Artigo

A POLÍTICA DE REVALIDAÇÃO DE DIPLOMAS ESTRANGEIROS: INTERFACES ENTRE O EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO

LA POLÍTICA DE REVALIDACIÓN DE DIPLOMAS EXTRANJEROS: INTERFACES ENTRE EL EJECUTIVO, LEGISLATIVO Y JUDICIAL

THE FOREIGN DIPLOMAS REVALIDATION POLICY: INTERFACES BETWEEN THE EXECUTIVE, LEGISLATIVE AND JUDICIARY

Giselle Cristina Martins REAL
Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil
Ana Lucia MARRAN
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Brasil
Kelei ZENI
Centro Universitário da Grande Dourados, Brasil

A POLÍTICA DE REVALIDAÇÃO DE DIPLOMAS ESTRANGEIROS: INTERFACES ENTRE O EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO

Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 14, núm. 3, pp. 942-955, 2019

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepção: 18 Julho 2018

Revised document received: 15 Setembro 2018

Aprovação: 18 Outubro 2018

RESUMO: Objetiva-se aqui delinear o movimento dos Poderes executivo, legislativo e judiciário brasileiro no processo de construção da política de revalidação de diplomas de graduação, que se destaca em contexto globalizado. Partiu-se da análise de documentos produzidos no âmbito desses três Poderes. Observou-se que de 2002 a 2016, há aprovação pelo CNE/MEC de normas disciplinadoras, além da inclusão de exames e da criação da Plataforma Carolina Bori. Em 2011, há a ação do Legislativo federal, que interpõe projeto de lei para fins de revalidação automática. Foram encontrados 3.681 processos nos tribunais de justiça, no entanto, não há manifestação em relação ao mérito da revalidação. O Estado age, vigorosamente, em favor da demanda interna crescente por revalidação e das políticas supranacionais que devem preponderar frente aos aspectos internos das instituições universitárias.

PALAVRAS-CHAVE: Revalidação de diplomas, Política educacional, Educação superior.

RESUMEN: El objeto es delinear el movimiento de los poderes ejecutivo, legislativo y judicial brasileño en el proceso de construcción de la política de revalidación de diplomas de grado, que se destaca en contexto globalizado. Parte del análisis de documentos producidos en el ámbito de los tres Poderes. De 2002 hasta 2016, hay aprobación por el CNE/MEC de normas disciplinarias, además de la inclusión de exámenes y de la creación de la Plataforma Carolina Bori. En 2011, hay la acción del Legislativo Federal, que interpone proyecto de ley para fines de revalidación automática. Han sido encontrados 3.681 procesos en los tribunales de justicia, sin embargo, no hay manifestación en relación al mérito de la revalidación. El Estado actúa, vigorosamente, en favor de la demanda interna creciente por revalidación y de las políticas supranacionales que deben preponderar frente a los aspectos internos de las instituciones de educación universitarias.

PALAVRAS CLAVE: Revalidación de diplomas, Política educativa, Enseñanza superior.

ABSTRACT: The purpose of this paper is to outline the Brazilian Executive, Legislative and Judicial Powers movement in the process of constructing the policy of revalidation of undergraduate diplomas, which stands out in a globalized context. It was based on a analysis of documents produced within the scope of the three powers. From 2002 to 2016, there was approval by the CNE / MEC of disciplinary norms, besides the inclusion of exams and the creation of the Carolina Bori Platform. In 2011, there is the action of the federal legislature, which interposes a bill for automatic revalidation purposes. A total of 3.681 cases were found in the courts, however, there is no indication as to the merits of revalidation. The state acts vigorously in favor of increasing national demand for revalidation and supranational policies that must prevail over the internal aspects of university institutions.

KEYWORDS: Revalidation of diplomas, Educational politics, Higher education.

Introdução

A revalidação de diplomas estrangeiros de cursos de graduação no Brasil é disciplinada por meio de lei complementar4, especificamente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação5. Trata-se do ato de dar validade nacional aos títulos obtidos no exterior para viabilizar a atuação profissional do diplomado no território brasileiro.

A lei atribui essa tarefa às universidades públicas que tenham curso equivalente àquele a ser revalidado, abrindo exceções para a existência de acordos de revalidação. No entanto, destaca-se que o Brasil, até o momento, não possui nenhum acordo de reconhecimento automático de diplomas, o que pode ser observado na página do Ministério da Educação (MEC), a qual fornece orientações sobre esse procedimento6.

