Artigos
DESEMPENHO ORTOGRÁFICO DE ESCOLARES COM DISLEXIA E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
PERFIL DE DESEMPEÑO ORTOGRÁFICO DE ESTUDIANTES CON DISLEXIA Y DIFICULTADES DE APRENDIZAJE
ORTHOGRAPHIC PERFORMANCE PROFILE OF STUDENTS WITH DYSLEXIA AND LEARNING DIFFICULTIES
DESEMPENHO ORTOGRÁFICO DE ESCOLARES COM DISLEXIA E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 17, núm. 1, pp. 314-327, 2022
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepción: 05 Enero 2021
Recibido del documento revisado: 20 Febrero 2021
Aprobación: 14 Marzo 2021
Publicación: 02 Enero 2022
Resumo: É descrito na literatura que escolares com dificuldades e transtornos específicos de aprendizagem podem apresentar dificuldades na apropriação ortográfica do sistema de escrita do português brasileiro, porém pouco é discutido sobre quais os erros mais cometidos por estas populações. Desta forma, este estudo teve por objetivo caracterizar e comparar o desempenho ortográfico dos escolares com Dislexia, Dificuldades de Aprendizagem e bom desempenho acadêmico. Participaram 75 escolares, de 9 a 11 anos de idade, divididos em 3 grupos e pareados por diagnóstico e ano escolar. Foi realizada a avaliação da ortografia por meio de ditado de palavras e pseudopalavras a partir da semiologia dos erros. Os resultados foram comparados estatisticamente pelo Teste de Kruskal-Wallis ajustado pela Correção de Bonferroni, onde foi possível observar que os perfis ortográficos de escolares com dislexia e dificuldades de aprendizagem se assemelham, enquanto o perfil de escolares com bom desempenho acadêmico difere dos demais grupos, concluindo, também, que a prova de Ditado de Pseudopalavras é a melhor para diferenciar escolares com Dislexia dos escolares com dificuldades de aprendizagem e bom desempenho acadêmico.
Palavras-chave: Dislexia, Avaliação, Aprendizagem, Transtorno específico de aprendizagem, Escrita manual.
Resumen: Se describe en la literatura que los estudiantes con dificultades y trastornos de aprendizaje específicos pueden presentar dificultades en la apropiación ortográfica del sistema de escritura portugués brasileño, sin embargo poco se discute sobre cuáles errores son más cometidos por estas poblaciones. Así, este estudio tuvo como objetivo caracterizar y comparar el desempeño ortográfico de estudiantes con Dislexia, Discapacidades de Aprendizaje y buen desempeño académico. Participaron setenta y cinco alumnos, de 9 a 11 años, divididos en 3 grupos y emparejados por diagnóstico y año escolar. La ortografía se evaluó dictando palabras y pseudopalabras en función de la semiología de los errores. Los resultados se compararon estadísticamente mediante la prueba de Kruskal-Wallis ajustada por la Corrección de Bonferroni, donde se pudo observar que el perfil ortográfico de los estudiantes con dislexia y dificultades de aprendizaje son similares, mientras que el perfil de los estudiantes con buen desempeño académico difiere de los otros grupos, concluyendo también que la prueba de Dictado de Pseudopalabras es la mejor para diferenciar a los estudiantes con Dislexia de alumnos con dificultades de aprendizaje y buen rendimiento académico.
Palabras clave: Dislexia, Evaluación, Aprendizaje, Trastorno específico de aprendizaje, Escritura manual.
Abstract: It is described in the literature that students with specific learning difficulties and disorders may present difficulties in the spelling appropriation of the Brazilian Portuguese writing system, however little is discussed about which errors are most committed by these populations. Thus, this study aimed to characterize and compare the orthographic performance of students with Dyslexia, Learning Disabilities and good academic performance. 75 school children participated, from 9 to 11 years old, divided into 3 groups and matched by diagnosis and school year. Spelling was evaluated by dictating words and pseudowords based on the semiology of errors. The results were compared statistically by the Kruskal-Wallis test adjusted by the Bonferroni Correction, where it was possible to observe that the spelling profile of students with dyslexia and learning difficulties are similar, while the profile of students with good academic performance differs from the other groups, also concluding that the Pseudowords Dictation test is the best to differentiate students with Dyslexia of students with learning difficulties and good academic performance.
