Resumo: Os alimentos com alegações funcionais têm ganhado destaque em virtude dos benefícios à saúde associados ao seu consumo. Produtos lácteos em sua maioria, são oriundos de fermentação por bactérias ácido-láticas (BAL). Esse grupo de microrganismos possui um grande papel no que diz respeito à fermentação de produtos alimentícios. Existem no mercado várias cepas, que são utilizadas na fabricação de produtos lácteos. Além da caracterização sensorial, é conhecido que algumas cepas de BAL apresentam funções probióticas. Frente a isso, este trabalho objetivou verificar os principais gêneros de BAL utilizados na produção de fermentados lácteos e sua funcionalidade probiótica. A partir da revisão bibliográfica no presente trabalho, foi possível evidenciar as contribuições que a inserção de BAL probióticas na alimentação humana pode agregar à saúde, assim como as espécies já autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na produção de alimentos e as que estão em processo de autorização/avaliação.
Palavras-chave: consumo, microbiota intestinal, derivados lácteos, microbiologia de alimentos, microrganismos.
Abstract: Foods with functional claims have gained prominence due to the health benefits associated with their consumption. Most dairy products come from fermentation by lactic acid bacteria (LAB). This group of microorganisms plays a major role in the fermentation of food products. There are several strains on the market, which are used in the manufacture of dairy products. In addition to sensory characterization, it is known that some strains of LAB have probiotic functions. In view of this, this study aimed to verify the main LAB genera used in the production of fermented dairy products and their probiotic functionality. From the bibliographic review in the present work, it was possible to highlight the contributions that the insertion of probiotic LAB in human food can add to health, as well as which species are already authorized by the National Health Surveillance Agency (ANVISA) in the production of food and those that are in the authorization/evaluation process.
Keywords: consumption, gut microbiota, dairy derivatives, food microbiology, microorganisms.
Resumen: Los alimentos con alegaciones funcionales han ganado protagonismo debido a los beneficios para la salud asociados a su consumo. La mayoría de los productos lácteos provienen de la fermentación por bacterias del ácido láctico (BAL). Este grupo de microorganismos juega un papel importante en la fermentación de los productos alimenticios. Hay varias cepas en el mercado, que se utilizan en la fabricación de productos lácteos. Además de la caracterización sensorial, se sabe que algunas cepas de BAL tienen funciones probióticas. En vista de esto, este estudio tuvo como objetivo verificar los principales géneros de BAL utilizados en la producción de productos lácteos fermentados y su funcionalidad probiótica. A partir de la revisión bibliográfica en el presente trabajo, fue posible destacar los aportes que la inserción de BAL probióticas en la alimentación humana puede sumar a la salud, así como cuáles especies ya están autorizadas por la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria (ANVISA) en la producción de alimentos y los que se encuentran en proceso de autorización/evaluación.
Palabras clave: consumo, microbiota intestinal, derivados lácteos, microbiología de los alimentos, microorganismos.
Artigos de Revisão
Avanços da aplicação de bactérias ácido-láticas com funções probióticas na produção de fermentados láticos: uma revisão
Advances in the application of lactic acid bacteria with probiotic functions in the production of lactic acid ferments: a review
Avances en la aplicación de bacterias lácticas con funciones probióticas en la producción de fermentos lácticos: una revisión
Recepción: 16 Agosto 2022
Aprobación: 28 Noviembre 2022
Publicación: 14 Febrero 2023
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), alimentos que possuem alegações probióticas devem conter microrganismos capazes de auxiliar na melhora do equilíbrio microbiano intestinal (FAO/WHO, 2002; MARTINS et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2014).
Para que o alimento apresente tal alegação, ainda segundo a ANVISA (2017), as culturas probióticas utilizadas devem se manter “viáveis” durante todo o processo de produção até o seu consumo. Para isso, a concentração de 10. Unidades Formadoras de Colônias (UFC)/grama (g) ou mililitro (mL) do microrganismo deverá estar presente no alimento no ato de seu consumo.
