Resumo: Com o rápido crescimento urbano, a expansão das cidades tem impactado significativamente a dimensão ambiental. Dentro das cidades, os espaços livres desempenham um papel multifuncional importante, sendo áreas não ocupadas por construções e com relevância social, política e cultural. O Sistema de Espaços Livres (SEL) envolve elementos e relações que estruturam esse conjunto de espaços livres, incluindo sua rede hídrica, e sua compreensão é essencial para o desenvolvimento e a qualidade de vida nas áreas urbanas. Esta pesquisa bibliográfica utilizou a revisão sistemática da literatura para compreender o estado da arte de produções científicas que inter-relacionam o SEL integrado aos recursos hídricos. Foram selecionados artigos, dissertações e teses. A análise bibliométrica revelou que o tema é amplamente discutido em periódicos especializados e tem sido pesquisado em diversos países. Essa revisão sistemática contribuiu para delinear a relação entre espaços livres e recursos hídricos, destacando a importância de um planejamento urbano integrado que promova a conservação dos recursos naturais e a criação de um ambiente urbano sustentável.
Palavras-chave: revisão sistemática da literatura, sistema de espaços livres, recursos hídricos, planejamento urbano.
Abstract: With the rapid urban growth, the expansion of cities has significantly impacted the environmental dimension. Within cities, open spaces play an important multifunctional role, being areas not occupied by buildings and with social, political and cultural relevance. The Open Space System (OSS) involves elements and relationships that structure this set of open spaces, including its water network, and its understanding is essential for the development and quality of life in urban areas. This bibliographic research used the Systematic Literature Review to understand the state of the art of scientific productions that interrelate public open spaces with water resources. Articles, dissertations and theses were selected. Bibliometric analysis revealed that the topic is widely discussed in specialized journals and has been researched in several countries. This systematic review contributed to outline the relationship between open spaces and water resources, highlighting the importance of integrated urban planning that promotes the conservation of natural resources and the creation of a sustainable urban environment.
Keywords: systematic literature review, open space system, water resources, urban planning.
Resumen: Con el rápido crecimiento urbano, la expansión de las ciudades ha impactado significativamente la dimensión ambiental. Dentro de las ciudades, los espacios abiertos juegan un papel multifuncional importante, siendo áreas no ocupadas por edificios y con relevancia social, política y cultural. El Sistema de Espacio Libre (SEL) involucra elementos y relaciones que estructuran este conjunto de espacios abiertos, incluida su red de agua, y su comprensión es fundamental para el desarrollo y la calidad de vida en las áreas urbanas. Esta investigación bibliográfica utilizó la Revisión Sistemática de Literatura para comprender el estado del arte de las producciones científicas que interrelacionan los espacios públicos abiertos con los recursos hídricos. Se seleccionaron artículos, disertaciones y tesis. El análisis bibliométrico reveló que el tema es ampliamente discutido en revistas especializadas y ha sido investigado en varios países. Esta revisión sistemática contribuyó a esbozar la relación entre los espacios abiertos y los recursos hídricos, destacando la importancia de una planificación urbana integrada que promueva la conservación de los recursos naturales y la creación de un entorno urbano sostenible.
Palabras clave: revisión sistemática de la literatura, sistema de espacio libre, recursos hídricos, urbanismo.
Artigos Originais
A inter-relação entre os espaços livres e os recursos hídricos urbanos: uma revisão sistemática da literatura
The interrelation between open spaces and urban water resources: a systematic literature review
La interrelación entre los espacios abiertos y los recursos hídricos urbanos: una revisión sistemática de la literatura

Recepción: 18 Mayo 2023
Aprobación: 18 Agosto 2023
Publicación: 28 Septiembre 2023
Com o complexo crescimento das cidades, a expansão urbana passou a afetar ainda mais a dimensão ambiental. O crescimento urbano muitas vezes não se dá em termos populacionais, mas sim com a expansão da malha urbana, podendo essa ocorrer de forma ordenada pelo poder público ou não. A construção de edificações próximas a recursos hídricos gera uma série de problemas socioambientais, que não se restringem aos limites das cidades, já que estas, frequentemente, se expandem em direção aos rios, canais e lagoas, contaminando suas fontes de água e reduzindo a qualidade e a disponibilidade hídrica (NUCCI, 2008; PEIXOTO, 2007; TUCCI, 2008).
