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EDUCAÇÃO EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA FREIRIANA E DAS TEORIAS HISTÓRICO-CULTURAL E HISTÓRICO-CRÍTICA
Anderson Luiz FERREIRA; Gustavo Kosienczuk GOMES; Leoni Maria Padilha HENNING
Anderson Luiz FERREIRA; Gustavo Kosienczuk GOMES; Leoni Maria Padilha HENNING
EDUCAÇÃO EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA FREIRIANA E DAS TEORIAS HISTÓRICO-CULTURAL E HISTÓRICO-CRÍTICA
EDUCACIÓN EMANCIPATORIA: CONTRIBUCIONES DE LA TEORÍA FREIRIANA Y LAS TEORÍAS HISTÓRICO-CULTURAL E HISTÓRICO-CRÍTICO
EMANCIPATORY EDUCATION: CONTRIBUTIONS FROM FREIREAN THEORY AND HISTORICAL-CULTURAL AND HISTORICAL-CRITICAL THEORIES
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 17, núm. 1, Esp., pp. 703-715, 2022
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
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Resumo: O presente artigo apresenta uma discussão conceitual sobre a ideia de humanização, tendo como suporte teórico o conceito de emancipação de Paulo Freire e a concepção de desenvolvimento humano da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Primeiramente abordamos o conceito freireano de emancipação, central no trabalho de libertação proposto pela abordagem educacional deste autor, e sua incidência dentro da prática educacional. Em seguida, nos detemos nas ideias das teorias histórico-cultural e histórico-crítica e, como apresentado por Lígia Martins (2016), percebendo o que se aproxima, nas teorias, para compreender o desenvolvimento segundo a perspectiva marxista de Vigotski e outros autores correlatos. Conclui-se que todas estas abordagens teóricas de Paulo Freire, dos teóricos histórico-culturais e histórico-críticos contribuem para a inserção do sujeito no processo de emancipação, compreendido como o desenvolvimento para a máxima humanização do indivíduo dentro de uma sociedade que dê suporte para existir de maneira colaborativa e participativa.

Palavras-chave: Educação, Emancipação, Trabalho educativo, Humanização.

Resumen: Este capítulo presenta una discusión conceptual sobre la idea de humanización, teniendo como soporte teórico el concepto de emancipación de Paulo Freire y el concepto de desarrollo humano desde la psicología histórico-cultural y la pedagogía histórico-crítica. En primer lugar, nos acercamos al concepto freiriano de emancipación, central en el trabajo de liberación propuesto por el enfoque educativo de este autor, y su incidencia dentro de la práctica educativa. Luego, nos enfocamos en las ideas de las teorías histórico-culturales y crítico-históricas y, como lo presenta Lígia Martins (2016), percibiendo lo que se acerca, en las teorías, para entender el desarrollo según la perspectiva marxista de Vigotski y otros autores afines. Se concluye que todos estos planteamientos teóricos de Paulo Freire, los teóricos histórico-culturales e histórico-críticos contribuyen a la inserción del sujeto en el proceso de emancipación, entendido como el desarrollo para la máxima humanización del individuo dentro de una sociedad que sustenta existir de forma colaborativa y participativa.

Palabras clave: Educación, Emancipación, Trabajo educativo, Humanización.

Abstract: This chapter presents a conceptual discussion on the idea of humanization, having as theoretical support Paulo Freire's concept of emancipation and the concept of human development from historical-cultural psychology and historical-critical pedagogy. First, we approach the Freirean concept of emancipation, central to the liberation work proposed by this author's educational approach, and its incidence within educational practice. Then, we focus on the ideas of cultural-historical and critical-historical theories and, as presented by Lígia Martins (2016), realizing what approaches, in theories, to understand development according to the Marxist perspective of Vigotski and other related authors. It is concluded that all these theoretical approaches by Paulo Freire, the historical-cultural and historical-critical theorists contribute to the insertion of the subject in the emancipation process, understood as the development for maximum humanization of the individual within a society that supports existence in a collaborative and participatory way.

Keywords: Education, Emancipation, Educational work, Humanization.

