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A importância da política de cotas e os desafios da permanência do aluno cotista na visão de jovens estudantes do IFFluminense Campus Itaperuna

The importance of quota policy and the challenges of permanence of quota students in the view of young students of the IFFluminense campus Itaperuna

La importancia de la política de cuotas y los desafíos de la permanencia de los estudiantes de cuotas en la visión de jóvenes estudiantes del campus IFFluminense Itaperuna

Marcio Toledo Rodrigues 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, Brasil

A importância da política de cotas e os desafios da permanência do aluno cotista na visão de jovens estudantes do IFFluminense Campus Itaperuna

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 3, 2022

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2022 pelos autores.

Recepción: 24 Febrero 2022

Aprobación: 20 Octubre 2022

Resumo: Fruto de uma pesquisa realizada com jovens estudantes dos Cursos Técnicos Integrados do Campus Itaperuna no Instituto Federal Fluminense, o presente artigo debateu a importância das cotas no ensino e levantou questões atinentes aos desafios que a Lei nº 12.711/12 colocou à permanência dos alunos cotistas na respectiva instituição. Baseada em 22 entrevistas, a pesquisa constatou, primeiramente, que boa parte dos entrevistados tinha uma percepção positiva a respeito da lei de cotas, vista como uma importante política de inclusão e reparação histórica. Em segundo lugar, observou que muitos dos participantes compreendem que apenas garantir o acesso com as cotas não é suficiente, sendo também necessário criar condições efetivas para assegurar a permanência desses alunos. Por fim, entre os desafios apontados à permanência, destacou-se o racismo, algo que está presente no dia a dia escolar e que afeta negativamente a vida do estudante negro, sobretudo o cotista, em função das desvantagens provenientes da desigualdade racial no país e da condição de vulnerabilidade socioeconômica.

Palavras-chave: Ação Afirmativa, Lei de Cotas, Permanência, Instituto Federal.

Abstract: As a result of a research carried out with young students of the Integrated Technical Courses of Itaperuna campus at the Instituto Federal Fluminense, this article discussed the importance of quotas in teaching, and raised questions regarding the challenges that Law nº 12.711/12 posed to the permanence of quota students in the respective institution. Based on 22 interviews, the survey found, first, that a good part of the interviewees had a positive perception of the quota law, seen as an important policy of inclusion and historical reparation. Second, we observed that many of the participants understand that only guaranteeing access with quotas is not enough, as it is also necessary to create effective conditions to ensure the permanence of these students. Finally, among the challenges pointed out to permanence, racism stood out, something that is present in everyday school life and that negatively affects the life of black students, especially quota students, due to the disadvantages arising from racial inequality in the country and the condition of socioeconomic vulnerability.

Keywords: Affirmative Action, Quota Law, Permanence, Federal Institute.

Resumen: Como resultado de una investigación realizada con jóvenes estudiantes de los Cursos Técnicos Integrados del campus Itaperuna del Instituto Federal Fluminense, este artículo discutió la importancia de las cuotas en educación y planteó preguntas sobre los desafíos que la Ley nº 12.711/12 trajo a la permanencia de los estudiantes de cuota en la respectiva institución. A partir de 22 entrevistas, la encuesta encontró, en primer lugar, que buena parte de los entrevistados tenía una percepción positiva de la ley de cuotas, vista como una importante política de inclusión y reparación histórica. En segundo lugar, observó que muchos de los participantes entienden que solo garantizar el acceso con cuotas no es suficiente, sino que también es necesario crear condiciones efectivas para asegurar la permanencia de estos estudiantes. Finalmente, entre los desafíos señalados a la permanencia, se destacó el racismo, algo que está presente en el cotidiano escolar y que incide negativamente en la vida de los estudiantes negros, en especial de los estudiantes de cuota, debido a las desventajas derivadas de la desigualdad racial en el país y la condición de vulnerabilidad socioeconómica.

Palabras clave: Acción afirmativa, Ley de Cuotas, Permanencia, Instituto Federal.

1 Introdução

Esse artigo surgiu como fruto de um estudo realizado em 2018 com jovens estudantes dos Cursos Técnicos Integrados do Campus Itaperuna do Instituto Federal Fluminense1, cujo objetivo era debater a importância das cotas e levantar questões relativas aos desafios colocados à permanência dos alunos cotistas após a implementação da Lei nº 12.711/122 (BRASIL, 2012). Reconhecendo o valor social dessa discussão, esta pesquisa, que transitou na interface entre as Políticas Públicas Educacionais, as Políticas Afirmativas e a luta pela cidadania, procurou pensar a respeito dos dilemas trazidos pela Lei de cotas e a luta dos cotistas pela sua permanência, dando um enfoque especial para o caso dos estudantes negros. Esse debate é bastante importante dentro da dinâmica do enfrentamento ao racismo nas escolas, pois auxilia na compreensão de como se dão as relações étnico-raciais e também no processo de desconstrução e desnaturalização das representações e preconceitos reproduzidos pelos discursos racistas, que, por vezes, se convertem em práticas discriminatórias, excludentes e violentas contra os afrodescendentes.

2 Metodologia

Para tal estudo, foram realizadas entrevistas com alunos matriculados nos Cursos Técnicos Integrados. O perfil dos participantes foi heterogêneo, com vistas a obter informações que representassem o pensamento dos diversos grupos de estudantes. Foram ouvidos 22 alunos, sendo 10 cotistas e 12 não cotistas3. A fim de garantir a participação dos selecionados, foi montado um cronograma, previamente combinado com cada um. Para sua maior comodidade, a etapa foi realizada nas dependências da própria escola. O tipo de entrevista realizada foi a semiestruturada, com questões fixas, mas mantendo-se espaço para perguntas complementares. A pesquisa usou quatro roteiros de entrevistas, definidos de acordo com o perfil do participante: negro cotista; negro não cotista; não negro cotista; não negro não cotista. Havia pequenas variações em função das especificidades do entrevistado, mas as questões centrais foram iguais para todos. Por cuidados éticos e em respeito ao sigilo estabelecido no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as falas dos entrevistados aparecem sem identificação pessoal. Quando referenciadas na pesquisa, foram feitas através dos termos desidentificados entrevistado A, entrevistado B, entrevistado C e assim por diante. Em termos práticos, o que se buscava por meio dessas entrevistas era coletar informações que ajudassem a pensar o papel das cotas e os desafios para a permanência dos estudantes cotistas na respectiva instituição, mormente os negros. Por fim, cabe destacar que essa pesquisa, do tipo qualitativa, teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CEP-CFCH) da UFRJ, instituição na qual a pesquisa se desenvolveu como parte de um projeto de doutoramento, através do parecer nº 2.813.747.

3 A Permanência como um desafio

Não há dúvidas de que a criação de mecanismos para fomentar o acesso de determinados grupos às instituições federais de ensino foi um fator relevante, mas há a outra face dessa discussão que precisa ser pensada, a permanência dos estudantes, algo crucial para se garantir o sucesso dessa política social, popularmente conhecida como Lei de Cotas. Entrar por intermédio da reserva de vagas pode significar o pontapé inicial para o rompimento de uma forte barreira de exclusão social e racial, mas, diante de toda a resistência sofrida por essa política e das dificuldades financeiras vividas pelos alunos, sobretudo os pobres e negros, tornam-se necessárias ações complementares que forneçam condições de permanência aos cotistas.4

A Lei nº 12.711/12 (BRASIL, 2012) sacramentou o acesso às instituições federais de ensino, mas não definiu os mecanismos que garantiriam a permanência aos contemplados por ela. A fim de suprir essa necessidade, o governo vem usando o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que já existia à época, como um meio de oferecer suporte aos alunos em situação de vulnerabilidade, caso de muitos cotistas. Contudo, há que se ressaltar que os recursos disponibilizados pelo Programa, apesar de importantes, não têm sido suficientes para atender a todas as demandas decorrentes da ampliação das vagas e do crescente acesso de cotistas a essas instituições. Ao falarem sobre as cotas, uma das modalidades de Políticas de Ação Afirmativa (AA), Matos e Barbosa destacaram que ela corre “o risco de inocuidade, caso não se adotem políticas eficazes de permanência, especialmente voltadas aos oriundos das escolas públicas e aos que se declaram pretos ou pardos e aos indígenas e membros de comunidades remanescentes dos quilombos” (2015, p. 2).

Ora, compete ao Estado fornecer os meios para o sucesso e a eficácia do PNAES, importante mecanismo de suporte à implementação da política de cotas. Mas é preciso ir além dessa dimensão material, pois convém considerar que a permanência do estudante de baixa renda, sobretudo do cotista negro, é uma questão bem mais complexa, que não se resume ao apoio financeiro, já que perpassa pela participação qualitativa desse estudante no ambiente escolar e pelo enfrentamento dos problemas correlacionados à permanência física e simbólica, tais como o acolhimento integral desse aluno, o respeito à diversidade e a garantia de que tenha acesso aos recursos infraestruturais e pedagógicos da instituição na qual está matriculado.

No sentido estrito, a palavra permanecer, nesse caso, está querendo indicar o ato de o aluno continuar os seus estudos até o fim do curso, desfrutando das melhores condições acadêmicas possíveis. É claro que a situação financeira e material tem um peso nesse processo, mas é inegável que a questão da permanência não pode ser resumida à concessão de dinheiro e recursos materiais. Ela deve considerar outros elementos. Segundo Reis e Tenório (2009, p. 52), ela também “não pode ser pensada como uma política transitória, mas sim como uma política efetiva do Estado, no sentido de garantir e fortalecer a trajetória acadêmica de alunas e alunos negros, com vistas à conclusão do curso”. Na fala de Gomes (2005, p. 258), não basta “abrir as portas dos cursos superiores para a juventude negra, é preciso também garantir as condições adequadas de continuidade dos estudos e de formação acadêmica e científica”. Essa exortação, bastante pertinente, não se restringe ao caso dos universitários, ela também se aplica à situação dos alunos cotistas dos cursos integrados de Ensino Médio da rede federal de educação. Estes, sem o apoio de uma política de permanência, encontram grandes dificuldades para dar continuidade aos seus estudos. Já é tempo de as Políticas de Ações Afirmativas no ensino extrapolarem aquele que era o seu objetivo mais imediato, o de garantir o acesso de determinados grupos de estudantes aos institutos e instituições universitárias de ensino público, posto que isso se consumou através da lei de 2012. O fundamental agora é aperfeiçoar, como políticas de AA, os mecanismos materiais e estruturais de permanência colocados a serviço desses alunos, e também fortalecer as estratégias simbólicas por eles construídas como forma de firmar os laços de apoio mútuo e de resistência às adversidades vividas. Foi Santos (2009), ao avaliar a política de permanência na Universidade Federal da Bahia, em sua tese de doutoramento, que chamou a atenção para essa dupla dimensão da ideia de permanência (material e simbólica) ao dizer que essa política era “um processo em construção e pode ser descrita como alguns poucos projetos institucionais de permanência e uma gama de estratégias informais criadas pelos estudantes a fim de se manter na universidade” (p. 66).