Autores como Alvarez (2015) e Conceição (2012), sinalizam em direção a um movimento de interferência do Executivo Federal, que passa a formular e implementar políticas centralizadoras com fins de otimizar os resultados da revalidação junto às universidades, indicando a presença de uma política nacional de revalidação de diplomas em detrimento de políticas institucionais.

Grosso modo, esse processo pode ser explicado ao considerar o contexto em que é produzida essa política, em que são sentidos os efeitos da globalização na área da educação, que passa a ser vista como área de interesse do capital.

O processo de globalização em curso atribui ênfase ao aspecto econômico que interfere no político, implicando tensionamentos nas decisões do Estado-Nação diante das influências externas, sinalizadas por meio de uma agenda estruturada globalmente, ainda considerando a constituição de blocos econômicos e suas políticas supranacionais (DALE, 2004; ROBERTSON, 2009). Por outro lado, as políticas sofrem as tensões dos aspectos e valores que ocorrem no microuniverso das próprias instituições (SOUZA, 2016), onde incide o locus da efetivação da revalidação de diplomas.

De forma geral, esse contexto implica em valorização da educação superior como mecanismo de contribuir com desenvolvimento econômico, interferindo positivamente no processo competitivo entre países e regiões.

No âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), que se caracteriza como um bloco econômico que conta com a participação do Brasil, desde sua criação, há indicativos a respeito da resistência brasileira em promover revalidação automática dos diplomas originados nos países membros7, explicitando possíveis embates no processo de revalidação junto às universidades brasileiras e às políticas supranacionais.

Essa questão ganha contornos de centralidade na agenda do Executivo Federal8, considerando, ainda, o processo de internacionalização em curso e a demanda crescente de pedidos de revalidação de títulos estrangeiros, solicitados, inclusive, por brasileiros, o que pode ser identificado como um dos efeitos da “cross border educacion9.

Assim, parte-se da hipótese de que o Executivo Federal estaria carreando para si a atribuição de formular políticas nacionais voltadas para a revalidação de títulos, indicando procedimentos implementadores às instituições, com fins de facilitação do processo e o consequente atendimento à agenda supranacional.

Esta hipótese, por sua vez, se traduz no seguinte problema: como e em que medida o Estado brasileiro está agindo diante da revalidação de títulos, considerando a importância que a temática adquire no contexto das políticas supranacionais e locais?

Diante dessa problemática, o presente trabalho define como seu objetivo delinear o movimento dos Poderes executivo, legislativo e judiciário brasileiro no processo de construção da política de revalidação de diplomas de graduação que está em curso.

Para responder ao problema levantado, partiu-se da análise de documentos produzidos no âmbito dos três poderes constituintes do Estado brasileiro. Para fins didáticos, o trabalho foi dividido em duas seções e considerações finais. Na primeira seção, intenciona-se explicitar o movimento do executivo e do legislativo federal no desenvolvimento da política de revalidação de títulos, destacando a relevância que a temática adquire nesses espaços e as tensões produzidas. A segunda seção apresenta os delineamentos que o Judiciário federal traz ao tema.

A política de revalidação de diplomas: ações dos Poderes Executivo e Legislativo

A política de revalidação de diplomas estrangeiros esteve na pauta da agenda do Legislativo brasileiro no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), publicada em 1996, uma vez que tratou do assunto, o que não ocorreu na legislação anterior10.

Apesar de a LDB ter sido publicada em 1996, somente 6 anos depois esse assunto adquire destaque na agenda do Executivo, que passa a publicar resoluções através do Conselho Nacional de Educação (CNE) acerca dos processos de revalidação de diplomas.

A Resolução CNE/CES n° 1, em 2002, traz orientações às universidades públicas acerca de encaminhamentos necessários diante de um processo de revalidação de diploma, como a necessidade de constituir uma comissão específica para esse fim. A Resolução CNE/CES nº 8, em 2007, fixa procedimentos a serem realizados durante o processo de revalidação, como prazo para inscrição, recepção de documentos e análise de equivalência. E a Resolução nº 7, em 2009, altera a resolução anterior quanto a recursos para Câmara de Ensino Superior (CES), que só poderão ser feitos em caso de erro, de fato ou de direito.

Observa-se que cada uma das resoluções busca aprimorar a anterior e orientar o desenvolvimento dos processos realizados pelas IES públicas.