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EDUCAÇÃO EMANCIPADORA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA FREIRIANA E DAS TEORIAS HISTÓRICO-CULTURAL E HISTÓRICO-CRÍTICA

EDUCACIÓN EMANCIPATORIA: CONTRIBUCIONES DE LA TEORÍA FREIRIANA Y LAS TEORÍAS HISTÓRICO-CULTURAL E HISTÓRICO-CRÍTICO

EMANCIPATORY EDUCATION: CONTRIBUTIONS FROM FREIREAN THEORY AND HISTORICAL-CULTURAL AND HISTORICAL-CRITICAL THEORIES

Anderson Luiz FERREIRA1
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil
Gustavo Kosienczuk GOMES2
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil
Leoni Maria Padilha HENNING3
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, vol. 17, núm. 1, Esp., pp. 703-715, 2022
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepción: 24 Noviembre 2021

Recibido del documento revisado: 19 Febrero 2022

Aprobación: 28 Febrero 2022

Publicación: 01 Marzo 2022

Introdução

Diante da presente estrutura social que dispõe os indivíduos em classes antagônicas vivendo em situações de dominação e opressão desumanizantes (WALLERSTEIN, 2001), identificamos uma educação que reproduz essa estrutura social servindo à manutenção do status quo. Esta educação é apontada por uma corrente mais atual e crítica como sendo expressão da vertente tradicional, e que foi nominada por Paulo Freire (1921-1997) de educação bancária (FREIRE, 1987; 1993).

Nesse sentido, se entende que esta estrutura dominante está presente em todas as dimensões da vida humana, acabando por moldar a subjetividade dos indivíduos – denúncia apresentada por Giovanni Alves (2011), que entende o capitalismo como o sistema que molda a maneira das pessoas perceberem o mundo, de se socializarem, de trabalharem e de se organizarem. Ou seja, o capitalismo e seus meios de dominação e hegemonia constantemente formatam as consciências humanas.

O desafio posto por esta realidade, conflitiva e opressiva para grande parte da sociedade, tem como foco central a própria educação vista como mecanismo, por excelência, de utilização tradicionalmente comprometido com a perpetuação das desigualdades e opressão e com a obstaculização das possibilidades de transformações. É necessária uma nova educação que seja elaborada e pensada de forma a servir as pessoas em seu processo de individualização, humanização e apropriação da realidade como objeto histórico, para assim transformá-la.

Uma educação com este objetivo, para a emancipação, só pode ser feita de forma intencional e planejada. Muitos são os autores que pensam sobre a emancipação. Neste texto, exporemos o que temos estudado sobre o pensamento de Paulo Freire, autor brasileiro de grande relevância internacional na área da educação filosófica – uma vez que é diretamente fincada no pensamento, reflexão, consciência crítica. Também, consideramos as contribuições das teorias histórico-cultural e histórico-crítica sobre o desenvolvimento humano por meio do trabalho educativo, que no bojo das suas propostas insere os indivíduos no movimento de emancipação. Para tanto, apoiamo-nos em autores, ainda em atividade, como Lígia Márcia Martins e Dermeval Saviani.

Ao analisarmos essas correntes respeitamos as especificidades de cada uma, tendo como objetivo apresentar o quanto essas abordagens, cada uma a seu modo, oferecem subsídios para a promoção de processos educativos emancipatórios. Sendo assim, na primeira parte é apresentado o conceito de emancipação sob a ótica de Paulo Freire, considerando alguns dos seus textos mais emblemáticos diante do assunto, acrescentando a interpretação de alguns dos seus comentadores. Na parte seguinte, expomos as contribuições da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica acerca do desenvolvimento humano e a importância do trabalho educativo para a emancipação dos sujeitos. Por fim, nos detemos em destacar as contribuições de cada abordagem, acentuando seus fundamentos metodológicos e conceituais para, então, tecermos algumas considerações finais do presente trabalho.

Perspectiva freiriana do conceito de emancipação

O conceito de emancipação está no centro do trabalho Freiriano, pois a educação é para a emancipação. Diversos autores se debruçaram sobre a obra de Freire e compreenderam este conceito como sendo referente a uma conquista política. Trata-se de um conceito que se apoia igualmente em outros de grande importância no pensamento do autor, como práxis humana e transformação das relações entre oprimido e opressor (OLIVEIRA; PROENÇA, 2016; RAMBO, [s.d.]).

O termo foi anteriormente teorizado por Marx, autor a quem Paulo Freire diversas vezes recorre para desmistificar a realidade. Oliveira e Proença (2016) consideram a produção de Marx na teorização do conceito de ‘emancipação’ como uma “[...] decifração que observa uma sequência lógica, racional e coerente com o contexto do conceito” (2016, p. 13). As autoras apontam, por meio de uma ampla pesquisa em artigos publicados na ANPED, que muitas vezes o conceito perde sua perspectiva marxista de transformar as relações de opressão por meio da superação do modelo capitalista e é empregado com um “sentido fraco” (2016, p. 13) ao ser posto em equivalência com o conceito de autonomia.

