Artigos Originais

À luz da raça na empresa de petróleo

Racial issues on oil platforms in the Campos Basin

Suélly Lima dos Santos 1
Brasil
Lidiane Silva 2
Brasil

À luz da raça na empresa de petróleo

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 15, núm. 1, pp. 113-125, 2013

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Recepción: 08 Abril 2013

Aprobación: 05 Junio 2013

Resumo: Este trabalho aborda a participação dos negros nas plataformas Petrolíferas da Bacia de Campos, propondo uma discussão acerca da dinâmica da inserção do negro nesse mercado. E a partir desta ótica, pensar o racismo e a diversidade no mundo do petróleo nesta região e suas implicações. Quando se trata de questões raciais, neste contexto se percebe que as diferenças não estão na capacidade intelectual e sim nas oportunidades. Entretanto, nada impede que brancos e negros venham construir juntos, com respeito e usufruindo de suas aptidões numa sociedade mais justa a favor da diversidade. As instituições públicas e privadas assumem o desafio de atenuar a discriminação racial e, ao mesmo tempo, procura abraçar a diversidade racial através de ações afirmativas na forma de cotas. Como resultado do artigo, foi detectado um problema de classe social e, não, questão racial.

Palavras-chave: Mercado de trabalho, Petróleo, Racismo, Diversidade e educação.

Abstract: This paper discusses the participation of blacks on oil platforms in the Campos Basin, proposing a debate on the dynamics of the insertion of blacks in this market. From this perspective, the study reflects on racism and diversity in the world of oil in this region and their implications. When it comes to racial issues in this context, we can see that the differences are not the workers’ intellectual capacity but in working opportunities. However, nothing prevents blacks and whites from working together with respect to develop their skills in a more just and diverse society. Public and private institutions face the challenge to minimize racial discrimination while seeking to embrace racial diversity through affirmative actions in the form of quotas. As conclusion, the problem detected in his study is related to social classes and not race.

Keywords: Job market, Oil racism, Diversity and education.

Introdução

Com o advento da Revolução Industrial e da mecanização dos processos produtivos, os negros aumentaram, consideravelmente, sua participação no mercado de trabalho. Este processo, portanto, não corresponde a um fenômeno novo, contudo, as desigualdades salariais e problemas de hierarquia em comparação aos homens persistem. (BAHIA; LAUDARES, 2011).

Para Arendt (1989), ideologia racista emergiu em países ocidentais durante o século XIX. Mas no inicio do século XX, o racismo reforçou a ideologia da política imperialista. Mas nos últimos anos do século XIX, no Brasil, a questão da miscigenação tornava-se um obstáculo para a definição dos rumos nacionais. Portanto, as “raças” serão tomadas como objeto de conhecimento.

Segundo Silva (2003), por volta de 1933, com as obras de Freyre, surge no cenário o mito da “democracia racial”, que pretende afirmar a integração pacifica e efetiva entre as diferentes raças no Brasil. Mas depois de 1930, acreditava-se que entre os brasileiros não existia discriminação racial. Logo, fazia do Brasil um país superior aos mais desenvolvidos tecnologicamente, onde se praticava a repressão sistemática das minorias raciais.

Tendo em vista as exigências do mundo moderno acerca da qualificação profissional, é possível afirmar, em conformidade com os estudos de Heller (2000) que à liderança deste século serão cobradas características específicas, como o autoconhecimento, a disposição de aprender sempre, além de proatividade, empreendedorismo, entre outros fatores.

Para Myers (2003), algumas empresas no Brasil estão tendo iniciativa a favor da diversidade, que visam à inclusão de afro-descendentes, entre outros grupos historicamente discriminados, no mercado de trabalho, como: mulheres, portadores de deficiência e de pessoas com mais de 45 anos.

O Brasil avança com firmeza no terreno da autossuficiência sustentável na produção de petróleo, por isso é hora, mais do que nunca, de caminhar lado a lado – homens e mulheres, independentes da cor.