O avanço nas pesquisas científicas tem estudado e atestado as funcionalidades probióticas de várias cepas de BAL. Em 2017, a ANVISA publicou a segunda versão do Guia de Probióticos. O documento informa as regras sobre o uso em alimentos, o que contribui para o mercado lácteo no desenvolvimento, aperfeiçoamento e melhora de seus produtos, colaborando com a evolução de seu marketing associado à criação de produtos mais inovadores dentro dos que já são comercializados no país (AMARA; SHIBL, 2015; MARTINS et al., 2015).
Diante do exposto acima e com base na bibliografia científica da última década (2011 a 2021), o objetivo deste trabalho foi verificar os principais gêneros de BAL utilizados na produção de fermentados lácteos, bem como sua funcionalidade probiótica.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre fermentados lácteos, seus principais produtos, a associação entre o emprego de BAL e as contribuições destes microrganismos na produção dos alimentos lácteos fermentados, utilizando as bases de dados PubMed (National Library of Medicine, Estados Unidos), SciELO (Scientific Electronic Library Online), ScienceDirect, Scopus, BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), Google Acadêmico e Periódicos Capes, empregando palavras-chaves: bactérias ácido láticas, fermentados lácteos, consumo, probióticos e seus correspondentes em inglês: lactic acid bacteria, fermented dairy, consumption e probiotics, referentes ao período de 10 anos (2012 a 2022), podendo também serem utilizadas referências mais antigas contendo informações relevantes ao assunto.
O termo “fermentados lácteos” refere-se a iogurtes, leites fermentados, bebidas lácteas, queijos e outros, podendo ser definidos como alimentos que sofreram fermentação lática, provocada por adição de bactérias ácido-láticas (BAL) específicas. Constituem uma grande fonte de proteínas, cálcio, fósforo e vitaminas A e B12 (BRASIL, 1996, 2007; MAZOCHI et al., 2010; REIS, 2012).
No Brasil, o consumo desses alimentos tem ganhado um considerável destaque nos últimos anos. Esse fato está relacionado diretamente a fatores, como: estratégias de marketing ligadas principalmente ao apelo de melhora na condição da saúde e vida, maior disponibilidade de marcas e produtos, melhoria das condições econômicas, demográfica e populacionais (HERNÁNDEZ-LEDESMA; RAMOS; GÓMEZ-RUIZ, 2011; LISERRE, 2005; OLIVEIRA et al., 2002).
Entre os vários produtos lácteos fermentados, queijos, iogurtes, bebida láctea e leites fermentados são os alimentos mais consumidos pelo público brasileiro (SORIO, 2018).
Segundo a legislação brasileira, o queijo pode ser definido como:
produto fresco ou maturado que se obtém por separação parcial do soro do leite ou leite reconstituído (integral, parcial ou totalmente desnatado), ou de soros lácteos, coagulados pela ação física do coalho, de enzimas específicas, de bactéria específica, de ácidos orgânicos, isolados ou combinados, todos de qualidade apta para uso alimentar, com ou sem agregação de substâncias alimentícias e/ou especiarias e/ou condimentos, aditivos especificamente indicados, substâncias aromatizantes e matérias corantes. Entende-se por queijo fresco o que está pronto para consumo logo após sua fabricação. Entende-se por queijo maturado o que sofreu as trocas bioquímicas e físicas necessárias e características da variedade do queijo. A denominação QUEIJO está reservada aos produtos em que a base láctea não contenha gordura e/ou proteínas de origem não láctea (BRASIL, 1996, p. 1).
O iogurte se apresenta como um alimento oriundo da fermentação lática de microrganismos: Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus. Segundo a legislação brasileira os teores de proteínas lácteas e de microrganismos viáveis nos produtos devem ser de: 2,9 g/100 g e concentração igual ou superior a 10. UFC/g, respectivamente (BRASIL, 2007).
Bebidas lácteas fermentadas, por possuírem adição de leite (in natura, reconstituído, pasteurizado e outros), soro de leite (líquido, em pó e concentrado) e adicionado de outras substâncias (gordura vegetal, fermento lácteos etc.), apresentam fermentação direta a partir do uso de microrganismos específicos ou a partir do uso de leite fermentado. Possuem um menor valor nutritivo, se comparadas aos iogurtes, devido à adição de soro do leite e demais compostos alimentícios. A adição de soro acrescenta ao produto proteínas de alto valor biológico, podendo ser acrescido de vitaminas hidrossolúveis, sais minerais e lactose (BRASIL, 2005; CASTRO-CISLAGHI et al., 2018; CRUZ et al., 2017).
