Relatos de Experiência

ESTÁGIO EM DOCÊNCIA NO CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: RELATOS DE EXPERIÊNCIA

PRÁCTICAS DE DOCENCIA EN UN CURSO DE DOCTORADO EN EDUCACIÓN: INFORMES DE EXPERIENCIA

TEACHING INTERNSHIP IN A DOCTORADE IN EDUCATION COURSE: EXPERIENCE REPORTS

Maria Luzia Silva MARIANO
Universidade Estadual de Londrina, Brazil
Sandra Aparecida Pires FRANCO
Universidade Estadual de Londrina, Brazil
Katya Luciane de OLIVEIRA
Universidade Estadual de Londrina, Brazil

ESTÁGIO EM DOCÊNCIA NO CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: RELATOS DE EXPERIÊNCIA

Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 16, núm. 1, pp. 361-375, 2021

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras

Recepção: 25 Dezembro 2019

Revised document received: 24 Maio 2020

Aprovação: 17 Setembro 2020

Publicado: 02 Janeiro 2021

RESUMO: Os conteúdos escolares, independente da etapa de ensino a que se destinam, quando ministrados de forma plena e não fragmentada, possibilitam a formação do sujeito omnilateral. Além de formar o sujeito omnilateral, cabe também ao professor motivar seus alunos durante as aulas para que eles vejam os conteúdos de forma interessante e próximas à sua realidade. O presente estudo teve como objetivo refletir acerca da ação docente exercida durante a realização do estágio obrigatório em docência no curso de Doutorado em Educação de uma universidade do norte do Paraná. Teve também como objetivo refletir acerca da percepção da motivação apresentada pelos alunos matriculados na disciplina em que o estágio foi exercido. As reflexões contidas no presente estudo foram feitas à luz dos pressupostos teóricos do Materialismo Histórico e Dialético, da Teoria da Autodeterminação e também dos relatos feitos pela turma em que o estágio foi realizado.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio, Docência, Materialismo histórico, Motivação.

RESUMEN: Los contenidos escolares, independiente de la etapa de enseñanza a la cual están destinados, cuando se enseña de una manera completa y no fragmentada, permiten la formación del sujeto omnilateral. Además de formar el sujeto omnilateral, también es deber del profesor motivar a sus alumnos durante las clases para que vean los contenidos de una manera interesante y cercana a su realidad. Esta investigación tuvo como objetivo reflexionar sobre la práctica docente realizada durante la pasantía obligatoria en docencia en el Curso de Doctorado en Educación de una Universidad del norte de Paraná. También tuvo como objetivo reflexionar sobre la percepción de la motivación presentada por los alumnos matriculados en la asignatura en la que se realizó la pasantía. Las reflexiones contenidas en el presente estudio se realizaron sobre la base de los supuestos teóricos del Materialismo Histórico y Dialéctico, sobre la Teoría de la Autodeterminación y también sobre los informes realizados por el grupo en el que se realizó la pasantía.

PALABRAS CLAVE: Pasantía, Enseñanza, Materialismo Histórico, Motivación.

ABSTRACT: School contents, regardless of the stage of education for which they are intended, when taught in a full and non-fragmented way, enable the formation of the omnilateral subject. Besides forming the omnilateral subject, it is also the professor’s duty to motivate his students during the classes so that they see the contents in an interesting way and close to their reality. This research aimed to reflect on the teaching practice held during the mandatory internship in teaching in the Doctorate in Education Course at a University in the north of Parana. It also aimed to reflect on the perception of the motivation presented by the students enrolled in the discipline in which the internship was performed. The reflections contained in the current study were made based on the theoretical assumptions of Historical and Dialectical Materialism, on the Self-Determination Theory and also on the reports made by the group in which the internship was realized.

KEYWORDS: Internship, Teaching, Historical materialism, Motivation.