Keywords: Dyslexia, Evaluation, Learning, Specific learning disorder, Handwriting.
Introdução
O escolar com bom desempenho acadêmico é aquele que consegue realizar suas atividades escolares de forma eficaz, atingindo o objetivo final, que é o aprendizado (BORKOWSKI, 1992). Contudo, é sabido que alguns escolares apresentam desempenho acadêmico aquém do considerado ideal (PASTURA; MATTOS; ARAÚJO, 2005), sendo necessário considerar os aspectos influenciadores desse desempenho abaixo do esperado, como características pedagógicas ou do neurodesenvolvimento.
Segundo a American Psychiatric Association (DSM-5, 2014), o Transtorno Específico de Aprendizagem é um transtorno do neurodesenvolvimento, com anormalidades cognitivas e associado a anormalidades comportamentais.
O DSM-5 (2014) coloca que o Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo na leitura (F81.0) pode ser substituído pela terminologia alternativa de “Dislexia” quando está em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras e problemas de decodificação. Se o termo Dislexia for usado para especificar esse padrão particular de dificuldades, é importante também especificar quaisquer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como as dificuldades ortográficas, dificuldades na compreensão da leitura ou no raciocínio matemático.
Já em importantes estudos publicados (SHAYWITZ; LYON; SHAYWITZ, 2006; REID, 2016), a Dislexia é definida como um transtorno específico de origem neurológica com prejuízo na leitura e na escrita, onde o escolar apresenta dificuldade na fluência de leitura, na decodificação e soletração de palavras. Estes escolares apresentam déficit fonológico, cognitivo-linguístico e alterações em habilidades motoras e visomotoras.
Além do DSM-5 (APA, 2014), existe um estudo nacional (GERMANO; CAPELLINI, 2011) sobre os critérios de avaliação interdisciplinar para que os escolares serem considerados disléxicos. Seguindo esta avaliação, para um escolar ser considerado disléxico precisa apresentar as seguintes manifestações:
• alteração quanto ao equilíbrio estático e à coordenação apendicular, persistência motora, equilíbrio dinâmico, coordenação tronco-membro e sensibilidade no exame neurológico evolutivo;
• nível cognitivo normal, alteração quanto à memória na bateria neuropsicológica;
• alterações de consciência fonológica, velocidade de leitura oral abaixo do esperado para idade e escolaridade, desempenho considerado inferior em provas de leitura de palavras isoladas e textos seriados, desempenho abaixo do esperado em provas de escrita sob ditado e compreensão de leitura considerada parcial do texto lido.
As dificuldades de aprendizagem são descritas como obstáculos ou barreiras existentes durante o processo de ensino-aprendizagem do escolar, sendo referentes às dificuldades na captação ou assimilação dos conteúdos propostos pelos professores (REBELO, 1993).
Um estudo (MARTIN; MARCHESI, 1995) coloca que as dificuldades de aprendizagem podem ser quaisquer dificuldades apresentadas pelo aluno para acompanhar a aprendizagem juntamente aos seus pares. Tais dificuldades podem ser duradouras ou passageiras, com maior ou menor intensidade, que podem ou não levar o escolar ao abandono do ensino, à reprovação, ao baixo rendimento, ao atraso no tempo de aprendizagem ou à necessidade de ajuda especializada (DIAS; MONTIEL; SEABRA, 2015).
Os escolares que apresentam dúvidas no momento de alfabetização e durante a apropriação da escrita ortográfica podem estar diante de problemas pedagógicos ou de disortografia. Quando essas dúvidas não são sanadas mesmo com a intervenção pedagógica adequada e o ensino sistemático, esses escolares podem estar apresentando manifestações da disortografia. Desta forma, diante dos déficits nas habilidades cognitivo-linguísticas, na memória operacional fonológica e na conversão fonografêmica, os escolares diagnosticados com dislexia, em muitos casos, apresentam também, em co-ocorrência, a disortografia (BATISTA; GONÇALVES; SAMPAIO, 2010; NOBILE; BARRERA, 2016).
