, 2005; MATEBENI, et al., 2009; LINDLEY; FRIDMAN; STRUBLE, 2012; MUZNY, et al., 2013; SILBERMAN; BUEDO; BURGOS, 2016);

  2. 2. 2

    Comportamentos sexuais de MSM (MORROW; ALLSWORTH, 2000; COX; MCNAIR, 2009; RIPLEY, 2011; WANG, 2012; ROWEN, 2013; ESTRICH; GRATZER; HOTTON, 2014);

  3. 3. 3

    Especificidades no Cuidados à saúde da mulher lésbica e/ou bissexual (TRIPPET; BAIN, 1993; DOLAN; DAVIS, 2003; HUTCHINSON; THOMPSON; CEDERBAUM, 2006; BOSTWICK; HUGHES; EVERETT, 2015; LOGIE, et al., 2015).

As mulheres que se autoidentificam lésbicas e/ou bissexuais compõem um grupo com diversidade racial, econômica, geográfica, religiosa, cultural e de idade, bem como em termos de práticas sexuais (DOLAN; DAVIS, 2003; MUZNY, 2013). O que determina o risco às IST e HIV/Aids são as práticas sexuais com ou sem proteção adequada (ROWEN et al., 2013).

A literatura aponta uma lógica equivocada presente no grupo de MSM no qual considera o relacionamento afetivo-sexual monogâmico e a prática homoerótica feminina como “seguras” às IST e HIV/Aids (MORA; MONTEIRO, 2013; SILBERMAN; BUEDO; BURGOS, 2016). Tais crenças aumentam o risco de contágio no sexo entre as mulheres pela falta de proteção adequada (MUZNY et al., 2013).

Estudos como de Ripley (2011) e Rowen (2013) demostram que dentre os maiores riscos às IST de MSM está a prática de sexo oral sem proteção e a transferência de líquido vaginal, especialmente nos casos de múltiplas parceiras. Há um risco acentuado quando a mulher também se envolve em atividades heterossexuais (MORROW; ALLSWORTH, 2000; MUZNY, 2013).

As pesquisas apontam que a transmissão entre MSM de herpes genital, HPV e tricomoníase, gonorreia e clamídia se apresentam de formas mais raras e, frequentemente, estão associadas às mulheres com histórico de parcerias heterossexuais. A atividade sexual que envolve contato digital-vaginal ou digital-anal, em especial com compartilhamento de objetos para penetração (como dildos e vibradores), expressa um potencial risco de contaminação por meio da secreção cervicovaginal infectada e secreções anais, bem como a falta de higienização das mãos e objetos durante o ato sexual (GORGOS; MARRAZZO, 2011).

Como método eficaz para a redução ao risco do contágio e transmissão às IST, Ripley (2011) destaca a higienização com álcool dos brinquedos sexuais e a utilização de preservativo mesmo nos brinquedos. Nesse mesmo sentido, Cox e McNair (2009) enfatizam o uso do preservativo em toda prática sexual para um sexo seguro.

Concluindo

Este artigo investiu na integração do conhecimento científico acerca da saúde sexual de MSM e assim foi possível desmistificar errôneos entendimentos acerca do sexo lésbico e/ou bissexual, compreendendo alguns dos reais e principais riscos de contágio e transmissão das IST, assim como métodos para o sexo seguro.

Corroboramos com Lindley, Fridman e Struble (2012) e destacamos que a falta de conhecimento e pré-conceito acerca da vida sexual de mulheres lésbicas e/ou bissexuais resultam em comportamentos de exposição e vulnerabilidade à mulher que faz sexo com mulheres. Precisamos indagar acerca da possibilidade da existência desses preconceitos e/ou estigmas5 por parte, inclusive, da comunidade científica, seja da área da saúde e/ou educação, a respeito da saúde sexual e das vivências afetivo-sexuais de mulheres lésbicas e/ou bissexuais: será a invisibilidade das relações afetivo-sexuais e da saúde sexual dessas mulheres, ou mesmo de suas parceiras, fruto de uma dificuldade para a quebra da lógica sexual cisheteronormativa dos pesquisadores? O mundo científico estaria refletindo, simplesmente, uma dificuldade maior, de toda a sociedade, de aceitação da afetividade e sexualidade da mulher lésbica?

É preciso criticidade e atenção aos estereótipos afetivo-sexuais que tendem a invisibilizar certos grupos sociais, como de mulheres lésbicas e/ou bissexuais, pois acabam por negligenciar aspectos importantes como a saúde sexual (LÚCIO; ARAÚJO, 2017). Para o cuidado e atenção à saúde sexual das MSM, faz-se necessário acolher de modo integral cada mulher, suas especificidades, sua individualidade, de maneira receptiva e ética, sem qualquer tipo de discriminação ou pré-conceito com base em raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual ou gênero percebido (COMMITTEE ON HEALTH CARE FOR UNDERSERVED WOMEN, 2012).