Introdução

O presente trabalho é decorrente da realização do estágio obrigatório em docência do curso de Doutorado em Educação realizado em uma Universidade no norte do Paraná. As reflexões e relatos aqui contidos são decorrentes das impressões da aluna que realizou o estágio e dos relatos feitos durante as aulas pelas alunas que cursaram a disciplina em que o estágio foi realizado. Assim sendo, este trabalho se estruturará de forma qualitativa, com base nos pressupostos teóricos do Materialismo Histórico Dialético e também com base na Teoria da Autodeterminação.

A formação do sujeito omnilateral

A educação pode ser considerada o meio responsável pela transformação do homem em um ser social. Porém, da maneira em que atualmente está estruturada, a educação mostra-se insuficiente para suprir as demandas da atual sociedade. É a educação que forma o indivíduo de maneira mediata, por isso ela é essencial para a sociedade como um todo. No entanto, ainda não é claro se o sistema educacional vai formar o indivíduo especializado e reflexivo ou se o indivíduo ao concluir a etapa básica de ensino apenas consumirá o que lhe for apresentado de forma desinteressada (MANACORDA, 2007).

Ao refletir acerca do ideal de educação proposto por Marx e Engels (2007), é possível perceber que os autores acreditavam em uma educação e em um sistema educacional que instruísse a todas as crianças de forma plena e indistinta, em instituições públicas e nacionais. Os autores afirmavam ainda que o ensino seria o responsável por eliminar dos jovens o caráter unilateral que é imposto pela forma como a divisão do trabalho está estruturada, proporcionando-lhes a formação ominilateral, necessária ao pleno desenvolvimento de todo cidadão (MANACORDA, 2011).

De acordo com Manacorda (2007, p. 89), a omnilateralidade, ou onilateralidade, pode ser definida como

a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho.

Sendo assim, a formação omnilateral diz respeito à formação do cidadão de uma forma total, completa, e não fragmentada. Marx e Engels (2007) conceberam a educação como um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade burguesa vigente. A educação quando exercida a fim de formar esse ser omnilateral proporciona que o homem reflita a realidade em que está inserido e consiga superá-la. Os autores defenderam escolas livres da influência da igreja e do estado, que proporcionasse uma formação omnilateral, em que todas as esferas da vida humana fossem desenvolvidas de forma igual e com a mesma importância.

Para que o professor seja capaz de proporcionar essa formação omnilateral aos seus alunos, é necessário que ele também tenha tido a mesma formação. O indivíduo omnilateral é aquele que compreende e assimila as situações que o cerca, valorizando o ser humano e o seu desenvolvimento. Trata-se de um ser humano plenamente desenvolvido e consciente de suas diversas possibilidades. Aliado a isso, é necessário também que o professor trabalhe e desenvolva os conteúdos escolares de modo que esses se aproximem da realidade e do interesse dos seus alunos (MARIANO; FRANCO, 2015).

De acordo com Cunha (2005), ao olhar para a maneira como o ensino universitário está posto, o grande desafio encontrado atualmente é romper com a lógica de mercado imposta pelo sistema econômico vigente. Romper com as políticas dominantes que perpetuam a hegemonia capitalista pode ser considerado o início para que a universidade possa proporcionar aos graduandos a formação necessária a fim de se alcançar uma docência emancipatória, em que sejam buscados conhecimentos que proporcionem ao aluno conhecer e compreender a realidade estabelecida.

O que se percebe cada vez mais no âmbito universitário é o foco na produtividade do ensino e da prática docente, em que não há a preocupação com a construção do conhecimento e com a formação intelectual. Os professores e seus alunos são cobrados e avaliados pelo seu índice de produtividade, participação em eventos e publicações em periódicos. Sendo assim, a formação dos graduandos fica para segundo plano, para quando eles conseguirem cumprir todas as obrigações e prazos determinados.

A formação do indivíduo deve ser considerada algo em constante processo de construção e de desenvolvimento, não devendo ser vista como algo pronto ou que em algum momento vai finalizar. Com isso, ao formar professores, é preciso que se compreenda a importância do papel assumido pela docência e que aconteça o aprofundamento crítico-pedagógico desse profissional, a fim de que o futuro docente consiga desenvolver os ideais de formação, reflexão e crítica (VEIGA, 2014).

