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ENSINAR O OFÍCIO DO ENSINO: UM OFÍCIO DA ALMA
ENSEÑAR EL OFICIO DE ENSEÑAR: UNA ARTESANÍA DEL ALMA
TEACHING THE CRAFT OF TEACHING: A CRAFT OF THE SOUL
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 14, núm. 3, pp. 917-927, 2019
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Artigo


Recepção: 27 Fevereiro 2018

Revised document received: 30 Maio 2018

Aprovação: 29 Julho 2018

DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v14i3.11121

RESUMO: No presente trabalho, formulamos a pergunta: “Como ensinamos a ensinar?” E tentamos transformar a sala de aula universitária em um espaço para explorar a relação experiência-saber, a fim de pôr em jogo diferentes dimensões do ofício de educar, incorporar o que nos acontece e o que acontece na vida e, mais de perto, os sentidos educacionais que emergem desses processos existenciais.

PALAVRAS-CHAVE: Ofício de ensino, O saber da experiência, Chaves narrativas.

RESUMEN: En el presente trabajo nos hemos formulado esta pregunta: “¿Cómo se enseña a enseñar?” y hemos intentado transformar el aula universitaria en un espacio de exploración de la relación experiencia-saber, con el fin de poner en juego distintas dimensiones del oficio de educar, incorporando lo que pasa y nos pasa en la vida y, de manera más cercana, los sentidos educativos que se desprenden de estos procesos existenciales.

PALABRAS CLAVE: Oficio de enseñar, El saber de la experiencia, Claves narrativas.

ABSTRACT: In this paper we have formulated this question: “How do we teach to teach?” And we have attempted to transform the university classroom into a space for exploring the experience-knowledge relationship, in order to put into play the different dimensions of the craft of educate, incorporating what happens to us and what happens in life and, more closely, the educational senses that emerge from these existential processes.

KEYWORDS: The craft of teaching, The experience-led knowledge, Narrative keys.

Como se ensina a ensinar?

“O vazio, este espaço inesgotável do necessário desejo de viver, pensar e amar”

“Um pouco do impossível que me afogo, o impossível não é uma utopia, é saber que a porta está aberta e que somos nós, só nós, que nos aferramos no umbral” (GARCÉS, 2016).2

Introdução

Há um certo tempo a metáfora do ofício e, mais concretamente, de um ofício artesanal vem sendo utilizada para nomear o trabalho das/dos professoras/professor. Ao meu modo de ver, é uma tentativa de devolver aquela dignidade e autoridade que de forma natural depositávamos nessa figura. Também responde ao desejo de deslocar o lugar de ensinar de uma fruição técnica, sobretudo com a assimilação do ensinar ao que sucede nos contextos institucionalizados.

Duas vias eram previstas ao fenômeno da institucionalização. A educação da mãe na origem de nossas vidas e a projeção posterior, no âmbito público, do ensino daquelas pessoas que cultivavam e criavam um saber e/ou um saber fazer: ofícios como parteiras, cozinheiras, costureiras, filósofas, artesãs, etc. Geralmente estes saberes artesanais, quando saem do cotidiano e se projetam no âmbito público, vão perdendo sua genealogia feminina e se veem usurpados pelos poderes masculinos, em um fenômeno que acabará tomando forma na institucionalização das Universidades, às quais as mulheres tiveram acesso vetado no princípio.

Não existe ofício sem experiência e ensinar hoje me leva a indagar a relação entre saber e saber fazer. Lembro que há alguns anos para ser professor/a de professoras e professores tinha que ter estudos de magistério. Para ser professora de professoras de professoras tinha que ser você mesma professora. Dito de outro modo, não havia esta separação tão grande entre o que poderíamos denominar o “saber fazer” nas escolas e o saber pedagógico que corre a cargo da Universidade. Quer dizer, o que em princípio poderia parecer um ganho (que a formação do magistério passava a ser parte dos estudos universitários), acabou se distanciando do lugar onde se produz este saber. Assim se ocasionou uma perda simbólica que se projeta em uma falta de reconhecimento dos saberes que circulam nas escolas. Paralelamente, o saber universitário adotou um caráter prescritivo e surgem assim os chamados “especialistas”. Deste modo, a formação na Universidade tem o risco de se transformar em simulação e em discurso.