Desta forma, é comum que escolares com dislexia apresentem, em co-ocorrência, a disortografia, pois os déficits necessários para realizar a conversão fonografêmica e o conhecimento linguístico, que são alterados pela dislexia, também trazem déficits para a aprendizagem da ortografia, uma vez que estes mecanismos influenciam diretamente ambos os diagnósticos.
Na literatura nacional é possível encontrar estudos sobre o conhecimento ortográfico em escolares do ensino fundamental (CAPELLINI et al., 2011; ALVES; CASELLA; FERRARO, 2016; SAMPAIO et al., 2017). Tais estudos são de extrema importância para demonstrar qual o nível de conhecimento ortográfico que os escolares brasileiros apresentam sobre o sistema de escrita alfabético e para conhecer as características ortográficas de escolares com dislexia (CAPELLINI et al., 2011; ALVES; CASELLA; FERRARO, 2016), ajudando no conhecimento de manifestações que ajudam a realizar o diagnóstico diferencial destes escolares.
Diante destes estudos (CAPELLINI et al., 2011; ALVES; CASELLA; FERRARO, 2016; BATISTA; CAPELLINI, 2017), é possível observar que escolares com dislexia do desenvolvimento apresentam maior número de erros de correspondência fonografêmica unívoca, quando comparados a escolares com bom desempenho acadêmico, e, em geral, menor número de acertos nos ditados realizados. Os estudos também trazem que o ano escolar influencia no desempenho ortográfico de todos os escolares, uma vez que eles estão em processo de aquisição e apropriação do conhecimento ortográfico do Português-Brasileiro, contudo, não há estudos na literatura que verificam a relação entre os escolares com dislexia e dificuldade de aprendizagem e o seu desempenho ortográfico.
Sabendo que escolares com dislexia apresentam dificuldades na Memória Operacional Fonológica, na retomada de informações via rota lexical e em alterações fonológicas e linguísticas, este estudo tem por hipótese que os erros destes escolares sejam ocasionados por tais déficits, então os erros serão diferentes dos erros de escolares com dificuldades de aprendizagem e com bom desempenho acadêmico (CHIARAMONTE; CAPELLINI, 2019).
Assim, investigar o perfil do desempenho ortográfico em escolares com problemas de aprendizagem pode ajudar o profissional no momento do diagnóstico diferencial, bem como em situação terapêutica de ensino-aprendizagem da ortografia, em sala de aula ou contexto clínico.
Com base no exposto acima, o objetivo deste estudo foi caracterizar e comparar o desempenho ortográfico dos escolares com dislexia, dificuldades de aprendizagem e bom desempenho acadêmico.
Material e Método
Este estudo foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o parecer número 1.803.930.
Participaram deste estudo 75 escolares do ensino fundamental, de ambos os sexos, na faixa etária de 9 anos a 11 anos e 11 meses de idade, que frequentavam do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental I de Escola Pública Municipal, divididos em três grupos:
Grupo I (GI): composto por 25 escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento;
Grupo II (GII): composto por 25 escolares com dificuldades de aprendizagem;
Grupo III (GIII): composto por 25 escolares com bom desempenho acadêmico, ou seja, sem qualquer tipo de dificuldades de aprendizagem.
Para realizar o pareamento dos escolares, foram selecionados primeiramente os escolares do GI e, a partir da idade e escolaridade destes, os escolares do GII e GIII foram selecionados de forma pareada. Em vista disso, cada grupo foi composto por 9 escolares do 3º ano, 7 escolares do 4º ano e 9 escolares do 5º ano.
Os participantes de todos os grupos foram escolares regularmente matriculados em escolas públicas do município onde se encontra a Universidade que propôs o estudo no 2º semestre de 2017, a fim de evitar que materiais e métodos distintos acarretassem viés nos resultados obtidos por este estudo.