Segundo as autoras, o conceito de autonomia possui uma definição próxima à ideia de liberdade quando alicerçada na doutrina política do liberalismo. Dentro da perspectiva kantiana, a autonomia se refere ao direito que cada sujeito, valendo-se de sua autonomia, conquista para dizer sua própria palavra, este conceito é, contudo, ampliado dentro do pensamento freireano. O autor brasileiro compreende emancipação como uma fase de transformação da vida dos sujeitos necessitados de romper com o sistema vigente de opressão. Assim, a emancipação encontraria seu completo sentido no processo pelo qual o sujeito se aproxima à sua plenitude existencial, reconhecendo-se como sujeito histórico, inacabado e autônomo.

Segundo uma outra versão de Marx sobre o conceito nos é mostrada a distinção entre emancipação política e emancipação humana. Na primeira, o homem possui a possibilidade de ser emancipado politicamente, contudo, permanece condicionado dentro de um sistema opressor possuidor de determinadas características. Dentro da emancipação humana, diferentemente, é necessário que haja uma real transformação no pensamento e nas práticas humanas, ou seja, aposta-se na superação do sistema do capital.

Nesse patamar de discussão é que Freire situa a educação como importante instrumento para a libertação dos oprimidos por meio do diálogo conduzido pelo educador. Ou seja, não se trata de algo que ocorre de forma isolada no indivíduo, mas é realizada dentro do coletivo e em favor deste.

O processo de emancipação é social, por isso somente ocorre a partir “[...] de uma intencionalidade política que assume um futuro voltado para a transformação social” (RAMBO, [s.d.], p. 2). Este movimento acontece na ocasião da busca dos homens e mulheres pela reconstrução de sua humanidade, como parte dos oprimidos, e que se dedicam à sua missão de libertar a si mesmos e aos seus opressores no processo de transformação social e no projeto emancipatório freiriano.

Paulo Freire não para apenas na crítica. Ele denuncia o problema da educação tradicional, o tema desumanizante do silêncio e do não-diálogo, propondo, em contrapartida, uma educação libertadora que se dará por meio de uma pedagogia dialógica garantidora do acesso ao processo emancipatório e libertador (FREIRE, 2005). Assim, quando critica o ensino tradicional, Freire indica a importância da criação de uma escola segundo uma perspectiva inversa, ou seja, uma escola onde as crianças possam ser sujeitos, possam ser a causa, não apenas o efeito do que experimentam. Uma escola freiriana, que seja crítica e emancipadora, que negue a lógica meritocrática e competitiva e promova a participação, solidariedade, equidade e convivência com o diferente, o que é de suma importância para a superação dos problemas sociais desumanizantes que encontramos em nossa sociedade (OLIVEIRA; SANTOS, 2018).

A educação, na visão de Freire, deve superar a lógica bancária da transmissão, promovendo a participação fomentadora de criatividade dos educandos por meio de uma pedagogia que, também, é a da pergunta gerada pela compreensão do estudante no tocante ao seu modo de viver, pensar, saber e fazer. O conhecimento socializado em uma escola ideal não é, necessariamente, fornecido por livros e nem somente pelo professor, mas é construído em diálogo com os estudantes que já possuem seus saberes antes de adentrar nos espaços escolares.

Para Freire, a educação deve partir da curiosidade, pois apenas assim o educador pode estimular para que os sujeitos se interessem, investiguem e respondam de forma autônoma aos seus próprios problemas, produzindo assim conhecimento (OLIVEIRA; SANTO, 2018).

Dentro de uma comunidade que estimule a colaboração, o desenvolvimento e a produção de conhecimento de forma democrática e autônoma, junto com uma postura crítica fomentada por agentes conscientes e transformadores, o processo de tomada de consciência dos educandos se dará progressivamente, culminando na formação de indivíduos identificados como sujeitos históricos atuando de forma a transformar a sociedade em direção à emancipação de todos.

Podemos considerar então que, para Freire, a emancipação é parte indispensável na busca pelo processo de humanização, além de constituir-se no corolário desse desenvolvimento ou de sua construção permanente.