Seguindo essa linha de raciocínio, que defende a valorização da dupla dimensão da permanência, a material e a simbólica, indaga-se: mesmo que as condições financeiras e materiais dos cotistas – sobretudo aqueles das cotas raciais, principais sujeitos do presente estudo pelo entendimento de que sofrem uma dupla discriminação (social e racial), – estivessem sendo satisfeitas, é possível dizer que não haveria outros desafios colocados à permanência desses estudantes? Somente os cuidados financeiros e materiais bastariam para garantir a continuidade do aluno cotista negro até a conclusão de seu curso?

4 Em busca da qualidade no ensino, da inserção no mundo do trabalho e do acesso às universidades públicas

Durante a entrevista, os participantes foram instados, num primeiro momento, a falar sobre o motivo de terem escolhido estudar no Instituto Federal Fluminense (IFF). O objetivo era saber quais as expectativas que moviam essa opção. Em relação a isso, merece destaque a prevalência de um discurso que caracteriza a qualidade da educação oferecida pela escola como a principal razão para essa escolha. Mas não é somente isso. Nota-se, também, em muitas falas, o fato de o Instituto ser visto como instituição que oportuniza uma boa preparação para o mundo do trabalho e para o ingresso nas universidades públicas, ou seja, como um caminho que favorece a inserção social e acadêmica para muitos desses jovens.

Na opinião de um dos entrevistados, ele entrou para o Instituto pelo curso em si; eu já vim para o IFF com o intuito de me preparar para o mercado de trabalho, é a minha intenção desde o início. E por causa da qualidade do ensino (Entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista). Em sua fala, pareceu abertamente que a motivação se deu em função das questões ligadas à preparação para o trabalho e pela busca por uma educação de qualidade. Minhas expectativas eram a questão do peso que é um diploma federal e da questão da qualidade do ensino, disse outro participante (Entrevistado C, 17 anos, branco, não cotista). Teve também o relato de um estudante que afirmou que entrou no Instituto porque aqui na região o ensino é muito precário, e para você poder estudar, para você ter uma boa educação, você precisa de escola particular e eu não tenho condição para isso. Então, eu quis vir pro IFF para ter esse ensino de qualidade (entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista). Expressa-se, nesses comentários, uma visão do Instituto Federal Fluminense como instituição que propicia uma educação básica de Ensino Médio de qualidade, com poder de articular os conhecimentos científicos e humanísticos, produzidos e acumulados historicamente pela sociedade, com uma formação profissional que os capacite para o mundo do trabalho, algo essencial para o futuro desses jovens. Nesse mesmo diapasão, exaltando a perspectiva da excelência do ensino oferecido pelo Instituto e do seu papel de fomentar uma boa preparação técnica para o trabalho, um dos participantes destacou que

[…] como era um colégio federal, com um ensino muito bom, e era de graça, e só precisava fazer uma prova, eu optei por tentar, né. Porque eu vi que teria uma chance de ter mais coisas no meu currículo, um ensino melhor e também como é um curso técnico eu já poderia me preparar para um futuro emprego ou algo assim. (Entrevistado D, 17 anos, negro, cotista).

Configura-se como um atrativo para aqueles que aspiram a entrar como estudante na instituição o peso do diploma e o fato do IFF ser uma escola federal que desfruta de certo prestígio. Em um dos depoimentos, o entrevistado, que fez o ensino fundamental na rede pública, mencionou que foi atraído pela imagem positiva que o Instituto possui perante a sociedade, e ainda acrescentou que sua motivação também se deu pela qualidade que almejava para o ensino que receberia e a chance de ter uma boa preparação acadêmica para facilitar o ingresso na universidade por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em sua narrativa, ele afirmou que:

Eu escolhi estudar aqui porque já tinha em mente que queria administração ou alguma coisa relacionada a área, e todo mundo, pelo menos em grande maioria, sempre falou que o ensino aqui era muito bom e tudo o mais. E para eu poder passar no ENEM, precisaria de um ensino melhor e romper com essa deficiência que o ensino médio público lá fora tem. […]. Por isso que decidi entrar. (Entrevistado B, 17 anos, negro, cotista).

Outra participante, em seu relato, disse que estudar no IFF era um sonho familiar e que buscava, no Instituto, a qualidade no ensino e a chance de se preparar para o ingresso no ensino superior.

Estudar no Instituto era um sonho familiar, até porque por conta da condição financeira […] eu continuaria na rede pública (estadual). E isso, para minha mãe, era muito ruim, porque ela pretendia que eu fizesse ensino superior, que eu tivesse uma carreira profissional. Sempre fui muito curiosa. E me deixar no estadual, para ela, era o fim do mundo, em relação às expectativas que ela tinha em relação a mim. Sabendo que eu tinha potencial para crescer, mas devido a oportunidade, devido à matéria que é aplicada na rede estadual, talvez não atenderia o que eu precisava. E aí a oportunidade de vir para o IFF, foi a oportunidade que eu vi de conseguir ingressar no ensino superior sem passar tanta dificuldade como um aluno da rede pública (estadual), por não ter condição também de pagar uma faculdade particular […]. (entrevistada I, 17 anos, branca, não cotista).

Houve também quem descrevesse que o IFF era a sua grande oportunidade de estudar numa escola que fosse pública, de qualidade e acessível, já que sua família teria dificuldades financeiras de pagar pelo seu ensino.

Inicialmente, eu me propus a vir para o Instituto, a concorrer a uma vaga, porque, em nível público, é a melhor instituição que tem no município. E como minha família não tem condições de arcar com o ensino privado, eu tentei a sorte. Eu vim, fiz a prova e, por critérios até de cota, eu consegui entrar. E foi esse realmente o motivo de eu vir pro IFF, por uma educação de qualidade e que seja pública e acessível para mim. Porque eu não tinha acesso se fosse privada. (entrevistado U, 19 anos, pardo, cotista).

Constata-se nessas declarações que, ao contrário do que acontece com outras instituições públicas de Ensino Médio, o IFF desfruta de relativa credibilidade social, já que é visto como um caminho reconhecido para a aquisição de um bom ensino, servindo, inclusive, aos propósitos daqueles que buscam se preparar melhor para o ENEM, exame imprescindível para o estudante que pretende ingressar nas universidades, até o momento. Afirmou outro entrevistado que […] eu optei pelo IFF mais por causa do ensino de qualidade, que, infelizmente, a gente não pode observar nos colégios estaduais e também nos municipais […]. Então, eu vim aqui por causa da educação […], eu vi que o ensino era de qualidade (entrevistado O, 18 anos, negro, cotista). Nota-se, portanto, o fator qualidade como algo decisivo na escolha dos jovens entrevistados e um dos argumentos mais recorrentes em boa parte dos relatos.

Realmente, em sua gênese, os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFETs) nasceram para garantir uma formação qualitativa, integradora, verticalizada e comprometida socialmente. Conforme assinala Ciavatta (2010, p. 160), os Institutos Federais surgem com duas responsabilidades institucionais marcantes: promover o ensino, a pesquisa e a extensão como Universidades e, além disso, garantir a oferta de um ensino de qualidade que seja emancipador. Isso está claro na lei de criação dos Institutos Federais de Educação, que, em seu Art. 7º, inciso V, afirma ser seu dever: “estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional” (BRASIL, 2008). A noção de emancipação, nesse contexto, é claramente relacionada à ideia de cidadania, que, por sua vez, articula-se à busca da transformação da realidade na qual essas instituições se inserem. E a narrativa dos entrevistados corrobora com essa visão dos institutos como espaços de articulação entre qualidade de ensino e formação para o trabalho. Essa forma de representar os IFETs, permite defini-los como um avanço em relação aos modelos de formação profissional anteriores, que de modo geral se restringiam à capacitação técnica. Diferente de antes, o que se propõe, agora, é uma educação integrada, que procura fazer a aproximação dos estudos teóricos, políticos e tecnológicos, com vistas a ajudar o estudante a compreender e transformar as relações socioeconômicas que marcam o mundo à sua volta. Mesmo que na prática a realização de tal perspectiva enfrente obstáculos, ela é vista como um progresso importante pelo fato de estar estabelecida na legislação fundadora dessas instituições, sendo, inclusive, percebida por aqueles que a buscam, pois, afinal de contas, os institutos teriam como prioridade manter a qualidade do ensino (SCHMIDT, 2010, p. 53-54).

Assim, em suma, colocados como uma alternativa ao modelo de educação dual, os Institutos Federais teriam surgido com o propósito de fomentar o desenvolvimento das capacidades humanas, bem como de estimular a compreensão crítica da realidade e do mundo do trabalho. Por isso, mais do que formar para uma profissão técnica ou preparar para o ingresso às universidades, os IFETs seriam um espaço dedicado a uma educação voltada à compreensão da realidade e à construção de uma consciência crítica, cidadã e pensante, conforme se vislumbra na fala a seguir, em que essa questão não passa despercebida para um dos entrevistados:

A princípio, antigamente, eu pensava que o IFF era o lugar onde você ia entrar e sair trabalhando, né? Hoje em dia, eu não penso mais assim. Eu acho que você entra e sai pensando. Não é simplesmente uma questão de procurar o emprego, é uma questão de formar o seu caráter, porque eu poderia formar o meu caráter em muitos lugares, mas se eu formo o meu caráter onde me dá educação e oportunidade de crescer na vida, eu acho muito interessante, sabe? Então, assim, com certeza, me deu muita base para seguir na minha vida profissional, tanto que eu trabalho com projetos de pesquisa e extensão e me dá experiência. Então, assim, acho que atendeu minha expectativa de forma diferente. Eu nem sabia que existia bolsa quando entrei no IFF. (Entrevistado F, 17 anos, negro, não cotista).

5 As cotas na perspectiva dos alunos

Em determinado momento da entrevista, após terem falado sobre o que pensavam dos IFETs, os participantes foram questionados se já tinham escutado falar sobre as AA e se conseguiriam definir o que seriam elas. Além disso, foram questionados se sabiam o que era a Política de Cotas e se tinham conhecimento de que ela era uma das modalidades de AA.

Em relação à questão sobre já ter escutado falar das AA, metade do grupo respondeu afirmativamente e os outros 50%, negativamente. Quanto a saberem definir o que seriam as AA, a maioria, 63,63%, disse que não tinha conhecimento do assunto. A respeito das cotas, todos afirmaram saber o que era essa política, mas apenas 36,37% tinham noção de que ela era uma das modalidades de Ação Afirmativa. Deduz-se, a partir desses dados, que as AA podem ainda não estar suficientemente difundidas entre a população. Metade dos participantes sequer tinha escutado falar delas. Além do mais, alguns dos que afirmaram ter escutado algo sobre esse assunto, disseram que foi de forma superficial. Não é por acaso, portanto, que muitos não conseguiram definir o que seriam as ações afirmativas. No que se refere às cotas, verifica-se que elas já estão mais popularizadas, mais conhecidas, apesar de poucos as associarem às AA.