Então, sob este ponto de vista, como se ensina a ensinar? E, por outro lado, qual é a obra de quem ensina? Ensinar – segundo Mireille Cifali – é “um ofício do humano”. Quer dizer, o que temos entre as mãos é a existência e, por isso, está em jogo o mais íntimo da criação de um indivíduo com os demais e com o saber. A materialização deste jogo de relações está nos signos que circulam: o olhar, a voz, a atenção, a palavra, os gestos. Através deles, a pessoa formadora oferece guia e inspiração, insinuando (mais que afirmando) chaves de sentido, no lugar de técnicas. Deste modo, o ensino de um ofício deve dar as costas à simples transposição de métodos escolares e à transmissão de saberes desvinculados da experiência.

No presente trabalho formulamos a pergunta: “Como se ensina a ensinar? ” e tentamos transformar a sala de aula universitária em um espaço de exploração da relação experiência-saber, com o fim de pôr em jogo diferentes dimensões do ofício de educar, incorporando o que acontece y nos acontece na vida, de modo mais próximo, os sentidos educacionais que se desprendem destes processos educativos existenciais.

Ensinar hoje é aprender a permanecer na confusão, na imprevisibilidade e a decidir em contextos de mudança. Por isso, a formulação se orienta a recuperar e ressignificar formas abertas de ver o mundo. Deste modo, nos propomos a fazer surgir um espaço interdisciplinar – ou melhor, de saberes entrecruzados – articulando com o ofício, que vincula saber e saber fazer.

Este espaço tem sentido enquanto fazer escola e fazer pensamento educacional juntos é dar valor, autoridade e significar o que fazemos. Criar cultura, neste caso desde a educação. Cultura da relação, da escuta, da abertura, da atenção ao singular... de uma relação com o saber y o não saber e conectada a nossas vidas.

Fragmentos da vida na sala de aula universitária

Viver com e entre professores de diferentes modos tem me proporcionado uma aproximação especial à vida e à infância. Também quando fui mãe. E estas experiências têm me acompanhado na formação inicial e permanente de professoras. Narrações, cenas, queixas, alegrias que tenho vivido COM elas. As perguntas concernem a todas e todos nós, professoras formadoras.

Por minha experiência é a partir do compartilhamento da tarefa educativa desde diferentes lugares (professora, investigadora, formadora inicial ou permanente) como tenho elaborado relatos educacionais que nos transformam e transformam a realidade.

A formação de professores requer aproximar-se e viver desde e até a infância. As perguntas centrais compartilhamos em todos os contextos educacionais. A partir de minha experiência esta é a pergunta central: Em que mundo (interno ou externo) nós vivemos? Que mundo(s) queremos? Portanto, esta aproximação também requer uma aproximação continua com a vida, com o que está acontecendo.

As vivências e experiências são a estrutura nas quais nos apoiamos. Experiências próprias e do outro. Entender e entender-nos na discrepância. Esta possibilidade de criar mundos desde si sucede em qualquer espaço da relação educacional, uma oportunidade única de viver e elaborar uma experiência de vida própria. Neste entrecruzamento de histórias se trata de abrir um lugar na história que estamos vivendo na sala de aula, pôr palavras e dar significado.

Que quero expressar com tudo isso? Para ilustrar estes processos que se desencadeiam na vida da sala de aula universitária, vou relatar alguns fragmentos de acontecimentos que emergiram das aulas. São fragmentos da vida que compõem histórias e saberes que nascem do fluir imprevisível do vital.

Estava na sala de aula, fazia alguns dias. Maria entrou com uma sacola do Hospital del Valle Hebrón. Ao sair, compartilhamos uma breve conversa. Posteriormente ela falara na sala de aula de seu desconforto por seu filho que estava hospitalizado. Seu relato levou a algumas alunas a pensar como professoras de hospitais.

Me vem à cabeça o relato de uma professora, Silvia, que estava em P3. Oriol, um dos meninos de sua classe tinha sido diagnosticado com leucemia. Ela manteve a foto dessa criança na sala de aula junto às demais e a cada dia dedicava um tempinho para conversar com ele, mantendo uma presença-ausência, muito rica e vai dando desenhos e outros presentes a sua mãe, para quando estiver bem, porque sabiam que estavam dentro de uma bolha e não podia tocar a nada até que não transplantassem. Silvia não havia tido apoio nem do centro nem de suas companheiras, mas ela seguiu desdobrando sua sensibilidade e aproximando as crianças de sua vida. Compartilho com meus alunos esta experiência e podemos transitar até a possibilidade da relação educacional.