O docente em formação precisa apreender a importância da práxis pedagógica, que segundo Vasconcellos e Oliveira (2013, p. 130), é a “relação indissociável entre teoria e prática”. Ainda de acordo com as autoras, é importante também a percepção por parte dos alunos de que a atividade docente requer conhecimentos especializados e que também envolve questões éticas e pessoais. Para tanto, o professor figura como exemplo e modelo aos seus alunos em relação aos quesitos citados.

De acordo com Veiga (2014), a mediação entre conhecimento, a prática pedagógica e a intencionalidade do ensino são elementos que conectam professor e aluno, em uma relação de compromisso com a aprendizagem e a construção do conhecimento. Enquanto o professor ensina seu aluno a aprender, a pesquisar, a ensinar e a avaliar, o professor também aprende a aprender, a pesquisar e aperfeiçoa sua prática em ensinar e avaliar. O processo de ensino-aprendizagem não é uma via de mão única, é um movimento de reciprocidade. Dessa forma, cabe ao professor além de proporcionar aos seus alunos uma formação humana, crítica e reflexiva, motivá-los durante as aulas, mostrando a eles a relevância do conteúdo que está sendo ministrado.

Motivação para aprender

A motivação é um constructo interno, que envolve metas traçadas pelos indivíduos a fim de alcançar um determinado objetivo. A percepção da motivação pode ser feita por meio de ações ou da verbalização de um indivíduo motivado ou não a fazer alguma coisa. No âmbito educacional, a motivação pode ser percebida por meio da aprendizagem, do empenho ou do desempenho apresentado pelo aluno nas atividades que são propostas (BZUNECK, 2009).

As teorias desenvolvidas a fim de compreender a motivação humana são muitas, não sendo possível sintetizar conceitos e terminologias que a definam. No contexto escolar, teorias como a Teoria da Autoeficácia, Teoria das Metas de Realização ou a Teoria da Autodeterminação buscam entender e explicar a motivação para aprender apresentada pelos alunos (BZUNECK, 2009). Para o presente estudo adotou-se a Teoria da Autodeterminação como base teórica.

Nessa perspectiva, o aluno é denominado como intrinsecamente motivado quando ele mostra envolvimento com as atividades propostas, interesse nos conteúdos que estão sendo desenvolvidos, busca estratégias para vencer os desafios que aparecem, superando as suas capacidades e conhecimentos prévios e sente orgulho dos resultados alcançados. Em contrapartida, os alunos desmotivados são classificados como passivos face às atividades a serem realizadas, desinteressados quanto aos conteúdos apresentados, não demonstram empenho perante as dificuldades e não encontram prazer na realização das tarefas (DECI, 1971; GUIMARÃES, 2004).

Outro fator importante para que o aluno se sinta motivado é a satisfação das três necessidades psicológicas que são básicas e que são inatas ao seu desenvolvimento, quais sejam, autonomia, competência e pertencimento. A autonomia é satisfeita quando um indivíduo realiza uma tarefa sem algum tipo de determinação externa, ou seja, por vontade própria. Sendo assim, sob essa perspectiva, autonomia significa autogoverno e liberdade. A sensação de competência está ligada à realização de determinada atividade de forma positiva. Por fim, a necessidade de pertencimento está ligada ao fato de o indivíduo se sentir parte do ambiente em que está inserido (DECI; RYAN, 1985).

Muitos fatores externos e internos influenciam na motivação apresentada pelo aluno, podendo ser citados fatores como a família, a expectativa da sociedade, o desejo de atingir determinado objetivo, dentre outros. Esses fatores agem diretamente na forma como o aluno vai se portar durante as aulas e também no rendimento que ele apresentará. Outro fator importante é o estilo motivacional adotado pelo professor, que pode despertar ou minar o interesse do aluno pelo conteúdo que está sendo ministrado (MARIANO, 2015).