Sem dúvidas, a política de cotas vem se consolidando no Brasil nos últimos anos, a despeito dos seus críticos e dos ataques que sofre de certos setores da sociedade. Cada vez mais, esse direito, estabelecido por lei, vem garantindo o ingresso em instituições federais de ensino a estudantes que nem sonhavam com isso antes. Em determinado ponto da entrevista, cotistas e não cotistas responderam à questão que indagava sobre o que eles achavam dessa política, como forma de saber qual era a sua visão do tema. A maior parte dos entrevistados, inclusive entre os que não são beneficiários dela, mostrou-se favorável e deu sinais de compreenderem o valor social das cotas. Um dos participantes, branco e não cotista, destacou que achava certo que existissem, argumentando que elas se justificariam não só por questões históricas, mas porque dá uma oportunidade real para aqueles que se encontram em situação comprovada de desvantagem, numa sociedade em que as chances de ricos e pobres são diferentes, pois está claro que as condições não são iguais para todos. Em sua resposta, ele deu maior ênfase à dimensão social das cotas, mas demonstrou concordar com as de viés racial, já que fez referência à questão da cor e da dívida que o país tem com alguns povos. Em suas palavras, ele assinalou que:

Eu acho certo ter. Não só pelo fato da cor para algumas pessoas ou pela dívida que a gente tem com certos povos, mas é simplesmente uma questão de oportunidade. Não é tão justo, não adianta falar que tem chance, que basta ter força de vontade ou desempenho que uma pessoa consegue entrar na faculdade, sendo pobre ou numa situação muito precária. […] tem uma diferença muito grande de uma pessoa rica, com uma boa renda, para pessoa pobre, que não tem tanta oportunidade igual a ela de ter um ensino melhor, de ter um livro bom, essas coisas. Então é importante ter isso para desigualdade social diminuir um pouco também, que isso é evidente. (entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista).

Sabe-se que uma das dimensões usadas como argumento favorável às cotas diz respeito à necessidade de reparação das injustiças históricas sofridas pelos negros desde a época da escravidão, algo que não se encerrou com a abolição, haja vista que afetou, e ainda afeta, diretamente as condições de vida dos afrodescendentes, especialmente por conta da manutenção das estruturas e práticas racistas, que só fazem aumentar o abismo racial e social. Nesse sentido, sem uma intervenção externa, o quadro de desigualdades raciais que se instalou no Brasil não mudará espontaneamente. Tal compreensão das cotas como uma política reparatória essencial foi um dos recursos argumentativos usados por alguns dos estudantes entrevistados, tendo encontrado clara ressonância na fala de um deles, que, ao manifestar a sua aprovação a essa forma de ação afirmativa, declarou:

O Brasil tem uma dívida histórica com a população negra que não é bem respaldada desde há muito tempo. Assim, e por mais que tenha inserido as cotas, que é extremamente importante, a gente ainda não chegou onde tem que chegar. Então, eu espero que futuramente não seja mais necessário, mas eu penso que agora é preciso, sim, por conta da dívida histórica mesmo. (entrevistada E, 18 anos, negra, cotista).

Nota-se, também, nessa fala da estudante, cotista e negra, que o seu entendimento é de que essa política deve ser vista como uma medida transitória, pois a expectativa é que ela não seja mais necessária um dia; porém fica evidente que dentro do atual contexto histórico não há como abrir mão da adoção das cotas, tendo em vista a realidade bem adversa e desfavorável vivida pelos afrodescendentes, situação que só pode ser mudada por meio de políticas afirmativas específicas, pois as de caráter generalista não dão conta de fazê-lo, já que ignora as especificidades que afetam esse grupo. Em direção similar, outro entrevistado ressaltou o valor da cota como uma ação de reparação histórica, quando diz que ela é necessária porque a gente vê as pessoas falando que ‘cota é isso, que cota é esmola, que cota é aquilo’. Mas não é. Cota é uma dívida para o povo negro, para a raça negra, que já sofreu tanto (entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista).

Alguns dos críticos das cotas afirmam que elas desrespeitam o princípio da igualdade constitucional e, além disso, ferem a crença no mérito acadêmico individual. Em contraponto ao discurso da suposta igualdade e da meritocracia, os dados das pesquisas, como as de Hasenbalg e Nelson do Valle5, indicam que o ponto de partida das pessoas não é igual, sobretudo num país onde as desigualdades raciais e sociais definem as posições de poder, tornando-se uma marca de distinção social, política, econômica e cultural. Fatores como renda, estrutura familiar, cor, educação, entre outros, interferem nas oportunidades que a pessoa terá ao longo de sua vida, limitando ou ampliando os seus caminhos, inclusive o educacional. Dentro dessa reflexão, chama a atenção o comentário de uma entrevistada, a qual destacou o modo como essas desigualdades criam as desvantagens e as restrições de oportunidades que atingem mais fortemente os negros, população que compõe a maioria nas periferias:

Eu acho que é muito necessário, porque a gente, às vezes, acha que é bobice, que todo mundo tem a mesma capacidade […] de fazer as coisas, mas, além de não ter […], não tem oportunidade igual, nem educacional […]. Tem até uma coisa que um professor de sociologia falou que achei muito legal, que é tipo se você quiser igualar todo mundo, vamos pensar o que está diferente: transporte? Aí você vai lá e coloca transporte pra todo mundo. Dá uma ajudada! Professor? Aí você coloca professor disponível pra todo mundo. Dá uma ajudada! Mas não tem como você refazer o ambiente que essa pessoa vive, a estrutura familiar. A condição econômica mesmo, é muito difícil! Então, assim, são pessoas muito diferentes, sabe? E as pessoas muito diferentes de oportunidades, se enquadram, muitas das vezes, nas características das pessoas que moram em periferias, que em sua grande maioria são as negras. Então, assim, eu acho que falar “ah, não precisa de cotas porque tem negro rico, é você colocar a minoria da minoria para desmerecer uma política que ajuda muito as pessoas, tanto que a quantidade de pessoas negras depois da política de cotas aumentou muito nas universidades e institutos, tipo o IFF. Eu vejo uma importância muito grande […]. (entrevistada F, 17 anos, negro, não cotista).

Mostrando-se favorável às cotas, inclusive as raciais, essa participante assinalou o quanto elas abriram as portas das universidades e institutos federais aos negros e aos desfavorecidos em geral, num país marcado pelas diferenças de oportunidades. As cotas estariam mudando a vida das pessoas e o perfil do público assistido por essas instituições, dando mais oportunidades aos negros, por exemplo. Teve mais entrevistados afirmando algo parecido. Um deles, negro e cotista, disse que se não fosse por causa da cota no ensino público, talvez eu não teria passado pela ampla concorrência. Então, por isso que eu acho necessário, não só a cota socioeconômica de escola pública, como também a cota racial (Entrevistado B, 17 anos, negro, cotista). Essas narrativas referendam o papel dessa política como um caminho fundamental para a inclusão de pessoas e grupos minoritários e/ou historicamente excluídos da agenda pública nacional. Numa outra entrevista, de maneira bastante peculiar, uma participante reforçou esse entendimento a respeito das cotas, ao defini-las como um instrumento de integração. Segundo ela, Essa é a palavra que define para mim: integração. Integração de alunos que não tiveram as mesmas oportunidades que eu. Integração de alunos que não têm condição financeira. Integração de alunos desamparados pelo governo (entrevistada I, 17 anos, branco, não cotista).

É certo que a desinformação ou as informações truncadas não ajudam a esclarecer o real significado que essa política pública tem para a sociedade brasileira. Como resultado, isso gera incompreensões ou preconceitos em relação a ela. Não são poucas as pessoas que se opõem às cotas com base em opiniões pessoais, sem respaldo científico e sociológico. Inclusive, entre os próprios beneficiários dessa medida, há quem não consiga enxergar os seus benefícios, tanto a nível pessoal quanto social. Como exemplo, há o caso de um dos entrevistados, autodeclarado negro, que descreveu como era contrário às cotas, mesmo tendo concorrido às suas vagas. Segundo ele informou:

Por influência de amigos, antigamente eu era contra. Mesmo optando pela questão de…“ah, tenho esse privilégio, vou aproveitar”, eu era contra! Mas aí eu comecei a abrir a mente para várias ideias, vários debates. Então, a partir do momento que teve até palestras no IFF, sobre o novembro negro e tal, eu vi […] que a cota tem uma questão de dívida histórica. […]. E esse outro lado do argumento que abriu um pouco minha mente foi essa questão que é uma dívida histórica, a questão que quando teve o abolicionismo muitos negros foram para a periferia e tal. Isso tudo tem a ver com a questão de formar a caricatura do negro, entendeu? Hoje, sim, sou a favor e entendo que é altamente necessário. Mas já fui contra um dia, mesmo gozando do privilégio. (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Ora, a sua rejeição às cotas raciais se dava mais por conta do desconhecimento a respeito do tema do que por argumentos convincentes ou outros motivos mais sólidos. Ele próprio destaca que sua mudança de postura aconteceu em virtude da participação em debates e eventos que aprofundaram a sua compreensão do assunto e resgataram-lhe o sentido da história e da cultura afro-brasileira, fatores que tiveram um peso significativo na reformulação de suas ideias. Diante disso, ele passou a reconhecer as cotas como um instrumento valioso de reparação das injustiças históricas e de garantia de oportunidades aos negros, que, até então, em sua opinião, teriam sido abandonados pelo Estado nas periferias, desde os primórdios do pós-abolição. Em outro trecho, quando inquirido sobre a importância das cotas, esse mesmo estudante salientou o caráter inclusivo delas, já que abririam espaço para a realização dos sonhos daqueles que não tinham muitas expectativas anteriormente. Afirmou ele que:

A palavra básica é inclusão social. A gente pode pensar assim: mas inclusão do quê? É…os negros… ah, a pessoa pode pensar: “ele não precisa de cota, ele é negro, tem a mesma capacidade que uma pessoa branca”. Sim, mas ao mesmo tempo é um incentivo, uma questão de você incluir a pessoa naquele meio. Porque se você pegar as pessoas que convivem comigo na minha cidade, amigos meus que são negros também, que estudam em outras escolas, eles não têm essa questão de que “quero estudar ali porque eu quero aprender mais, quero sair dali capacitado com um curso”. É só aquela visão de querer terminar o ensino médio e começar a trabalhar, e acabou! Eu acho que as cotas contribuem para quê? Para colocar o negro e falar assim: “você tem importância ali”. É a questão dessa inclusão, você é importante para a gente, a gente quer trazer você para cá. E também já vi vários debates que é assim a questão de você ter mais negros com acesso ao ensino intelectual. (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Refletindo sobre essa mesma questão, um outro participante lembrou das dificuldades que um aluno negro, pobre e periférico tem para entrar nas instituições públicas de ensino superior, em função dos problemas financeiros e do despreparo para concorrer em condições de igualdade com aqueles que têm dinheiro para pagar as boas escolas e os melhores cursinhos. Dessa maneira, as cotas teriam a função de equilibrar um pouco mais o jogo, criando oportunidades para os que se encontram em situação de desvantagem e vulnerabilidade, assegurando algum grau de justiça social para aqueles que precisam transpor enormes obstáculos na luta pelo acesso a um ensino de qualidade, preferencialmente o público e gratuito. Ele disse:

O negro, normalmente, no Brasil, não tem condição de pagar uma faculdade, uma escola. E o ensino público no Brasil é muito defasado, sabe? Ele não é tão bom assim. E acaba que a maioria dos alunos de escolas públicas de ensino fundamental e ensino médio são negros, periféricos, e, tipo, eles têm que trabalhar ainda para ajudar no sustento da família e acaba atrapalhando um pouco o ensino deles. Então para eles terem a chance de entrar na faculdade pública, a mesma chance que uma pessoa que teve dinheiro para pagar um colégio, um cursinho, é necessário que tenha essas cotas, tanto para o negro quanto para o indígena. (entrevistado K, 18 anos, preto, não cotista).

