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SERVIDORES COM DEFICIÊNCIA NA UNIVERSIDADE: BARREIRAS PARA A INCLUSÃO
SERVIDORES DISCAPACITADOS EM LA UNIVERSIDAD: BARRERAS A LA INCLUSIÓN
DISABLED SERVERS IN THE UNIVERSITY: BARRIERS TO INCLUSION
SERVIDORES COM DEFICIÊNCIA NA UNIVERSIDADE: BARREIRAS PARA A INCLUSÃO
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 14, núm. 4, pp. 2377-2397, 2019
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras
Recepção: 27 Fevereiro 2019
Aprovação: 30 Junho 2019
Publicado: 02 Setembro 2019
RESUMO: As pesquisas ainda são incipientes quanto à temática de servidores/funcionários/trabalhadores com deficiência, tanto na rede privada quanto no setor público, sendo necessários mais estudos sobre a inserção e a permanência desse público, relativamente recente, no mercado de trabalho. Este estudo tem como objetivo identificar e analisar as possíveis barreiras existentes no ambiente de trabalho de servidores com deficiência de uma Universidade federal do sul do Brasil. Esta é uma pesquisa de natureza qualitativa exploratória, que se utilizou de entrevistas constituídas por questionários semiestruturados aplicada a quatro servidores com deficiência. Os resultados apontam que as barreiras atitudinais, comunicacionais/linguísticas e arquitetônicas estão presentes nos discursos dos servidores, influenciando em sua permanência na instituição. Revelam que as ações institucionais ainda não conseguem incidir sobre todos os obstáculos enfrentados em suas atividades laborais cotidianas. Essas barreiras ainda não foram superadas, pois a inclusão trata-se de um processo político, pedagógico, cultural e social muito amplo. Romper com os paradigmas segregacionista e assistencialista seculares demandam ações e requerem tempo. O paradigma inclusivo é recente, as leis por si só não garantem mudanças nas atitudes das pessoas, só as regula. É necessário, portanto, a criação de uma cultura inclusiva na Universidade. As conclusões apontam para a necessidade de um acompanhamento/capacitação dos servidores de maneira mais efetiva, de modo que a instituição possa oferecer ações que incidam diretamente sobre as barreiras que se revelam em seu local de trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Deficiência, Servidores, Trabalho, Universidade.
RESUMEN: La investigación aún es incipiente con respecto al tema de los empleados/empleados discapacitados, tanto en la red privada como en el sector público, y se necesitan más estudios sobre la inserción y permanencia de este público relativamente reciente en el mercado laboral. Este estudio tiene como objetivo identificar y analizar las posibles barreras que existen en el entorno laboral de los empleados discapacitados de una universidad federal en el sur de Brasil. Esta es una investigación exploratoria cualitativa, que utilizó entrevistas consistentes en cuestionarios semiestructurados aplicados a cuatro servidores con discapacidades. Los resultados indican que las barreras actitudinales, comunicativas/lingüísticas y arquitectónicas están presentes en los discursos de los servidores, influyendo en su permanencia en la institución. Revelan que las acciones institucionales aún no pueden abordar todos los obstáculos que enfrentan en sus actividades laborales diarias. Estas barreras aún no se han superado, ya que la inclusión es un proceso político, pedagógico, cultural y social muy amplio. Romper con los segregacionistas seglares y los paradigmas orientados al bienestar toma medidas y toma tiempo. El paradigma inclusivo es reciente, las leyes por sí solas no garantizan cambios en las actitudes de las personas, solo las regulan. Por lo tanto, es necesario crear una cultura inclusiva en la Universidad. Las conclusiones apuntan a la necesidad de un monitoreo / capacitación más eficaz de los empleados, de modo que la institución pueda ofrecer acciones que aborden directamente las barreras que se revelan en su lugar de trabajo.
PALABRAS CLAVE: Discapacidad, Servidores, Trabajo, Universidad.
ABSTRACT: Research is still incipient regarding the theme of disabled employees/employees, both in the private network and in the public sector, and further studies on the insertion and permanence of this relatively recent public in the labor market are needed. This study aims to identify and analyze the possible barriers that exist in the work environment of disabled employees of a federal university in southern Brazil. This is a qualitative exploratory research, which used interviews consisting of semi-structured questionnaires applied to four servers with disabilities. The results indicate that the attitudinal, communicational/linguistic and architectural barriers are present in the discourses of the servers, influencing their permanence in the institution. They reveal that institutional actions still cannot address all the obstacles faced in their daily work activities. These barriers have not yet been overcome, as inclusion is a very broad political, pedagogical, cultural and social process. Breaking away from secular segregationist and welfare-oriented paradigms takes action and takes time. The inclusive paradigm is recent, laws alone do not guarantee changes in people's attitudes, they only regulate them. It is therefore necessary to create an inclusive culture at the University. The conclusions point to the need for more effective monitoring / training of employees, so that the institution can offer actions that directly address the barriers that are revealed in its workplace.
KEYWORDS: Deficiency, Servers, Job, University.
Introdução
De acordo com o Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), aproximadamente 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Isto corresponde a 46 milhões de pessoas que apresentam alguma deficiência relacionada à audição, visão, motricidade, cognição. Muitas dessas pessoas com deficiência podem fazer parte do mundo do trabalho.