Os participantes do GI deste estudo foram sujeitos com diagnóstico interdisciplinar de dislexia realizado por equipe interdisciplinar do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem – LIDA – FFC/UNESP – Marília-SP, que incluiu avaliação fonoaudiológica, neurológica, pedagógica e neuropsicológica. Esses escolares estavam em lista de espera para atendimento fonoaudiológico no Estágio Supervisionado de Terapia Fonoaudiológica: Leitura e Escrita, do Centro Especializado em Reabilitação II (CER-II) da UNESP-Marília, e não foram submetidos a nenhum tipo de intervenção fonoaudiológica, psicopedagógica ou pedagógica antes da avaliação.
Os escolares do GII e do GIII foram indicados por seus professores como alunos com dificuldades de aprendizagem e com bom desempenho acadêmico, respectivamente. Foram considerados escolares com bom desempenho acadêmico quando apresentaram desempenho satisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de Língua Portuguesa e Matemática, com nota superior a 5,0 e, foram considerados como dificuldades de aprendizagem quando apresentaram desempenho insatisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de Língua Portuguesa e Matemática, com nota igual ou inferior a 5,0. A nota 5,0 foi utilizada pois nas escolas públicas onde os alunos estavam matriculados essa era a nota mínima para não serem reprovados. Foram excluídos os escolares que apresentaram presença de deficiência visual, auditiva, intelectual ou física referida em prontuário escolar e com histórico de reprovação escolar.
A partir desta indicação, os escolares foram submetidos à aplicação do Teste de Desempenho Escolar – TDE (STEIN, 1994). Somente foram distribuídos no GIII deste estudo os escolares que obtiveram desempenho superior nos subtestes de leitura, escrita e aritmética do TDE, e no GII, os escolares que obtiveram desempenho inferior nos subtestes de leitura, escrita e aritmética do protocolo. O TDE foi aplicado e analisado pela pesquisadora.
Após a distribuição dos escolares nos grupos deste estudo, todos os escolares foram submetidos à aplicação das provas de Ditado de Palavras e Ditado de Pseudopalavras, do Protocolo de Avaliação da Ortografia - Pró-Ortografia (BATISTA et al., 2014). Este procedimento foi elaborado para avaliar o conhecimento ortográfico de escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. O protocolo é composto por duas versões de aplicação e dez provas. A versão coletiva é composta por seis provas e a versão individual é composta por quatro provas. Neste estudo utilizamos apenas duas provas da versão coletiva.
A aplicação do protocolo foi realizada em uma sessão com duração de 50 minutos, com as provas aplicadas em grupos de cinco ou seis escolares, variando o tempo da sessão em alguns minutos por conta do tempo de escrita de cada escolar. Os escolares do GI fizeram as provas no ambulatório da Universidade, pois já haviam passado por processo avaliativo na instituição, já os escolares do GII e GIII realizaram a prova em uma sala de aula cedida pela escola em que foi realizada a coleta de dados. Os escolares foram retirados da aula, conforme autorização do professor, para a realização das provas.
Os dados obtidos foram analisados estatisticamente a fim de comparar os resultados intergrupos. Foi utilizado o programa IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 23.0, para a análise dos resultados.
Os resultados foram analisados estatisticamente, utilizando o Teste de Kruskal-Wallis, ajustado pela correção de Bonferroni, quando encontradas diferenças estatisticamente significantes no momento de comparação intergrupos.