Reforçando esse ponto de vista, uma das entrevistadas ressaltou que a política de cotas é uma preciosa ferramenta de inclusão numa sociedade que discrimina as pessoas pela cor ou por causa dos seus antepassados. Em sua opinião, as cotas são algo bom, pois as pessoas negras e indígenas, muitas das vezes, não são aceitas ou são discriminadas em alguns locais, justamente por causa da cor ou dos antepassados. Então, acho que isso é bastante importante para elas, que, às vezes, não são aceitas em alguns locais de trabalho ou até mesmo em algumas instituições (entrevistada D, 17 anos, negra e cotista). Ora, se eu não tivesse tido a oportunidade de estudar aqui com a cota, eu teria continuado num ensino que não tem uma qualidade tão boa quanto essa, e não teria chance de ter um desempenho melhor, disse outra participante (Entrevistada Q, 19 anos, negra, cotista). Nota-se, nesses relatos, que as cotas são representadas como uma política importante para a superação das barreiras do racismo, pois oportunizam, através das vagas reservadas, maiores chances de acesso a um ensino público mais qualificado.

Houve o caso de um entrevistado que justificou a validade dessa política com a afirmação de que Deveriater as cotas raciais por causa da história do negro […]. É muito difícil você ver um negro sendo médico, por exemplo. É muito difícil você ver um negro advogado […]. E os negros são muito vítimas da violência, até hoje em dia (entrevistado O, 18 anos, negro, cotista). Em sua fala, o racismo e a violência contra os negros são interligados e vistos como barreiras concretas à sua inserção na sociedade, o que demandaria políticas públicas específicas para reverter esse quadro desfavorável aos afrodescendentes. Nessa mesma pegada, outra estudante também destacou positivamente o papel das cotas na luta contra a exclusão dos negros, cuja causa é o racismo, situação que, para ela, ainda está visivelmente presente na sociedade brasileira. A participante ainda enfatizou que as cotas não seriam uma esmola, mas, sim, uma obrigação do Estado por razões de justiça social e reparação histórica, a fim de que se possa valorizar os negros.

Eu acho a política de cotas muito essencial […]. Muita gente acha que a política de cotas, principalmente por raça e cor, não é essencial, que todo mundo é igual e tudo o mais. Mas acho que o brasileiro, por tudo o mais que vem ainda acontecendo com o negro, acho que a gente tem uma dívida certa com o negro, e acho que a cota é mais que uma obrigação, cota não é esmola. E porque o racismo ainda está presente aqui no Brasil. Esteve há muito tempo atrás, de uma forma muito brusca e acho a política de cotas muito essencial, socialmente e economicamente, porque nem todo mundo tem as mesmas oportunidades e tal. Tem gente que tem a oportunidade social mais alta e outras não, e acho que a cota é uma coisa que ajuda muito, e que não é esmola igual muitos falam.

[…] acho que o racismo ainda está presente, o que faz com que alunos negros e pobres tenham menos oportunidades que os brancos ricos. Então eu acho a importância muito grande, porque, mesmo os outros não achando, o aluno negro e pobre fica atrás do branco. E acho a política de cotas muito importante para ele ser valorizado, para que ele seja importante assim como o branco. (Entrevistada L, 15 anos, parda e cotista).

Destacando a relevância da Política de cotas, disse outra participante que ela é muito necessária, porque enquanto tiver desigualdade, tanto social quanto racial, o Estado tem que prover meios para tentar equiparar isso para que essa situação mude (entrevistada R, 18 anos, branca, não cotista). Essa fala reforça a ideia de que o problema das desigualdades raciais e sociais não será resolvido sozinho, cabendo ao Estado assumir a responsabilidade desse processo por meio do incentivo e implementação das medidas afirmativas de combate às mazelas resultantes dessas desigualdades. Como afirmou um dos alunos: Aqui, no IFF, ainda tem muita gente que acha que cota é balela, que cota é esmola, que preto e branco é tudo igual. Esse pessoal nunca teve esse trabalho de se colocar no lugar do outro, sabe? De entender que a cota é realmente necessária para que haja esse nivelamento (entrevistado K, 18 anos, preto, não cotista). Sintetizando algumas das linhas argumentativas em defesa das AA, um dos entrevistados respondeu da seguinte maneira à pergunta sobre o que pensava da política de cotas:

Hoje, no segundo ano do ensino médio, com 17 anos, eu não tenho a mesma cabeça que eu tinha antes de entrar aqui. Porque eu fiz a primeira prova e eu sempre estudei em colégio particular e tudo mais. Os meus pais tinham condições de pagar e tal. Antes de entrar aqui, eu achava essa questão de cota totalmente desnecessária, porque achava que era totalmente por mérito, que o ambiente não condicionava, que era só por força de vontade. Eu fiz a prova, a primeira vez, para entrar aqui e não entrei. Fiquei na reclassificação e faltou uma pessoa (vaga) para entrar, e eu não entrei. E nisso, eu fiquei transtornado com esse negócio de cotas. Esse negócio de cotas não é assim, que tem gente que nem estuda tanto e vai tá lá dentro e eu não tô. Eu pensava dessa forma. E depois que eu fiz a prova pela segunda vez, que eu passei e entrei aqui, e com as coisas que o Instituto oferece, e também com a disponibilidade que eu tive, e com as novas coisas que foram oferecidas a mim, para estudar e tudo mais, eu comecei a olhar não só pro meu próprio umbigo, mas sim pro restante das pessoas que estudam nessa escola. E vi essa questão da vida que eu tive, que meus pais me proporcionaram, e que nem todo mundo teve a mesma oportunidade que eu tive, que nem todos os pais tiveram as condições de fazer o mesmo que os meus fizeram para mim. E eu comecei a enxergar essa questão de cotas. Na questão econômica, eu comecei a visualizar que nem todos os pais tem as condições que os meus têm. E na questão racial, eu comecei a perceber aquelas pequenas coisas que a gente achava que não eram racismo, que não eram algum tipo de preconceito. Eu comecei a visualizar isso, e ver que o passado reflete hoje e no futuro. A questão da escravidão, depois de abolida, ninguém fez nada pelos negros. Os negros foram para as favelas, para os subúrbios, e nada foi feito para mudar a realidade dos negros. E, infelizmente, as coisas aqui no Brasil, e no mundo, ainda são assim. Porque, eu não sei a porcentagem, mas é muito pouco, perto de todas as instituições públicas e privadas, o número é pouco de negros que estão na faculdade e que tem oportunidades, entende? Depois que eu entrei aqui dentro, eu comecei a ver e ter esse pensamento de questões de cotas econômicas e raciais e tudo mais. (Entrevistado S, 17 anos, branco, não cotista).

Essa resposta, dada por alguém que era contrário às cotas e que depois mudou de opinião, expressa, primeiramente, o reconhecimento da existência das desigualdades e o quanto elas desfavorecem a algumas pessoas e grupos. Mas, além disso, essa fala, feita por um estudante branco e não cotista, também ressalta o quanto a Política de cotas é compreendida como uma ação fundamental para corrigir as distorções causadas por essas desigualdades, tendo em conta que promove a ampliação das oportunidades para aqueles que se encontram em situação de desfavorecimento e desassistência, seja por motivos econômicos e/ou pelos raciais.

6 “Só garantir a vaga não é suficiente”

A respeito dessa discussão, boa parte dos estudantes entrevistados defendeu que o acesso garantido pela Lei nº 12.711/12 (BRASIL, 2012) é só a porta de entrada, e que, portanto, o compromisso institucional com o cotista não deve se encerrar com o ato da matrícula, devendo, pois, estender-se até a conclusão do curso. Essa opinião foi compartilhada inclusive por alguns dos alunos não cotistas. Por exemplo, questionado se seria suficiente que o Instituto apenas garantisse a reserva das vagas de cotas, um desses estudantes disse que só isso não é o suficiente. Acho que outras ações seriam importantes também (entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista).

Só garantir a vaga não é suficiente. Tem que ter também outros meios […]. Tem a bolsa de permanência, que ajuda algumas pessoas, mas é muito seletiva. Poucas pessoas conseguem, se não me engano 30, diz outra estudante (entrevistada P, 17 anos, branca, cotista). O principal questionamento, nesse caso, é o pequeno número de beneficiados por essa política institucional. Em direção similar, houve quem dissesse que deveria ampliar porque essa quantidade de bolsas permanência é muito pouca em relação à quantidade de alunos cotistas que tem aqui (entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista). Essas falas chamam atenção para o número limitado de bolsa permanência–IFF, que é vista como um auxílio relevante, mas que vinha sendo oferecida em quantidade bem abaixo da demanda. Também indagada sobre essa questão, uma das participantes, que é negra e cotista, destacou o fato de que o Instituto deve oferecer o apoio financeiro necessário a esses estudantes, pois sem isso fica difícil garantirem sua permanência, especialmente para o aluno que é negro, por conta da sobreposição dos fatores econômicos e raciais. Como tem provado a literatura, a combinação dos problemas financeiros e étnico/raciais criam barreiras adicionais para esse estudante, aumentando os desafios à sua continuidade na escola. De acordo com a referida aluna:

[…] tem a questão da permanência também, porque historicamente, falando de novo, tem cota para salário, tem cota para cor/etnia, e muitas das vezes essas coisas se cruzam. Por exemplo, cor com cota para salário. Então, muitas vezes, o aluno negro acaba sendo vítima, por assim dizer, desse sistema. Então, acaba sendo difícil a permanência dele aqui dentro. Então, essas bolsas de auxílio, essas coisas, que a gente já vem presenciando são importantes para a permanência dele aqui. Então, só as cotas não seriam tão suficientes para isso. Eu acredito que esses auxílios sejam importantes. (entrevistada E, 18 anos, negra, cotista).

Em direção bem parecida, um dos alunos afirmou que é necessário que o Instituto complemente as vagas com outras ações porque o aluno que é pobre e negro, ele acaba passando pelo sistema de cotas, mas por ele ser pobre, como que ele vai fazer para chegar até aqui? O entrevistado completa o seu raciocínio fazendo o seguinte questionamento: Por exemplo, a pessoa que mora lá em São José de Ubá ou então mora lá em Miracema, ela precisa de um auxílio-transporte para vir para cá. Se não tiver esse auxílio, como vai se transportar até aqui (Entrevistado O, 18 anos, negro, cotista)? Esse relato expressa a constatação de uma realidade que afeta diversos estudantes do IFF-Itaperuna, que é a necessidade de custeio do deslocamento da residência até a unidade escolar. Esse fator tem se refletido sobre a permanência dos alunos, sobretudo no caso daqueles que vêm de outras cidades, já que nem sempre é garantido o transporte gratuito por parte do poder público. Na ocasião, somente Itaperuna vinha oferecendo com alguma regularidade esse benefício. Para os que são pobres e vêm de fora, a situação costuma ser bastante complicada quando lhes falta essa garantia básica. Adicionando elementos a esse debate, uma das entrevistadas relatou, a partir de sua experiência pessoal, a dificuldade que teve para conseguir o transporte e frequentar a escola, inclusive tendo de recorrer à Justiça para garantir a gratuidade no ônibus.