As pessoas com deficiência, até metade do século passado, eram compreendidas pela sociedade como desprovidas de capacidade, competências e habilidades, impossibilitadas de autonomia para fazer suas escolhas no campo educacional e trabalhista (CARVALHO-FREITAS; MARQUES, 2010; CAMARGO; GOULART JUNIOR; LEITE, 2017). Tratadas como “incapazes”, os empregos eram oferecidos por sensibilidade, responsabilidade social ou por iniciativa própria, principalmente por parte de pequenas empresas, uma vez que a contratação desse público não era obrigatória (COUTINHO; RODRIGUES; PASSERINO, 2017).
Quanto à contratação de pessoas com deficiência, as mudanças foram acontecendo aos poucos, em função da implementação de políticas públicas e de mudanças na forma de compreender a deficiência, incorporando-se assim uma perspectiva pautada na Inclusão e no Modelo Social da Deficiência (SASSAKI, 1997; BRASIL, 2008).
Baseado no direito à igualdade, a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) em seu Art. 37, prevê que a legislação complementar reservará “cotas” para cargos e empregos públicos, assegurados também pela Lei n. 8.112/90 (BRASIL, 1990). Contudo, na rede privada e na pública, após quase vinte e nove anos da promulgação desta lei, o cumprimento ainda se dá somente para fins de obrigatoriedade. Essa mesma lei também dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais. Ela só possui duas citações referentes aos servidores:
Art. 5º, § 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso (BRASIL, 1990, p. 12).
Art. 98, § 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário (BRASIL, 1990, p. 42).
No caso do setor público, a Universidade se constitui como uma instituição pública, a qual deveria ser referência seja pela contratação, formação/capacitação dos profissionais que ingressam pela lei de cotas (BRASIL, 1990) e por possuir uma arquitetura adaptada para pessoa com deficiência por possuir o caráter de ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2000; 2015).
Com relação às empresas privadas, há também cotas para a empregabilidade definida pelo Art. 93 da Lei n. 8.213/91 (BRASIL, 1991). Há ainda a Lei n. 10.098/00 (BRASIL, 2000) que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, e a Lei n. 13.146/15 (BRASIL, 2015), legislação mais atualizada, na qual descreve em seu Art. 1º que:
É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015, p. 1).
No artigo 3º, parágrafo IV, consideram-se como barreiras qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança. Nesse artigo, as barreiras se classificam como:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; (BRASIL, 2015, p. 2).
Segundo Camargo, Goulart Junior e Leite (2017), muitas barreiras ainda são encontradas com relação à participação efetiva da pessoa com deficiência no ambiente de trabalho, reflexo da cultura tradicionalmente excludente e preconceituosa da sociedade. Muitos estudos apontam que essas barreiras são obstáculos à plena inclusão e permanência das pessoas com deficiência no mercado e no ambiente de trabalho (GARCIA, 2014; NEVES-SILVA; PRAIS; SILVEIRA, 2015; PEREIRA; BIZELLI; LEITE, 2017). Embora tais estudos já levantem algumas questões, as pesquisas brasileiras ainda são incipientes quanto à temática de servidores/funcionários/trabalhadores com deficiência, tanto na rede privada quanto no setor público.
Sobre os servidores com deficiência na Educação Superior, Pereira, Bizelli e Leite (2017), em estudo em que discorrem acerca do acesso e da permanência de servidores e docentes, ressaltam que ainda
há muito por fazer, particularmente no que diz respeito às atitudes eivadas de preconceito e à falta de preparo - humano, material e administrativo - para fornecer condições que permitam formas mais elevadas de desenvolvimento da pessoa com deficiência (PEREIRA; BIZELLI; LEITE, 2017, p. 111).
As pesquisas sobre esse tema refletem a falta de adaptação e cursos de formação para que esses trabalhadores com deficiência possam atuar em suas funções (COUTINHO; RODRIGUES; PASSERINO, 2017; CAMARGO; GOULART JÚNIOR; LEITE, 2017; PEREIRA-SILVA; FURTADO; ANDRADE, 2018).
Entre as pessoas contratadas que não possuem deficiência, as pesquisas já apontam baixa qualidade de vida relacionadas ao trabalho no serviço público nas Universidades (estresse, cansaço, sobrecarga de atividades, dificuldades em ajustar a vida profissional com a pessoal, ambiente turbulento, falta de motivação, estrutura física precária, sentimentos de desvalorização com a carreira, carga-horária inadequada) (GARLET; BEURON; SCHERER, 2017; ALVES BORGES, 2018). Desta forma, se pode hipotetizar que as pessoas com deficiência, para além disso, enfrentam outros problemas relacionados às barreiras que as impedem de ter garantia de condições igualitárias para o trabalho.
Nesse sentido, levantam-se algumas questões: os servidores ainda observam algum(ns) tipo(s) de barreira(s) impeditiva(s) para sua plena e efetiva participação em seu ambiente de trabalho? Se sim, qual(is) a(s) barreira(s) observada(s)? Como eles têm sido amparados na garantia de seus direitos enquanto pessoas com deficiência na instituição onde trabalham? A partir dessas considerações, esse estudo tem como objetivo identificar e analisar as possíveis barreiras existentes no ambiente de trabalho de servidores com deficiência de uma Universidade federal do sul do Brasil.