Observa-se que a diversidade no trabalho fez com que o indivíduo se preocupasse com a educação. Analisando o contexto atual, percebe-se a necessidade primordial de desenvolvimento constante para acompanhar a rapidez das mudanças, promovendo a empregabilidade necessária para estar presente no mundo do trabalho.

Na tentativa de minimizar e transpor as barreiras impostas por estas desigualdades, gradativamente, os negros vêm buscando um aperfeiçoamento de suas atividades profissionais, através da qualificação técnica, utilizando-se da educação como estratégia.

Guimarães (2003), explica que a desigualdade resulta nas diferenças de oportunidades de vida e de formas de tratamento aos grupos raciais.

Delimitação do tema e construção do objeto de estudo

Como objeto de estudo tem-se a participação dos negros na plataforma petrolífera. Buscar-se-á responder, à luz da teoria das relações raciais, às seguintes questões: a) Quais tipos de atividades/papéis que os negros desenvolvem dentro da empresa? b) Como os negros são vistos pelos colegas de trabalho? c) Existe diferença salarial por ser negro? e) Existe algum tipo de preconceito, principalmente, racismo, dentro da empresa? f) Por que os negros ingressam na plataforma?

A escolha deste tema está na necessidade de compreensão das múltiplas circunstâncias pelas quais os negros se inserem no mercado petrolífero, e a causa por terem optado por um campo, até então, ocupado em sua maioria por homens brancos, mostrando, assim, os desafios enfrentados nesse meio.

O presente artigo abordará a inserção dos negros na Bacia de Campos1, visto que esta representa uma riqueza nacional inserida numa região onde a desigualdade social ainda é muito marcada pelo histórico escravocrata.

A inserção do homem não branco no campo petrolífero é um rompimento de valores que os discriminam em carreiras avaliadas, até então, como brancas, principalmente, nesta região, onde a democratização educacional tem tido um papel fundamental para este progresso. Para sustentar essas escolhas profissionais, os negros tiveram que enfrentar padrões de gênero aceitos no interior das famílias, nas escolas e no trabalho.

Logo, busca-se, no artigo, identificar os pontos positivos e negativos da participação dos negros nas plataformas. Por isso, será revelador trazer a complexidade desse fenômeno social, para desvelar contradições presentes no cotidiano dos negros, que adentram em profissões consideradas exclusivas para os homens brancos.

Acredita-se que essas pontuações trarão uma oxigenação ao tema da inserção dos negros neste mercado avançando, ainda mais, as conquistas raciais. Mesmo que ainda haja uma reduzida participação de não brancos nessa área.

A metodologia se apoiou numa pesquisa empírica, em leituras e fichamentos de livros, apreciação das entrevistas, conduzida de forma aberta, e artigos de autores relevantes, dentro do contexto.

Contexto social de Campos dos Goytacazes

Campos dos Goytacazes é o maior município em extensão territorial do Estado do Rio de Janeiro, localizado na região Norte Fluminense. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010), o município abrange uma população de 436.731 habitantes, sendo considerada a capital nacional do petróleo, responsável por mais de 83% da produção nacional.

O histórico econômico vem da atividade açucareira, que se consolidou e desenvolveu-se desde o século XVIII, tanto em grandes latifúndios como em pequenas propriedades, expandindo-se no século XIX, inicialmente, nos engenhos e, mais tarde, em usinas. O município teve muita importância no século XIX pela sua poderosa aristocracia agrária, surgida através da atividade açucareira, influindo enormemente na política e no poder do Império.

A produção econômica cristalizou os pólos sociais – ricos (elite branca açucareira) e pobres (em sua maioria, descendentes de escravos) – na cidade. O município sempre foi marcado por um abismo social e econômico, que tem sua raiz no histórico escravocrata.

Com o passar dos anos, Campos, perpetua sua realidade, demarcada pelas distinções: econômica, social e racial. Os descendentes dos escravos ocupam, hoje, em sua maioria, os bairros periféricos, posições avessas na sociedade campista, subempregos ou empregos pouco remunerados, e, ainda, apresentam baixa escolaridade; enfim, ocupam lugares menos favorecidos.