Desenvolvimento humano e emancipação sob a ótica das teorias histórico-cultural e histórico-crítica

As duas abordagens em questão discorrem acerca do desenvolvimento humano, considerando o processo de emancipação dos sujeitos. Aportando-se no método materialista histórico-dialético, tanto a psicologia histórico-cultural quanto a pedagogia histórico-crítica concebem o ser humano como um ser essencialmente social, que se desenvolve na atividade interligada à natureza, por meio de um movimento dialético e de um complexo processo histórico-social de objetivações e apropriações.

Na perspectiva da psicologia histórico-cultural, o psiquismo humano é um produto histórico-socialmente construído. Por assim dizer, o legado objetivado pela prática histórico-social pressupõe a mediação de processos educativos para que o indivíduo possa realizar a transição de um ser que dispõe de propriedades filogeneticamente formadas, propriedades psíquicas naturais, para um ser humanizado. Isso, a partir do desenvolvimento das funções psíquicas superiores que resultam das transformações condicionadas pela relação do indivíduo com as riquezas culturais e materiais, elaboradas sistematicamente no decorrer da história da humanidade.Nessa ótica, tem-se as funções psíquicas elementares, que ocorrem em reflexos imediatos na relação sujeito e objeto, e as funções psíquicas superiores, que resultam das transformações condicionadas pela relação do indivíduo com o trabalho social. Sobre essa questão, em diálogo com Vigotski (1995), a pesquisadora Lígia Márcia Martins afirma o seguinte sobre as diferenças qualitativas entre as funções psíquicas elementares e superiores:

As primeiras ele denominou de funções psíquicas elementares, que pautam as respostas imediatas aos estímulos e expressam uma relação fusional entre sujeito e objeto. Delas resultam os atos reflexos imediatos que, em certa medida, não diferenciam substancialmente a conduta humana da conduta dos demais animais, sobretudo dos animais superiores. As segundas, por sua vez, foram qualificadas como funções psíquicas superiores, que não resultam formadas como cômputo de dispositivos biológicos hereditários, mas das transformações condicionadas pela atividade que sustenta a relação do indivíduo com seu entorno físico e social, ou seja, resultam engendradas pelo trabalho social (MARTINS, 2016, p. 15).

Nessa perspectiva, o trabalho é a atividade primordial para o desenvolvimento da humanidade. Ademais, enquanto categoria da vida social, trata-se da dimensão que promove as ferramentas e signos que diferenciam o homem dos demais seres vivos. Ou seja, a humanidade é produzida pela ação dos próprios seres humanos, que, ao invés de se adaptarem à natureza, a adapta às suas necessidades e, por meio do trabalho, se delineia o processo de humanização. Todavia, objetivação e apropriação não ocorrem de forma natural! É preciso uma dinâmica educativa de transmissão da cultura material e simbólica. Em outras palavras, a internalização do objetivado cultural e historicamente ocorre de maneira subjetiva por meio de relações educativas intencionais.

No que tange à pedagogia histórico-crítica, o trabalho educativo permite ao homem o aprimoramento de suas capacidades de apropriação e elaboração de saberes. De certo modo, sob a ótica educacional, os seres humanos apreendem o mundo por diferentes tipos de saberes, conforme afirma Saviani (SAVIANI, 2000, p. 11): conhecimento sensível, intuitivo, afetivo, conhecimento intelectual, lógico, racional, conhecimento artístico e estético e mesmo conhecimentos práticos e teóricos. Esse conjunto de elementos encontram sua importância à medida que a humanidade se constitui a partir da assimilação dos mesmos. “Isto porque o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo” (SAVIANI, 2000, p. 11).

Em consequência desses pressupostos, o saber sistematizado e metódico predomina em relação aos aprendizados espontâneos e, por sua vez, o indivíduo se configura enquanto humano, estando inserido em dinâmicas educativas qualificadas que o permitam absorver as riquezas materiais e simbólicas elaboradas pela humanidade. Outrossim, o trabalho educativo não é uma atividade qualquer, sem intencionalidade, contrariamente a isso, ele possui finalidade e desenvolve nos sujeitos a capacidade de se antecipar reflexivamente à ação que transforma a natureza. Nesse viés, a atividade educativa se orienta ao ato de produzir intencionalmente, de modo subjetivo aos indivíduos, o desenvolvimento humano engendrado pela coletividade no delinear de sua história social. E de acordo com Saviani:

[...] o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2000, p. 17).