De modo específico ao cuidado com MSM, o “Committee On Health Care For Underserved Women” (2012) destaca sobre a importância em socializar com essas mulheres informações fidedignas sobre os métodos de prevenção às IST, bem como orientar quanto ao uso adequado e seguro de objetos eróticos no que concerne à higienização, uso do preservativo e o desencorajamento do compartilhamento. Alertar essas mulheres aos sinais e sintomas das IST mais prevalentes e à transmissão do HIV/Aids pelo contato de fluídos corpóreos torna-se uma estratégia efetiva de prevenção.

As reflexões geradas neste estudo vislumbram difundir o conhecimento científico, despertar a reflexão e sensibilização do tema em questão, de maneira a incitar novas pesquisas, propostas de atenção e prevenção às IST e ao HIV/Aids, e estratégias de saúde pública e educação sexual. A educação sexual é compreendida quanto um importante instrumento para uma sexualidade segura e emancipatória (ZERBINATI; BRUNS, 2018). Os artigos selecionados por esta revisão estão em consonância com as pesquisas de Zerbinati e Bruns (2017; 2018), demonstrando a urgência da implementação da educação sexual em todos os níveis do ensino regular e especializado, principalmente de formação e formação continuada de profissionais entre as áreas da saúde e educação.

Por fim, consideramos que o objetivo proposto nesta revisão integrativa foi alcançado. Entretanto, a pequena quantidade de artigos encontrados, assim como a falta de um maior número de artigos nacionais e latino-americanos, é um fator que limita o alcance dos resultados e discussões. Essa realidade não impede ou anula sua validade e relevância, pelo contrário, salienta que se trata de um assunto que ainda é pouco discutido na literatura e desvela a importância de que mais estudos e discussões sejam desenvolvidos em diferentes contextos e territórios, a fim de abarcar novos horizontes fincados em princípios de integralização do cuidado e atenção à sexualidade.

REFERÊNCIAS

AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Orgs.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 116-39, 2003.

BARBOSA, R. M.; FACCHINI, R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres em São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, supl. 2, p. s291-s300, dez., 2009.

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Legislação Federal e Marginália. Brasília, 1990.

BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília, DF: SEDH, 2010.

BRASIL. Portaria nº. 2.836, de 1 de dezembro de 2011. institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Ministério da Saúde. Brasília, 2011.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico DST/Aides. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde, 2017.

BOSTWICK, W. B.; HUGHES, T. L.; EVERETT, B. Health behavior, status, and outcomes among a community-based sample of lesbian and bisexual women. LGBT Health, Nova Iorque, v. 2, n. 2, p. 121-6, 2015.

COMMITTEE ON HEALTH CARE FOR UNDERSERVED WOMEN. Health Care for Lesbians and Bisexual Women. The American College of Obstetricians and Gynecologists: Women’s Health Care Physicians, n. 525, p. 1-4, 2012.

COX, P.; MCNAIR, R. Risk reduction as an accepted framework for safer-sex promotion among women who have sex with women. Sexual Health, Atlanta, v. 6, n. 1, p. 15-8, 2009.

DOLAN, K. A.; DAVIS, P. W. Nuances and shifts in lesbian women’s constructions of STI and HIV vulnerability. Social Science and Medicine, Boston, v. 57, n. 1, p. 25-38, 2003.

ESTRICH, C. G.; GRATZER, B.; HOTTON. A. L. Differences in sexual health, risk behaviors, and substance use among women by sexual identity: Chicago 2009-2011. Sexually Transmitted Diseases, Philadelphia, v. 41, n. 3, p. 194-9, 2014.

GALVÃO, C. M. Níveis de evidência. Acta paulista de enfermagem, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 5, 2006.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.

GORGOS, L. M; MARRAZZO, J. M. Sexually Transmitted Infections Among Women Who Have Sex With Women. Clinical Infectious Diseases., Oxford, v. 53, supl. 3, p. 84-91, 2011.

GUANILO, M. C. T. U.; TAKAHASHI, R. F.; BERTOLOZZI, M. R. Avaliação da vulnerabilidade de mulheres às Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST e ao HIV: construção e validação de marcadores. Revista da Escola de Enfermagem da USP, Ribeirão Preto, v. 48, n. esp., p. 156-63, 2014.

HEIDARI, S. Sexual rights and bodily integrity as human rights. Reproductive Health Matters, London, v. 23, n. 46, p. 1-6, 2015.

HOPIA, H.; LATVALA, E.; LIIMATAINEN, L. Reviewing the methodology of an integrative review. Scandinavian Journal of Caring Sciences, v. 30, n. 4, p. 662-669, 2016.