A pobreza, desde a década de 90, está diretamente vinculada à qualidade do emprego. O problema significativo do mercado de trabalho não se restringe apenas ao desemprego aberto, mas também ao subemprego, na subutilização e sub-remuneração da mão-de-obra. A questão social é produto da relação capital-trabalho, sendo resultado das desigualdades geradas pelo sistema produtivo (Plano Municipal de Assistência Social de Campos dos Goytacazes, 2011).

Acredita-se que, atualmente, estejamos diante de novas expressões da “questão social”, já que a cada estágio de desenvolvimento se instauram expressões sociais e humanas diferenciadas, mais complexas e multifacetadas. Ainda no âmbito produtivo, investimentos na indústria de cerâmica (olarias) e na fruticultura se apresentam como estímulos produtivos bastante embrionários no histórico da realidade municipal. O mesmo ocorre com o crescimento significativo do setor de serviços ligados ao ensino superior e às instituições privadas de saúde. Entretanto, o crescimento mesmo que acelerado, não é sinônimo de desenvolvimento se ele não amplia o número de emprego, não reduz a pobreza e não atenua as desigualdades sociais.

As políticas sociais têm o papel de atenuar as desigualdades sociais e os conflitos que possam existir devido à má condição de vida da população. Estas são permeadas tanto pelos interesses da acumulação, quanto pela busca de legitimidade por parte do Estado. Contudo, nos últimos anos, este papel de minimizar as diferenças tem sido compartilhado com os cidadãos e as instituições privadas que se instalam na região; todos possuem deveres e obrigações para com a sociedade.

Ultimamente, têm crescido a consciência e o trabalho em torno da responsabilidade social por parte das empresas, a chamada Responsabilidade Social Empresarial2. Infelizmente, os investimentos mais vistos por parte das empresas têm se concentrado, apenas, no meio ambiente e na participação social. Tem-se observado uma mínima expressão de políticas em prol da promoção de diversidade com foco na população negra nas grandes empresas locais, salvo as instituições públicas que têm promovido em seus concursos e vestibulares cotas para negros.

O advento do petróleo na região

Em 1974, foi descoberto um amplo lençol petrolífero na plataforma continental da Bacia de Campos e, nos dias atuais, a economia municipal é beneficiada pelos royalties do petróleo.

A partir da descoberta de Petróleo, em 1974, na Bacia de Campos, iniciou-se uma mudança na estrutura econômica e social do município. Desde a criação da Lei do Petróleo (Lei 9478/97), em 1997, os municípios produtores passaram a ter um acréscimo significativo em suas receitas, em função de um extraordinário recebimento de royalties, o que determinou uma maior diversidade de investimentos, principalmente, na área de serviços.

A análise feita de acordo com a história, a partir de meados da década de 70, o impacto gerado pela extração de petróleo na região Norte Fluminense, principalmente no município de Campos, observa-se que este foi o grande fator de diversificação e diferenciação internas à economia. A partir da injeção maciça de royalties no orçamento dos municípios da região, houve o acréscimo da autonomia para investimentos em políticas públicas, dentre as quais: de fomento e de atividades econômicas. Desde 1997, observa-se, ainda, uma contínua redução da dependência dos recursos federais e estaduais, refletindo o aumento da receita própria, fortemente influenciada pelo ingresso dos royalties na receita municipal.

Contudo, o que se questiona neste presente artigo é a inclusão profissional efetiva dos cidadãos menos prestigiados da sociedade campista nas plataformas petrolíferas da região, sobretudo, sua participação em cargos de chefia e/ou gerência, ou seja, qual é a participação do cidadão campista negro na divisão da riqueza nacional das empresas petrolíferas locais?

Existe, na região, a adoção de iniciativas, atividades e/ou medidas que reconheçam e promovam a diferença entre pessoas ou grupos como um valor positivo a ser desenvolvido como instrumento de integração social, em benefício da produtividade da empresa e da democratização das oportunidades de acesso e tratamento no mercado de trabalho em prol dos negros?

