Artigos Originais
Análise sensorial de bolo de maracujá com chocolate para fenilcetonúricos
Sensory analysis of passion fruit cake with chocolate sauce for individuals with phenylketonuria
Análise sensorial de bolo de maracujá com chocolate para fenilcetonúricos
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 15, núm. 1, pp. 69-75, 2013
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Recepción: 06 Diciembre 2012
Aprobación: 16 Abril 2013
Resumo: O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma receita de bolo de maracujá com calda de chocolate destinado aos portadores de fenilcetonúria e avaliar sua aceitação. As amostras foram oferecidas a 50 provadores não treinados e avaliadas pelo teste de aceitabilidade por meio da escala hedônica, estruturada em nove pontos. O sabor foi o atributo mais apreciado por 66% dos provadores O bolo apresentou média de 7,0 de aceitação global, correspondente a “gostei moderadamente” na escala hedônica e 94% de intenção de compra. Portanto, o bolo foi aceito e seria comprado pela maioria dos participantes.
Palavras-chave: Fenilcetonúria, Alimentos, Nutrição.
Abstract: The aim of this study was to develop a recipe of passion fruit cake with chocolate syrup for individuals who have phenylketonuria and evaluate its acceptance. The samples were served to 50 untrained tasters and evaluated by the acceptability test using the nine point hedonic scale. Flavor was the most appreciated attribute by 66% of tasters. The cake had a mean of 7,0 corresponding to "liked moderately" in the hedonic scale and 94% of purchase intent. Therefore, the cake was accepted and would be purchased by the majority of participants
Keywords: Phenylketonuria, Food, Nutrition.
Introdução
Uma crescente exigência do consumidor por alimentos com qualidade sensorial e nutricional tem aumentado o interesse de estudiosos pela pesquisa de novos ingredientes para a indústria de alimentos (IDRIS et al., 1996; BORGES et al., 2006).
O bolo, por exemplo, é um dos alimentos de panificação cujo consumo e comercialização adquire grande importância no Brasil. Ele é um produto obtido pela mistura e homogeneização de vários ingredientes, como, por exemplo, farinha, fermento, leite, ovo e gordura (MOSCATTO et al., 2004; BORGES et al., 2006).
A qualidade do bolo é um atributo importante e pode ser analisada por meios instrumentais, utilizando-se, por exemplo um texturômetro mecânico, para avaliar sua firmeza e textura, e por meios sensoriais (ESTELLER et al., 2006).
Como característica indispensável para atestar sua qualidade, o bolo deve apresentar alguns atributos sensoriais: textura ideal; superfície uniforme, sem deformidades que possam afetar sua aparência; homogeneidade do miolo; volume adequado e sabor agradável (OXITENO, 2011).
O bolo pode é um produto interessante para o desenvolvimento de receitas com fins especiais por ser um produto de fácil preparação, de baixo custo e que permite a modificação de seus ingredientes. Uma das doenças que requerem a dieta modificada é a fenilcetonúria (PKU), uma doença metabólica hereditária, em que ocorre um erro inato do metabolismo de um aminoácido essencial denominado fenilalanina. O organismo do portador de PKU não é capaz de transformar a fenilalanina em outro aminoácido denominado tirosina, pois o distúrbio acomete a enzima fenilalaninahidroxilase, responsável por essa conversão, o que promove o aumento excessivo dos níveis de fenilalanina no sangue (FIGUEIRÓ-FILHO et al., 2004).
Essa concentração de fenilalanina no sangue é perigosa, pois pode tornar o sangue tóxico, causar danos ao cérebro do portador e, consequentemente, como retardo mental, convulsões, autismo e microcefalia (BRANDALIZE; CZERESNIA, 2004). O diagnóstico dessa síndrome, portanto, é bastante relevante, pois é a partir dele que se podem prevenir danos irreversíveis (AMORIM et al, 2005). É feito a partir do exame conhecido como o “teste do pezinho”, uma ação simples para diagnosticar doenças assintomáticas, infecciosas ou congênitas, como a PKU (GARCIA et al., 2007).
O tratamento da PKU é fundamentalmente dietético, com restrição do aminoácido em questão, a fenilalanina. Os alimentos permitidos são aqueles com baixos níveis de fenilalanina e os proibidos, as proteínas essenciais, visto que contêm grande quantidade de fenilalanina (MARTINS et al., 2009). Portanto, a dieta é essencial para o portador da fenilcetonúria e seu plano dietoterápico deve ser acompanhado e revisado continuamente à medida que a criança se desenvolve (DINIZ et al.,2004).