[…] No primeiro ano eu consegui uma bolsa transporte, mas, mesmo assim, acabou, e eu tentei no segundo ano e não consegui, por mais que eu tenha levado todos os documentos e tudo direitinho. E eu realmente precisava, mais pelo socioeconômico. E esse ano eu também não ganhei, foi uma dificuldade danada, eu só consegui estar aqui hoje porque a gente conseguiu entrar na Justiça para ter o ônibus […], porque senão eu não estaria aqui. Porque como eu moro em outro município é muito difícil. (entrevistada Q, 19 anos, negra, cotista).

Essas histórias só confirmam que não basta oferecer o acesso com as cotas, é preciso planejar uma política de permanência que seja ampla e atenda às diferentes necessidades desses estudantes. Contudo, cabe considerar que as dificuldades não se restringem apenas ao campo financeiro. Além da importância de o Instituto garantir bolsas a esses estudantes e dialogar junto às autoridades municipais acerca da necessidade de que seja ofertado o transporte gratuito, há outras demandas que transcendem a dimensão do econômico, e que não podem ser negligenciadas quando se põe em evidência a questão da permanência. Esses demais aspectos podem ser percebidos na fala dos próprios entrevistados. Foi o caso de um dos participantes, um aluno negro e cotista, que apontou para a necessidade de o IFF dispensar mais cuidados no apoio acadêmico-institucional aos seus estudantes.

Acho que o IFF poderia sim fazer algumas ações específicas, dar algumas aulas extras, alguns projetos que ajudassem esses alunos cotistas porque nem todos os alunos cotistas tem muito conhecimento ou tiveram um bom ensino, essas coisas. Então, acho sim que o IFF poderia fazer alguma coisa para ajudar esses alunos. (entrevistado O, 17 anos, negro, cotista).

Sua narrativa revela que há uma expectativa de que o IFF ofereça algo a mais ao aluno das cotas, uma atenção especial, a fim de que este possa sentir-se acolhido e apoiado institucionalmente, o que lhe traria maior segurança acadêmica e uma sensação de amparo. Citando exemplos, ele destacou a importância de que haja um acompanhamento pedagógico mais estreito a esse aluno, seja por intermédio de aulas extras ou por outro projeto de reforço escolar, pois entende que nem todos os alunos cotistas tiveram acesso a um bom ensino. Essa medida, em sua opinião, elevaria o conhecimento desse estudante, ajudando-o a melhorar o rendimento na escola. Ora, porque se há cota, há um motivo. Não é só deixar ali, tipo, a cota e pronto, entendeu? Entrou! Agora entrou, está lindo! Não é assim! O apoio psicológico, emocional, o apoio acadêmico, tudo faz a diferença, né? Não adianta nada só entrar, tem que permanecer, disse outra participante (Entrevistada I, 17 anos, branca, não cotista). Além do apoio pedagógico ao cotista, a fala dessa aluna revelou uma preocupação mais profunda, que vai na linha do cuidado integral a esse aluno, inclusive com direito a acompanhamento psicológico e emocional. Conforme assinalou a entrevistada L, acho que é importante para ele se sentir bem, se sentir mais confiante (15 anos, parda, cotista).

Sem dúvidas, as narrativas desses entrevistados reforçam a percepção de que é importante o apoio institucional ao estudante cotista como uma condição imprescindível para que se evite a evasão. Nesse sentido, chamou a atenção o relato de outro participante, pois ele deu a entender que essa preocupação não deve ser ocasional, mas sim tratada como uma política de cuidado permanente com o estudante, colocada especialmente a serviço dos alunos novatos, os quais considerou como mais suscetíveis à adaptação escolar. Segundo ele:

Por mais que você tenha vagas, e bastante vagas para eles entrarem, muitos que entram acabam evadindo. Eu acho que falta para o Instituto essa questão de “ah, ele entrou, vamos capacitá-lo, vamos apoiar ele de uma forma”. De estar sempre se reunindo com os alunos, não só os negros, mas todos os alunos que entram também, entendeu? Para apoiar ele naquele início porque os anos mais importantes para o aluno aqui são os primeiros, que é onde ele tem o feedback principal, que é onde ele vai decidir se vai sair, continuar ou acabar, entendeu? (Entrevistado J, 18 anos, preto, não cotista).

7 Vencer o racismo, o preconceito e a discriminação

A fim de lançar luz a essa questão, indagou-se aos estudantes entrevistados se eles acreditavam haver alguma dificuldade que os cotistas enfrentavam dentro do Instituto e que não era vivida pelos demais alunos. Muitos responderam afirmativamente à pergunta. Para ilustrar, um dos participantes salientou que os cotistas são vistos com desconfiança por conta dos estereótipos e preconceitos que põem em dúvida a sua capacidade intelectual, porque, como diz:

Tem a questão de ele chegar aqui com a formação abaixo da média do que a instituição pede, no mínimo. Às vezes, o comentário da sala de aula é: “opa, você é burro porque você é cotista. Você está fazendo o que aqui cotista”? Entendeu? Ou seja, eles justificam essa baixa intelectualidade da pessoa pelo motivo da cota. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. A dificuldade é essa, é você criar um estereótipo que é a questão da cota relacionada à pessoa e à inteligência dela. (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Tal relato expõe o fato de que alguns estudantes ainda veem as cotas como um demérito, como algo impróprio ou indigno, já que abre espaços para quem supostamente não merecia estar ali, para os hipoteticamente despreparados. Em muitos casos, isso induz a comunidade escolar a subestimar o potencial do cotista e a tratá-lo como alguém menos apto a responder satisfatoriamente às cobranças acadêmicas. Nesse sentido, ocorre que há aqueles que se referem ao cotista de forma depreciativa, como um desclassificado que acaba sendo tratado com discriminação e desdém, pois, presumidamente, não entraria nos institutos e universidades se não fossem as vagas reservadas. Perguntada se achava que o cotista sofria com esse problema, uma das entrevistadas disse que:

Sofre, porque, tipo assim, às vezes, um aluno branco entrou por mérito, por ter tirado uma nota alta, mas aquele aluno negro pode ter entrado pela cota de negro, pela cota social, e o aluno branco pode até jogar na cara do aluno negro que ele entrou por cota, que ele não entrou por mérito dele. Eu já vi esse tipo de coisa acontecer aqui dentro no campus. Tipo o aluno virar para mim e falar assim: “ah não, ele só entrou por causa de cota. Ele entrou por que tem três cotas, a social, a de raça e a questão salarial e economicamente”. Ainda julga eles por causa disso. (Entrevistada L, 15 anos, parda, cotista).

Reforçando essa sensação, outro entrevistado opinou que os cotistas sofrem, sim, com a discriminação, porque muitos são indiferentes à situação desses alunos, insinuando que o seu lugar ali é de favor, que se não fossem as cotas não estariam naquele espaço. Ao responder à questão, afirmou que:

Sofre, falam “ah, está aqui por causa de cota, não é suficiente, não é preparado, porque só está aqui por causa de cota, essas coisas. Eu acho um pouco errado! E eu acho que, bem ou mal, em certo ponto, acabam sofrendo. Aqui não é tanto, apesar de tudo, o IFF não é tanto […] Apesar de ter, não ser explicita, mas tem. Só não é tanto quando comparada com alguns outros lugares, mas mesmo assim acho que tem. (Entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista).

Apesar de minimizar a intensidade da discriminação sofrida pelos cotistas dentro do Instituto, pois acredita que ela seja mais forte em outros lugares, esse participante, que é branco e não cotista, avalia que ela existe sim, mas que nem sempre se manifesta explicitamente. Segundo ele, acaba que, às vezes, acontece, mesmo que seja uma brincadeira ali, mas acontece. E quando o aluno cotista é negro, a impressão que tem é de que a discriminação acontece de maneira mais forte. Disse ele: Acho que é, claramente é. […]. É evidente, eu acho que realmente pela pessoa ser negra, junto não só por ser cotista, junto com outros fatores, acaba sendo pior, mais forte, mais evidente (entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista). Na explicação de outro entrevistado, isso acontece Já por ser negro e por algumas pessoas acharem que não deveria existir cota racial (Entrevistado B, 17 anos, negro, cotista).

Se não bastassem as costumeiras dificuldades financeiras que afetam o grosso dos estudantes, alguns relatos dão conta de que os alunos negros ainda precisam lidar com as práticas de racismo contra si, muitas das vezes implícitas ou disfarçadas de brincadeiras repletas de comentários jocosos em relação à cor ou aparência física. Diante da pergunta se já tinha presenciado algum estudante negro ser vítima de uma atitude preconceituosa ou racista na escola, um dos entrevistados, que se autodeclarou branco, destacou que

Já, sinceramente já vi sim, como essas brincadeiras que já falei, mas nada algo muito sério, como uma briga ou para realmente ofender a pessoa. Talvez até ofenda com essas brincadeiras, mas bem ou mal é uma brincadeira meio sem sentido, tipo brincadeira de mau gosto, mas não algo muito sério para realmente ofender a pessoa. É que, às vezes, a pessoa faz uma brincadeira e não pensa que isso pode virar uma outra coisa, pode virar uma rotina, ficar uma coisa chata. Geralmente, quando a pessoa faz uma brincadeira com a cor ou com o físico da pessoa, ela não pensa muito nisso. Ela acha que é uma brincadeira e que a pessoa vai aceitar. Só que ela não sabe o que a outra pessoa passa com essa brincadeira ou o que os outros em volta pensam. […]. (Entrevistado A, 16 anos, branco, não cotista).

Mesmo sendo tratado como algo inocente por muitas pessoas, essas “brincadeiras” com a cor e as características físicas entram no rol do que foi denominado de racismo recreativo6, cuja função precípua é usar o humor para desmerecer e desqualificar os afrodescendentes, com o intuito de perpetuar uma imagem negativa e estereotipada de negritude. Interessante é que o responsável por essa fala não é negro, mas deixou claro que interpreta esse tipo de “brincadeira” como um gesto racista, algo inconveniente e que fere a dignidade do outro, pois como diz: ela (autor) não sabe o que a outra pessoa passa com essa brincadeira ou o que os outros em volta pensam. Esse não foi o único relato descrevendo a existência do racismo. Teve um entrevistado, estudante negro, que afirmou que sim, que havia algumas pessoas que tinham atitudes racistas, mas não abertamente, até porque as pessoas daqui, que fazem isso, não são tão idiotas a ponto de fazer isso de forma escancarada. Mas por debaixo dos panos, sim. E, em tom explicativo, como que complementando o seu raciocínio, ele diz que

[…] o racismo está impregnado, posso dizer, na sociedade porque é uma coisa que vem há tantos anos, e que acabou se tornando natural. É muito natural você falar que o cabelo de uma pessoa negra, que é cacheado, que é crespo, é ruim. É um estereótipo que foi criado, mas na verdade não é só porque o cabelo da pessoa é crespo que ele vai ser ruim. Só cabelo liso é bom? Não existe isso. Então, essas pequenas coisinhas já são o racismo, e a gente precisa tá falando que isso é racismo, para as pessoas poderem ver, enxergar isso, e tentar mudar, porque só assim a gente vai poder. Porque tem o racismo velado e o escancarado, então a gente tem que tá falando pra poder acabar com o racismo velado […]. (Entrevistado B, 17 anos, negro, cotista).