No mesmo ano de publicação da LDB, a revalidação de diplomas foi debatida na reunião de ministros da educação dos países signatários do Mercosul. Nessa reunião, elaborou-se um documento que recomenda protocolos de admissão de títulos para atividades acadêmicas nos países signatários. E, em 1999, foi aprovado um acordo que prevê a admissão de títulos para esse fim no conjunto do Mercosul. Esse acordo é institucionalizado, em 2005, pelo Legislativo brasileiro, por meio do Decreto nº 5.518.

As ações que envolvem o Mercosul chamam a atenção de muitos brasileiros que almejam a revalidação de seus diplomas, especialmente os que os obtiveram nos países que fazem parte desse bloco econômico. E, passam a demandar do governo soluções públicas.

Além desses, existem os imigrantes que vivem essa mesma situação, e os beneficiários dos programas de intercâmbio fomentados pelo próprio governo brasileiro, que se somam a essa demanda por revalidação.

Nesse contexto, Villanueva (2013) sustenta que as relações cotidianas entre a sociedade e o Estado tomam forma de problemas e soluções, demandas e ofertas, para os quais cabe busca de soluções.

Dessa forma, ainda no ano de 2009, é aprovada a portaria interministerial do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Saúde (MS) nº 865/2009, que instituiu o Projeto Piloto de Revalidação de Diplomas Médicos, que disponibiliza “exame de avaliação com base em matriz referencial de correspondência curricular, com a finalidade de subsidiar os procedimentos de revalidação conduzidos por universidades públicas”. Esse piloto teve início em 2010 e um ano depois passa a ser um programa permanente, de acordo com a publicação de Portaria Interministerial nº 278/2011, que instituiu o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida). Essa legislação específica é justificada pela grande demanda reprimida de diplomas médicos, conforme apresentado na justificativa da criação do programa.

Mesmo que essa legislação busque atender a uma demanda específica, nota-se que a revalidação de títulos se mantém presente na agenda do Executivo brasileiro.

Em 2011, esse assunto passa a fazer parte, também, da agenda do Senado Federal brasileiro, quando o senador Roberto Requião propõe projeto de lei (PL nº 399/2011) alterando o art. 48 da LDB, sugerindo revalidação automática para os diplomas oriundos de cursos de instituições de ensino superior estrangeiras com reconhecida excelência acadêmica. Durante o trâmite do PL, muitas discussões surgem acerca da revalidação automática; são realizadas audiências públicas e há um intenso debate sobre essa questão. As Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e, a de Educação, Cultura e Esporte do Senado fazem suas propostas de emendas e no projeto final, aprovado e encaminhado à Câmara dos Deputados Federais, não aparece a revalidação automática, mas processo de tramitação simplificada para solicitações que tenham diplomas vindos de tais instituições.

Fica estabelecido no PL nº 399/2011 que, anualmente, o órgão responsável pela coordenação da política nacional de educação divulgará uma relação de cursos, instituições e programas de ensino estrangeiros de excelência, acompanhada de instrução de procedimentos e orientações para a tramitação dos processos de revalidação de diplomas oriundos dessas instituições. Esse projeto foi aprovado pelo Senado em 28 de julho de 2014 e encaminhado à Câmara dos Deputados em 30 de julho do mesmo ano.

Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei aguarda a votação, conforme consulta ao processo em julho de 2018. Entretanto, não há propostas de alteração ao projeto enviado pelo Senado e o relator que já emitiu parecer, Deputado Zeca Dirceu, vota por sua aprovação.

No relatório, no qual apresenta seu voto, o relator destaca que apesar de o art. 48 da LDB prever o reconhecimento e registro de diplomas estrangeiros que passem com sucesso por processo de revalidação em universidades públicas, a falta de critérios claros e objetivos torna o processo imprevisível. O relator entende que o PL proposto pelo Senado visa corrigir essa situação através de uma parceria entre universidades e MEC, para estabelecer parâmetros de qualidade e prazos. E ainda, afirma que esses parâmetros de qualidade impedirão que brasileiros se matriculem no exterior em cursos que não tenham condições de serem reconhecidos no Brasil.

Nesse sentido, há uma inversão na característica das agendas públicas, que depois de chegar ao âmbito institucional, quando se busca definição de procedimentos concretos e técnicos, voltam a se constituir em uma agenda sistêmica, com potencial de se tornar uma política pública.