Dentro das cidades, os espaços livres são locais multifuncionais de grande importância caracterizados como áreas não ocupadas por construções e possuem significado social, político e cultural (MAGNOLI, 2006; PEREIRA, 2016). O Sistema de Espaços Livres (SEL), que compreende todos os espaços livres em um determinado contexto escalonado, consiste em elementos e relações que estruturam esse conjunto (MACEDO et al., 2018). Tal sistema resulta de um processo social que ocorre em uma base física específica, a qual responde de maneira diversa a fatores sociais, ambientais e morfológicos.
Tanto os espaços livres públicos quanto os privados são subsistemas do SEL urbano. Os espaços livres privados se referem aos espaços localizados dentro de lotes de propriedade privada, como recuos, pátios, quintais e jardins. Geralmente, esses espaços têm acesso restrito ao público e estão fragmentados no tecido urbano, não estando fisicamente conectados entre si. Ocasionalmente, podem estar conectados aos espaços livres públicos, como no caso de praças corporativas (MACEDO et al., 2018).
Por outro lado, os espaços livres públicos podem ser compreendidos como espaços multifuncionais de grande importância social, política e cultural. Esses espaços têm desempenhado um papel estruturante duradouro no espaço urbano e possuem uma natureza interdisciplinar. Implicitamente, são considerados uma entidade de preocupações compartilhadas, que também podem acomodar fins cívicos (PEREIRA, 2016).
Compreender os diversos papéis desempenhados pelo SEL é uma tarefa complexa, pois o que pode ser útil em uma determinada cidade pode não ser em outra, mesmo que sejam de porte semelhante. No entanto, é necessário compreender a estrutura da cidade, a malha urbana e a forma como são afetados pelos agentes econômicos e políticas públicas implementadas, pois isso está diretamente relacionado ao processo de desenvolvimento da região (COCOZZA et al., 2015; QUEIROGA; BENFATTI, 2007). Dessa forma, o SEL deve ser analisado de forma articulada com a sociabilidade de cada lugar e levando em consideração a distribuição dos diferentes grupos sociais no espaço urbano e as demandas da própria população.
Dentro do SEL, a rede hídrica urbana é um dos elementos essenciais, apresentando desafios e oportunidades. Os recursos hídricos devem ser reconhecidos como elementos estruturantes cruciais para a cidade, uma vez que a água sempre desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento das civilizações.
O crescimento urbano tem afetado diretamente o meio ambiente nas cidades, tanto no passado como no presente. As transformações sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas têm gerado um impacto significativo no território nacional, especialmente no que diz respeito à infraestrutura urbana e à segurança hídrica. Problemas de infraestrutura tendem a surgir quando o crescimento urbano não é acompanhado por investimentos adequados e uma distribuição equitativa dos recursos, resultando na falta de serviços básicos e no aumento das desigualdades (HARVEY, 2014; NUCCI, 2008).
Portanto, é crucial compreender o funcionamento da rede hídrica como um componente do sistema de espaços livres urbanos. Ela pode se manifestar como espaços de uso público, como orlas urbanisticamente tratadas, ou como áreas informais apropriadas pela população devido a fatores técnicos, sociais ou econômicos que influenciam sua utilização (QUEIROGA; BENFATTI, 2007; SOUZA, 2015).
Estabelecer uma correlação entre os espaços livres urbanos e os recursos hídricos, considerando-os como um sistema, é essencial para garantir a qualidade de vida das pessoas que residem nas áreas urbanas. Os espaços verdes, como parques e jardins, desempenham um papel fundamental na absorção da água da chuva, na filtragem de poluentes e na redução da temperatura do ar. Além disso, eles proporcionam áreas de lazer e recreação para a comunidade.
Ao mesmo tempo, os recursos hídricos urbanos, como rios, lagos e canais, desempenham um papel crucial na drenagem urbana e na redução do risco de enchentes. Eles também fornecem habitat para a fauna e flora locais, além de serem importantes para o equilíbrio ecológico da região. É válido ressaltar que a gestão integrada do SEL, abrangendo os recursos hídricos urbanos, pode trazer benefícios geológicos, sociais, econômicos e culturais para a comunidade.