Metodologia
Contextualizando a pesquisa na Universidade: Participaram dessa pesquisa quatro servidores de uma Universidade federal do sul do país que possui aproximadamente 5.500 professores e técnicos. Houve um período de 3 meses para que se pudesse ter conhecimento de que haviam 61 servidores com deficiência na Universidade, de acordo com o último mapeamento realizado na instituição. Contudo, desses, apenas 25 contatos foram disponibilizados pelo setor de Recursos Humanos - RH no momento da realização da pesquisa (2016). Dentre os motivos pelos quais tão poucos servidores foram contatados pelo setor institucional, estão: i) contatos desatualizados; ii) sem retorno da solicitação realizada pelos responsáveis do RH; iii) desconhecimento de contatos dos servidores.
Escolha dos 4 participantes: Foi realizado contato com o setor de RH da instituição para apresentação da pesquisa e convite à participação, a qual foi aceita. Dessa forma, foi solicitado pelos pesquisadores a relação de servidores com deficiência que atuam na referida instituição, com caracterização da deficiência e dados de contato. No entanto, as informações repassadas pelo setor não apresentavam detalhamentos sobre a caracterização das deficiências, assim como de contato. Sendo assim, realizou-se a solicitação desses dados diretamente com o órgão de origem em Brasília, a qual foi atendida. A partir disso, obteve-se a relação dos servidores com deficiência, com caracterização das deficiências e o contato de e-mail desses servidores. Destes 25 contatados, apenas 4 retornaram o e-mail e se dispuseram a participar da pesquisa.
Procedimentos da pesquisa: Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quatro servidores participantes. As entrevistas, com duração média de 30 minutos, tiveram como temáticas norteadoras: a inclusão do servidor com deficiência na Universidade, capacitação/formação/treinamento para atuar na sua função, políticas institucionais de acessibilidade e permanência para servidores com deficiência. Na entrevista com servidores surdos, houve a mediação de Intérpretes de Libras/Português. Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo e/ou áudio e transcritas posteriormente seguindo as normas do NURC (PRETI, 1999).
Utilizou-se de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010) para categorizar os dados para as análises. Os dados foram organizados em categorias elaboradas a partir dos discursos dos entrevistados: i) barreiras atitudinais; ii) barreiras comunicacionais/linguísticas; iii) barreiras arquitetônicas. A análise se deu a partir da literatura da área pesquisada.
Participantes da pesquisa: Os participantes receberam siglas para identificação de suas falas. Toda informação que possa identificá-los foi omitida nas transcrições.
Servidor 1 (S1): servidora surda, 55 anos, formada em Pedagogia e Doutora em Educação. Atua como professora na Universidade há 10 anos.
Servidor 2 (S2): servidor com baixa visão, 31 anos, formado em Economia e Mestrr em Administração Universitária. Atua na Universidade como assistente técnico administrativo há 7 anos.
Servidor 3(S3): servidor com monoplegia (perda do membro superior direito), 28 anos, no momento da pesquisa estava cursando graduação em Ciências Sociais. Atua na Universidade como assistente técnico administrativo há 2 anos.
Servidor 4 (S4): servidora com doença progressiva (paraparesia espástica secundárias à isquemia cerebral), 58 anos, formada em Medicina Pediátrica e Doutora em Ciência Médica. Atua na Universidade como médica pediatra há 23 anos.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nº 0782/2013 (Projeto OBEDUC/CAPES - Acessibilidade no ensino superior: da análise das políticas públicas educacionais ao desenvolvimento de mídias instrumentais sobre deficiência e inclusão).
Resultados e discussão
A seguir, serão apresentados trechos de relatos das entrevistas dos participantes em que se evidenciam as barreiras ainda encontradas.
Barreiras Atitudinais
Para Lima e Tavares (2012), as barreiras atitudinais podem ser percebidas de diferentes formas, dentre elas, através da utilização de rótulos, de adjetivações, de substantivação da pessoa com deficiência como um todo deficiente. Além disso, há outras maneiras que podem expressar esse tipo de barreira, como a manifestação de medo, rejeição e inferiorização, piedade, “exaltação do modelo”, comparação, atitude de segregação, assistencialismo e superproteção, ignorância com relação às potencialidades dessas pessoas, entre outras. Esse tipo de barreira pode ser expressada pela linguagem utilizada, por ações ou omissões perante situações excludentes. As omissões podem ser evidenciadas, por exemplo, no silenciamento sobre a temática inclusão dos servidores/professores com deficiência na Universidade, como se esse público ainda não existisse, ou ainda, em número pequeno que não justifica uma ação mais efetiva.
O Plano de Desenvolvimento Institucional dessa Universidade (2015-2019) é voltado prioritariamente aos estudantes e não se observa menção aos servidores com deficiência. Dessa forma, também não há menção específica às questões de acessibilidade e barreiras. Há apenas um item geral que diz que um dos objetivos da Universidade é desenvolver ações de atenção à saúde nos eixos da assistência suplementar, perícia oficial, promoção e vigilância em saúde, visando a saúde, a qualidade de vida no trabalho, o reconhecimento e a valorização dos servidores.
O Núcleo de Acessibilidade da instituição, embora em seus objetivos vise a proposta de ações de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência e/ou com necessidades educacionais especiais, também não faz nenhuma observação específica no site quanto aos servidores e seu acompanhamento. Vê-se aqui que há um silenciamento de ações com os servidores com deficiência, tanto no documento oficial da Universidade (PDI) quanto nas políticas do Núcleo. Esse silêncio revela que a falta de ações voltadas aos servidores, seja por ausência de demandas ou falta de estratégias para o levantamento destas. Talvez isso venha se configurando ainda na instituição por se tratar de algo relativamente recente e a Universidade ainda esteja se adaptando a essas novas práticas inclusivas, dentro de suas possibilidades.