Leites fermentados compreendem os produtos lácteos oriundos da fermentação do leite pasteurizado ou esterilizado, mediante a ação de fermentação de fermentos lácteos próprios (BRASIL, 2007).
Distribuídas amplamente na natureza, as BAL constituem um grupo de microrganismos que se caracterizam como organismos gram-positivos, formato tipo cocos e bastonetes, catalase negativa e com capacidade de produção de ácido lático a partir da fermentação de carboidratos, em especial a lactose e outros (DORES; FERREIRA, 2012).
Treze gêneros de microrganismos integram esse grupo: Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Lactobacillus, Lactosphaera, Leuconostoc, Oenococcus, Pediococcus, Streptococcus, Vagococcus. Weissella. Além disso, são classificadas de acordo com suas características intrínsecas de metabolização do carboidrato. As BAL podem ser diferenciadas em homofermentativas, dada a produção exclusiva de ácido lático, e em heterofermentativas, quando produzem, além de ácido lático, diacetil, dióxido de carbono e etanol (JAY, 2013; MOGENSEN et al., 2003).
Outra característica importante das BAL é seu potencial de ação antimicrobiana. Essa ação se dá por meio dos metabólitos extracelulares produzidos por elas (ácido lático, diacetil e bacteriocinas), além da competição direta por nutrientes e oxigênios (UECKER, 2017).
É conhecido que algumas espécies de BAL possuem contribuição probiótica. Algumas dessas cepas já foram autorizadas pela ANVISA (2017) para consumo humano direto ou indireto (adição em alimentos, ou a partir de cápsulas/sachês com as culturas liofilizadas), podendo ser citados: Bacillus coagulans GBI-30, Bifidobacterium lactis HN019, Bifidobacterium lactis BL-04, Lactobacillus acidophilus LA-14, Lactobacillus acidophilus NCFM, Lactobacillus casei LC-11, Lactobacillus paracasei LPC-37 e Lactobacillus reuteri DSM 17938. Muitos estudos se concentram especificamente em dois gêneros: Lactobacillus e Bifidobacterium.Esse enfoque se dá devido ao fato de esses microrganismos colonizarem especificamente a região do cólon (bifidobactérias) e a porção terminal do íleo, parte final do intestino delgado (lactobacilos), em razão da baixa produção de secreções intestinais e da alta disponibilidade de nutrientes (GUARNER, 2007; PAIXÃO; CASTRO, 2016; SAAD; FARIA; CRUZ, 2011).
O emprego de BAL na indústria láctea é na forma de fermento lácteo, ou seja, os microrganismos são previamente selecionados (culturas puras), na forma liofilizada, as quais em contato com o leite se multiplicam, contribuindo significativamente para sabor, aroma, textura, valor nutricional e bioconservação do alimento a ser produzido (MELO et al., 2020).
Nos produtos lácteos, algumas cepas são utilizadas como culturas starters, microrganismos vivos ou latentes, que se desenvolvem em determinados substratos, usualmente empregados a fim de alterar beneficamente as propriedades do alimento, agregar segurança, aumentar a vida útil, caracterizar um produto e promover benefícios à saúde (WENDLING; WESCHENFELDER, 2013).
De forma geral, a fabricação de iogurtes utiliza BAL termofílicas (42 ºC), enquanto a fabricação de queijos emprega bactérias mesofílicas e termofílicas. As cepas de Streptococcus thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus podem ser empregadas na produção de ambos os alimentos (BROOME; LIMSOWTIN, 2011; ROBINSON, 2002; SURONO; HOSONO, 2011).
Devido ao tipo de característica sensorial desejada, oriunda do processo fermentativo e dos metabólitos produzidos nesse processo, a indústria láctea emprega diferentes gêneros de BAL como fermentos lácteos. Sua ação não se limita apenas a caracterizar sensorialmente os produtos. Sabe-se que, em virtude de seu metabolismo de quebra da lactose, as BAL conseguem produzir metabólitos exocelulares (ácido lático e bacteriocinas), compostos que auxiliam no aumento da vida útil desses alimentos. (FIL/IDF, 2012; IKEDA et al., 2013).