Resultados
A tabela 1 apresenta a média, desvio-padrão e valor de p resultantes do teste Kruskal Wallis, referente ao desempenho, por tipologia de erros ortográficos, do GI, GII e GIII na prova de Ditado de Palavras do Protocolo de Avaliação da Ortografia – Pró-Ortografia.
| Variável | Grupo | Média | Desvio-padrão | Sig. (p) |
| CF/G | GI | 20,28 | 17,25 | < 0,001* |
| GII | 8,20 | 6,48 | ||
| GIII | 3,80 | 3,99 | ||
| OAS | GI | 34,00 | 31,81 | < 0,001* |
| GII | 13,44 | 9,76 | ||
| GIII | 5,72 | 5,64 | ||
| AOS | GI | 1,16 | 1,72 | 0,003* |
| GII | 0,56 | 0,71 | ||
| GIII | 0,08 | 0,28 | ||
| SJIP | GI | 0,32 | 1,15 | 0,061 |
| GII | 0,40 | 0,96 | ||
| GIII | 0,00 | 0,00 | ||
| CF/GDC | GI | 20,60 | 9,85 | < 0,001* |
| GII | 21,32 | 7,67 | ||
| GIII | 10,80 | 7,94 | ||
| CF/GIR | GI | 20,84 | 9,66 | 0,001* |
| GII | 23,24 | 8,16 | ||
| GIII | 13,56 | 8,03 | ||
| APIA | GI | 12,64 | 3,67 | 0,040* |
| GII | 14,04 | 2,88 | ||
| GIII | 11,08 | 4,40 | ||
| OA | GI | 0,56 | 1,04 | 0,153 |
| GII | 0,24 | 0,60 | ||
| GIII | 0,12 | 0,33 | ||
| Omissão de palavras DP | GI | 1,24 | 5,02 | 0,309 |
| GII | 0,08 | 0,28 | ||
| GIII | 0,04 | 0,20 |
Com a aplicação do teste Kruskal Wallis, foi possível observar na tabela 1 diferença estatisticamente significante entre algumas tipologias de erros, então foi aplicado o teste de Mann-Whitney com a correção de Bonferroni para verificar qual dos grupos mais difere-se dos demais (tabela 2).
| Variável | Par de Grupos | ||
| GI X GII | GI X GIII | GII X GIII | |
| CF/G | 0,002* | < 0,001* | 0,007* |
| OAS | 0,011* | < 0,001* | 0,002* |
| AOS | 0,387 | 0,001* | 0,003* |
| CF/GDC | 0,426 | 0,001* | < 0,001* |
| CF/GIR | 0,277 | 0,006* | < 0,001* |
| APIA | 0,163 | 0,218 | 0,013* |
Na prova de Ditado de Palavras é possível observar maior média de erros de ortografia natural (CF/G, OAS, AOS, SJIP) dos escolares com dislexia (GI), o que é explicado pela alteração de processamento fonológico que esses escolares apresentam.
Na comparação entre grupos na prova de Ditado de Palavras é possível observar que os escolares com bom desempenho acadêmico (GIII) têm maior domínio de regras ortográficas contextuais, ou seja, as regras ortográficas que se aplicam e ortografia irregular, ou seja, aquela escrita que depende totalmente da memória visual para ser escrita corretamente.
Por outro lado, em relação à ausência ou presença inadequada de acentuação, os escolares com dificuldades de aprendizagem (GII) e bom desempenho acadêmico (GIII) apresentam maior média de erros e se diferem entre si. Isso ocorre por conta da maioria das palavras do português brasileiro não serem acentuadas, o que faz com que a maior parte das palavras do ditado aplicado também não sejam acentuadas. Desta forma, o maior número de erro de acentuação ocorre pelo fato destes escolares conhecerem as formas de acentuação, mas ainda não as compreendem e utilizam de forma eficaz, ou seja, acentuam em sílaba que não é tônica, confundem os acentos no momento de utilizá-los ou realizam acentuação em palavras que não levam o acento. Já os escolares com dislexia (GI) quase não utilizam do acento no momento da escrita, o que os faz acertar a maioria das palavras.