A importância do processo educacional

A desigualdade se encontra em diversos níveis como: saúde, emprego, habitação, renda e educação. Entre os fatores de reprodução das desigualdades raciais no Brasil, a educação ocupa um lugar de destaque (COELHO, 2012).

Os jovens negros, em sua maioria, estudam nas escolas públicas de péssima qualidade, onde tem sido este o fator revelador da barreira de ingresso ao Ensino Superior, pois o ensino público, quanto à educação básica tem sido ineficiente e desqualificado. Segundo Jaccoud e Beghin (2002), a exclusão socioeconômica a que está submetida a população negra produz diversas consequências, como: a permanência das desigualdades raciais que é diferenciada de brancos e negros nos vários espaços da vida social, reforçando a estigmatização sofrida pelos negros, inibindo o desenvolvimento de suas potencialidades individuais e impedindo o usufruto da cidadania por parte dessa parcela de brasileiros, à qual é negada a igualdade de oportunidades que deve o país oferecer a todos.

Porém, promover a expansão do ensino fundamental, sem dar atenção à inclusão racial, significa perpetuar os padrões de desigualdade presentes há décadas no sistema educacional brasileiro. A lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece no caput do Art. 26 que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira” (BRASIL, 2003).

Foram criados programas como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos), além da ampliação do sistema federal de ensino que contribuíram para a maior presença de negros nas instituições de ensino superior. A nova lei de cotas poderá ampliar, ainda mais, o acesso dessas raças nessa etapa de ensino.

Recentemente, a presença da população negra no ensino superior teve um salto expressivo, com base em estatísticas do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), fazem parte do Censo da Educação Superior 2011, divulgados pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura). Em cursos tecnológicos, entre 2010 e 2011, o número de matrículas cresceu 11,4%, saltou de 781,6 mil para 870,5 mil. O crescimento em ritmo forte contrasta com a evolução das matrículas em cursos de licenciatura: o aumento foi de apenas 0,1% (CRESCE..., 2012).

Além do crescimento de 5,65% do total de matrículas no ensino superior, o ministério registrou, ainda, um aumento de 7,54% no número de ingressantes em instituições de ensino superior (salto de 2,18 milhões para 2,34 milhões), (CRESCE..., 2012).

Nas redes privadas, o número de matrículas em instituições apresentou uma leve queda entre 2010 e 2011, mas a rede particular continua tendo maior peso nessa etapa de ensino. Do total de 6,73 milhões de matrículas, 4,96 milhões foram efetuadas na rede privada de ensino - o que representa 73,7% do total. Em 2010, esse percentual era de 74,2% (CRESCE..., 2012).

Para Myers (2003) que cita Bulgarelli (2004), não são apenas os negros e pessoas com deficiência que têm pouca escolaridade, mas a população brasileira em geral. A discriminação vivida por estes dois segmentos agrava a situação, mas não pode ser usada como desculpas para a não existência de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, sejam nas grandes empresas nacionais ou multinacionais.

Ainda na ótica de Myers (2003), as empresas são tanto instituições econômicas como instituições sociais que possuem um impacto nas comunidades, onde estão inseridos os valores da cidadania e a estratégia empresarial. Uma vez que, o ambiente de trabalho oferece uma oportunidade única para tratar da diversidade e da inclusão, trazendo benefícios para a empresa e para a sociedade.

Para Coelho (2012), o negro, em geral, pertence às camadas mais pobres da população, uma vez que os negros brasileiros não têm acesso às universidades, o que dirá aos cursos de especialização, pós-graduação, língua estrangeira, mestrado, MBA (Master in Business Administration- Mestre em Administração de Negócios), itens essenciais num currículo de um executivo. Logo, com pouco preparo, os negros não têm acesso a bons empregos e não conseguem adquirir experiência profissional que os qualifique para competir no mercado de trabalho. Portanto, a maior parcela dos negros se concentra no baixo proletariado com empregos precários.