Hutchinson, M. K.; Thompson, A. C.; Cederbaum, J. A. Multisystem factors contributing to disparities in preventive health care among lesbian women. Journal of Obstetric. Gynecologic & Neonatal Nursing, Colorado, v. 35, n. 3, p. 393-402, 2006.

LINDLEY, L. L.; FRIDMAN, D. B.; STRUBLE, C. Become visible: assessing the availability of online sexual health information for lesbians. Health Promotion Practice, Califórnia, v. 13, n. 4, p. 472-80, 2012.

LOGIE, C. H. et al. A pilot study of a group-based HIV and STI prevention intervention for lesbian, bisexual, queer, and other women who have sex with women in Canada. Aids Patient Care and STDs, Nova Iorque, v. 29, n. 6, p. 321-28, 2015.

LÚCIO, F. P. S. Representações sociais sobre a maternidade no contexto social heteronormativo construídas por mães lésbicas. 2016. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CCS. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Recife, 2016.

LÚCIO, F. P. S.; ARAÚJO, E. C. A maternidade de mães lésbicas na perspectiva da enfermagem: Revisão integrativa. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 19, n. a08, p. 1-10, 2017.

MARRAZZO, J. M.; COFFEY, P.; BINGHAM, A. Sexual practices, risk perception and knowledge of sexually transmitted disease risk among lesbian and bisexual women. Perspectives on Sexual and Reproductive Health, Nova Iorque, v. 37, n. 1, p. 6-12, 2005.

MATEBENI, Z. et al. All sexed up: young black lesbian women’s responses to safe(r) sex in Johannesburg, South Africa. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 333-48, 2009.

MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão Integrativa: Método de Pesquisa para a Incorporação de Evidências na Saúde e na Enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-64, 2008.

MILTON, K. P. C. T. Critical Appraisal Skills Programme (CASP). Making sense of evidence. London (UK): Oxford, 2002.

MORA, C. M.; MONTEIRO, S. Homoerotismo feminino, juventude e vulnerabilidade às DST/Aids. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 3, p. 905-22, 2013.

Morrow, K. M.; Allsworth, J. E. Sexual risk in lesbian and bisexual women. Journal of the Gay and Lesbian Medical Association, Nova Iorque, v. 4, n. 4, p. 159-65, 2000.

MUZNY, C. A. et al. Sexual behaviors, perception of sexually transmitted infection risk, and practice of safe sex among Southern Africa American women who have sex with women. Sexually Transmitted Diseases, Philadelphia, v. 40, n. 5, p. 395-400, 2013.

RIPLEY, V. Promoting sexual health in women who have sex with women (WSW). Nursing Standard, Reino Unido, v. 25, n. 51, p. 41-6, 2011.

ROWEN, T. S. et al. Use of barrier protection for sexual activity among women who have sex with women. International Journal of Gynecology and Obstetrics, Massachusetts, v. 120, n. 1, p. 42-5, 2013.

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002.

SILBERMAN, P.; BUEDO, P.; BURGOS, L. Barreras en la atención de la salud sexual en Argentina: percepción de las mujeres que tienen sexo con mujeres. Revista de Salud Pública, v. 18, n. 1, 2016.

SOUZA, M. T.; SILVA, M. D.; CARVALHO R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (São Paulo), v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010.

TRIPPET, S. E.; BAIN, J. Physical health problems and concerns of lesbian. Women and Health, Reino Unido, v. 20, n. 2, p. 59-70, 1993.

Wang, X. et al. Risk behaviors for reproductive tract infection in women who have sex with women in Beijing, China. PLoS ONE, Califórnia, v. 7, n. 7, e40114, 2012.

WHITTEMORE, R., KNAFL, K. The integrative review: updated methodology. Journal of Advanced Nursing, v. 52, n. 5, p. 546-53, 2005.

ZERBINATI, J. P.; BRUNS, M. A. T. Sexualidade e Educação: revisão sistemática da literatura científica nacional. Revista Travessias, v. 11, n. 01, p. 76-92, 2017.

ZERBINATI, J. P.; BRUNS, M. A. T. Diversidade de gênero e educação: horizontes de compreensão para práticas emancipatórias. REVASF, v. 8, n. 16, p. 38-55, 2018.

Notas

Como referenciar este artigo: LÚCIO, F. P. da S.; ZERBINATI, J. P.; BRUNS, M. A. T.; SOUZA-LEITE, C. R. V. de. Saúde sexual da mulher lésbica e/ou bissexual: especificidades para o cuidado à saúde e educação sexual. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. esp. 2, p. 1465-1479, jul., 2019. E-ISSN: 1982-5587. DOI: 10.21723/riaee.v14iesp.2.12611
5 Segundo Goffman (1988, p.12-13), estigma é “um sinal visível de uma falha oculta, iniquidade ou torpeza moral proporcionando ao indivíduo um sinal de aflição ou um motivo de vergonha”.
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por