A tabela 3 apresenta a média, desvio-padrão e valor de p resultantes do teste Kruskal Wallis, referente ao desempenho, por tipologia de erros ortográficos, do GI, GII e GIII na prova de Ditado de Pseudopalavras do Protocolo de Avaliação da Ortografia – Pró-Ortografia.
| Variável | Grupo | Média | Desvio-padrão | Sig. (p) |
| CF/G | GI | 17,68 | 9,45 | < 0,001* |
| GII | 7,56 | 5,69 | ||
| GIII | 5,28 | 5,21 | ||
| OAS | GI | 18,72 | 12,93 | < 0,001* |
| GII | 9,96 | 6,37 | ||
| GIII | 5,84 | 2,88 | ||
| AOS | GI | 1,52 | 1,50 | 0,006* |
| GII | 0,44 | 0,58 | ||
| GIII | 0,56 | 0,77 | ||
| SJIP | GI | 0,28 | 1,06 | 0,352 |
| GII | 0,08 | 0,28 | ||
| GIII | 0,00 | 0,00 | ||
| CF/GDC | GI | 16,60 | 4,90 | < 0,001* |
| GIII | 16,40 | 5,71 | ||
| GIII | 11,28 | 3,84 | ||
| APIA | GI | 1,08 | 0,28 | 0,306 |
| GII | 1,16 | 0,75 | ||
| GIII | 1,40 | 0,91 | ||
| OA | GI | 0,28 | 0,74 | 0,356 |
| GII | 0,12 | 0,33 | ||
| GIII | 0,04 | 0,20 | ||
| Omissão de Palavras | GI | 0,08 | 0,40 | 0,602 |
| GII | 0,00 | 0,00 | ||
| GIII | 0,04 | 0,20 |
Com a aplicação do teste Kruskal Wallis foi possível observar na tabela 3 diferença estatisticamente significante entre algumas tipologias de erros, então foi aplicado o teste de Mann-Whitney com a correção de Bonferroni para verificar qual dos grupos mais difere-se dos demais (tabela 4).
| Variável | Par de Grupos | ||
| GI X GII | GI X GIII | GII X GIII | |
| CF/G | < 0,001* | < 0,001* | 0,102 |
| OAS | 0,008* | < 0,001* | 0,002* |
| AOS | 0,004* | 0,013* | 0,738 |
| CF/GDC | 0,938 | < 0,001* | 0,002* |
Na prova de Ditado de Pseudopalavras, exceto nos erros de ausência ou presença inadequada de acentuação (APIA), é possível observar maior média de erros dos escolares com dislexia (GI), o que é explicado pelo fato desses escolares não terem acesso ao léxico visual dessas palavras, não tendo, assim, nenhuma informação prévia ou ajuda para escrevê-las, necessitando utilizar de suas habilidades cognitivo-linguísticas, memória operacional fonológica e conversão fonografêmica, que são deficitárias por conta da dislexia. O fato de apresentarem menos erros de ausência ou presença inadequada de acentuação (APIA) quando comparados aos escolares com dificuldades de aprendizagem (GII), se deve a que os escolares com dislexia não usam a acentuação durante a sua escrita e, assim, acertam mais, pois, como já mencionado anteriormente, a maioria das palavras do português brasileiro não são acentuadas.
Na comparação entre grupos na prova de Ditado de Pseudopalavras é possível caracterizar os escolares com dislexia (GI) como os escolares que apresentam mais erros de correspondência fonografêmica unívoca (CF/G), caracterização essa dos erros de substituições surdo-sonoras, pois esse grupo se diferencia dos demais. O mesmo ocorre com os erros de alteração na ordem do segmento (AOS), demonstrando outra característica comum dos escolares com dislexia (GI), pois o déficit em sua memória operacional faz com que troque a ordem das letras enquanto escreve as palavras.
Por outro lado, os escolares com bom desempenho acadêmico (GIII) apresentaram diferenciação dos demais grupos por demonstrarem maior domínio e conhecimento das regras ortográficas do português brasileiro.
Discussão
É valioso observar a importância dos processos fonológicos durante a aquisição da escrita de escolares que apresentam dislexia, uma vez que apresentam alterações nas habilidades de processamento fonológico, ocasionando déficits na organização e elaboração de formas gramaticais, dificuldades em memória operacional fonológica e erros ortográficos (BUENO et al., 2017; CASSIDY et al., 2017; PASCHOAL et al., 2014; PESTUN et al., 2010; SAMPAIO et al., 2017).