Possivelmente, as barreiras atitudinais são os obstáculos mais presentes e que mais dificultam a inclusão na sociedade, sendo também a precursora dos demais tipos de barreiras (LIMA; TAVARES, 2012). Lima e Tavares (2012, p. 5), ainda mencionam que “[a]s barreiras atitudinais, porém, nem sempre são intencionais ou percebidas. Por assim dizer, o maior problema das barreiras atitudinais está em não as removermos, assim que são detectadas”. Como pode-se observar nos relatos abaixo:
S1 (2016) [...] Aconteceu há um tempo atrás uma reunião que era com todos os coordenadores dos cursos de licenciatura da Universidade. [..] Daí o que aconteceu? O subcoordenador do nosso curso [X] presencial que é ouvinte foi participar no meu lugar, ou seja, eu perdi a oportunidade de participar dessa reunião.
S3 (2016): Bom eu... Eu acho que na verdade é até anterior assim, né o problema como eu vejo, porque o processo de inclusão do servidor como um todo já é precário, entende assim. A gente inicia o trabalho meio que sem nenhum treinamento. Até tem uma... Enfim, resumindo, então, já é ruim pro servidor em si, agora pro servidor que seja, que tenha, que seja portador de necessidades especiais acaba sendo até pior na minha opinião, sabe? Eu lembro que quando eu entrei eu tive uma reunião com duas pessoas que eram membros de uma comissão que lidava com os servidores que entravam com deficiência e tal pela cota da deficiência. E foi a única coisa nesses dois anos e que chegou assim, perto de uma inserção e tudo mais. A própria legislação assim se eu não procuro eu não tenho um respaldo, sabe? Não sei. Eu sei que o direito que eu tive na universidade foi a cota na hora de prestar a prova, aí tinha uma cota pra inclusão na hora de entrar na Universidade. Agora a outra legislação [que trata da inclusão de servidores com deficiência], eu confesso que não procurei muito e nem sei se tem. [...] Acompanhamento, tá precisando de alguma coisa, ou tem alguma questão com relação a saúde assim, não, não tem!
S4 (2016): Vejo muito ruim, praticamente não existe [o processo de inclusão dos servidores com deficiência na Universidade]. É, não sei se mudou agora esses últimos tempos, mas na área da saúde é bem complicado. [...]. Então, eu vejo assim, bem complicado. Não tem preocupação, por exemplo, de colocar uma vaga pra pessoa colocar o carro que seja coberta, por exemplo.
Nota-se na fala dos servidores a presença de diferentes barreiras atitudinais que se manifestam no comportamento de seus demais colegas, o que revela uma compreensão reducionista, com discursos assistencialistas que subestimam a capacidade das habilidades desses servidores. Exemplo disso é a situação em que uma reunião é marcada e não se observa a conscientização dos demais presentes com relação à falta de intérpretes e/ou a exigência deste profissional para o prosseguimento da mesma. Ou ainda quando a instituição superestima a acessibilidade física, arquitetônica, em detrimento de outras barreiras, tão importantes quanto, como as barreiras atitudinais e comunicacionais, uma vez que como empecilhos às atividades laborais dos servidores com deficiência, podem influenciar também em sua permanência no trabalho.
O servidor 3 ainda pontua que a instituição carece de formação/treinamento e também acompanhamento para os servidores com deficiência que ingressam na Universidade. De acordo com ele, o seu “treinamento” para a função que desempenha hoje se deve ao “antigo servidor que passou esse cargo pra mim ficou duas semanas aqui, não me treinou muito bem também e nem era papel dele, afinal de contas tem que ter... imagino que esse é o papel do RH”. Mesmo afirmando que ele não encontra limitações em seu ambiente de trabalho que se revelam pela sua experiencia de deficiência, é de suma importância que haja melhor acompanhamento por parte da instituição que o emprega.
A fala desse servidor aponta para a necessidade de que as informações relativas às orientações iniciais para o exercício do trabalho sejam acessíveis aos servidores de acordo com a sua experiencia de deficiência. A falta dessas informações se caracteriza como uma barreira de informação/comunicação. Sobre esse assunto, os estudos de Camargo, Goulart Junior e Leite (2017) e Eao e Silva (2012) também enfatizam as dificuldades que se interpõem à permanência no trabalho quando não lhe é oferecido o acompanhamento/treinamento necessário. Esses estudos destacam o sofrimento ocasionado pelo desgaste físico ou psíquico, a falta de reconhecimento dos esforços no trabalho realizado, o preconceito relacionado à atividade/função realizada pela pessoa com deficiência, a falta de conscientização sobre as barreiras atitudinais que ocorrem nesse local.
Os participantes também mencionam ações institucionais voltadas à formação/capacitação, como se vê nos relatos abaixo:
S1 (2016): Curso de formação especificamente, curso de capacitação não. Algumas palestras que acontecem esporadicamente, mas curso de formação com foco nisso, não. Por exemplo, como o professor deve trabalhar com esses alunos, não. É, porque, por exemplo, o surdo-cego precisa de um guia-intérprete, não tem nenhum curso de formação e nem como os professores devem entender esse aluno em sala de aula também não tem. Acho que seria muito importante ter. Isso se tivesse, com certeza, os professores teriam interesse em fazer.