O trabalho educativo deve promover ferramentas que ajudem os sujeitos na distinção entre o que é essencial e o que é secundário, bem como organizar os devidos meios que se expressam por conteúdos, espaços, tempo e procedimentos, para que cada indivíduo realize o seu movimento de assimilação de saberes e conhecimentos, o envolvendo numa dinâmica emancipatória que, por sua vez, permite aos sujeitos significar suas realidades imbuídos do aparato histórico-cultural da humanidade.

O universo simbólico e a instrumentalização do ser humano necessitam de ensino, pois diz respeito ao trabalho coletivo objetivado de modo histórico-cultural. A psicologia histórico-cultural reforça essa afirmativa por meio do desenvolvimento do conceito de “signo”, um elemento que retroage sobre as funções e transforma os processos espontâneos em movimentos intencionais. Esse movimento qualifica o desenvolvimento, embora isso esteja condicionado aos signos já disponíveis aos sujeitos (dispositivos sociais). Por assim dizer, o signo aparece como uma ferramenta de mediação que, por sua vez, provoca transformações por meio da intervinculação das propriedades psíquicas. Trata-se também de um “[...] universo simbólico pelo qual os objetos e fenômenos da realidade concreta conquistam outra forma de existência: a forma de existência abstrata consubstanciada na imagem subjetiva da realidade objetiva” (MARTINS, 2016, p. 16).

A interface entre psicologia histórico-cultural e pedagogia histórico-crítica se expressa pelo fato de as duas correntes apresentarem a socialização dos conhecimentos culturalmente formados e sistematizados como ponto central para o desenvolvimento humano. Conversando com Demerval Saviani, a professora Lígia M. Martins advoga que a pedagogia histórico-crítica privilegia o ensino de conhecimentos historicamente sistematizados, superando a ideia de que o desenvolvimento humano se dá por meio de ações que reproduzem somente os aspectos da vida cotidiana. Esse posicionamento expressa a característica da ação educativa para a pedagogia em questão, que promove a dialética entre forma e conteúdo, isto é, as funções psíquicas se desenvolvem mediante atividades-guia que sustentam a periodização do desenvolvimento fomentada na tensão entre o concreto e o abstrato, “molas” propulsoras de operações lógicas do raciocínio, que se revelam quando a captação sensorial se mostra insuficiente. E, nessa linha, a formação de conceitos ocorre durante todas as fases do desenvolvimento e a escola possui papel fundamental nesse processo.

Ressalta-se também a relação entre ensino e desenvolvimento em uma dinâmica de interdependência, na qual as contradições entre processos biológicos e culturais são sintetizadas de modo mediado por dispositivos (signos) que qualificam o desenvolvimento e o deixam em movimento. Não há desenvolvimento na inércia! De forma similar, a pedagogia histórico-crítica chama a atenção para a necessidade de identificar, durante a ação educativa, os condicionantes a serviço do desenvolvimento humano.

Perante os pressupostos que foram apresentados, é preciso formalizar o papel intencional da educação escolar no movimento de desenvolvimento do psiquismo humano. Nesse sentido, a organização escolar deve favorecer para que a ação educativa possibilite a construção de sujeitos históricos, aptos à superação das condições de exploração às quais estão submetidos. Ressalta-se que um processo formativo é longo e a escolarização acontece em condições concretas, promovendo aprendizagens sistematizadas ao longo da vida.Por assim dizer, Saviani, como bem observa Lígia, expõe o método em cinco momentos:

“[...] prática social, problematização, instrumentalização, catarse e prática social (requalificada) - há que se destacar esses que não são procedimentos didáticos. Na qualidade de conceitos metodológicos, tais momentos são abstrações do pensamento a orientarem as ações concretas na realidade”. (MARTINS 2016, p. 26).

Trata-se de uma sequência dialética de uma organização lógica do ensino no movimento de interação. Assim, a prática social é o ponto de partida do trabalho pedagógico. Momento no qual o professor apresenta ainda uma síntese precária e o aluno a síntese sincrética, pois, no caso do professor, este ainda desconhece parcialmente a realidade disposta pelos alunos; e, quanto aos alunos, inicialmente inexiste o diálogo entre a prática escolar e suas experiências sociais. Numa linha de desenvolvimento, as articulações entre as práticas sociais e as aprendizagens educacionais conduzem alunos e professores a um percurso lógico e dinâmico.