Os negros, na sociedade brasileira, ainda carregam estereótipos, como marca de inferioridade – para justificar sua exclusão ou baixa inclusão social – como: desinteresse, baixa capacidade intelectual, incapacidade para a realização de certos trabalhos, enfim, uma serie de estigmas que gozavam de um status de cientificidade e eram acionados com frequência nos discursos sobre raça no Brasil. Alguns estudos sobre educação do negro no Brasil buscam compreender fatores que levam a serem estigmatizados, contribuindo na sua trajetória escolar e de vida, como: manifestações de racismo, de discriminação e de preconceito racial.

Com base nos dados do Censo, dos empregados pretos e pardos, 29% possuem escolaridade de nível superior e 5% MBA e 5% para mestrado e doutorado (PETROBRAS, 2011).

Vale ressaltar que as universidades públicas e privadas de Campos têm sido um setor que vem consolidando o desenvolvimento regional e municipal, priorizando investimentos no campo tecnológico e da pesquisa, respectivamente. Este fato demonstra um conjunto de potencialidades estratégicas que podem ser alcançadas, na proporção em que o centro das iniciativas vai sendo redimensionado pelo vetor de construções coletivas e participativas no âmbito do saber e da tecnologia.

As organizações procuram, cada vez mais, por profissionais que possam avaliar, aguçar, redirecionar e expandir as habilidades, que permaneçam competitivos no mercado em troca de contribuições. A presença das instituições educacionais em Campos, favorece a capacitação dos cidadãos locais.

Paralelamente, as faculdades, escolas técnicas e os cursos profissionalizantes foram se multiplicando e começaram ver o seu quadro de alunos negros aumentando, a cada ano, e, com o passar do tempo, estes formandos foram se inserindo no mercado de trabalho, inclusive no petrolífero.

Memorial das pesquisas realizadas

Para observar os obstáculos encontrados durante a caminhada dos negros em relação ao mercado de trabalho petrolífero na Bacia de Campos, foram feitas algumas entrevistas com os trabalhadores com objetivo de responder as problemáticas do artigo. Foram utilizadas questões abertas, apoiadas em questionários, como ponto de partida para discussões e possíveis observações, como, por exemplo, o aumento da participação dos negros na plataforma

As pesquisas ocorreram entre os meses de dezembro de 2012 a março de 2013, sendo as questões preenchidas diretamente pelos entrevistados, a fim de obter avaliações realistas e sinceras. O questionário procede das seguintes considerações: a) Quais os tipos de atividades/papéis os negros desenvolvem dentro da empresa? b) Como os negros são vistos pelos colegas de trabalho? c) Existe diferença salarial por ser negro? e) Existe algum tipo de preconceito, principalmente, racismo, dentro da empresa? f) Por que os negros ingressam na plataforma?

O primeiro entrevistado do setor petrolífero da Bacia de Campos é do sexo masculino, negro, com idade entre 21 a 30 anos e, no momento da entrevista, ocupava um cargo de ensino técnico, com a remuneração entre 8 a 10 salários mínimos. Ele comenta que estudou em uma escola técnica por se interessar pela área petrolífera. “Naquela época, se falava muito que era um campo promissor, com muitas chances de inserção no mercado de trabalho. Além disso, dentro da realidade em que vivemos, essa área oferece um bom retorno financeiro”. Relata ainda, que há uma baixa participação do negro nessa área, inclusive, observa uma disparidade muito grande quando comparado com pessoas não negras. Ele pontua: “Acredito que a cada 100 pessoas, se existirem sete negros é muito (aliás, geralmente são pardos e não negros)”. Destaca também, que a maioria dos negros está desenvolvendo trabalho braçal. Quando a pergunta foi em relação a participação das mulheres negras na área petrolífera, o entrevistado comentou que “as mulheres negras nesta área geralmente trabalham na área de limpeza ou cozinha, nunca ocupando altos cargos”. Em relação ao questionamento de atividades (quando braçal) similares dos negros com os dos brancos, a responda foi: “não há distinção, o negro desenvolve o trabalho da mesma forma”. E para completar o questionamento sobre se há insegurança em executar a mesma função de um branco, logo, o entrevistado disse: “o que distingue um do outro é o potencial apresentado, tudo depende da maneira com que você se apresenta e se relaciona com os outros”. O entrevistado não tem nenhuma dificuldade de exercer uma atividade por causa da cor, logo, o que é avaliado é a capacidade intelectual e relação interpessoal. Ele não passa por nenhum constrangimento em relação a chacotas, pois, “não dar liberdade para isso” e diz que os colegas os tratam de forma respeitosa. Em relação à pergunta sobre preconceitos, o entrevistado relata: “no passado eu era julgado, que não era capaz de subir nos cargos, porque acreditavam que eu não tinha ‘perfil’, mas após algumas mudanças na empresa isso mudou”. E para concluir a entrevista, a última pergunta é em relação ao salário: se tem alguma diferença salarial por ser negro? O entrevistado afirma que não, que “a empresa não vê cor, vê números, mas para efeitos de seleção de pessoal, é a imagem que faz diferença”.