S2 (2016): Que eu sabia só pros docentes, eu vi lá que tinha um curso. Tem cursos que são só para docentes e tem uns para todos os técnicos. Nunca vi pros técnicos, eu vi pros docentes, que daí engloba todos os deficientes, como eles devem tratar pessoas que têm baixa-visão, surdos e cegos.
S3 (2016): Não. Não. Pelo menos não incisivamente, assim, se mandou [e-mail, comunicados]... Não, nunca. A própria pós-graduação mesmo nunca mandou anda neste sentido.
S4 (2016): Não. Talvez, eu não tenho bem certeza. Mas acho que já foi oferecido alguma coisa em libras, uma vez assim. [...] Mas eu não me lembro.
A formação continuada/capacitação ou treinamento também se faz importante na função que se inscrevem esses servidores. Isto, pois, todos eles lidam com o público diariamente. Conforme relataram também quanto à convivência com as pessoas na Universidade, percebem não haver barreiras ou diferenciação no tratamento, pois “foi bem tranquilo” (S2, 2016), “e a convivência não senti [dificuldades]” (S3, 2016), “pela convivência não” (S4, 2016). Desta maneira, entende-se que é preciso investimento também na formação continuada dos servidores com ou sem deficiência com vistas a promoção de ações inclusivas, tanto relacionadas a posturas individuais como coletivas.
S2 (2016): Então, tem esse grupo que acompanha os servidores. Eles acompanhavam durante o estágio probatório, mas às vezes, acho que anualmente assim, eles até procuram a gente para saber como é que tá. Ou, às vezes, eles recebem novos servidores, daí eles vem perguntar a minha experiência assim. [...] É até pra ver como a gente conseguiu comprar as coisas, essas coisas, né. Então, eles têm sim um acompanhamento sim. [...] É no meu caso, como era um dos primeiros, eu acho... [...]: É já foi mais difícil, hoje já é mais simples, mas já tem uma estrutura pra cuidar disso.
S3 (2016): Ó como eu disse pra você que eu já ouvi falar alguns estudos neste sentido e tal, e então, eu acredito que sim, que tenha, só que política de estudos ou pesquisa pode ser que estejam sendo aprimorado ou coisa do tipo, mas na prática ainda não senti isso muito forte assim. Então, deveres eu sei que a gente tem como todo trabalhador, entendeu? Mas focar na especificidade dos direitos do portador com deficiência. Eu sei que a gente tá trabalhando com a coisa da inclusão já não faz tanto tempo né, é recente assim, pelo menos, isso vem sendo falado, cansava assim, de forma repetitiva nos últimos tempos. O que é ótimo. A gente tem que sempre tá aprimorando isso. E, então, eu acho que além desses estudos e pesquisas se eles existem, que eu não conheço nenhum particularmente, mas acredito que deva ter, que se torne algo palpável, mas palpável que atinja a pessoa, a gente como um todo assim, acho que é isso.
S4 (2016): No local de trabalho? Não que eu conheça.
Os participantes também apontam que há iniciativas envolvendo estudos e pesquisas para a acessibilidade e permanência de pessoas com deficiência na instituição. Entretanto, o que se nota é que esses servidores não têm certeza em afirmar se há de fato essas ações, pois demonstram em suas falas que, na prática, elas ainda não têm se efetivado nem para eles e nem para a comunidade universitária. Esses servidores acabaram ingressando em suas funções como servidores públicos pela lei de cotas e, a partir daí, passaram a ser acompanhados ou “assistidos” por estarem em estágio probatório.
O acompanhamento do estágio probatório não é um direito exclusivo dos servidores “com deficiência”, tal como eles parecem imaginar, é um direito de todos. O grupo que acompanha os servidores segue as resoluções para todos os docentes e servidores da Universidade. Para servidores, não foi encontrada uma normativa específica, mas sim instruções sobre o processo de Estágio Probatório.
Pelo que se pode notar, os docentes ou servidores com deficiência são acompanhados como qualquer outro servidor. Não há uma menção específica às pessoas com deficiência. Portanto, nesse contexto, a forma como instituição e servidor com deficiência serão avaliados nesse processo, dependerá da compreensão que a equipe de avaliação tem sobre as “condições necessárias ao desempenho do cargo” e “o processo de aprendizagem gradual e contínuo” do servidor e a interface da experiência de deficiência do servidor. Ou seja, a normativa reconhece a relação entre condições de trabalho e sujeito, porém não há uma garantia exclusiva de que ao se tratar desse público essas “condições” sejam vistas pela ótica da acessibilidade e se serão compreendidos também a partir da experiência da deficiência.
Se o conhecimento sobre inclusão e seus desdobramentos estivessem atravessados nas posturas e práticas institucionais por meio de formação aos demais servidores, inclusive os que compõem as equipes de avaliação de estágio probatório, estaria implícito que as questões que entornam a deficiência seriam abordadas dessa forma. Mas como essas posturas e práticas ainda estão em processo de construção na Universidade com algumas inciativas, haveria a necessidade de marcar nos documentos normativos da instituição questões que envolvem as diferenças humanas, incluindo a acessibilidade e as deficiências.