De acordo com Guimarães (2004), o professor pode adotar uma postura autoritária, sendo percebido como um professor controlador, ou então, pode adotar uma conduta que promova a autonomia de seus alunos. O estilo motivacional apresentado pelo professor varia de acordo com as suas habilidades adquiridas, da personalidade de cada um e também é influenciado pela quantidade de alunos em sala de aula, tempo lecionando, idade, gênero, concepção ideológica e até mesmo o tipo de relacionamento estabelecido com o corpo diretivo.

Ao promover a autonomia de seus alunos, os professores estimulam o desenvolvimento e a permanência da satisfação das necessidades psicológicas básicas (autonomia, competência e pertencimento) nos indivíduos. Os professores promotores da autonomia proporcionam aos alunos razões significativas para a realização de diferentes atividades e consideram o ritmo particular de aprendizagem e desenvolvimento de cada um. A linguagem também é utilizada de forma acessível, além de apoiarem as decisões que são tomadas de forma madura e respeitarem as manifestações de emoções negativas de seus alunos (MACHADO et al., 2012).

Segundo Bzuneck (2010), o professor tem o dever de identificar as dificuldades ou até mesmo os pontos de insatisfação dos alunos durante as aulas e desenvolver novas estratégias motivacionais que proporcionem aos alunos sentir satisfação e até mesmo alegria para a realização de determinada tarefa. Dessa maneira, o envolvimento do aluno com as atividades também aumenta a sua aquisição de conhecimento. Nesse sentido, o professor tem papel fundamental na qualidade motivacional de seus alunos.

Por outro lado, professores não promotores da autonomia pressionam seus alunos para que pensem e tenham atitudes de acordo com a sua própria concepção, tirando a autenticidade dos mesmos e oferecendo incentivos externos para atingir o padrão de comportamento idealizado. Os professores controladores desconsideram a visão do aluno ou até mesmo não permitem que ele a manifeste, sendo o controle exercido de forma direta ou indireta. Na forma direta, este é exercido por meio do estabelecimento de prazos ou controles verbais, situações em que os alunos percebem que o motivo para agir está fora da atividade. De forma indireta, o poder se dá por sentimentos de culpa, vergonha ou ansiedade projetados nos alunos, pois agir conforme o que é socialmente esperado evita constrangimentos e sensações desagradáveis (MACHADO et al., 2012; REEVE, 2009).

A motivação extrínseca é altamente promovida pelo controle exercido de maneira direta por parte do professor, onde os alunos são expostos a recompensas, ameaças e punições. A atitude do professor tem por objetivo moldar a reação do aluno para o que ele considera como desejável para a sala de aula. O aluno percebe a sua competência apenas ao receber esse incentivo extrínseco, seja ele uma recompensa verbal ou mesmo material. Dessa forma, a realização da atividade é motivada apenas por fatores externos. Em consequência, a motivação intrínseca dos alunos é afetada de forma negativa (MACHADO et al., 2012; REEVE, 2009).

A qualidade motivacional apresentada pelos alunos durante as aulas também é influenciada pelo domínio e afinidade que eles têm com o conteúdo que está sendo ministrado. Assim, os alunos precisam ter habilidades cognitivas e motivação para apresentarem um bom rendimento escolar, sendo essencial o interesse e o domínio por parte do aluno quanto ao conteúdo que está sendo desenvolvido pelo professor. Sendo assim, a motivação não é descrita pelos autores como um fator estável, pois ela varia de acordo com o ambiente e a situação em que o aluno se encontra (MARIANO, 2015).

O processo de ensino pode ser concebido como algo histórico, social e coletivo, que tem na sua gênese a busca pelo conhecimento, que possibilitará ao indivíduo a percepção sobre a sua existência e sobre o seu papel no desenvolvimento da sociedade e do conhecimento (MOREIRA; OLIVEIRA; SCACCHETT, 2016). Dessa forma, o professor tem papel fundamental no desenvolvimento desse indivíduo, pois cabe ao professor motivar seus alunos, a fim de que a educação formal obtenha sucesso e os alunos adquiram autonomia para fazer as suas futuras escolhas de forma consciente e reflexiva (MAIESKI; OLIVEIRA; BZUNECK, 2013).