Já outro entrevistado é, também, do sexo masculino, declarou-se negro, de idade entre 31 a 40 anos, pós-graduado com renda de 8 a 10 salários mínimos, afirmou que iniciou o trabalho na área de Petróleo porque não tinha outra boa oportunidade de emprego. Complementa que, na área petrolífera, “a participação do negro é muito grande, porém na parte operacional e não na parte gerencial nos escritórios quando a participação é muito pequena”. Acrescenta, informando que a participação da mulher na área petrolífera tem crescido nos últimos anos, mas ainda é pequena. Quando a pergunta foi exercer as mesmas atividades que dos brancos e se há algum tipo de insegurança (competitividade), o entrevistado relata que: “normalmente, nas plataformas, não vejo problemas e não possui nenhuma insegurança em exercer atividades ao lado de um indivíduo de cor”. Os colegas que trabalham com o entrevistado o tratam de forma respeitosa e profissional, e quando surgem brincadeiras no espaço de trabalho, “elas não são de caráter preconceituoso”. Quanto ao questionamento se há diferença salarial, ele destaca que não existe essa divisão.

O próximo entrevistado é do sexo masculino, negro, com idade entre 31 a 40 anos, que no momento da entrevista ocupava um cargo de ensino técnico, com a remuneração de 6 a 8 salários mínimos. Ele comenta que a escolha de trabalhar nessa área foi “pelo fato de melhor renumeração” e completa, informando que a participação dos negros nessa área é muito boa e que têm muitos negros trabalhando embarcados. Também, acha ótima a participação das mulheres negras nessa área tão masculinizada, porém, “eu vejo pouquíssimas mulheres negras embarcadas”. Ele afirma que não há obstáculo em executar a mesma tarefa de um branco e que existe respeito entres os colegas de trabalho e não surgem brincadeiras preconceituosas e que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito no local de trabalho e não existe diferença salarial devido à raça.

Um fator curioso foi que um homem branco, graduado, na faixa etária entre 21 a 30 anos, que sua renda se encontra entre 4 a 6 salários mínimos, queria expor sua experiência devido a esposa ser negra.Então, ele comenta que o mercado de trabalho em nossa região tem várias oportunidades no segmento do Petróleo. Quando foi questionado em relação à participação do negro na área petrolífera, ele cita que: “tão importante como qualquer um, dentro ou fora do mercado de trabalho, em minha opinião.” Quando o assunto é a participação da mulher negra nessa área ele diz que: “Muito bom, pois todos os que trabalham nesta área são qualificados para tal, independente de cor, raça ou nacionalidade.” Em relação à execução de atividades com os brancos, o entrevistado fala que, normalmente, não existe insegurança em executar as mesmas tarefas de um negro, complementa o teu relato, informando que os colegas de trabalho os tratam com profissionalismo e respeito no local de trabalho. Para fechar o depoimento, o entrevistado diz: “a empresa não cria obstáculos para ter, no seu quadro de funcionários, os de cor negra e que nunca viu empresas pagarem menos pelo fato de ser negro”.