Uma aluna se levanta então e diz: “quero compartilhar algo que me aconteceu: Minha mãe tentou suicídio duas vezes”. Estamos na sala de aula e ela necessitou compartilhar esta situação pessoas depois de ver ao filme “Hoy empieza todo”, no qual acontece um suicídio. Um silêncio segue seu comentário. Desde este dia os “julgamentos” diminuem na sala de aula para passar a estar atentos à complexidade de cada vida.

A dor e o sofrimento estão latentes, também estão os bons momentos. Estes acontecimentos, estas palavras surgem depois de uma primeira caminhada na sala de aula talvez depois de um mês ou mais. Caminhada às vezes complexa, com desencontros; outras vezes de forma mais fluída. Uma sala de aula é um laboratório da vida, no sentido de experimentar relações de outro modo se se sentir protegida em um lugar seguro de confiança, em que se possam pôr palavras ao que acontece e ao que nos acontece. E abrir novos horizontes.

Hoje no metrô vimos uma mãe estender o braço para seu filho” é outro comentário que surge depois de umas sessões que compartilhamos o “estar atentas e atentos” ao que acontece a nossa volta.

Em outro momento em que temos conversado acerca do tempo uma aluna exclama: “Não quero viver assim, sempre correndo de um lado para outro! ”.

E assim se vai entrelaçando nossas histórias com as chaves de sentido que vão nascendo em cada grupo. Sempre novas experiências, surpresas, tensões.

Uma questão que me chama atenção sobretudo no magistério, é que quando vão às escolas em seguida se identificam com o chamar a professora. Por exemplo, às vezes há um retrocesso quanto ao “julgamento” e “copiam” este julgamento defensivo que utilizam as professoras para fazer críticas, sobretudo das mães. É necessário elaborar de novo. O peso do discurso dominante é forte e neste momento de incerteza muitas vezes se opta pelo caminho mais curto, a crítica defensiva.

Uma estudante comenta em outro momento: “Nasci no Paquistão, não quero que outras pessoas passem pelo que passei, me custou muito fazer amigas, me sentir bem

Me lembro da aula de Xus, a chegada de um menino já no quinto ano do fundamental. Teve um lento processo de incorporação na sala de aula. Quando chegou foi produzida uma serie de discussões – sobretudo entre os meninos – protagonizados por um deles que era justamente o mais excluído pelos colegas. Resultou que Hanan era alto e corpulento e chegou um momento em que se defendeu depois de aguentar muito. Se originou uma guerra de pedras. Xus retomou o conflito, os colocou em situação de pôr palavras e sentimentos e com a ajuda das meninas que não compartilharam de “esta guerra de pedras”, pouco a pouco eles mesmos foram aceitando sua responsabilidade e as consequências de suas ações. Um mês depois aproximadamente os meninos e meninas a propósito do uso que faziam da palavra “injustiça”, mais vinculada à queixa, Xus disse: “Mas, bem, o que você quer dizer quando diz injustiça? Vamos pensar situações que você viveu como injustiças. Escreve-as em um papel e logo comentamos”. E ele respondeu afirmativamente.

Qual não seria minha surpresa quando desenhou no quadro um menino brincando com um cometa. O cometa escapa e, em outra cena, outro menino aproveitava para tirá-lo. “Isso não é justo”, me disse. Me comoveu como o fato de estar em contato com a vida gerava por parte de Xus o uso de diferentes linguagens de forma natural.

A relação educacional e a relação com o saber são duas faces de um mesmo processo. A escuta, a tomada de consciência, dar a pensar para transformar.

A criação ou o ensino como criação é este saber “que está sendo”, “que está acontecendo” e “nos está acontecendo”, que nos permite narrar e descrever uma e outra vez nossa história. A cultura que já existe e que se materializa nas diferentes disciplinas é a mediação que ajuda nesta elaboração própria; não é um fim em si mesma.

Desse modo, co-compondo histórias podemos criar um espaço político novo que resignifique alguns sentidos da educação hoje em dia. Da educação na realidade em que vivemos para criar outras realidades. São fios de sentido que pegam palavras que lhes levam a pensar e sentir-se como educadoras. Assim, a vida de cada uma vai adquirindo densidade e cultura. É pôr palavras ao que lhes ocorre e ao que nos ocorre. É ensinar criativamente.