Cabe ressaltar que a ação docente exercida pelos profissionais da educação também é influenciada por fatores externos e internos. O professor apresenta algum tipo de motivação para atuar na educação, seja ela uma convicção pessoal, a necessidade de receber um salário ou mesmo algum tipo de influência familiar. Essas questões, sejam elas quais forem, bem como as questões de ordem administrativa das instituições de ensino, afetam diretamente na qualidade do ensino que é ofertado (MAIESKI; OLIVEIRA; BZUNECK, 2013).

Face ao que foi apresentado, é possível perceber a importância que o estilo motivacional do professor exerce na qualidade motivacional apresentada pelos alunos e a importância de proporcionar uma formação omnilateral aos discentes, sejam eles pertencentes à educação básica ou ao ensino universitário. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo refletir acerca da ação docente exercida durante a realização do estágio obrigatório em docência no curso de Doutorado em Educação de uma Universidade do norte do Paraná. Teve também como objetivo refletir acerca da percepção da motivação apresentada pelos alunos matriculados na disciplina em que o estágio foi exercido.

Metodologia

As análises e reflexões aqui contidas foram feitas a partir da realização do estágio obrigatório em docência do curso de Doutorado em Educação de uma Universidade no norte do Paraná. O estágio foi realizado na disciplina Leitura e Visão de Mundo - Avaliação e Estratégias de Ação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, em que três professoras do Programa de Pós-Graduação ministraram a disciplina de maneira conjunta, mas cada uma de acordo com a sua perspectiva teórica. O objetivo da disciplina foi de desenvolver nos alunos o pensamento crítico e reflexivo acerca da leitura e de sua compreensão e também habilidades que permitam eleger formas de avaliação e estratégias de intervenção.

Participantes

Participaram da disciplina 15 alunas, com faixa etária entre 23 e 45 anos. Do total de alunas participantes, 10 estavam matriculadas como alunas regulares do Programa de Pós-Graduação da Universidade, e as outras 5 estavam matriculadas na modalidade aluno espacial.

Recursos

Durante as aulas ministradas pela estagiária foi utilizada como base teórica a obra A Festa (1978) de autoria do escritor brasileiro Ivan Ângelo. Também foram utilizados vídeos, músicas e fotos que retratam o período social e político em que o romance foi escrito.

Procedimento

No início da disciplina as alunas foram informadas da presença da doutoranda e estagiária em algumas aulas, bem como da sua responsabilidade em ministrar as duas últimas aulas da disciplina. Todas as alunas consentiram na participação e observação das aulas, não sendo necessário a assinatura de um termo de consentimento, visto que o estágio é uma etapa obrigatória a ser cumprida tanto pelos alunos matriculados no doutorado quanto pelos matriculados no mestrado.

A carga horária da disciplina foi de 60 horas/aula, sendo as aulas ministradas no período da manhã e da tarde. Foram cumpridas pela doutoranda 30 horas/aula de atividades que consistiram em acompanhamento e participação durante as aulas, preparação do conteúdo a ser desenvolvido e regência das aulas. A doutoranda e estagiária também ministrou 10 horas/aula que foram divididas em um dia, no período matutino e vespertino.

A doutoranda se reuniu previamente com a sua orientadora, que também foi uma das professoras responsáveis pela disciplina, a fim de estruturar como o estágio seria desenvolvido. Ficou estabelecido que a aluna acompanharia o desenvolvimento da disciplina, participando e auxiliando as professoras durante as aulas e seria de responsabilidade da doutoranda a regência das duas últimas aulas. É importante salientar que em todos os momentos das aulas, fossem eles de intervenção ou de regência, uma das professoras responsáveis estava presente auxiliando e orientando.