Dessa maneira, entende-se que é importante estudar e desenvolver receitas que possam ser bem aceitas pelos fenilcetonúricos, pois as fontes proteicas de sua dieta são especialmente restritas. Como as crianças já nascem com essa doença, elas têm de restringir a alimentação desde o início de sua vida, durante a infância e a adolescência, o que acaba trazendo-lhes problema e causando constrangimento por não entenderem que sua situação se diferencia da de outras crianças saudáveis. Sendo assim, o desenvolvimento de novas receitas com restrição de fenilalanina, alta aceitabilidade e custo acessível pode melhorar a qualidade de vida e a alimentação dessas pessoas e, consequentemente de suas famílias que convivem com a dificuldade de encontrar ou elaborar essas preparações restritas neste aminoácido.
Neste contexto, este trabalho visa à formulação e avaliação sensorial de uma receita de um bolo de maracujá com chocolate destinado aos portadores de fenilcetonúria, criando-se assim, um produto alternativo a ser inserido na alimentação de portadores dessa doença.
Materiais e métodos
Foi desenvolvida uma receita de um bolo de maracujá com calda de chocolate com baixo teor de fenilalanina conforme demonstrado na tabela 1. A receita foi desenvolvida e testada no laboratório de técnica dietética da Faculdade Redentor - Itaperuna RJ e a análise sensorial do bolo foi realizada no referido laboratório.

Na análise sensorial, os participantes da pesquisa foram alocados em cabines individuais de análise sensorial e receberam um questionário contendo questões sobre sua situação socioeconômica, aceitação do produto e intenção de compra, além de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, uma caneta e uma bandeja com a amostra do bolo e um copo de água. A análise sensorial foi realizada por um teste cego com 50 julgadores não-treinados e não portadores da PKU, entre estudantes e funcionários da Faculdade Redentor – Itaperuna RJ.
Para avaliar a aceitação das amostras do bolo foi utilizada uma escala hedônica de 9 pontos, cujos extremos correspondem a gostei extremamente (9) e desgostei extremamente (1). As amostras foram apresentadas aos julgadores e foi solicitado que as analisassem com relação à escala proposta.
Os resultados obtidos foram analisados com auxílio do software XLSTAT® 2012.4.02, com nível de variância de 95% (ADDINSOFT, 2012). Foram realizadas análises estatísticas descritivas e o teste de independência das variáveis pelo teste qui-quadrado (χ²).
Resultados e discussão
Participaram do estudo 50 provadores não treinados, sendo 82% do sexo feminino e 18% do sexo masculino, com escolaridade entre 2º grau completo e pós-graduação. Dentre os provadores, 96% relataram que gostavam de bolo de maracujá e todos relataram que gostavam de bolo de chocolate. A maioria da população apresentou renda de 1 a 5 salários mínimos por mês.
O custo por porção foi equivalente a R$ 0,97, valor relativamente baixo, fator que pode favorecer a elaboração e consumo do produto pela população estudada, que consome bolo pelo menos uma vez por semana (38% dos provadores).
O conteúdo estimado de fenilalanina foi equivalente a 15,43mg por porção, o que caracteriza o bolo como um produto com baixo teor desse aminoácido. A alimentação dos portadores de PKU deve ter a ingestão máxima de 20 mg de fenilalanina a cada 100 g da alimentação. Estes baixos índices de fenilalanina são encontrados em alimentos como mel, balas de gomas, pirulitos, picolés, algodão-doce, geleias, goiabada, farinha de tapioca, polvilho de mandioca, sagu, sucos artificiais, refrigerantes isentos de aspartame, groselha, café, chá, alguns cremes e pudins e pós para milk-shake isentos de fenilalanina. O bolo elaborado no presente trabalho torna-se, portanto, uma nova opção para estes pacientes (MONTEIRO; CÂNDIDO, 2006).
De acordo com os dados da pesquisa sobre frequência com que os indivíduos consomem bolo, é possível notar que bolo possui alta aceitabilidade, é um produto tradicional que faz parte do hábito alimentar dos brasileiros e, como mencionado anteriormente, vem adquirindo lugar significativo entre os produtos de padaria, devido ao alto consumo e à grande comercialização no Brasil (MOSCATTO et al.,2004).