Algumas chaves narrativas

Gostaria de relatar alguns pontos chaves que, ainda que de um modo latente estavam aí, têm germinado nos últimos anos graças à comunidade de pensamento de Esfera e, antes, à “Pedagogia da diferença sexual”.

Esta proposta formativa é uma aproximação da formação de professores a partir da noção do “saber da experiência” (ALLIAUD; SUÁREZ, 2011 apud CONTRERAS, 2013, p. 128). Como expressávamos anteriormente, nos referimos a um modo de estar frente aos acontecimentos, frente ao que se vive, tentando fazer com que emerja um saber que nem sempre é fácil de formular e que tem a ver com dimensões e saberes que sustentam e articulam o oficio docente.

Se trata de um saber sustentado em primeira pessoa, que se cultiva pondo em jogo a própria subjetividade, a própria história, recursos e qualidades pessoais e o próprio corpo como presença.

Por que consideramos o saber da experiência como caminho que pode iluminar o que temos chamado de “ensino do ofício de ensinar”? Porque este saber da experiência – tal como temos desenvolvido – não é um repertório de conteúdos nem de procedimentos necessários para realizar o ofício, nem tampouco uma série de modos de entender a realidade nem uma serie de orientações para a ação, mas que é um saber, um modo de saber que se cultiva. Se cultiva, se desenvolve nos diferentes contextos educacionais “porque o fazer educacional supõe uma relação pensante, pessoal, sensível e criativa frente às circunstancias novas e mutáveis, nem sempre claras nem previsíveis, da prática” (CONTRERAS, 2013, p. 131).

A indagação narrativa é fundamental para comunicar quem somos, o que fazemos, como nos sentimos e para responsabilizar-nos subjetivamente a respeito de nossas escolhas. E, portanto, nos aproximamos da relação educacional de um modo mais real e próximo, partindo de como explicamos a vida de cada um e cada uma de nós e o que compartilhamos e não compartilhamos.

A narrativa é um modo de criar espaços de liberdades nos discursos dominantes para este modo abrir novos sentidos que podemos compartilhar. Tal como tem sucedido com a genealogia feminina e a voz das mulheres na elaboração de saberes. É um posicionamento epistemológico: a experiência como fonte de saber.

Este saber que nasce de cada pessoa e se transforma em um saber compartilhado tem um valor epistemológico porque sem este saber-saberes é difícil que uma pessoa possa fazer o transito entre o singular e o compartilhado.

Que chaves têm despertado em mim?

Um modo de me relacionar com a subjetividade – quer dizer, com os desejos e saberes de meus alunos – é aquele em que percebo um movimento interior em mim e neles; no que pensar é verdadeiramente atribuir palavras ao sentir.

Para ilustrar esse movimento relato uma vinheta de muitos anos quando era professora de psicologia evolutiva na formação de professores. Cada vez que projetava as imagens de um parto em uma turma me formava um nó na garganta de emoção frente à maravilha de ver aparecer um novo ser no mundo. No entanto, naquele momento pensava que isso não entrava na minha relação com os alunos, porque era um sentimento íntimo e pessoal.

Justamente para explicar o enigma do nascimento, um dos discursos é a psicologia evolutiva, um enigma que de permanecer como tal aportaria talvez muito mais riqueza ao pensamento. Ou como dizia uma companheira: “Agora a psicologia evolutiva explica o que faz tempo que nós mulheres já sabíamos”.

“A relação com o saber implica uma disposição, uma intimidade: intimidade do próprio saber, intimidade com o saber” (BEILLEROT, 1998, p. 44).

Com o tempo me dei conta de que posso estar inteira na sala de aula, com uma presença que condensa emoções e pensamentos e que, ao fazê-lo, transmito algo muito importante, que é a paixão que acompanha minhas palavras sem me desdobrar. E assim formamos parte de um relato compartilhado cada qual do seu lugar, acolhendo a disparidade e a autonomia que sustento como professora.

A palavra corp-oralidade me remete a este estar com a palavra e o corpo conectados e descobrir no vínculo com as e os estudantes um amor para com o saber para eles e elas; algo similar ao que a psicanalise chama de transferência. Algo que circula na preocupação do singular, mas sem esquecer a mediação com o saber e com o comum. Um vínculo que disfruto, porque aposto na relação educacional e que de diferente ordem ao que sinto em outros contextos de relação. Porque diferente é o intercambio relacional que concerne ao ensinar.