Resultados e discussão

Um dos requisitos obrigatórios que precisa ser cumprido pelo aluno que cursa o Doutorado em Educação é o Estágio em Docência. A realização do estágio em docência é algo fundamental para a formação do aluno, pois ao desenvolver as atividades propostas para a realização do estágio, o pós-graduando tem a possibilidade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos durante as aulas, além de também exercer a docência, aliando teoria e prática.

Ao longo da disciplina foram trabalhados textos que mostrassem a importância da leitura feita de forma completa, que proporciona ao aluno a visão do todo, e não uma visão distorcida e fragmentada da realidade em que a obra foi escrita e também leituras que mostraram as diferentes estratégias de aprendizagem que podem ser utilizadas pelos alunos. Dessa forma, para as duas aulas que foram ministradas pela doutoranda foi selecionada a obra A Festa, do autor brasileiro Ivan Ângelo.

A escolha da obra literária A Festa justifica-se pelo fato de que ela apresenta várias dimensões que podem ser trabalhadas em diferentes disciplinas e em diferentes etapas de ensino. De acordo com Mariano e Franco (2015), ao trabalhar os conteúdos escolares por meio de obras de ficção e que tragam elementos pertinentes à realidade dos alunos, o professor consegue promover a motivação deles. Dessa forma, é possível que os alunos identifiquem e desenvolvam uma consciência crítica sobre as dimensões presentes nas obras com aulas que se diferenciam das tradicionais.

Mariano e Franco (2015) salientam que é importante conscientizar os alunos de que é possível fazer diferentes leituras e interpretações de uma mesma obra literária. É importante que os alunos percebam que uma obra de ficção, aparentemente criada apenas para o entretenimento do público, pode apresentar diversos pontos a serem analisados e refletidos, bem como críticas implícitas ao sistema político e/ou social da época. No tocante à obra A Festa, são perceptíveis as questões e dimensões social, política, religiosa, econômica e histórica.

Fragmentada em nove micro-narrativas, A Festa apresenta ao leitor elementos da ficção e da realidade ao narrar o conflito que aconteceu entre retirantes nordestinos e a polícia na praça da Estação em Belo Horizonte em 30 de março de 1970. O autor entrelaça as histórias e os personagens de forma não linear, mostrando a pobreza, a repressão e as particularidades de cada um, o que leva os leitores a buscarem a ligação entre as histórias. Nos dois últimos capítulos, Ivan Ângelo mostra a interligação entre os personagens e o desfecho da história de cada um após a festa.

Com isso, objetivou-se levar as alunas a perceberem o contexto em que a obra foi escrita, as várias dimensões perceptíveis ao longo da leitura e também as diferentes formas que uma mesma temática pode ser trabalhada em sala de aula. No dia anterior à aula em que seria trabalhado o romance, os capítulos foram divididos entre as alunas, para que no dia seguinte cada uma apresentasse para a sala o conteúdo pelo qual ficou responsável.

As duas aulas foram divididas em dois tempos cada uma, com intervalo para café e almoço. Na primeira parte da aula do período da manhã, a doutoranda apresentou de forma breve a vida e obra do autor. Também foi feita a contextualização do cenário político e social em que o mundo estava inserido nas décadas de 1960 e 1970. Após compreender o panorama geral das revoluções e sistemas governamentais que vigoraram nesse período, foi apresentado também de forma sucinta o golpe militar sofrido pelo Brasil em 1964. A ambientação foi necessária pois é preciso compreender o contexto em que A Festa foi escrito para que se compreenda as entrelinhas postas pelo autor e as suas particularidades na escrita.

Foi possível perceber o envolvimento das alunas com o conteúdo por meio das suas falas e considerações durante a exposição, fato que de acordo com Bzuneck (2009), proporciona a percepção da motivação para aprender dos alunos. Ao trabalhar o contexto mundial e nacional nos anos de 1960 e 1970, a doutoranda levou fotos, vídeos e músicas para serem exibidos e discutidos, o que também proporciona maior motivação e maior envolvimento dos alunos durante as aulas (MARIANO, 2015).