Assim, se pode dizer que embora existam algumas iniciativas institucionais, ainda são incipientes, o que aponta para a necessidade em se investir na consolidação de ações que gerem mudanças de posturas e práticas nas relações de trabalho em que fazem parte pessoas com deficiência e sem deficiência. Nota-se que ainda no século XXI, barreiras atitudinais que correspondem à marginalização das diferenças, ainda são encontradas. Ou seja, são um reflexo de ideologias historicamente constituídas e que marcaram a exclusão das pessoas com deficiência e que hoje se legitimam em atitudes ainda mais assistencialistas do que inclusivas (BEYER, 2013).
Barreiras comunicacionais/linguísticas
As barreiras comunicacionais/linguísticas são obstáculos que se interpõem entre a pessoa com deficiência e as demais e que impedem a plena comunicação, seja pela dificuldade no repasse de informações ou pela utilização de uma língua (ainda) minoritária, como a Libras (GARCIA, 2014). As barreiras comunicacionais estão diretamente ligadas as barreiras tecnológicas, considerando que as formas de acesso à tecnologia envolvem linguagem de informação, conforme seguem os relatos:
S1 (2016): Então, depende muito do local. No entanto, a gente tem algumas dificuldades. Por exemplo, na secretaria de curso [X], as assistentes administrativas não sabem língua de sinais [...]. O problema que a gente encontra é realmente a barreira comunicacional. [...] A gente tem algumas orientações da coordenadoria de acessibilidade educacional, mas a gente, a principal barreira tratando-se da área da surdez e da surdocegueira é a questão comunicacional, é barreira comunicacional. Então, a gente não tem acesso as informações na medida que os ouvintes têm. A gente precisa o tempo todo fazer esforço dobrado para ter acesso a essas informações. Então, é um problema que a gente enfrenta, é um problema gravíssimo na Universidade atualmente é a questão da falta de intérpretes. [...] Então, já tem mais de cinco anos que eu fui efetivada enquanto professora, mas somente agora que eu consegui fazer um projeto, preencher um formulário de projeto pra conseguir bolsa de pesquisa. Porque um professor veio sentou comigo e me orientou, mas o mundo ainda, ele é todo muito voltado pra uma cultura ouvinte. Então, a gente tem esses entraves. Esse tipo de dificuldade. Então, no nosso caso, a dificuldade é que tudo, o documento, tudo é em português. O português para gente é a L2, é segunda língua, então, é mais uma vez, a barreira comunicacional ou de informações.
S2 (2016): É: quando eu entrei na [instituição]... não tinha ainda uma sistematização assim, era bem precário. Mas depois passados uns três, quatro anos foi formada uma equipe multidisciplinar assim né, com médicos e pessoas lá da secretaria de gestão de pessoas que acompanharam daí os casos de todos os servidores que entraram na [instituição], assim. Mas eu tive as coisas que eu precisei assim, as:: adaptações né, eu consegui isso até:: rápido assim, pela necessidade mesmo para poder trabalhar [...] Hoje já consegui tudo que eu precisava para adaptar assim, tanto lupas, lupas eletrônicas, os teclados, o computador, tudo tá adaptado para mim né. Mas quando eu entrei, eu tive que providenciar na verdade. Não tinha, quando eu entrei não tava preparado ainda. [...] Eles não tinham nenhum preparo quando eu entrei, eles não tinham nada assim. Não tinham essa política. Depois de uns três anos daí eles começaram. Aí eu consegui bastante coisas assim. [...] Mais por essa falta de adaptabilidade das ferramentas tecnológicas assim, que eu tive que providenciar né.
A servidora surda, docente em um curso de graduação, aponta obstáculos na comunicação do servidor surdo e/ou com surdocegueira na relação com os demais servidores e com a comunidade universitária. O que implica afirmar que ela é prejudicada em sua função, pois acaba perdendo informações importantes para sua atuação na instituição, principalmente em se tratando de reuniões em que é solicitada como coordenadora de curso.
Outro obstáculo revelado pela servidora é relacionado à Língua Portuguesa escrita e de gêneros escritos dessa língua, próprios da esfera de atividade em que atua (projetos, formulários). Neste contexto, também o Português oral é recrutado como língua privilegiada nas práticas burocráticas realizadas na instituição (reuniões, comunicação com outros servidores e profissionais) em detrimento da Libras, que é a sua primeira língua (L1), o que acaba por se constituir como outro impeditivo linguístico, uma vez que esses gêneros não estão disponíveis também na sua L1.
É importante ressaltar que a instituição da qual os servidores desta pesquisa fazem parte possui tradutores/intérpretes de Libras/Português que podem ser solicitados quando necessário. Contudo, a quantidade de profissionais que a instituição dispõe ainda é incipiente para conseguir atender a toda a demanda. Com isso, há obstáculos para a plena participação e exercício da função profissional da servidora. Percebe-se, assim, que além de barreiras comunicacionais, há barreiras atitudinais que se revelam no cotidiano, impedindo-a de participar de atividades profissionais diárias. Percebe-se que a Libras, direito linguístico da pessoa surda, ainda não está sendo garantida pela instituição.