O entrevistado não hesitou, para ele está claro que o racismo acontece sim, mesmo que de forma velada, sutil ou implícita, como algo que foi naturalizado. Tal situação precisa ser enfrentada e mudada, conforme opina, pois fica evidente que tais comentários já são percebidos como racismo, uma prática que não pode ser tolerada, devendo ser discutida e combatida.

Chamou a atenção o fato de que a temática das “brincadeiras” reapareceu, por diversas vezes, na fala de outros participantes. Ora visto como algo inocente, sem grandes consequências, ora como algo que incomoda, que ofende e desqualifica o outro, já que o trata como alguém inferior, passível de ser ridicularizado e subalternizado. A maior parte desses comentários foram feitos pelos entrevistados ao lhes perguntarem se já tinham presenciado ou vivido um caso de racismo. Um deles, um estudante branco, respondeu que

Não, nunca! Mas, tipo, tem as brincadeiras, tem as brincadeiras. Mas quando você vê ali que está tendo a brincadeira, e você vê que, como é que vou dizer, que a pessoa que está sofrendo a brincadeira realmente leva ali na brincadeira, acredito que dá para notar. Mas no fundo, a gente não sabe, né? Só que tem as brincadeiras, tem as brincadeiras sim. Só que nunca vi depois da brincadeira essas duas pessoas ficarem mal depois, ou até a pessoa que sofreu, o negro que sofreu a brincadeira, nunca vi ele ficando de cara virada para quem fez. Então, acredito que aqui não tenha algo bem sério nessa questão, acho que não é tão pesado quanto na sociedade mesmo. […]. (Entrevistado C, 17 anos, branco, não cotista).

Observa-se, nesse caso, que o aluno começou negando o problema, para, logo em seguida, confirmar a existência das tais “brincadeiras”. Mesmo achando que elas não geram nenhum dano aparente, pois nunca viu “as duas pessoas ficarem mal depois”, ele não nega a possibilidade de que, lá no fundo, haja consequências danosas para quem é vítima das supostas “zoeiras”. Ao admitir a existência delas, dentro do contexto da pergunta que lhe foi dirigida, o entrevistado acabou por reconhecer, ainda que de forma implícita, que há uma conotação racista em tais “brincadeiras”, mesmo que ele não tenha conseguido avaliar a extensão dos danos que ela causa às suas vítimas.

Colocado sob outra perspectiva, a dos negros, dá para entender melhor o desconforto e o mal-estar que esse tipo de racismo provoca. Para isso, seguem abaixo relatos feitos por alguns dos afrodescendentes entrevistados, nos quais eles descrevem, com maior riqueza de detalhes e por experiência própria, a percepção que possuem dessa questão.

Aconteceu comigo. No IFF eu posso dizer que sim, já vi acontecendo de pessoas ignorarem outras. E tem sempre aquelas piadinhas: “ah, você faz isso porque você é preto, é coisa de negro”! Por mais que seja uma piadinha de mau gosto, tem isso. E no fundo, no fundo, isso machuca, entendeu? Tem muito disso aqui, até nas chamadas zoeiras, brincadeirinhas. Isso tem muito na questão de quando a pessoa entra aqui, entendeu? (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

As brincadeiras sempre têm. É isso aí que quebra. É nessas pequenas brincadeiras que você percebe, porque “ah, mas o cara fez uma brincadeira ali”; “ah, mas é a cor de pele dele”. Como assim? Então, é nas brincadeiras que é complicado. Porque não é brincadeira, isso não é brincadeira, você… “ah não, mas é a cor de pele dele, ele fez isso por causa da cor de pele dele”; “ah, ele fez isso porque é pobre”. Isso não é brincadeira, nem em um circo se faz uma brincadeira dessa. Então, eu acho que utiliza da brincadeira para fazer uma discriminação. Isso de fato eu já presenciei aqui no Instituto. Essa questão de “ah não, é por causa da cor dele”, eu já presenciei várias vezes. E é muito normal nos alunos do primeiro ano: “ah, mas o menino ali está fazendo palhaçada”!; “ah, mas olha a cor dele”! E eu como estou no terceiro ano, é uma perspectiva diferente. Você está saindo, mas você começa a ver os alunos no início, aí você vê como eles são racistas. Eu não sei porquê! […] Mas você percebe umas brincadeiras que não têm necessidade, bem racistas. (Entrevistado U, 19 anos, pardo, cotista).

Essas colocações trazem evidências fortes de que as relações raciais cotidianas estão marcadas pela presença do racismo e dão pistas do quão essas denominadas “brincadeiras” são vistas como desagradáveis e até mexem com a autoestima dos estudantes por elas atingidos. Afinal, é o racismo em ação, apenas disfarçado de brincadeira ou piada. Nem todos os entrevistados disseram ter passado por essa situação, mas a maioria relatou ter presenciado isso acontecer a alguém. Boa parte mostrou insatisfação e indignação diante dessas denominadas “zoeiras”, entendendo que elas são uma das expressões do racismo, algo que machuca e fere por dentro, além de hierarquizar as relações em desfavor dos negros. Não é, portanto, um comportamento individual isolado, pois que se insere dentro de um sistema de dominação que opera numa lógica que visa à “reprodução da hegemonia branca ao permitir que a dinâmica de assimetria de status cultural e de status material seja encoberta pela ideia de que o humor racista possui natureza benigna” (MOREIRA, 2018, p. 99). Ao final, o objetivo central desse tipo de humor não é fazer rir, mas sim referendar posições hierárquicas assimétricas e naturalizadas, por meio de representações que desumanizam, desqualificam e ridicularizam os negros. Assim, tais atitudes só servem para mascarar e encobrir uma hostilidade racial que se apresenta disfarçada sob o verniz de um tipo de entretenimento que se supõe inocente, mas que não é. Trata-se, na verdade, de um mecanismo que usa o humor para reiterar hierarquias sociais e raciais, pois acaba exprimindo a noção de que algumas pessoas não possuem o mesmo valor que outras. Segundo Moreira (2018, p. 54), esse tipo de racismo, o recreativo, “existe para perpetuar os estereótipos responsáveis pela marginalização moral e material de minorias raciais”.

Segundo a fala de uma das entrevistadas, o racismo, às vezes, acontece de forma sutil e nem sempre é explícito, mas para o negro é possível perceber exatamente quando ele acontece. Pode ser que para os outros talvez seja necessário um certo esforço para notar isso, mas para o negro não, ressalta essa estudante. Ela ainda narrou que passou pela experiência pessoal de escutar comentários racistas a respeito do seu cabelo. Disse ela que:

Olha, eu acredito que todo negro já sofreu racismo. Então, sim. Eu, é sutil, mas a gente que é negro, a gente percebe. As outras pessoas talvez precisem de mais esforço para perceber isso. Em relação ao meu cabelo, inclusive, já aconteceu, e tenho amigas negras que já passaram por isso. Então, sim, acontece. Sutil, é sútil. As vezes até explícito, mas em raros casos. Mas em geral acontece. Não tem como dizer que não. (Entrevistada E, 18 anos, negra, cotista).

Essa não foi a única participante que relatou ter sido vítima de afirmações racistas em relação à aparência física ou textura do cabelo. Também discutindo esse tema, teve outra entrevistada que afirmou ter sofrido comentários racistas a respeito do seu cabelo, algo que lhe incomodou bastante, ainda mais que estava num processo de autoaceitação, e aquilo lhe soou como deboche e uma clara tentativa de depreciação de uma de suas características físicas.

[…] Eu, no primeiro ano, quando cheguei aqui passei por uma coisa que eu pensava que não ia passar. Eu estava ainda me aceitando como negra, eu não sabia direito o que eu era, como eu me consideraria, como eu era, e eu estava deixando meu cabelo solto, e uma pessoa zoou meu cabelo, debochou do meu cabelo. Só que aí eu tomei a iniciativa de perguntar por que e tal […]. Mas eu achei que eu não ia passar por isso, sabe? Pensei que eu não ia passar. Mas aconteceu… (Entrevistada Q, 19 anos, negra, cotista).

A entrevistada fez questão de ressaltar que não acreditava que iria passar por isso na escola. Tal fato teve impacto na vida dessa estudante, pois, como ela diz em outro trecho, isso mexe, Muito, muito, ainda mais quando você […] está no começo da sua aceitação (Entrevistada Q, 19 anos, negra, cotista). Não dá para mensurar, mas é possível imaginar que são muitos os alunos negros que passam por situações de violência simbólica similares a essa ao longo de sua vida estudantil. Essa prática evidencia aquilo que Nogueira denominou de preconceito de marca, que é aquele que se baseia nas aparências, que toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, tais como sua fisionomia, cor de pele, cabelo, entre outros (2006, p. 292). O resultado disso, no Brasil, foi a estereotipização e a depreciação dos caracteres da população negra, que se transformaram em instrumentos para a construção de representações ridicularizadoras do negro e para a demarcação de posições hierarquizadas de poder na esfera social, com os afrodescendentes sendo colocados nos lugares periféricos e subalternos da sociedade. O objetivo primário disso é incutir, tanto nas pessoas brancas como nas de cor, uma ideia de inferioridade do negro (NOGUEIRA 2006, p. 298). Portanto, para além da desumanização, o racismo quer promover o “enquadramento do grupo discriminado em uma versão de humanidade que possa ser controlada. Ao invés de destruir a cultura é mais inteligente determinar qual o seu valor e significado” (ALMEIDA, 2018, p. 56). Controle e poder estão na dinâmica dessa discussão. Fato é que situações de racismo como essas não passam incólumes, elas interferem na motivação desses estudantes, afetando-lhes a autoconfiança. Como disse outra estudante negra, […] você está num lugar que deveria estar estudando, aprendendo, crescendo na vida, aí você está sendo ridicularizado pelas pessoas só por causa da sua cor de pele. Então, com certeza, elas devem ficar bem tristes (Entrevistada F, 17 anos, negra, não cotista).

Diante das adversidades vivenciadas, alguns dos estudantes negros chegaram a experimentar uma sensação de estranhamento e deslocamento espacial, como se fossem outsiders dentro do Instituto. Um dos participantes, um aluno negro, relatou que chegou a duvidar que o IFF fosse um lugar para ele, afinal eram poucos os negros que estudavam na escola. Isso o incomodava. Não se via representado. Havia, nele, uma sensação de não pertencimento ao lugar. Tal fato gerou uma série de questionamentos pessoais, e, desmotivado, pensou até em desistir do curso:

Bom, antes, tipo assim, eu me via num lugar que não era o meu lugar, porque eu lembro que eram poucas as pessoas negras aqui. Eu acho que de alunos, quando eu entrei, eu acho que se tivesse, não sei, juntando todo o Integrado, uns 10 ou 15 era muito. Eu, para falar a verdade, só lembro da minha sala que só tinha 2 comigo. E eu via que tinha poucas pessoas negras aqui, e isso foi me afastando um pouco. Eu lembro que eu queria sair daqui, queria sair do IFF. Cheguei até conversar com uma professora daqui, que me falou que não, que aqui eu iria abrir minha mente, eu iria enxergar novos olhares […]. E realmente foi isso! Aí eu comecei a me integrar nos projetos, eu comecei a saber o meu lugar, entendeu? (Entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista).