É importante perceber que, de forma conjunta, professor e alunos necessitam encontrar uma maneira de tornar os conteúdos escolares mais atraentes, aproximando os conteúdos científicos culturais do seu dia a dia. Para tanto, é admissível que o professor se desprenda dos métodos tradicionais, como apenas passar o conteúdo no quadro e esperar que o aluno copie. Em contrapartida, é preciso que os alunos se interessem pelos conteúdos a fim de ter uma formação omnilateral, em que todas as suas potencialidades (culturais, sociais, humanas etc.) se desenvolvam plenamente, em detrimento da mera assimilação e repetição dos conteúdos (MARIANO; FRANCO, 2015).

Na segunda parte do período da manhã, as alunas partilharam com a sala a leitura do capítulo que cada uma ficou responsável. É importante salientar que a indicação feita foi de que a obra fosse lida integralmente, e toda a bibliografia da disciplina foi disponibilizada com 45 dias de antecedência para as alunas. A orientação para a leitura do capítulo foi de que as alunas lessem atentas às dimensões que poderiam ser encontradas ao longo da leitura, quais sejam: histórica, ideológica, doutrinária, social, política, econômica, ou outra percebida por elas.

Para que o professor proporcione aos seus alunos uma formação omnilateral, é necessário que ele também tenha tido o mesmo tipo de formação. Para tanto, o ensino ofertado não deve ser feito de forma fragmentada e descontextualizada, focado apenas em uma dimensão do conteúdo, é preciso que o professor amplie o horizonte de possibilidades de seus alunos a fim de que eles consigam olhar para as diferentes dimensões presentes naquilo que está sendo trabalhado. Por outro lado, para que o processo de ensino e aprendizagem se dê de tal forma, é necessário que o aluno questione, que ele se envolva com o conteúdo em questão e que este faça parte da sua realidade social e do seu universo de questionamentos.

Logo no primeiro capítulo, as alunas identificaram as dimensões política e social, que ficam evidentes quando Ivan Ângelo (1978) cita um “Trecho da reportagem que o diário A Tarde suprimiu da cobertura dos acontecimentos da Praça da Estação, na sua edição do dia 31 de março de 1970, atendendo solicitação da Polícia Federal, que alegou motivos de segurança nacional” (p. 14). As alunas perceberam a evidência da solicitação do governo ditatorial em não divulgar o enfrentamento com a população naquele dia.

A dimensão religiosa e a política podem ser percebidas no trecho “Essas bombas de gás decerto que machucam, não têm só gás. Na correria leva uma paulada na cabeça ou um cavalo passa por cima, Deus me livre, livre Carlinhos” (p. 91). O trecho citado faz parte do capítulo Preocupações, em que uma mãe se preocupa com o filho que sai toda noite para participar de reuniões no DCE (Diretório Central dos Estudantes). A mesma mãe se preocupa com a maneira com que o filho se veste, já que segundo ela “Se não fosse pobre, não tinha importância. Pobre não pode andar rasgado” (p. 92). A fala da mãe mostra a preocupação com que o filho não seja preso e evidencia também a dimensão econômica presente na obra.

A dimensão histórica fica evidente ao longo de todo o romance que é ambientando na época da Ditadura Militar. As histórias mostram a repressão em que a população vivia, a violência que enfrentava por parte da polícia, mostra também as dificuldades financeiras. É importante salientar que A Festa começou a ser escrito em 1963, mas teve sua primeira publicação apenas em 1976, devido ao forte período de repressão e censura pelo qual o país passou, principalmente nos primeiros anos do regime ditatorial.

Os trechos citados foram apenas exemplos das dimensões que podem ser encontradas ao longo de todo o romance. As alunas, com notório entusiasmo, perceberam e partilharam com a turma as particularidades de cada capítulo. Essa dinâmica de partilha da leitura em que o aluno ganha voz durante a aula é importante pois promove a autonomia e a sensação de competência do aluno, elementos que segundo Deci e Ryan (1985), são fundamentais para a promoção da motivação intrínseca do indivíduo.