A próxima entrevistada foi mulher, parda, entre 21 a 30 anos, graduada, com renda entre 4 a 6 salários mínimos.Inicia a entrevista, falando que a escolha de trabalhar em uma área petrolífera foi “porque a remuneração era muito boa e porque envolve alta tecnologia”. Em relação à participação dos negros nesse ramo, ela comenta: “o negro participa da área petrolífera, porém em setores onde as atividades são mais brutas, requerendo menor formação profissional.” Quando o assunto foi à participação das mulheres negras na área petrolífera, a entrevistada cita: “Não é muito grande, a não ser na área de saúde e de serviços como arrumação e cozinha.” Em relação à execução da mesma tarefa na empresa e se existe alguma insegurança, ela diz que não.

Outro entrevistado do setor petrolífero da Bacia de Campos é do sexo masculino, pardo, entre a faixa etária de 31 a 40 anos com uma renda de 8 a 10 salários mínimos. O que o levou a escolher essa área foi “a oportunidade de melhores remunerações em comparação com outras áreas de atuação. Principalmente, quando se vai para o ambiente offshore, ainda alia estes fatores a um período de folga.” O questionamento, agora, foi em relação à participação do negro nessa área, o entrevistado comenta: “Não vejo diferenciação, pois todos têm a mesma capacidade de aprender e exercer as funções com a mesma competência ou até melhor.” Quando o questionamento foi a participação das mulheres negras no setor petrolífero, ele explana: “da mesma forma que não vejo problema da atuação do negro. O único problema dessa área para as mulheres, independente de ser negra ou não, é a existência de algumas atividades que exigem esforço físico intenso, o que, naturalmente, é mais difícil do que para o homem.” Em relação à execução da mesma tarefa na empresa e se existe alguma insegurança, ele diz: “exercem da mesma forma com a mesma capacidade e competência” e que não há “nenhuma insegurança. O relacionamento é normal e colaborativo.”

Um olhar panorâmico sobre as entrevistas traz algumas interpretações. A primeira delas é que há uma significativa participação de negros na Bacia Petrolífera de Campos e que a educação técnica local vem contribuindo para isso. Mas não é possível deixar de questionar que esta participação nas plataformas não corresponde, nem de longe, a proporção da população negra, sobretudo, na região de Campos.

Já era sabido e as entrevistas reforçaram a percepção de que a participação do negro é limitada no mercado petrolífero da região. Repetidamente, os entrevistados pontuaram que a colocação deste segmento está nas atividades operacionais, chamada por alguns de atividades braçais, não sendo mencionados superiores negros, bem como, a participação das mulheres, especialmente, em atividades de cozinha e limpeza.

E à medida que vai descendo na hierarquia no setor petrolífero (níveis: funcional, chefia, gerência e executivo), encontra-se um número maior de negros. Nenhum dos entrevistados ocupa um cargo de chefia; o que pode pontuar duas situações: uma dificuldade da pesquisa ou a expressão mínima ou quase nula da participação do negro, principalmente, o negro oriundo da região em posição de destaque na Bacia de Campos.

Quanto à escolha da área, está sempre atrelada a uma melhor oportunidade de remuneração, ou seja, hoje trabalhar na Bacia de Campos, mais que um status, é uma oportunidade de transformação da realidade de muitos que viram perpetuar em suas famílias o pertencimento em posições desfavorecidas.

Outra interpretação pertinente é a capacidade crítica dos trabalhadores das plataformas quando o assunto é o racismo. Faz parte da cultura brasileira tentar negar os conflitos, quando, na verdade, eles existem e precisam ser admitidos e administrados. Percebeu-se que quando a pergunta é direta, a maioria se adianta em informar que não existe preconceito, que mantêm com seus pares uma relação amistosa e que não percebem problemas de relacionamento. Em outros momentos, quando a pergunta é organizada indiretamente, os mesmos entrevistados apontam questões como que a princípio seus pares e/ou superiores não acreditavam que poderiam crescer na empresa, ou pontuaram que, na atual gestão, não sofrem constrangimentos, isso significa que em outras gestões sofreram algum tipo de preconceito.Afirmaram, ainda, que não dão liberdade ou intimidade para brincadeiras de cunho racista. Ora, o que é isso senão o preconceito, mesmo que velado? Isso mostra que na plataforma como em qualquer outro segmento, o preconceito racial é vigente. Aponta, também, uma necessidade de políticas que valorizem a diversidade, sobretudo, a adoção de iniciativas, atividades e medidas que reconheçam e promovam a diferença entre pessoas ou grupos e que foquem a população negra local que traz em si tantas marcas de exclusão.