A narração e a conversa têm uma raiz oral importante, que estabelece esta conexão direta com o corpo, tal como temos descrito em fragmentos da vida na sala de aula. A escrita vem depois ou talvez ao mesmo tempo, mas deixando fluir a oralidade (corporeidade) e abrir as palavras, para que tomem sentidos próprios e criem novas realidades interiores e exteriores.

Existe troca, sim, mas desparelha. Eles e elas me proporcionam a vida, a rapidez, suas preocupações; me conectam com seu mundo e compartilhamos o tesouro do saber, com os vazios do não-saber que fazem nascer o novo em cada sala de aula. É o nascimento também, mas de ordem simbólica, em que se dá um processo de enriquecimento mútuo. E em que tenho que acompanhar e também alimentar este desejo de saber partindo deles e delas.

Sentido e significado…

Quando meu trabalho docente esteve mais orientado por chaves conceituais e interpretativas deixava uma margem ampla para que as e os estudantes formulassem perguntas, contextualizassem significados, relacionassem, pelo caminho conceitual que estava traçado.

Neste momento, a partir de um novo ponto de vista penso que os significados são os “já dados”, algo que está aí e que faz código estabelecido que nos dá um suporte. Mas o verdadeiro interesse é o jogo entre significados e sentidos próprios que se abre a partir das palavras e da densidade que cada pessoa vai proporcionando ao abrir-se a novos sentidos. Por exemplo, todas e todos utilizamos a palavra “diferença”, mas colocar-nos em relação com esta palavra a partir da experiência na primeira pessoa e nos sentidos compartilhados abre novas ressonâncias inéditas para cada uma.

“A relação com o saber como uma mediação para situar o sujeito em uma criação permanente em relação a si mesmo e a sua relação com o real” (BEILLEROT, 1998, p. 152).

Esta relação supõe abrir novos sentidos também entre o que se diz e o que se não se diz, dando espaço aos silêncios. Buscamos pôr em jogo estes sentidos novos e elaborar um relato compartilhado a partir do próprio relato.

Estamos atentas ao que acontece e nos acontece. Recordo uma anedota de uma aluna de práticas que encontrou pela rua uma criança da escola onde realizava as práticas, que a reconheceu. (Era uma zona muito carente de Barcelona). A aluna estava muito contente, porque a criança a havia reconhecido. A menina a perguntou: “Aonde você vai?”, e ela respondeu algo adequado para conversar com uma menina: “À casa lanchar. E você?”. E a criança retrucou: “Também para casa, mas sem lanche”. A aluna de magistério descobriu neste momento as desigualdades, ainda que não soubesse pôr nomes. Ao trazer o relato à aula pudemos cada um de nós elaborar um horizonte mais amplo a partir desta situação.

Recordo também que um dia que lhes pedi fotos de situações familiares e/ou escolares. Uma aluna de uns 18 anos mostrou depois de um momento uma foto com um menino de uns 4 anos. Perguntei: “É seu irmão?”. “Não, é meu filho”, me disse. Este colocar em palavras uma situação também nos permitiu enfocar muitas questões educacionais. A história continuou até que um dia nos trouxe seu filho à classe.

Diferença entre problematizar e fazer pensar...

A partir desta orientação, não se trata de problematizar suas experiências, mas de introduzir novas cenas e contribuições que ampliem o quadro. Buscar recursos didáticos e situações que neste momento se abrem a partir do que aconteceu.

Fazer pensar é um gesto que significa pôr em jogo experiências que aportam novos olhares e que são oportunas na situação que se gera. Por isso não posso pensar nelas com anterioridade, porque vêm ao centro do que acontece e do que acontece em sala de aula.

O singular e o comum:

O singular e o comum me orientam à experiência, me levam a reconhecer a quem tenho em frente, com suas vivências, suas formas de estar e colocar palavras e abrir sentidos pessoais e compartilhados.

O ofício de formadora supõe fazer de passagem, conectando diferentes mundos que surgem na sala de aula, tecendo um relato compartilhado a partir dos fios de sentido que vão surgindo. Isso implica colocar em jogo em primeira pessoa e habitar em um lugar que se sustenta no reconhecimento de um saber que se apoia na confiança.

Diferença entre participar, opinar e estar no relato em primeira pessoa.