A autonomia está ligada ao comportamento motivado como também está ligada ao desenvolvimento do sujeito em si. É possível admitir que por meio da leitura e da compreensão dos conteúdos em sua totalidade, o indivíduo se torna autônomo para se apropriar do seu próprio aprendizado. O professor, então, figura como um mediador do processo de ensino e aprendizagem, em que o aluno autônomo e motivado se interessa pelo conteúdo e o compreende e desenvolve de forma plena (MAIESKI; OLIVEIRA; BZUNECK, 2013; DECI; RYAN, 1985).

Ao retornarem do almoço no período da tarde, as alunas foram divididas em grupos para que elaborassem um plano de aula com base nos conteúdos vistos ao longo da disciplina e que levassem os alunos a enxergar a totalidade do contexto em que a temática escolhida estava inserida. A sugestão de tema foi a ditadura militar, em que as alunas deveriam escolher uma ou mais dimensões encontradas na obra A Festa para desenvolver com os alunos na proposta de trabalho. A escolha para qual ano escolar o plano seria aplicado ficou a critério de cada grupo.

Novamente foi perceptível o envolvimento das alunas com a atividade proposta. No tempo destinado para a realização da atividade, elas conversaram entre si e tiraram as dúvidas com a professora e com a estagiária. A participação e o empenho com a atividade proposta são importantes elementos tanto para a formação omnilateral das alunas quanto para a percepção da motivação. São importantes também a satisfação das necessidades psicológicas básicas de cada uma (MARIANO; FRANCO, 2015; MAIESKI; OLIVEIRA; BZUNECK, 2013).

Por fim, no último período da aula, as alunas apresentaram o plano de aula elaborado pelo grupo, realizaram a avaliação da disciplina e das aulas ministradas pela doutoranda. Os planos foram bem consistentes, sendo perceptível a compreensão do conteúdo, que foi ministrado ao longo da disciplina, pelas alunas. As avaliações da disciplina como um todo e das aulas ministradas pela doutoranda também foram muito positivas. Ao final da última aula algumas alunas solicitaram a disponibilização do material que foi trabalhado para que elas pudessem levá-lo aos seus alunos, para a sua própria sala de aula.

Ao retomar os pressupostos teóricos em que o presente trabalho se estrutura, é possível compreender que por um lado o Materialismo Histórico e Dialético possibilita que se pense na formação do sujeito omnilateral, ou seja, na formação do sujeito crítico e reflexivo, por outro lado a Teoria da Autodeterminação postula que o aluno motivado é autônomo, se sente competente e tem o sentimento de pertencimento em relação ao ambiente em que está inserido. Apesar de serem perspectivas teóricas diferentes, ambas podem ser observadas e aplicadas no contexto escolar.

Considerações finais

Realizar o estágio em uma turma de mestrado sem dúvida foi um desafio. Muitas vezes o estágio docente acaba sendo tratado como apresentando importância secundária na formação quer seja do mestre, quer seja do doutor. Dessa forma, é fato que muitos cursos de mestrado ou doutorado não apresentam uma disciplina específica de preparação, assim sendo, o estágio em docência acaba sendo a única possibilidade de experimentar a prática pedagógica no ensino superior de forma orientada, por assim dizer.

Posto isto, tratar do estágio em docência sob diferentes perspectivas teóricas torna o presente trabalho desafiador, especialmente porque trouxe à baila a formação do sujeito crítico e reflexivo, bem como a motivação para aprender dos alunos em um curso de Pós-Graduação. De forma ideológica, há os que pensam que esses dois assuntos em diferentes postulados não deveriam se misturar, por assim dizer, contudo, de outro lado, pode-se ponderar que não se trata de mistura mas de se compreender que muitas vezes diferentes postulados ideológicos podem comungar em alguns pontos (a exemplo da questão da autonomia).

REFERÊNCIAS

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