As propriedades antagônicas exercidas pelas BAL têm provocado o interesse por seu uso na produção de alimentos mais seguros e naturais. Isolar e identificar cepas com potencial ação vêm sendo objetivo de vários estudos, de forma a contribuir para sua aplicação no processamento de alimentos. Além desse fator, outros estudos buscam explorar suas contribuições probióticas. O conhecimento sobre essas informações pode possibilitar a produção de alimentos seguros com características probióticas (ALMEIDA JUNIOR et al., 2015; SETTANNI; MOSCHETTI, 2010).
A maior diversidade/possibilidade de obtenção de produtos lácteos faz com que a indústria láctea seja a maior empregadora de BAL em seus produtos. Os principais gêneros de BAL empregados na produção de lácteos fermentados se encontram dispostos na Tabela 1.

Segundo Zheng et al. (2020), as espécies do gênero Bifidobacterium naturalmente são heterofermentativas, porém podem usar tanto a via homo quanto a heterofermentativa:
Heterofermentativas: utilização da glicólise como via de obtenção energética a partir do emprego de duas enzimas: Frutose-6- fosfatofosfoquetolase (F6PPK), as quais promovem a quebra da frutose-6-fosfato em acetil-1-fosfato e Eritrose4-fosfato, produzindo ácido acético e lático;
Homofermentativas: ao utilizarem a glicose como via energética produzem apenas ácido lático.
De acordo com Barbosa et al. (2011), Lactobacillus, de forma geral, são considerados como homofermentativos obrigatórios, porém algumas cepas podem se comportar metabolicamente de forma alternada como heterofermentativos. Essa característica permite se adaptar ao substrato e meio, possibilitando o seu desenvolvimento.
É observado que as indústrias lácteas utilizam em seus rótulos a nomenclatura “fermento lácteo”, a fim de preservar sua patente ou registro de produção. Diante disso, considerando as características intrínsecas das BAL, pressupõe-se que esses fermentos lácteos apresentam diversificação desses microrganismos em sua composição. Tal fato pode ser verificado diante da diversidade de marcas dentro de um mesmo nicho de produtos (MORITZ et al., 2011).
Diante dos avanços na área sobre o emprego das BAL e suas contribuições à saúde humana, muitas empresas desenvolveram e licenciaram suas próprias culturas lácteas. Na Tabela 2 são apresentados os principais segmentos de produtos lácteos e as respectivas culturas usadas em sua produção.

De forma geral, o termo “probióticos” pode ser referido a microrganismos vivos que, quando utilizados em pequenas concentrações a longo prazo, podem conferir ao hospedeiro melhores condições de vida. No Brasil, a legislação vigente autoriza a utilização de algumas cepas de BAL, as quais devem apresentar células viáveis e em concentrações mínimas ao final do processo de passagem pelo trato gastrointestinal. Para tanto, autores como Madureira et al. (2011); Santos et al. (2011); Hill et al. (2014); Lima (2017); Tripathi; Giri, (2014); Perez et al. (2014) recomendam doses diárias acima de 10. Unidades Formadoras de Colônias (UFC)/mL ou g, a fim de garantir suas contribuições à microbiota do hospedeiro.
É conhecido que essas cepas estão relacionadas a contribuições terapêuticas no que se refere à nutrição e saúde do indivíduo. As cepas atuam de forma a melhorar o balanço microbiano intestinal e diminuir a concentração de patógeno na região do trato gastrointestinal por se aderirem e sobreviverem nesse ambiente, além de contribuírem para o equilíbrio desse ecossistema, em virtude da produção de seus metabólitos extracelulares com ação antimicrobiana. Diminuem alguns fatores de risco de doenças cardiovasculares, colaboram para a melhora no processo metabólito e digestivo, e modulam a resposta imune local e sistêmica, produção de serotonina e dopamina na região intestinal entre outros (DIEPERS et al., 2017; GARCÍA-HERNÁNDEZ et al., 2016; SHEHATA et al., 2016).