Cabe pontuar que ainda há certas confusões e/ou incompreensões quanto à dicotomia inclusão/exclusão na sociedade e, particularmente no mercado de trabalho. Dessa forma se faz necessária uma discussão mais ampla e mais explícita para categorias que tratam da diferença e da desqualificação social para além das lutas de classes e das desigualdades (FILLMANN; ZANOTELLI; BALDIN; CAPONI, 2005). Neste sentido, o que se depreende de S1 é que há uma naturalização também por parte dos atores sociais que circulam naquele ambiente institucional em não “se dar conta” que há uma barreira, a da comunicação, para que haja efetivamente a inclusão dessa pessoa no ambiente de trabalho.
Falar da e sobre a Libras é algo relativamente recente. Uma nova língua, ainda pouco divulgada, que ainda está em fase de produção de políticas linguísticas para que ganhe consistência e seja prestigiada socialmente (SEVERO, 2013; DONIDA, 2018). Mesmo a instituição sendo um polo de formação de surdos com graduação em Letras-Libras, de professores e intérpretes de Libras, oferta de cursos de língua de sinais para todos da comunidade universitária, ainda assim apresenta lacunas. Ou seja, nessa instituição os surdos ainda precisam ressaltar seu lugar, quer seja como estudante ou como servidor público como forma de minimizar essa assimetria na comunicação.
O discurso do servidor 2 aponta também que o grande desafio dele foi conseguir adequações para que pudesse atuar na sua função como técnico-administrativo. Ressalta que a Universidade não estava preparada para dar assistência. Ou seja, não partiu da instituição inicialmente deixar o ambiente adaptado para que este pudesse atuar em sua função.
Ele enfatiza todas as “adaptações” conseguidas para desenvolver suas atividades: “tanto [de] lupas, lupas eletrônicas, os teclados, o computador [..] Mas quando eu entrei, eu tive que providenciar na verdade. Não tinha, quando eu entrei não tava preparado ainda. [...] Eles não tinham nenhum preparo quando eu entrei, eles não tinham nada assim”. Aqui a barreira física não permitiu a esse servidor a garantia plena na execução de suas atividades em um primeiro momento, logo que ingressou em sua função, por não haver instrumentos próprios para uma pessoa com baixa-visão.
Estudos como os de Bittencourt e Fonseca (2011) e de Silva (2018) revelam que o desconhecimento sobre as tecnologias acessíveis a serem utilizadas e proporcionadas às pessoas cegas e com baixa-visão ainda são barreiras (atitudinais e arquitetônicas) que precisam ser superadas. Muitos preconceitos se originam da ideia de que essas pessoas não conseguiriam desenvolver suas atividades (sejam elas técnicas-administrativas, de docência, ou outras) por não possuírem a visão (percebida como de extrema necessidade nesses contextos).
O que os estudos acima apontam é que a tecnologia se desenvolveu muito nos últimos anos, possibilitando uma gama de instrumentos que potencializam e possibilizam o pleno desenvolvimento de quaisquer atividades laborais exigidas. A barreira comunicacional antes tida como um entrave por estar relacionada de modo geral somente à utilização do braile, passou a ser ressignificada e, hoje conta, além do braile, com outras práticas de letramento digitais que favoreceram a inserção das pessoas com cegueira e/ou baixa-visão no mercado de trabalho, bem como nas suas atividades de vida diária.
Barreiras arquitetônicas
As barreiras arquitetônicas são obstáculos que dificultam o acesso social aos espaços, quer seja a locomoção em ambientes externos, o acesso aos meios de locomoção e demais construções ou a utilização de ambientes internos (GARCIA, 2014). O discurso da servidora 4 enfatiza a dificuldade de acesso e acessibilidade nos ambientes institucionais, como se pode observar no relato:
S4 (2016): Bem complicado mesmo, por exemplo, no Centro [X] aqui, existe uma vaga pra todo mundo, não só funcionários, uma vaga pra estacionamento de deficiente físico que fica no lado de fora. É:: tem um acesso que é horrível, calçada super ruim, toda cheia de buraco. Essa uma vaga sempre ocupada. Então, aqui no próprio [X], foram quase 20 anos pra conseguir uma vaga para mim, acredite se quiser. E sempre mandando memorando, dizendo que era importante. Antes quando eu não usava o andador, eu precisava ter um corrimão pra me apoiar. Esse corrimão foi uma novela para conseguir. Muito difícil também. Então, né, o ambiente horrível. Já tive duas quedas. Já tenho parecer da Segurança do Trabalho dizendo que esse piso é inadequado, ele solta e tranca o pé. Não é só pra mim, todo mundo cai aqui, né, que tinha troca o piso. Não foi trocado, mesmo tendo o parecer da Segurança do Trabalho. [...]. Então, no dia de chuva a gente sempre se molha. Assim, agora que eu consegui aquele um cantinho aqui perto, ai eu consigo estacionar de ré e aí, eu me molho pouco. Mas assim, então as outras vagas quando eu pedia, era sempre do outro lado da rua, com problema que né, com lajota, com areia que escorrega, que cai, que dia de chuva se molha, então...
Conforme ela sinaliza, sente muitas dificuldades quanto a sua mobilidade na instituição em que atua. Ela se queixa que o processo de inclusão dos servidores com deficiência na Universidade é “muito ruim, praticamente não existe”. Reforça que no seu trajeto, ou seja, do estacionamento onde deixa seu carro até seu local de trabalho, a “calçada super ruim, toda cheia de buraco”. Trabalhadora há 23 anos na instituição, afirma que “foram quase 20 anos pra conseguir uma vaga [na garagem] para mim”.