O índice mínimo de aceitabilidade dos atributos sensoriais de 70%, de acordo com Teixeira et al. (1987), foi, comprovadamente, alcançado neste estudo, já que 92% dos participantes gostaram do produto avaliado. As notas médias atribuídas pelos consumidores ao bolo revelam essa boa aceitação, visto que a nota máxima possível para o atributo textura seria 9 e a menor nota média obtida foi 6,0 (Tabela 2).
| Característica avaliada | Nota |
| Impressão global | 7,0 |
| Textura | 6,0 |
| Sabor | 8,0 |
| Aparência | 7,0 |
Apesar de o bolo ter os ingredientes tradicionais modificados, é possível notar, de acordo com os resultados, que o bolo obteve boa aceitação, visto que no critério impressão global apresentou nota média de 7,0, considerada pela escala hedônica como “gostei moderadamente”.
Quanto à textura, a nota média atribuída pelos provadores foi 6,0, que compreende na escala hedônica ao “gostei ligeiramente”. Segundo Esteller et al. (2006), para alimentos dessa natureza, a textura do produto final depende da qualidade da farinha, da quantidade dos açúcares, gorduras, emulsificantes e ovos, da umidade da massa e do modo de conservação do produto até o momento da análise.
Quanto à intenção de compra, 94% dos participantes relataram que comprariam o produto. Se o produto fosse avaliado por portadores de PKU, provavelmente, os resultados seriam mais relevantes e, possivelmente, haveria interesse em comprá-lo, visto que se trata de um bolo com baixo teor de fenilalanina e de baixo custo enquanto os produtos destinados aos portadores de PKU são de alto custo e pouco acessíveis.
Segundo Walter et al. (2010), a intenção do consumidor pela compra é um processo muito complexo, influenciado por diversos fatores como o preço, a conveniência e o marketing, mas as características sensoriais do produto são determinantes para confirmar a decisão.
O teste qui-quadrado de independência revelou que as variáveis “intenção de compra e a aceitação do bolo” não são independentes (χ ²= 11,6, que efetivamente existe relação entre intenção de compra e aceitação do produto, já que 44% dos provadores responderam que talvez comprassem o produto e outros 44%, que certamente o comprariam, enquanto o índice de aceitação se estabeleceu em 90% dos provadores. A frequência de provadores que tiveram melhor aceitação (90%) responderam que talvez comprariam (44%) ou que certamente comprariam (44%) o produto.
Outra variável apresentou influência na intenção de compra, a da renda do provador (p<0,05). Observou-se que pessoas com 1 a 5 salários mínimos por mês apresentaram mais alto índice de intenção de compra do produto. Isso pode estar relacionado ao baixo custo do bolo. No caso do bolo elaborado no presente trabalho cada porção pode ser considerada acessível (R$0,97), e poderia favorecer o consumo do produto pela população avaliada. Vale ressaltar que a maioria da população (74%) apresentou essa faixa de renda e por isso essa relação entre a aceitação e renda pôde ser observada.
Na avaliação da característica do bolo que mais agradou ou mais desagradou, entre aroma, textura, sabor e aparência, a resposta foi a seguinte: sabor agradou mais (67%) e a textura, menos (52%).
Conclusão
De acordo com os resultados obtidos, concluiu-se que é perfeitamente viável a elaboração de bolo de maracujá com cobertura de chocolate com baixo teor de fenilalanina já que o produto apresentou boa aceitação e intenção de compra pela maioria dos provadores que não são portadores da fenilcetonúria. Dessa maneira, é possível perceber que o produto elaborado pode ser inserido na alimentação dos fenilcetonúricos.
Referências
ADDINSOFT, 2012. Xlstat version 2012.4.02. Software e Guia do Usuário. Disponível em: http://www.xlstat.com. Acesso em: 19 jun. 2012.
AMORIM, T.; GATTO, S. P. P.; BOA-SORTE, N.; LEITE, M. E. Q.; FONTES, M. I. M. M.; BARRETO, J.; ACOSTA, A. G. Aspectos clínicos da fenilcetonúria em serviço de referência em triagem neonatal da Bahia. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, v.5, n.4, p. 457-462, 2005.
BRANDALIZE, S. R. C.; CZERESNIA, D. Avaliação do programa de prevenção e promoção da saúde de fenilcetonúricos. Rev. Saúde Públ., São Paulo, v.38, n.2, p. 300-306, 2004.