De origem japonesa, o termo alimento funcional ganhou o mercado consumidor mundial em virtude do objetivo de desenvolvimento de produtos saudáveis. Além das contribuições nutricionais, os alimentos devem contribuir de forma benéfica para a saúde do consumidor (ANJO, 2004).
De acordo com a ANVISA (1999), são definidos como alimentos funcionais ou com propriedades funcionais produtos com substâncias específicas (ácidos graxos, oligossacarídeos e polissacarídeos e outros) que, associadas a uma dieta balanceada, favorecem a saúde, diminuindo o risco de doenças.
Assim como os alimentos funcionais ou com propriedades funcionais, os probióticos atuam de forma a contribuir para a melhoria na saúde de quem os consome. Entretanto, estes são relacionados ao emprego de microrganismos que, estando presentes na alimentação, atuam de forma a metabolizar o substrato no qual estão inseridos, melhorando a digestibilidade de produtos e outros (NEVES, 2017).
Além de suas características sensoriais, como viscosidade e consistência nos produtos, a crescente associação da ingestão dos alimentos ligada às funções probióticas oriundas das BAL fez com que o consumo de fermentados lácteos aumentasse. Atualmente o mercado consumidor tem buscado por produtos com alegações probióticas (MATTILA-SANDHOLM et al., 2002). Essas contribuições probióticas ainda não foram totalmente elucidadas, porém podem ser explicadas a partir de testes in vitro em que há uma melhor adesão bacteriana às células epiteliais intestinais e mucosa intestinal, por exemplo. Essa fixação se dá a partir de ligações a receptores específicos, o que promove a competição com bactérias patogênicas. Outros fatores relacionados a essa ação se referem a uma melhora da digestibilidade da lactose, auxílio no tratamento para a redução de doenças intestinais e redução na concentração sérica de colesterol (ARGYRI et al., 2013; GRANATO et al., 2010; MORAIS; JACOB, 2006; MORROW et al., 2012).
O intestino humano é considerado um grande ecossistema, pois apresenta condições favoráveis às interações entre hospedeiro vs. microbiota vs. nutrientes. Por anos a microbiota intestinal foi vista como algo maléfico. Tal fato se deu em virtude de microrganismos patogênicos, que devido a suas ações desencadeiam a produção de toxinas e infecções sistêmicas, além de outros problemas gastrointestinais (BUTEL, 2014; PEREZ et al., 2014).
O termo “microbiota intestinal” se refere a microrganismos que vivem na região do intestino humano. Essa microbiota pode ser dividida em duas categorias: autóctones/nativas ou temporárias. A microbiota nativa é estabelecida desde a primeira infância. Já a transitória pode ser alterada ou modificada a partir da ingestão por longo prazo de um determinado alimento fermentado (BARBOSA et al., 2010; PAIXÃO, CASTRO, 2016).
O trato gastrointestinal, após o nascimento, é considerado um ambiente totalmente estéril. Sua colonização se inicia a partir do nascimento (parto natural) através da passagem do feto pelo canal vaginal, diferente do parto cesárea, em que não há “contaminação do feto por nenhum ecossistema microbiano”. Ela ocorre também através do ambiente (alimentação, água, contato com o meio e outros), tendo a sua composição definida até os dois anos de idade. Além disso, essa população pode ser caracterizada por meio de fatores genéticos do hospedeiro, sendo o padrão de colonização determinado pelos genótipos do indivíduo, influenciando na disponibilidade e qualidade de sítios de ligação a receptores presentes na mucosa e no tecido epitelial intestinal (BINNS, 2014; LEITE et al., 2014).
Além disso, dadas as características desse ecossistema, a população de microrganismos se concentra na região do intestino, especificamente no intestino grosso. Tal fato é explicado devido à alta atividade metabólica, com consequência da disponibilidade de nutrientes, sendo verificada uma concentração a partir de 1011 UFC/g. (BEDANI; ROSSI, 2009).
O intestino humano é alvo de inúmeras infecções exógenas ocasionadas principalmente por rotavírus, Salmonella Typhimurium e algumas cepas de Escherichia coli. Oriundos de água ou alimentos contaminados, esses microrganismos ocasionam diversas doenças gastrointestinais (FREIRE et al., 2021; SCHNEIDER, 2016).