Considerações finais

Como foi referenciado no início, o artigo buscou observar os pontos positivos e negativos da participação dos negros nas plataformas da Bacia de Campos. E trazer a complexidade desse fenômeno social para desvelar contradições presentes no cotidiano dos negros da região que adentram em profissões consideradas, antes, exclusivas para os homens brancos.

Há décadas, seria praticamente impossível tratar publicamente de um tema tão controverso como a participação dos negros no mercado de trabalho, principalmente, em plataformas.

Convém esclarecer que a escolha desse tema se deu pela sua abrangência e consequente probabilidade de tramitação da participação dos negros nesse setor. Além disso, a definição de um lapso temporal, aparentemente longo, se relaciona com o fato de que, conforme com o que foi apurado, não são poucos os casos de negros em plataformas petrolíferas, porém, não corresponde proporcionalmente esta população.

A inserção do negro no mercado de trabalho e o papel atribuído são fatores que devem ser refletidos à luz do domínio patriarcal, ou seja, à histórica dominação do branqueamento sob a ótica da divisão do trabalho.

A oportunidade de escolaridade, acima de tudo, da boa educação, é um ponto crucial para o crescimento profissional do negro que, historicamente, foi excluído do universo do conhecimento. É notório que não são apenas os negros que tem pouca escolaridade, mas a população brasileira em geral. A discriminação vivida por este segmento agrava a situação, mas não pode ser usada como desculpa para a não existência de pessoas qualificadas para o trabalho. Há impedimentos internos no mercado de trabalho, estes existem não somente na hora da contratação dos negros, mas também na hora de sua promoção.

Nos depoimentos colhidos através das entrevistas, foi possível perceber um racismo, mesmo que velado, e este ainda é um ponto negativo, mas o preconceito não tem impedido o crescimento e inserção do negro no mercado de trabalho petrolífero. Este crescimento sinaliza o ponto positivo. No entanto, a política em prol da diversidade neste segmento pode ser realizada em favor das classes menos favorecidas na região. Esta ação pode ocorrer junto às empresas – inclusive as privadas, que estão instaladas na região para exploração de petróleo –, conveniadas aos estabelecimentos de ensino local. Logo, essa discussão é necessária em nossa sociedade nos tempos atuais. Contribuindo para o aperfeiçoamento e expansão da importância dos negros inseridos no mercado petrolífero, sempre com ética e respeito à diversidade.

Após análise dos relatos dos profissionais entrevistados, conclui-se que a inserção dos negros nas plataformas, remete a um problema de classe social e não uma questão racial.

Referências

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Notas

1 Bacia de Campos é a bacia petrolífera que mais produz na margem continental brasileira, respondendo por mais de 80% da produção nacional de petróleo. A exploração da Bacia de Campos ganhou impulso em 1974. Entretanto, a sua produção comercial predominantemente de petróleo teve início em 1977. Essa bacia estende-se por 100 mil quilômetros quadrados do Estado do Espírito Santo, nas imediações da cidade de Vitória, até Arraial do Cabo, no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro.
2 Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão ética que tem a organização com suas partes interessadas, com o objetivo de minimizar impactos negativos no meio ambiente e na comunidade local. A ideia é estabelecer um canal de diálogo entre as partes interessadas e envolvidas, com a percepção clara de que todos ganhem, inclusive os empresários, investindo recursos com preocupações sociais e ambientais.

Notas de autor

1 Doutoranda em Sociologia Política - Universidade Estadual do Norte Fluminense - Dacy Ribeiro, UENF - Campos dos Goytacazes, RJ - Brasil
2 Mestranda em Sociologia Política - Universidade Estadual do Norte Fluminense - Dacy Ribeiro, UENF - Campos dos Goytacazes, RJ - Brasil
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