Sobre a agenda, Villanueva (2013) afirma que nem todos os assuntos vão chamar a atenção do governo, uma vez que existem interesses públicos diferentes e, ainda, existe uma lista de prioridades. Com isso, além do Legislativo que passa a agir legiferando sobre o tema, o Executivo coloca novamente o assunto em sua agenda, antes mesmo da definição do Legislativo, demonstrando sua importância. E, através do CNE, publica uma nova resolução sobre revalidação de diplomas, a Resolução n° 3 de 22 de junho de 2016. Esse documento traz novas orientações às universidades, definindo prazos e possibilidade de punição aos responsáveis pelo seu não cumprimento.

O art. 11 dessa resolução traz a possibilidade de processo de revalidação com tramitação simplificada para cursos estrangeiros cujos diplomas já tenham sido objeto de revalidação nos últimos 10 anos, assim como cursos que foram acreditados pelo Sistema de Acreditação Regional de Cursos de Graduação do Mercosul (ARCU-SUL)11 e diplomas obtidos por meio do Programa Ciências sem Fronteiras.

Essa resolução define que a tramitação simplificada deverá se ater, exclusivamente, à verificação da documentação comprobatória da diplomação no curso, dispensando a análise aprofundada ou processo avaliativo específico. Para esse tipo de tramitação o prazo para conclusão é de até 60 dias, já para tramitação normal o prazo é de 180 dias.

Outra novidade é que o portador de diploma estrangeiro não precisará aguardar abertura de edital da universidade para solicitar o pedido de revalidação, pois essa resolução dispensa o edital. E, também, não será necessária a tradução dos documentos para o português para os que estiverem escritos em francês, inglês e espanhol, por serem consideradas línguas francas utilizadas no ambiente de formação acadêmica.

O art. 4º dessa resolução informa que os procedimentos relativos às orientações gerais de tramitação dos procedimentos de solicitação de revalidação serão estabelecidos pelo MEC, através da Secretaria de Educação Superior e deverão ser adotados pelas universidades.

Esses procedimentos, ainda, constam na Portaria normativa do MEC nº 22, de dezembro de 2016. Dentre suas orientações estão prazos para emissão de pareceres, como o de 30 dias para a universidade emitir parecer preliminar sobre a documentação entregue na abertura do processo e a necessidade de incluir novos documentos.

Outra orientação importante versa sobre a tramitação simplificada do processo de revalidação de diplomas, conforme anunciado na Resolução CNE/CES n° 3/2016. A portaria trata dessa questão no art. 22, e dentre as informações, a que haverá uma lista específica, produzida pelo MEC, com o nome dos cursos que já tenham tido diplomas reconhecidos em universidades diferentes sem realização de atividades complementares, e ficará disponível na Plataforma Carolina Bori12. Aos nominados nessa lista, deverá ser realizada a tramitação simplificada.

As ações e medidas desenvolvidas pelo Executivo e pelo Legislativo evidenciam a centralidade que a revalidação de diplomas estrangeiros adquire no contexto do Estado brasileiro, que passa a agir de forma a desenvolver política de caráter nacional, estabelecendo ações que deverão ser realizadas pelas universidades. Essas por sua vez têm acatado, a priori, sem resistência, conforme se pode observar no âmbito do judiciário.

A política de revalidação de diplomas: ações do Poder Judiciário

O Estado brasileiro é organizado de acordo com a teoria da tripartição do poder do Estado. Entre eles, está o Poder Judiciário, que exerce a função jurisdicional para resolução dos conflitos levados a seu conhecimento, mediante a aplicação do direito vigente na lei e no ordenamento jurídico. Ele tem a função precípua de interpretar e aplicar a lei nos litígios surgidos entre os cidadãos ou entre os cidadãos e o Estado.

Segundo Villanueva (2013), o Estado é concebido como encarregado de solucionar os problemas que as relações entre os cidadãos e a sociedade civil não são capazes de resolver, o que pode ser feito a partir das ações do poder judiciário.

Atualmente tramitam muitas ações e recursos nas instâncias judiciais brasileiras que versam sobre a revalidação de diplomas estrangeiros, o que pôde ser observado com a realização de busca parametrizada no site Jusbrasil13, onde é possível encontrar jurisprudência de todos os tribunais brasileiros. Ao utilizar o descritor “revalidação de diploma estrangeiro” foi possível encontrar 3.681 processos que versam sobre a revalidação de títulos de educação superior obtidos no exterior.