A questão da problematização se traduz pela identificação dos principais problemas na prática social e de se problematizar o que é ensinado na prática educativa em vista de encontrar conhecimentos e encaminhamentos que levem a resoluções. No que tange à instrumentalização, sinaliza-se para o conjunto de recursos e apropriações que estão à disposição do professor para a objetivação no ato de ensinar e, também, das apropriações que serão realizadas pelos alunos em relação aos conhecimentos historicamente sistematizados. Por sua vez, a catarse apresenta a afirmação da concretização da aprendizagem, o quanto a intencionalidade educativa foi efetivada, diante da apropriação singular dos conhecimentos desenvolvidos historicamente pelo coletivo.

A prática social requalificada ocorre a partir do desenvolvimento do trabalho pedagógico que vincula sujeito e objeto num movimento dialético de apropriação e objetivação, diante de uma prática educativa intencional. É no delinear desses processos que o indivíduo se encontra inserido em um movimento de emancipação. Ao se desenvolver enquanto humano, promove significado para sua existência, imbuído das riquezas materiais e simbólicas elaboradas historicamente pela humanidade.

Considerações finais

No decorrer do texto foi possível perceber que as correntes analisadas apresentam contribuições significativas para a inserção dos indivíduos em uma dinâmica educativo-emancipatória. Freire conclama a necessidade de se desenvolver uma pedagogia dialógica, que em sua configuração assegura aos oprimidos um processo emancipatório e libertador, propiciando o alçar-se ao ser mais. Cabe ressaltar que somente assim haverá a libertação de todos, uma vez que na situação de opressão os dois polos constituintes não se enquadram na humanização que Freire propugna em sua pedagogia. Trata-se de um movimento que se contrapõe a um modelo educacional favorecedor da classe dominante, estabelecendo uma relação entre opressores e oprimidos na qual os que possuem privilégio ditam os comportamentos e as consciências dos considerados desafortunados.

Para concretizar a transformação da humanidade através de uma pedagogia que liberta as consciências e, consequentemente, a posição das pessoas no mundo, Freire defende a efetivação de uma educação problematizadora e participativa, que seja engendrada na curiosidade e na participação de todos, considerando cada sujeito como responsável por suas próprias aprendizagens e a dos demais companheiros. Nesse sentido, um dos elementos chaves que o autor apresenta é a capacitação dos sujeitos para uma mobilização coletiva com vistas a uma práxis social transformadora, num processo de libertação com base na história dos oprimidos, em sua própria luta pela humanidade. Ademais, os procedimentos educacionais precisam criar interações entre todos os sujeitos e os seus contextos sociais, políticos e históricos, superando assim as dualidades entre subjetividade e objetividade, e instaurando intersubjetividades em movimentos dialogais e interdependentes.

Nesse viés, o indivíduo precisa se transformar em protagonista da história em que está inserido, lutando pela sua afirmação diante da violência opressora que procura se perpetuar. Diante da dualidade: consciência oprimida e consciência opressora, o que gera um problema de submissão, uma pedagogia humanista e libertadora se caracteriza por motivar os homens à reflexão sobre as causas geradoras da opressão e os instigam a uma ação transformadora, o que o autor denomina práxis libertadora, conceito elucidado pelo autor.

Vale dizer, pois, que reconhecer-se limitadas pela situação concreta de opressão, de que o falso sujeito, o falso ‘ser para si’, é o opressor, não significa ainda a sua libertação. Como contradição do opressor, que tem neles a sua verdade, como disse Hegel, somente superam a contradição em que se acham, quando o reconhecer-se oprimidos os engaja na luta por libertar-se.

Não basta saber-se numa relação dialética com o opressor – seu contrário antagônico – descobrindo, por exemplo, que sem eles o opressor não existiria, (Hegel) para estarem de fato libertados. É preciso, enfatizamos, que se entreguem à práxis libertadora (FREIRE, 2005, p. 39).