Não se sentindo parte valorizada da escola e nem apto a ela, esse aluno quis desistir de estudar na instituição, fato que não se consumou por conta dos apoios recebidos. A mudança de pensamento e a consequente vontade de permanecer estudando no IFF só veio após o seu envolvimento com alguns projetos que o ajudaram na questão identitária, permitindo que ele reconhecesse o seu direito de estar ali e ocupar o seu espaço dentro da instituição. Vê-se que o racismo é algo que vai para além das ofensas, pois é um sistema que nega direitos e que naturaliza a exclusão com base na cor, já que esse fator influencia o lugar do negro na sociedade.

Em outro relato importante, uma das entrevistadas deu destaque às diferentes faces do racismo dentro da escola e na sociedade, assim como ressaltou as dificuldades dos não negros em reconhecerem essa realidade desfavorável, até por não sofrerem “na pele” o problema do preconceito e da discriminação provenientes do racismo, nem dentro e nem fora da escola

Aqui no IFF, como é uma diversidade e tanto, eu não peguei aquele preconceito nítido, que dá para você ver, chamando alguém de macaco e tal. Eu já vi foi o preconceito estrutural na sociedade. Estrutural e o institucional mais ou menos. Mas estrutural eu já vi muito em questão de alunos não aceitarem […] que existe racismo ou que o racismo não é só pra negro. Tem aluno aqui que eu já discuti, que ele falou que também sofre racismo, só que ele é branco dos olhos azuis. E ele acha que sente racismo. Isso para mim não tem cabimento, que um aluno queira comparar um negro com um branco e que ele vai sofrer racismo, sentir na pele. Esse aluno não vai sentir o que é racismo na pele. Não vai ser ele que vai chegar ao mercado de trabalho e não vai ser aceito porque o cabelo dele é muito crespo. Ele não vai, não tem cabimento. […]7 (Entrevistada G, 17 anos, negra, não cotista).

A fala dessa entrevistada descreve o racismo, na sua essência, como um arcabouço estrutural que delimita as posições de poder e privilégio na sociedade, afetando duramente a situação da população negra no Brasil, negando-lhe direitos essenciais. Assim como as categorias de classe e gênero, raça é um dos fatores que constitui, diferencia, hierarquiza e localiza os sujeitos em nossa sociedade, diz Schucman (2010, p. 85). E a experiência do estudante negro na escola não está imune a esses parâmetros classificatórios que determinam as condições de relações entre os membros da sociedade, visto que ela está assentada em bases racistas. Como diz Almeida (2018, p. 39), “o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais para que […] grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática”. Nesse sentido, negar o racismo é, muitas das vezes, uma estratégia para ocultá-lo, naturalizá-lo e, ao mesmo tempo, mascarar a realidade assimétrica das relações raciais de poder que subjugam os negros a posições de inferioridade e exclusão.

O racismo estrutural voltou a ser abordado na fala de outro participante. Esse entrevistado destacou que há uma baixa expectativa dos negros a respeito do seu futuro, em função das barreiras colocadas pelas estruturas da sociedade. Citando como exemplo a desmotivação de muitos de seus colegas negros mais próximos, ele afirmou que

Olha, eles não têm expectativa porque não criaram essa expectativa. É aquela questão da cultura. Você pega um filho de um médico, e esse filho de médico tem várias pessoas da família que são formados em engenharia, são formados, sei lá, em administração, medicina, são professores. Eles já crescem num ambiente em que ele enxerga um profissionalismo nas pessoas. Ele quer se tornar aquilo com que ele conviveu. Aí parte para o lado do negro pobre, ele conviveu com pessoas, com mãe faxineira, pai pedreiro, não teve convivência com pessoas formadas e tal. Não excluindo essas pessoas, não querendo, tipo assim, tirar o significado delas, não desvalorizando essas pessoas. Mas ao mesmo tempo que ela não tem essa influência para buscar algo melhor, ele acaba que… ah eu só quero isso porque é assim que a minha família é. Essa influência que eu acho que acaba levando a questão da criação da expectativa, entendeu? A questão da cultura. (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Esse relato expõe, de maneira simplificada, uma das consequências das desigualdades de oportunidades que afeta mais fortemente a população negra, sobretudo por conta do fator racial que relega essa parte da população à exclusão e às piores posições nos indicadores sociais. Oriundos de famílias pobres, as expectativas de muitos jovens negros, tais como aqueles que o entrevistado conhece, acabam sendo muito baixas, pois as condições familiares limitam-lhes as oportunidades que terão ao longo de suas vidas, gerando uma situação de desvantagem histórica difícil de romper e que vai se perpetuando, numa escala crescente, por gerações. As questões estruturais que afetam essas famílias impactam na qualidade do ensino que seus membros recebem e na expectativa escolar deles. Quando questionado se a permanência dos negros na escola era afetada por esse fator que conecta as dificuldades geradas pelo racismo estrutural à precária formação escolar, ele afirmou que sim, pois

[…] você tem influência da cultura e da sua casa. Seu pai é pedreiro, não sei o quê, não sei o quê e tal. Esse negro que tá no nono ano, ele não vai ter aquela formação pra entrar no ensino médio aqui no IFF. Então, ele vai entrar pela política de cotas, mas vai entrar no ponto chave que é a evasão. Ele entra aqui pela política de cotas, mas o IFF, além de ser um lugar hospitaleiro, ele é o que … ele pode o quê? Ele pode torturar a pessoa no sentido de quê? No sentido do que ela sabe ou não sabe, da formação mínima que ela tem. Mesmo que tenha curso de incentivo, curso de nivelamento quando você entra aqui, a quantidade de pessoas negras que acabam evadindo, que acabam saindo daqui é grande porque a pessoa não tem essa questão de…” ah, eu não tenho esse conhecimento maior por causa da defasagem da escola pública de ensino estadual e ensino municipal”, e acaba entrando aqui e não se identificando, achando muito difícil e saindo. Entendeu? (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Superar os obstáculos de uma sociedade alicerçada em bases racistas não é fácil para muitos desses jovens negros. Se não bastasse o racismo travestido de brincadeiras, alguns entrevistados fizeram referência a mais uma forma de discriminação sofrida pelos estudantes negros: “o olhado”. Segundo um dos participantes, um estudante negro e cotista, ele nunca presenciou um caso explícito de racismo, mas, […] às vezes, tem a questão do olhado, né? Que, às vezes, você passa em algum lugar e a pessoa dá aquele olhar meio desconfiante assim, sabe? […] (entrevistado D, 17 anos, negro, cotista). O aluno argumentou também que isso lhe “causa muito desconforto”. Ele não foi o único a descrever esse tipo de experiência. Teve mais um entrevistado que relatou algo semelhante. Esse outro estudante disse que […] é claro que, às vezes, a gente vê olhares, a gente sente os olhares de pessoas, olhando para gente de outra forma por nós sermos negros, por nós estarmos aqui. […] (entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista). Em mais um trecho esse aluno reforça essa percepção:

Aqui dentro do IFF tem olhares, a gente vê olhares. Mas são tantos projetos, tem o Neabi e essas coisas assim, que nos mostram, que ajuda a gente nessa militância, ajuda a resistir. Aqui no IFF é pouco, mas a gente vê uns olhares, algumas pessoas olhando para gente de olho torto, entendeu? (Entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista).

Ora, esses olhares não são fortuitos, eles são muito simbólicos e passam a sensação de que a presença dos negros causa incômodo e estranheza em muitos. Os entrevistados que relataram essa experiência a descreveram como algo desconfortável. Não é para menos, já que tal atitude denota desprezo, incredulidade e desconfiança para com as pessoas de pele negra. A ideia transmitida é a de que os negros não são bem-vindos naquele espaço. Uma das entrevistadas classificou esses olhares como a pior forma de racismo, algo que constrange, que humilha.

Não é nítido o racismo entre as pessoas, porém existem algumas pessoas, indesejáveis, infelizmente, que fazem… num olhar, no contar uma piada, no falar. Às vezes, fala uma coisa que, sabe, que você sabe que é racismo, e a pessoa também sabe que é racismo, mas mesmo assim ela fala […]. O olhar é o pior porque eles viram o olho quando você está falando alguma coisa, ou ri e debocha. Isso é o pior. (Entrevistada G, 17 anos, negra, não cotista).

Para finalizar, vale destacar que se há resistência interna à presença dos alunos negros na instituição, o mesmo acontece do lado de fora. Como assinala Almeida (2018, p. 36), “a imposição de regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira vinculada à ordem social que ela visa resguardar”, não se resumindo, portanto, ao âmbito da ação individual ou institucional. Como fruto do próprio racismo, que é parte dessa ordem social construída, segmentos da sociedade relutam em reconhecer o direito desses estudantes de ocuparem esses espaços garantidos por lei, mas que lhes foram negados durante boa parte da história do país. Um dos entrevistados, ao responder à pergunta sobre já ter sofrido racismo no Instituto, trouxe à tona essa questão ao afirmar que:

Não. Aqui no IFF não, mas, tipo assim, é mais lá fora. Por eu estudar aqui, aí as pessoas falam “ah, lá não é lugar para você, o que você está fazendo lá”? Entendeu? […] que aqui não é meu lugar, que aqui só tem gente rica, que não sei o quê. Mas na verdade não é, entendeu? Eu acho que é mais pelo fato mesmo do ensino ser bom, o ensino ser de qualidade, e as outras pessoas associam nós, negros e pobres, a colégios que são inferiores. E quando a gente vai para um colégio desses, aí eles falam que aqui não é o nosso lugar. (Entrevistado H, 17 anos, negro, não cotista).

A fala desse entrevistado revela como parte da sociedade ainda resiste a enxergar os institutos e universidades federais como um lugar onde os negros também podem estar presentes. As cotas vieram para democratizar esse acesso e romper com uma tradição de exclusão que transformava esses lugares em espaços de maioria branca e de representantes dos setores elitizados da sociedade. Na opinião do participante, esse estranhamento decorre do fato de que as pessoas costumam relacionar os negros e pobres a colégios considerados como ruins. Escolas boas não seriam para eles. Em direção parecida, um estudante relatou que

Às vezes, você passa na rua, fora do IFF, mas você fala que é aluno do IFF, mas eu sou negro. As pessoas vão pensar o seguinte: “então é cotista”! Às vezes, eu falo assim, sou cotista com muito orgulho, mesmo não sendo. Mas por quê? Porque eu não quero dar a entender que eu tenho vergonha da cota, e mesmo eu tendo o privilégio de ter passado pela ampla concorrência, eu não quero falar: “ah, eu não sou cotista pois passei pela ampla concorrência”. Muitos da rua, as pessoas que tão fora daqui, e tem algumas pessoas aqui dentro também, acham que o negro só passa aqui por causa das cotas, que ele não tem capacidade de passar por si só, entendeu? (Entrevistado J, 18 anos, negro, não cotista).