Segundo Cury e Ferreira (2009), a consolidação dos direitos sociais fez com que surgisse uma relação direta entre a justiça e a educação, sendo que a partir de 1988, o poder Judiciário passou a ter funções mais significativas na concretização desse direito, materializada por meio de ações judiciais visando a sua garantia e efetividade. A este fenômeno deu-se o nome de “judicialização da educação, que significa a intervenção do poder judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprirem as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas” (CURY; FERREIRA, 2009, p. 33).

A CF foi a responsável pela ampliação do rol de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, o que segundo Bonavides (2011), aumentou a expectativa dos cidadãos de verem cumpridos os direitos e garantias previstas na Carta Magna, fazendo com que a execução deficiente ou a falta de execução das políticas sociais, leve a busca do judiciário.

Essa relação entre política e o direito vem sendo denominada de judicialização da política, na qual uma parte do poder político está sendo transferido das instâncias políticas tradicionais para o poder Judiciário, sendo que a última palavra sobre questões sociais, econômicas ou morais de largo alcance estão tendo sua instância final de decisão perante o poder Judiciário (BARROSO, 2012).

Ao mesmo tempo em que se constatou a importância do judiciário, também se verificou um progressivo desapontamento com a política majoritária, na qual, muitas vezes, o Legislativo não é capaz de normatizar temas controversos da sociedade, cabendo ao Judiciário a resolução desses litígios.

A existência de qualquer questionamento sobre a legitimidade ou eficiência de uma política pública deveria ser respondida nas esferas do Legislativo e do Executivo, pois são estes os responsáveis pela sua formulação e execução. Ocorre, porém, que essa discussão tem caminhado cada vez mais para a esfera do Judiciário, sendo que este tem se posicionado sobre questões políticas e econômicas, e até mesmo decidindo questões administrativas que antes eram resolvidas pelos outros dois poderes.

Ao Judiciário incumbe verificar se estão sendo cumpridos os moldes jurídicos no projeto e na execução das políticas públicas. Cabe a ele confrontar as políticas assumidas com os padrões jurídicos aplicáveis. Sendo assim, muitas vezes, o sistema judiciário é acionado para suprir a função da administração pública que deixou de realizar a prestação social.

Para Barroso (2008), nos últimos anos vem ocorrendo uma constante crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo, fato este que tem causado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões. Ainda segundo o mesmo autor, este fenômeno tem como positivo o fato de que o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, porém, em contrapartida, tem como negativo o fato de expor as dificuldades que o Legislativo enfrenta.

Observa-se que, em se tratando dos processos ajuizados sobre a revalidação de diploma, é possível verificar que diversos são os motivos que levam à busca do Judiciário14: revalidação automática de título de graduação, sem a observância da LDB; limitação de participação nos processos de revalidação por parte das universidades avaliadoras; universidades que estabelecem prazo exíguo para a apresentação dos documentos necessários à instrução do procedimento administrativo relativo à pretendida revalidação; cobrança de taxa exorbitante para revalidação de diploma; não observância, pela universidade, das etapas previstas na legislação, pois não pode submeter o requerente à prova ou exame antes do julgamento de equivalência dos currículos pela comissão designada e divergência sobre o juízo competente para analisar os processos de revalidação. Enfim, a maioria decorre da falta de uma legislação que regulamente uniformemente os procedimentos administrativos sobre a revalidação, o que influenciou o Executivo a incluir em sua agenda a política de revalidação de diplomas e se debruçar sobre ela.

A judicialização dos processos de revalidação de diploma de graduação estrangeiro demonstra que há uma falha no processo administrativo, o que acaba por atingir a concretização de uma política pública educacional.

Nesse contexto, é possível observar que a política de revalidação de diplomas também se encontra na agenda do Judiciário brasileiro com mais de 3.500 processos em andamento e os motivos que causam essas demandas podem ser semelhantes aos que a mantêm nas agendas do Executivo e do Legislativo.

Considerações finais

O presente trabalho buscou explicitar as interfaces entre os Poderes constituintes do Estado brasileiro na definição de políticas para a revalidação de diplomas de graduação estrangeiros, uma vez que essa temática adquiriu relevância a partir da ampliação da demanda interna e das influências das políticas supranacionais.