Diante desse processo, é preciso uma verdadeira comunhão entre os indivíduos para haver libertação. É na descoberta sobre o opressor e no comprometimento pela libertação que o oprimido passa a acreditar em si mesmo. Trata-se de uma ação libertadora como resultado da conscientização. Freire defende que os seres humanos se educam entre si mediatizados pelo mundo, se assim não o for, poderia mesmo ser visto como uma verborragia,blá, blá,blá, um palavrório inócuo. Ao contrário, os educandos encontram na educação problematizadora a possibilidade de superação da contradição educador-educando em um diálogo que os direciona para uma inserção crítica na realidade, o que permite aos oprimidos e opressores a corresponsabilidade pela libertação. Nesta perspectiva, a dialogicidade se torna a essência da educação. O diálogo é visto como fenômeno humano, é palavra que se torna práxis, enquanto ato de criação. Freire apresenta uma educação problematizadora que subsidia a prática do processo humanizante. Tal movimento emancipatório dos sujeitos sociais, entendidos como agentes históricos em sua práxis social, levam à transformação das relações marcadas pela opressão na sociedade capitalista, perversamente neoliberal. O que não é processo fácil de se realizar, dada a incorporação do modelo opressivo na consciência do oprimido que o leva a perpetuar o sistema desumanizador tão logo tenha a chance de assumir um papel de opressor. Romper com esse dualismo instalado nas consciências subservientes e dominadas, eis o fantástico papel educacional do diálogo freiriano transformador.

Por sua vez, a psicologia histórico-cultural também apresenta o psiquismo humano como um produto histórico e socialmente construído. Desse modo, a humanidade é produzida pela ação dos próprios seres humanos que, por meio do trabalho, adaptam a natureza à sua necessidade. E é por meio dessa atividade que ocorre o processo de humanização, o que não ocorre de forma natural! É um processo inserido numa perspectiva educativa de transmissão da cultura material e simbólica. O trabalho enquanto categoria da vida social é a dimensão que promove as ferramentas e signos que diferenciam o homem dos demais seres vivos.

Para a pedagogia histórico-crítica, o trabalho educativo permite ao homem o aprimoramento de suas capacidades de apropriação e elaboração de saberes. Assim, o saber sistematizado e metódico predomina em relação aos aprendizados espontâneos e o indivíduo se faz humano estando inserido em dinâmicas educativas qualificadas, que sejam elaboradas com intencionalidade e produzam, subjetivamente, o desenvolvimento humano a partir das riquezas culturais socialmente construídas.

Tanto a psicologia histórico-cultural quanto a pedagogia histórico-crítica se aportam fundamentalmente no método do materialismo histórico-dialético, pois abordam o desenvolvimento humano em uma perspectiva histórico-social e ambas defendem a importância dos saberes e conhecimentos historicamente elaborados e acumulados para a transformação dos indivíduos em seres humanizados. Freire, além da contribuição em seu pensamento da abordagem mencionada, trouxe para a sua teoria outras perspectivas, como a cristã, a existencialista, a fenomenológica, o pragmatismo – numa coleção de autores muitos dos quais não muito conhecidos e oriundos de diversos campos de conhecimento – configurando seu ineditismo exatamente por sua capacidade de mesclar os seus conceitos com tantos aportes, sem incorrer nas dificuldades esperadas por uma proposta similar.

As três abordagens apresentam provocações e perspectivas em relação à possibilidade de uma proposta de educação emancipadora. É possível dizer que todas elas se posicionam enquanto críticas. Embora Paulo Freire seja um teórico que dialoga com várias fontes de inspiração, fato já apontado acima, é possível um diálogo conceitual com a perspectiva marxiana, no que concerne aos termos trabalhados neste artigo. Todavia, enquanto em Freire os indivíduos se educam entre si mediatizados pelo “mundo”, nas teorias histórico-cultural e histórico-crítica o trabalho educativo ocorre não somente pela mediação dos indivíduos no mundo, mas também considera a importante via dos signos, instrumentos que permitem aos indivíduos se desenvolverem por meio de procedimentos educativos.

Material suplementario
Información adicional

Como referenciar este artigo: FERREIRA, A. L.; GOMES, G. K.; HENNING, L. M. P. Educação emancipadora: Contribuições da teoria freiriana e das teorias histórico-cultural e histórico-crítica. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 1, p. 0703-0715, mar. 2022. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.1.16316

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WALLERSTEIN, I. Capitalismo Histórico e Civilização Capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.
Notas
Notas de autor
1 Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina – PR – Brasil. Coordenador de Pastoral no Colégio Marista de Londrina. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (UEL).
2 Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina – PR – Brasil. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação (UEL).
3 Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina – PR – Brasil. Docente no Núcleo Filosofia e Educação da Linha 01 do Programa de Pós-graduação em Educação (UEL). Pós-Doutorado em Filosofia (UFSC).
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