DINIZ, L. F. M.; MARTINS, C. C.; CARNEIRO, K. C.; CERQUEIRA, M. M. M.; FERREIRA, A. P. A.; AGUIAR, M. J. B. de; STARLING, A. L. Funções executivas em crianças fenilcetonúricas – Variações em relação ao nível de fenilalanina. Arq Neuropsiquiatr., Belo Horizonte, v.62, n2-B, p. 473-479, 2004.
DUTCOKSKY, S. D. Análise sensorial de alimentos. 3ª ed. rev. ampl. Curitiba: Champagnat, 2011. 426p.
BORGES, J. T S.; PIROZI, M. R.; DELLA LUCIA, S. M.; PEREIRA, P. C.; MORAES, A. R. F.; CASTRO, V. C. Utilização de farinha mista de aveia e trigo na elaboração de bolos. B. CEPPA., Curitiba, v. 24, n.1, p. 145-162, 2006.
ESTELLER, M. S.; ZANCANARO-JÚNIOR, O.; LANNES, S. C. S. Bolo de “chocolate” produzido com pó de cupuaçu e kefir. Rev. Bras. Cien. Farm., São Paulo, v.42, n.3, p. 447-454, 2006.
FIGUEIRÓ-FILHO, E. A.; LOPES, A. H. A.; SENEFONTE, F. R. A.; SOUZA JÚNIOR, V. G.; BOTELHO, C. A.; DUARTE, G. Fenilcetonúria Materna: Relato de caso. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Campo Grande, v.26, n.10, p. 813-817, 2004.
FROTA, K. M. G.; MORGANO, M. A.; SILVA, M. G.; ARAÚJO, M. A. M.; MOREIRA ARAÚJO, R. S. R. Utilização da farinha de feijão-caupi (Vigna unguiculata L. Walp) na elaboração de produtos de panificação. Cien. Tecnol. Aliment., Campinas, v. 30, p. 16-22, 2009.
GARCIA, M. G.; FERREIRA, E. A. P.; OLIVEIRA, F. P. S. Análise da compreensão de pais acerca do teste do pezinho. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv Hum., Belém, v.17, n.1, p. 01-12, 2007.
IDRIS, N.; ENBONG, M. S.; ABDULLCH, A.; CHEHA, C. M.; HASSAR, H. Performance evaluation of shortenings based on palm oil and butterfat in yellow cake. Fett/Lipid., Kuala Lumpur, v.98, n.4, p. 144-148, 1996.
INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Métodos físico-químicos para análise de alimentos. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 2008. p. 279-320. Disponível em: http://www.livrolink.com.br/analise-sensorial-estudos-consumidores-p-154.html. Acesso em: 01 dez. 2012.
MARTINS, F. F.; MENDES, A. B.; CRUZ, W. M. S.; BOAVENTURA, G. T. Metabolismo do cálcio na fenilcetonúria. Rev. Nutr., Campinas, v.22, n.3, p. 419-428, 2009.
MONTEIRO, L. T. B.; CÂNDIDO, L. M. B. Fenilcetonúria no Brasil: evolução e casos. Rev. Nutr., Campinas, v.19, n.3, p. 381-387, 2006.
MOSCATTO, J. A.; PRUDÊNCIO-FERREIRA, S. H.; HAULY, M. C. O. Farinha de yacon e inulina como ingredientes na formulação de bolo de chocolate. Cien. Tecnol. Aliment., Campinas, v.24, n.2, p. 634-640, 2004.
OXITENO. Emulsificantes como agentes de aeração em bolos. Art al004 – 06/00. Disponível em: http://www.oxiteno.com.br/aplicacoes/mercados/doc/documento.asp?artigotecnico=4&segmento=0100&. Acesso em: 13 out. 2011.
PORTELA, J. V. F.; LIMA, A. S.; VERAS, C. M. N.; ARAÚJO, L. S.; MOREIRAARAÚJO,R. S. R.; ARAÚJO, M. A. M. Desenvolvimento e avaliação de produtos isentos em glúten para indivíduos celíacos. In: JORNADA NACIONAL DA AGROINDÚSTRIA, 3., 2008, São Paulo, v. 28, n. 4, 2008.
WALTER, E. H. M.; FONTES, L. C. B.; OSAWA, C. C.; STEEL, C. J.; CHANG, Y. K. Cien. Tecnol. Aliment.,Campinas, v.30, n.2, p. 335-341, 2010.
Notas de autor