Observa-se que as questões burocráticas acabaram impedindo que fossem feitas as adequações para esta servidora em um tempo menor do que 20 anos. Neste sentido, ações como essa, ou seja, simples, e que poderiam contribuir para a locomoção da servidora com mais segurança, têm deixado a desejar quando se trata de pessoas com deficiência física. A acessibilidade no local de trabalho tem se apresentado de maneira muito restrita, o que não tem permitido a ela condições de igualdade e autonomia quando comparado aos demais funcionários. Portanto, se hipotetiza que tais barreiras atitudinais se revelam como obstáculos que poderiam ter diminuído o tempo de espera (20 anos) para as adaptações necessárias à acessibilidade nos ambientes institucionais, também por falta de conhecimento daquele que a emprega, a Universidade
De acordo com o que enunciam os sujeitos pesquisados, estes ainda encontram muitos obstáculos no dia a dia no seu local de trabalho. Seja pelas barreiras comunicacionais/linguísticas no caso de surdos, ou por não haver equipamentos para adequações para uso do servidor que tem baixa-visão, seja pela locomoção de uma servidora que usa andador.
Os discursos dos participantes apontam que o processo de inclusão ainda não se efetiva na prática diária de trabalho na Universidade. Esses servidores públicos ingressaram por meio da lei que prevê cotas, mas ela não traz consigo mecanismos que visem o acompanhamento da acessibilidade e permanência desses servidores em seu local de trabalho. Como resistência a essa falta de mecanismos de acompanhamento, foi gerado nesses servidores um discurso que revela o desejo em se apoderarem de direitos igualitários, de serem cidadãos respeitados em suas diferenças também no espaço social do trabalho.
O que se pode notar é que esses servidores não se sentem completamente inseridos em seu ambiente de trabalho quando apontam a necessidade de cursos de capacitação para atuarem em suas áreas e de acordo com sua deficiência/condição funcional (ANGELUCCI, 2002). Considera-se que apesar de muitas discussões, lutas e avanços advindos com as políticas de inclusão e também quanto ao mercado de trabalho, ainda há fragilidades por parte da instituição e dos demais profissionais relacionadas à oferta de mecanismos de permanência desses profissionais com deficiência nos ambientes de trabalho. Portanto, ainda há barreiras a serem identificadas e superadas no campo profissional que merecem a atenção da gestão, de especialistas da área e da pesquisa na instituição.
Considerações finais
A inclusão não se restringe somente ao acesso e à acessibilidade das pessoas com deficiência aos ambientes educacionais e ao mercado de trabalho. As condições de permanência dessas pessoas estão diretamente relacionadas às barreiras encontradas nos locais em que se inserem. Muitos estudos revelam que, no mercado de trabalho, as instituições que optam por oferecer um acompanhamento/capacitação/formação ao seu funcionário com deficiência diminuem as barreiras e o sofrimento desta pessoa para desenvolver suas atividades laborais. Essas pesquisas também apontam a relevância de ações que integrem todos na instituição com vistas a diminuir as barreiras e favorecer ambientes mais inclusivos (ÁVILA-VITOR; CARVALHO-FREITAS, 2012; PEREIRA-SILVA; FURTADO; ANDRADE, 2012; CAMARGO; GOULART JUNIOR; LEITE, 2017; COUTINHO; RODRIGUES; PASSERINO, 2017).
Cabe dizer que nas discussões sobre os espaços inclusivos e as políticas de inclusão, ou seja, do amplo direito da pessoa com deficiência exercer sua autonomia e cidadania, do direito ao trabalho e à educação, ainda há poucos estudos que versem sobre o servidor com deficiência nas instituições públicas de Educação Superior.
A partir dos discursos dos servidores, se depreende que as ações ainda se mostram incipientes para garantir o pleno desenvolvimento de suas atividades laborais, sua inclusão e sua permanência na instituição. Isso porque as barreiras atitudinais, arquitetônicas e comunicacionais/linguísticas se mostram ainda presentes e são obstáculos a serem (re)pensados pela Universidade em questão. Essas barreiras ainda não foram superadas, pois a inclusão se trata de um processo político, pedagógico, cultural e social muito amplo. Romper com os paradigmas segregacionista e assistencialista seculares demandam ações e requerem tempo. O paradigma inclusivo é recente e as leis por si só não garantem mudanças nas atitudes das pessoas, só as regula. É necessário, portanto, a criação de uma cultura inclusiva na Universidade.
Essa pesquisa revelou que ainda há fragilidades no que se refere à efetivação na prática das leis da inclusão em vigor em se tratando da inclusão do servidor com deficiência na Universidade, da sua acessibilidade quanto à estrutura, da sua capacitação/formação/treinamento para atuar na sua função, das políticas institucionais de acessibilidade.
Por outro lado, também apontou iniciativas e caminhos para avanços. Algumas mudanças neste sentido podem ser realizadas institucionalmente de modo a modificar o acompanhamento desses servidores com vias a oferecer-lhes melhorias nas condições de permanência que incidem diretamente sobre seu local de trabalho. A começar pela necessidade de um mapeamento desses servidores com detalhamentos sobre o local de atuação, contato, caracterização da deficiência, levantamento das barreiras identificadas em seu ambiente de trabalho e planejamento de ações para romper essas barreiras, bem como, a partir disso, o acompanhamento/capacitação de forma sistemática.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à agência de fomento CAPES.
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