Na narrativa acima, o entrevistado dá a entender que ainda há muito preconceito em relação às cotas, haja vista que as pessoas continuam se prendendo ao debate raso sobre a capacidade ou não dos negros, e que estes só estariam nesses espaços por causa das vagas reservadas. Elas não conseguem ver o problema de maneira ampliada, nem enxergam as cotas como uma política de igualação, como um instrumento necessário de promoção de maiores oportunidades para aqueles que estão em situação histórica de desvantagem social e racial, ou seja, como um instrumento de reparação pelas mazelas do passado e, ao mesmo tempo, de justiça social pelas desigualdades vigentes no presente. Por conta desse preconceito, depreende-se que não é fácil para o cotista assumir a sua condição de beneficiário das cotas face ao receio da reprovação social e, por conseguinte, é desanimador constatar que dificilmente terá algum apoio da sociedade. Fica a impressão de que ainda predomina uma certa ideia de que a condição de cotista não deve ser motivo de orgulho. No caso específico desse entrevistado, apesar de não ser cotista, ele afirmou que, às vezes, costuma dizer que é cotista sim, como forma de mostrar que não tem vergonha dessa política, o que é um sinal de que ele reconhece a sua importância. Desqualificar as cotas e desmerecer seus beneficiários é parte da estratégia dos que não aceitam e querem minar a credibilidade de uma política que tem garantido um processo de inclusão educacional expressivo e sem similares na história brasileira.

8 Conclusão

O Brasil, em pleno século XXI, continua marcado por diferentes formas de desigualdades, as quais relegam parte expressiva de sua população à precariedade e condições desumanas de vida. Negar isso é fugir de uma realidade que assombra milhões de brasileiros. Mas não basta reconhecer os graves problemas que afligem o país, é preciso que se construa uma agenda positiva de debates e políticas públicas que sejam capazes de reverter esse quadro desfavorável, pois, sem vencer tais entraves, dificilmente sua democracia se firmará e se consolidará algum dia. Foi diante dessa preocupação que o presente estudo procurou investigar o papel das cotas no ensino e os desafios colocados à permanência dos alunos cotistas, sobretudo os negros, do Campus Itaperuna do Instituto Federal Fluminense, em decorrência da implementação da Lei nº 12.711/12, uma importante Ação Afirmativa (BRASIL, 2012).

Essa lei tem repercussão direta sobre um problema antigo no país: a desigualdade racial. Não é de hoje que a sociedade brasileira tem relegado os negros a posições desvantajosas, fato que dificulta a sua ascensão social e o seu acesso aos mais variados bens, sejam eles materiais ou simbólicos. Contudo, se as cotas têm melhorado as condições de acesso, na medida em que têm oportunizado aos estudantes da rede pública, sobretudo aos pretos e pardos, a sua chegada ao Instituto; esse fator, por si só, não traz garantias para a permanência desses estudantes. Ingresso e conclusão são duas dimensões diferentes e interligadas de uma balança, cujo equilíbrio ainda não foi alcançado.

Para entender melhor esse problema, esta pesquisa realizou entrevistas com 22 estudantes do IFF-Itaperuna, que gentilmente aceitaram participar. Com isso, procurou-se ouvir os alunos por considerá-los como importantes protagonistas do processo educacional desenvolvido na instituição. Foi enriquecedor ver a questão sob outra perspectiva. Diversos pontos foram abordados, com algumas conclusões. Primeiro, a avaliação que os alunos fazem do IFF é predominantemente positiva, com muitos destacando que a instituição tem um importante papel na vida dos estudantes já que, segundo eles, ela oportuniza uma boa preparação para o mundo do trabalho e para o ingresso nas universidades públicas, o que favoreceria a inserção social e acadêmica para muitos. Frases como “me preparar para o mercado de trabalho” e “por causa da qualidade do ensino”, deram o tom a essa parte da entrevista. Tais colocações revelam que os jovens estudantes possuem grandes expectativas em relação à formação oferecida pelo Instituto Federal Fluminense e as possíveis portas que poderão se abrir por causa disso.

Segundo, durante as entrevistas, causou boa impressão o fato de que a maioria dos entrevistados defendeu abertamente a política de cotas, a despeito do que dizem os seus críticos e dos ataques que sofre de certos setores da sociedade. Para muitos, as cotas se justificariam por darem uma oportunidade real para aqueles que se encontram em situação comprovada de desvantagem numa sociedade em que as chances são diferentes para ricos e pobres, assim como para brancos e negros. Sem uma intervenção externa, esse quadro de desigualdades sociais e raciais que se instalou no Brasil não se alteraria. É dentro desse contexto que as cotas estão mudando a vida de diversas pessoas e garantindo mais oportunidades aos negros, pois como disse um dos entrevistados: “se não fosse por causa da cota no ensino público, talvez eu não teria passado pela ampla concorrência. Então, por isso que eu acho necessário, não só a cota socioeconômica de escola pública, como também a cota racial” (Entrevistado B, 17 anos, negro, cotista). Essa e outras narrativas referendam essa política como um caminho fundamental para a inclusão de pessoas e grupos minoritários e/ou historicamente excluídos da agenda pública nacional, pois cabe ao Estado assumir a responsabilidade desse processo por meio do incentivo e implementação das medidas afirmativas de combate às mazelas resultantes dessas desigualdades.

Ora, mas não basta garantir o acesso. Vários entrevistados destacaram que a escola precisa pensar melhor a permanência dos seus estudantes, sobretudo os cotistas, devido às dificuldades pelas quais muitos deles passam, seja por problemas financeiros ou de outra natureza, o que torna necessária a adoção de ações complementares que os auxiliem no prosseguimento de seus estudos. Por exemplo, diversos alunos reclamaram das dificuldades para fazer o deslocamento da residência para a escola e vice-versa, fato que atinge especialmente os que vêm de outras cidades. Segundo eles, sem esse tipo de apoio fica difícil prosseguir os estudos, pois o respaldo da instituição faz a diferença na vida do estudante. Esse suporte não se limita, porém, à dimensão material. Alguns entrevistados consideraram que a permanência do estudante de baixa renda, sobretudo do cotista negro, perpassa pelo enfrentamento de outros problemas, tais como o acolhimento integral desse aluno, o ambiente de respeito à diversidade étnico-racial e a garantia de que ele tenha acesso aos recursos infraestruturais e pedagógicos da instituição.

Terceiro, com o objetivo mais imediato da Lei das Cotas garantido, o de promover o acesso de determinados grupos aos institutos e instituições universitárias de ensino público, o fundamental agora é realmente aperfeiçoar, como políticas de AA, os mecanismos de permanência colocados à disposição dos que são beneficiados por essa legislação, sem esquecer de valorizar as dimensões estruturais e simbólicas desse processo que perpassa pelo enfrentamento ao racismo praticado contra os alunos negros, algo que foi descrito por diversos participantes. Aliás, dos problemas relatados pelos entrevistados, esse mostrou ser o maior desafio colocado à permanência dos afrodescendentes, especialmente daqueles que são cotistas. De forma dissimulada ou não, o racismo, muitas das vezes disfarçado de brincadeiras, procura desqualificar o outro. Essas práticas racistas, travestidas de piadas, acabam funcionando como um mecanismo que usa do humor para reiterar hierarquias sociais e raciais, exprimindo a falsa noção de que algumas pessoas não possuem o mesmo valor que outras, algo que só reforça e retroalimenta o próprio racismo.

Por fim, o estudo também revelou que alguns dos alunos negros passaram pela triste experiência de verem suas características físicas depreciadas, algo que interfere em sua autoestima. Os depoimentos indicam que o racismo se faz presente nas relações vividas por esses alunos, configurando-se como um arcabouço estrutural que visa delimitar as posições de poder e privilégio na sociedade, um desafio que afeta duramente a situação do estudante negro, que vê seus traços físicos desmerecidos, sua capacidade questionada e seus direitos essenciais atacados.

Referências

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Notas

1 Integrando a rede federal de ensino, o Instituto Federal Fluminense (IFFluminense ou IFF), cuja reitoria fica na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, viu sua história começar nos primórdios do século passado, ainda durante a administração de Nilo Peçanha. Foi naquele contexto que surgiu a Escola de Aprendizes da cidade de Campos. De lá para cá, muita coisa mudou. A instituição cresceu e se expandiu em direção a outras cidades, sobretudo após a lei que criou os institutos federais em 2008. Para se ter ideia, à época desta pesquisa, o IFFluminense contava com 12 campi e estava presente em diversos municípios, como Bom Jesus do Itabapoana, Itaperuna, Cambuci e Santo Antônio de Pádua (região Noroeste Fluminense); Campos dos Goytacazes, São João da Barra, Quissamã e Macaé (região Norte Fluminense); Cabo Frio (região das Baixadas Litorâneas); e Itaboraí e Maricá (região Metropolitana). E atendia quase 18 mil estudantes no total.
2 Trata-se da Lei 12.711/12, que instituiu o sistema de cotas, obrigando universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a oferecerem vagas a alunos oriundos da rede pública de ensino, com parte dessa reserva destinada a negros e indígenas (BRASIL, 2012).
3 O número de entrevistados cotistas e não cotistas seria igual, mas houve duas desistências de última hora no grupo de cotistas.
4 Como diz Souza (2016, p. 65), “[…] para que o aluno tenha êxito é fundamental que sejam garantidos programas de assistência e permanência […]”
5 Para entender melhor o assunto, ver as obras: HASENBALG, Carlos; SILVA, Nelson do Valle. Raça e Oportunidades Educacionais no Brasil. Cad. Pesq. São Paulo (73): 8-12, maio 1990. HASENBALG, Carlos; SILVA, Nelson do Valle. Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice. Editora Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988. HASENBALG, Carlos; SILVA, Nelson do Valle. Relações Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1992. Nesse bojo, vale destacar também a obra de HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições na década de 90. Brasília: IPEA, 2001.
6 Ver o estudo de MOREIRA, Adilson. O que é racismo recreativo? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
7 Interessante que essa fala faz referência à questão de um suposto racismo reverso. Usada por alguns para defender que o racismo também ocorre com os brancos, essa denominação não passa de um equívoco, pois desconsidera o racismo como um sistema de opressão essencialmente estrutural. Para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para ser racistas. É a população negra que sofre um histórico de opressão e violência que a exclui, diz Djamila Ribeiro. Segundo ela “para haver racismo reverso, precisaria ter existido navios branqueiros, escravização por mais de trezentos anos da população branca, negação de direitos a ela. […] Há uma hegemonia branca criada pelo racismo que confere privilégios sociais a um grupo em detrimento de outro. […].”. RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Notas de autor

1 Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense Campus Itaperuna/RJ – Brasil. E-mail: marcio.rodrigues0023@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): RODRIGUES, M. T. A importância da política de cotas e os desafios da permanência do aluno cotista na visão de jovens estudantes do IFFluminense Campus Itaperuna. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 3, p. 697-724, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p697-724. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16994.

COMO CITAR (APA): Rodrigues, M. T. (2022). A importância da política de cotas e os desafios da permanência do aluno cotista na visão de jovens estudantes do IFFluminense Campus Itaperuna. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(3), 697-724. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p697-724.

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