Segundo Peres et al. (2014) e da Paixão e Castro (2016), as BAL atuam de forma a criar três níveis de defesas do hospedeiro: 1º - como barreira a microrganismos patogênicos; 2º - estimulação do sistema imune local e sistêmico e 3º - fermentação das substâncias residuais não absorvíveis oriundas do indivíduo, ou a partir de sua alimentação, servindo de substrato para a produção de ácido graxos, vitaminas e compostos energéticos, como ácido butírico, ácido acético e compostos antagônicos.
A relação entre microbiota intestinal e a utilização de cepas de BAL probióticas não se limita apenas a direcionar quais microrganismos poderão/deverão colonizar o trato gastrointestinal, mas a uma microbiota mais diversificada, buscando se evitar possíveis desordens e proliferações provocadas por patógenos (PAJARILLO et al., 2015; SILVA, 2016).
Diversos mecanismos benéficos à saúde humana podem ser provocados pelas BAL. De forma geral, dados na literatura informam que probióticos são capazes de metabolizar prebióticos, gerando energia, e ajudam na modulação de características fisiológicas melhorando a permeabilidade e a imunidade da mucosa intestinal, por exemplo. Auxiliam no tratamento da doença de Chron e da síndrome do intestino irritável, além de ajudarem na regulação dos níveis séricos de colesterol e da pressão arterial e no tratamento a infecções respiratórias e a inflamações cutâneas (MOKOENA, 2017; PINO et al., 2019; VANDENPLAS et al., 2015).
Para que uma determinada cepa seja considerada probiótica ela deve atender a critérios seletivos, os quais se referem não apenas à resistência à passagem pelo sistema gastrointestinal, mas também à apresentação de alta proliferação no intestino e outros. Além disso, atualmente, tem-se adotado a avaliação toxicológica a partir de modelos in vitro e in vivo (KUMAR et al., 2015; LARA-VILLOSLADA et al., 2007).
Para a caracterização inicial de uma cepa como probiótica, alguns critérios foram estabelecidos: a cepa não deve apresentar riscos ao hospedeiro, nem apresentar transmissão de genes de resistência a antibióticos e de virulência, além de apresentar boa fixação no epitélio intestinal, atuando de forma a inibir o desenvolvimento de patógenos, e apresentar tolerância ao ácido estomacal, produção de exopolissacarídeos e a sais biliares (SORNPLANG; PIYADEATSSONTORN, 2016; VANDENPLAS et al. 2015).
A identificação molecular da cepa, após a sua triagem, pode ser realizada de diversas formas. A primeira se baseia na observação de características fenotípicas a partir de testes bioquímico, fisiológicos e morfológicos. Já os testes moleculares são usualmente mais utilizados. Estes podem se diferenciar de várias formas, sendo o sequenciamento do DNA usando a região do gene 16 rRNA pela técnica de reação em cadeia polimerase (PCR) a técnica mais usual (FERROCINO et al., 2017; FRANCIOSA et al., 2018; POŁKA et al., 2015).
A realização de uma revisão bibliográfica no presente trabalho permitiu evidenciar as contribuições que a inserção de BAL probióticas na alimentação humana podem agregar à saúde humana, assim como quais são as espécies autorizadas pela ANVISA na produção de alimentos, principalmente fermentados, e as que estão em processo de autorização/avaliação. Foi possível elucidar quais são os critérios de seleção de cepas probióticas e sua identificação. Foram relatadas as contribuições que esses microrganismos podem agregar à saúde humana, bem como os seus mecanismos de ação frente a infecções de patógenos no trato gastrointestinal.
COMO CITAR (ABNT): LOPES, D. S.; BASTOS, P. A. M. B.; REBELLO, L. P. G. Avanços da aplicação de bactérias ácido-láticas com funções probióticas na produção de fermentados láticos: uma revisão. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 25, n. 1, e25118217, 2023. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.18217. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/18217.
COMO CITAR (APA): Lopes, D. S., Bastos, P. A. M. B., & Rebello, L. P. G. (2023). Avanços da aplicação de bactérias ácido-láticas com funções probióticas na produção de fermentados láticos: uma revisão. Vértices (Campos dos Goitacazes), 25(1), e25118217. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.18217.