Forma e conteúdo se entrelaçam. Busco que estabeleçam conexões que se desdobrem sobre a sensibilidade epistemológica, que se deixem tocar pela experiência de outros e outras. Que cada proposta sirva de inspiração para se abrir a outros mundos que também estão em nosso interior, ainda que alguns não estejamos vivendo de forma direta. Então é que os estudantes se sentem tocados em sua vulnerabilidade. O fazem em primeira pessoa e desde então entram a habitar no relato dos demais. É uma semente que leva a germinar e faz pensar e pensar(-se).

O movimento que vai sendo produzido é o que me guia a incorporar experiências e articular alteridades com os demais e com o outro para elaborar sentidos educacionais.

Em nosso trabalho de formadores entendo que temos que transparecer uma colocação simbólica que, a sua vez, seja significativa na dupla vertente:

- De que nosso fazer e sua vivência na sala de aula universitária seja uma experiência que ilumine seu futuro como docentes. Quer dizer, uma expressão de como habitar o lugar de professora; uma presença e um modo de habitar este lugar e uma maneira de entender nosso ofício – e a sua vez façamos de passagem experiências vividas em relação à educação: experiências educacionais próprias, outras vividas e refletidas em nossa relação com as professoras.

Ambas vertentes podem ser para os estudantes um caminho mediante ao explorar as experiências e saberes em que se sustenta o trabalho docente.

Tudo isso permite o encontro com o trabalho docente a partir de duas experiências, a escolar e a universitária, com seus pontos em comum e suas diferenças.

Quer dizer, entendo que os caminhos são muitos, ainda que a experiência em sala de aula seja um caminho muito promissor. Porém, penso em todos aqueles caminhos que nos levam a entender e entender-nos na profissão docente (um filme, uma leitura de outros autores, outros saberes que se geram nas relações em sala de aula universitária). Todos os recursos narrativos que provoquem um movimento interior em seu modo de viver como docentes e como pessoas.

A questão também é gerar experiências que as ajudem a se conectar e a viver a partir de outro lugar que amplie seu mundo, que permita imaginar e materializar outros mundos, conectar-se com suas experiências de outro modo, abrir e se abrir a outros mundos, produzir sentidos educacionais... Que isso que oferecemos seja algo que nos tem comovido e deste modo poderemos estar atentas à novidade que se produz nelas e neles.

O ensino como criação se aproxima muito mais, pois, a meu ver, é comum do trabalho entre a escola e a universidade. Um modo pessoal de incorporar a cultura coletivamente; quer dizer, que faça crescer, viver e se viver a partir de si e em seu trabalho de professor e na vida. É também para quando estejam com as crianças, fazê-los protagonistas de suas vidas e criadores de mundos próprios.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho se configura dentro da comunidade de pensamento e pesquisa Esfera, coordenada por Dr. J. Contreras.

REFERÊNCIAS

ALLIAUD, A.; SUÁREZ, D. (Orgs.). El saber de la experiencia. Narrativa. Investigación y formación docente. Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras (UBA)/CLACSO, 2011.

BEILLEROT, J.; BLANCHARD-LAVILLE, C; MOSCONI, N. Saber y relación con el saber, Buenos Aires: Paidós, 1998.

CIFALI, M. Enfoque clínico, formación y escritura. In: PAQUAY, L.; et al. (coords.). La formación profesional del maestro: estrategias y competencias. México: Fondo de Cultura Económica, 2005. p. 170-196.

CONTRERAS, J. “El saber de la experiencia en la formación inicial del profesorado”, Revista Interuniversitaria de formación del profesorado, Zaragoza, febrero 2014. Disponível em: https://aufop.blogspot.com.es/2014/02/el-saber-de-la-experiencia-en-la.html. Acesso em: 23 mar. 2019.

GARCÉS, M. Fuera de clase, Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2016.

LÓPEZ, A. Un movimiento interior de vida. In: CONTRERAS, J.; PÉREZ, N. (Orgs.). Investigar la experiencia educativa, Madrid: Morata, 2010. p. 211-224.

Notas

2 “El vacío, ese espacio inagotable del necesario deseo de vivir, pensar y amar” “Un poco de imposible que me ahogo, el imposible no es una utopía, es saber que la puerta está abierta y que somos nosotros, solo nosotros, que nos aferramos al umbral” (GARCÉS, 2016).
Como citar este artigo:LÓPEZ CARRETERO, Asunción. Ensinar o ofício do ensino: um ofício da alma. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. 3, p. 917-927, jul./set., 2019. e-ISSN: 1982-5587. DOI: 10.21723/riaee.v14i3.11121


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