Como a organização fonológica é a base para o desenvolvimento da fala, os escolares podem refletir sobre o sistema sonoro da língua, identificando fonemas que compõem a palavra e desenvolvendo conhecimentos sobre o princípio de escrita do sistema alfabético.
Indo de encontro com a literatura, este estudo mostrou que os escolares com dislexia apresentaram maior número de erros de ortografia natural em ambos os ditados por conta dos déficits na organização fonológica, levando-os a cometerem erros de alteração na ordem do segmento, omissão e adição de segmento e os erros de conversão fonografêmica unívoca, ou seja, a substituição de [p] por [b], [t] por [d], [f] por [v] e demais substituições que podem ser nomeadas como surdo-sonoras. Já nos escolares com bom desempenho acadêmico e com dificuldades de aprendizagem os erros de ortografia natural são menores, por não apresentarem déficits em sua organização fonológica.
No momento de aquisição da escrita é esperado que os erros ortográficos sejam diminuídos conforme há o avanço dos anos escolares. Os escolares que não conseguem se apropriar da escrita, desde os primeiros anos escolares, apresentam risco para problemas de aprendizagem. Contudo, como a ortografia segue padrões convencionalmente estabelecidos, é necessário que haja ensino formal da ortografia aos escolares, pois, quando isso não ocorre, as dúvidas em relação à escrita se multiplicam e a sua escrita poderá ser defasada, levando o leitor a pensar nos problemas de aprendizagem (CAPELLINI et al., 2011; MEIRELES; CORREA, 2006; MORAIS, 1999; OLIVEIRA; GERMANO; CAPELLINI, 2016).
Nesta pesquisa, os escolares considerados com dificuldades de aprendizagem podem ter apresentado desempenho semelhante aos escolares com dislexia devido à falta de instrução formal da ortografia nas escolas e ao fato de a ortografia ser trabalhada do 3º ao final do 5º ano escolar (BNCC, 2018), então nem todos os escolares passaram pelo aprendizado sistemático de toda a ortografia.
Diante de todas as discussões aqui trazidas é possível concluir que este estudo demonstrou que a prova de Ditado de Pseudopalavras é a que traz as diferentes características da escrita ortográfica dos escolares com dislexia quando comparados aos demais grupos, mostrando a sua diferenciação dos demais nas provas de correspondência fonografêmica unívoca (CF/G) e alteração na ordem do segmento (AOS).
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo auxílio financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa (Processo nº 2016/04831-2).
REFERÊNCIAS
ALVES, D. C.; CASELLA, E. B.; FERRARO, A. A. Desempenho ortográfico de escolares com dislexia do desenvolvimento e com dislexia do desenvolvimento associado ao transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. In: CoDAS. Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2016. p. 123-131.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BATISTA, A. O. et al. A. Pró-Ortografia: protocolo de avaliação da ortografia para escolares do segundo ao quinto ano do ensino fundamental. Barueri: Pró-Fono, 2014.
BATISTA, A. O.; CAPELLINI, S. A. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino privado do município de Londrina. Psicologia Argumento, v. 29, n. 67, 2017.
BATISTA, A. O.; GONÇALVES, B. A. G.; SAMPAIO, M. N. Avaliação e intervenção na disortografia. In: CAPELLINI, S. A.; GERMANO, G. D.; CUNHA, V. L. O. (org.). Transtornos de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (da Avaliação à Intervenção). 1. ed. São José dos Campos: Pulso; 2010. p. 77-90.
BORKOWSKI, John G. Metacognitive theory: A framework for teaching literacy, writing, and math skills. Journal of learning disabilities, v. 25, n. 4, p. 253-257, 1992.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.
BUENO, G. J. et al. Interference of phonological disorder on the reading of items with different psycholinguistic characteristics. Audiology-Communication Research, v. 22, 2017.
CAPELLINI, S. A. et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino público. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 23, n. 3, p. 227-236, 2011.
CAPELLINI, S. A.; SMYTHE, I.; SILVA, C. Protocolo de avalição de habilidades cognitivo-linguísticas. Marília, SP: Fundep, 2012.