Nesse sentido, buscou-se analisar as medidas desenvolvidas no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, concretizadas sob a forma de documentos, normas e decisões julgadas, em que se pode observar que a ação pública ocorre de forma intensa, recente e abrangente.

A LDB, aprovada em 1996, atribuiu a revalidação de diplomas às universidades públicas, que deveriam formular políticas institucionais para a sua implementação. No entanto, no período de 2002 a 2016 é formulado um conjunto de normas advindas do CNE, órgão vinculado ao Executivo federal, que passa a formular políticas nessa direção, o que explicita a adesão da temática da revalidação na agenda sistêmica do Estado brasileiro. Nesse mesmo sentido foi a ação do Legislativo que interpõe, em 2011, projeto de lei para fins de revalidação automática, que após passar por alterações, já está em fase de conclusão.

Além da dimensão regulatória da política constituída sob a forma de normas e leis, há ainda a adoção de exames estandardizados para fins de atestar a correspondência curricular, implementados a partir de 2010, e o desenvolvimento da Plataforma Carolina Bori, em 2016, com a finalidade de viabilizar transparência e agilidade ao processo.

Desde 2006, há ações interpostas ao Supremo Tribunal Federal, última instância recursal do Judiciário, contra as negativas de revalidação por parte das universidades. Ao todo foram encontrados 3.681 processos nos tribunais de justiça utilizando o descritor “revalidação de diplomas estrangeiros”. No entanto, não se verifica posicionamento do Judiciário com relação ao mérito da revalidação.

O que se pode compreender desse processo eivado de embates e tensões é que o Estado age, e age vigorosamente, em favor da demanda interna crescente e das políticas supranacionais que devem preponderar frente aos aspectos e valores internos das instituições universitárias.

REFERÊNCIAS

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VILLANUEVA, Luis Fernando Aguilar. Problemas públicos e agenda de gobierno. México: Miguel Ángel Perrúa, 2013.

Notas

4 Conforme previsto no art. 69 da Constituição Federal.
5 Refere-se ao art. 48, § 2º da Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
8 Essa centralidade será melhor explicitada na primeira seção do presente trabalho.
9 O termo cross-border education adotado no presente projeto tem como referência o conceito desenvolvido por Knight (2006), que sintetiza o movimento de passagem ou de migração de pessoas, conhecimento, programas, serviços e de currículos entre países para fora de suas jurisdições/fronteiras, com viés comercial. Mantém-se o uso da expressão em inglês, de forma a preservar seu sentido original.
10 Refere-se aqui à Lei nº 5.540/1968.
11 Em junho de 2008 foi assinado pelos Ministros de Educação da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, o Acordo sobre a criação e implementação de sistema de credenciamento de cursos de graduação para o reconhecimento regional da qualidade acadêmica dos respectivos diplomas no MERCOSUL e Estados Associados. Esse acordo foi homologado pela Decisão CMC nº 17/08.
12 A criação dessa plataforma é mais uma medida do Executivo federal com vistas a disciplinar o processo de revalidação de diplomas. Sua finalidade é propiciar ao portador do diploma o acompanhamento do seu processo. Foi disponibilizada para acesso na internet em 13/12/2016. Essa plataforma será alimentada pelo MEC em parceria com as IES revalidadoras.
13 Disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudência. Acesso em: 11 fev. 2017.
14 Refere-se aos seguintes processos: ARE 851225 AgR, Relator (a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 28/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016. ADI 5341 MC-Ref / AC - ACRE - Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade - Relator (a): Min. EDSON FACHIN - Julgamento: 10/03/2016. RE 676925, Relator (a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 20-06-2012 PUBLIC 21-06-2012. AI 771855 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 13/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012 RE 676925, Relator (a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 20-06-2012 PUBLIC 21-06-2012. AI 771855 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 13/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012 RE 580215 AgR, Relator (a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-195 DIVULG 15-10-2009 PUBLIC 16-10-2009 EMENT VOL-02378-06 PP-01222.
Como citar este artigo: REAL, Giselle Cristina Martins.; MARRAN, Ana Lucia.; ZENI, Kelei. A política de revalidação de diplomas estrangeiros: interfaces entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. 3, p. 942-955, jul./set., 2019. E-ISSN: 1982-5587. DOI: 10.21723/riaee.v14i3.11573
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