CASSIDY, K. N. et al. Metalinguistic language development and literacy success in first grade children with language impairment. 2017.
CHIARAMONTE, T. C.; CAPELLINI, S. A. Relação do perfil de erros de leitura e escrita na dislexia e dificuldades de aprendizagem. Revista Teias, v. 20, n. 58, p. 319-329, 2019.
DE MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. Ática, 1998.
DIAS, N. M.; MONTIEL, J. M.; SEABRA, A. G. Development and interactions among academic performance, word recognition, listening, and reading comprehension. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 28, n. 2, p. 404-415, 2015.
GERMANO, G. D.; CAPELLINI, S. A. Avaliação das habilidades metafonológicas (PROHFON): caracterização e comparação do desempenho em escolares. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 28, n. 2, p. 378-387, 2015.
GERMANO, G. D.; CAPELLINI, S. A. Desempenho de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades de aprendizagem em provas de habilidades metafonológicas (PROHFON). Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 23, n. 2, p. 135-141, 2011.
MARTÍN, E.; MARCHESI, A. Desenvolvimento metacognitivo e problemas de aprendizagem. In: Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Trad. Marcos AG Domingues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v. 3.
MEIRELES, E.; CORREA, J. A relação da tarefa de erro intencional com o Desempenho ortográfico da criança considerados os aspectos morfossintáticos e Contextuais da língua portuguesa. Estud Psicol, v. 11, n. 1, p. 35-43, 2006.
MORAIS, A. G. O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
NOBILE, G. G.; BARRERA, S. D. Desempenho ortográfico e habilidades de produção textual em diferentes condições de solicitação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 32, n. 2, p. 1-10, 2016.
OLIVEIRA, A. M.; GERMANO, G. D.; CAPELLINI, S. A. Desempenho de escolares em provas de processo de identificação de letras e do processo léxico. Revista CEFAC, v. 18, n. 5, p. 1121-1132, 2016.
PASCHOAL, L. et al. Características da ortografia de consoantes fricativas na escrita infantil. Audiology-Communication Research, v. 19, n. 4, p. 333-337, 2014.
PASTURA, G. M. C.; MATTOS, P.; ARAÚJO, A. P. Q. Desempenho escolar e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Archives of Clinical Psychiatry, São Paulo, v. 32, n. 6, p. 324-329, 2005.
PESTUN, M. S. V. et al. Estímulo de la conciencia fonológica em la educación infantil: prevención de dificultades en la escritura. Psicologia Escolar e Educacional, v. 14, n. 1, p. 95-104, 2010.
QUEIROGA, B. A. M.; LINS, M. B.; PEREIRA, M. A. L. V. Conhecimento morfossintático e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 22, n. 1, p. 95-99, 2006.
REBELO, J. Dificuldades da Leitura e da Escrita em Alunos do Ensino Básico [Reading and writing difficulties in basic teaching level students]. Oporto, Portugal: Edicções ASA, 1993. (Colecção Horizontes da Didactica)
REID, G. Dyslexia: A practitioner's handbook. John Wiley & Sons, 2016.
SAMPAIO, M. N. et al. Spelling performance of public and private school students: A comparative study. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 34, n. 3, p. 399-410, 2017.
SHAYWITZ, B. A.; LYON, G. R.; SHAYWITZ, S. E. The role of functional magnetic resonance imaging in understanding reading and dyslexia. Developmental neuropsychology, v. 30, n. 1, p. 613-632, 2006.
STEIN, L. M. TDE: teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. p. 1-17.
TEIXEIRA, B. S. et al. Listening and reading comprehension and syntactic awareness in reading and writing disorders. Revista CEFAC, v. 18, n. 6, p. 1370-8, 2016.
Notas de autor
Información adicional
Como referenciar este artigo: CHIARAMONTE, T. C.; CAPELLINI, S. A. Desempenho ortográfico de escolares com dislexia e dificuldades de aprendizagem. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 1, p. 0314-0327, jan./mar. 2022. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i1.14610