A ausência e a falta de conservação dos espaços livres e dos recursos hídricos urbanos resultam em problemas ambientais, como aumento da temperatura urbana, escassez de água potável, enchentes, inundações e erosão do solo. Portanto, é de suma importância que as cidades planejem e implementem projetos para a conservação de seus recursos naturais, promovendo um uso consciente e garantindo um ambiente urbano saudável e sustentável.
Este artigo constituiu-se em uma pesquisa bibliográfica que adotou, como procedimento metodológico, a Revisão Sistemática da Literatura (RSL) e objetivou compreender o “estado da arte” de produções científicas relativas ao SEL integrados aos recursos hídricos. Esse tipo de pesquisa consiste em um conjunto de métodos e ferramentas que possibilitam o mapeamento de uma determinada área científica, de forma a evidenciar elementos como os autores que mais publicam sobre o assunto, as instituições de pesquisa e os periódicos que abordam o assunto. Por meio desse procedimento é possível obter indicadores a respeito do crescimento e da distribuição geográfica das publicações relativas ao tema de interesse.
Foi utilizado o método PRISMA (Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises) adaptado. A pesquisa foi dividida em duas etapas, sendo a primeira com a busca de publicações nas bases de dados Scopus e Web of Science, que fornecem acesso a dados confiáveis, métricas e ferramentas analíticas de uma ampla variedade de áreas de pesquisa. Elas indexam conteúdo que é verificado e selecionado por um conselho de revisão independente.
Na segunda etapa, foram pesquisadas teses e dissertações nas bases Catálogo de Teses e Dissertações CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Essas bases de dados foram escolhidas por seus alcances e coberturas abrangentes tanto de periódicos nacionais como internacionais.
Nesse contexto, a presente pesquisa seguiu as cinco etapas apresentadas e descritas adiante (Figura 1).

Na Etapa 1 foram escolhidos os termos de pesquisa para a busca nas bases e buscou-se utilizar diversos termos referentes a “Sistema de Espaços Livres” e a “recursos hídricos” em inglês. Dessa forma, na busca dos artigos foram utilizados os seguintes termos: "open spaces", "open spaces system", "system of open spaces", "public open spaces", "water sustainability", "water resources", "water resource", "sustainable water management" e "integrated water resources management". Na busca das dissertações e teses, por serem bases brasileiras, os termos utilizados foram: "sistema de espaços livres", "espaços livres", "recursos hídricos", "sustentabilidade hídrica", "gestão sustentável das águas" e "gestão integrada dos recursos hídricos". Os termos foram aplicados de forma mais ampla, com vistas a incluir uma maior quantidade de trabalhos.
Posteriormente, na Etapa 2, os termos escolhidos foram inseridos nos bancos de dados, e os trabalhos encontrados foram extraídos para análise. Nessa etapa, optou-se por não utilizar nenhum critério de exclusão, como ano de publicação, de forma a se obter um resultado mais completo. O acesso às bases se deu através do Portal de Periódicos CAPES, com credenciais IdIFF, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, nos dias 11 de abril de 2022 e 8 de maio de 2022.
Na Etapa 3, após a busca inicial, foram excluídos os trabalhos duplicados e, a partir da análise do título e do resumo, foram excluídos os trabalhos que não tinham relação direta com o tema pesquisado. Para definir o número final de trabalhos a serem considerados foram utilizados critérios de elegibilidade: idioma (trabalhos disponibilizados em português e/ou inglês e/ou espanhol), permissão de acesso ao texto completo para leitura, ser artigo científico completo e novo refinamento de aderência ao tema durante a leitura dos trabalhos na íntegra.
Por último, na Etapa 4, as principais informações dos trabalhos foram sintetizadas em planilhas e gráficos, para que pudessem orientar, na Etapa 5, a análise e a discussão dos resultados.
O crescimento complexo das cidades tem levado a uma expansão urbana que afeta cada vez mais a dimensão ambiental. Percebe-se, além disso, que, embora os rios, canais e lagoas da cidade façam parte do SEL urbano, ainda não são tratados urbanisticamente e paisagisticamente em prol de um aproveitamento da população aliado à conservação ambiental.
A falta de conservação dos espaços livres e dos recursos hídricos urbanos resulta em problemas ambientais, como enchentes e inundações. Portanto, é de suma importância que as cidades planejem e implementem projetos para a conservação de seus recursos naturais, promovendo um uso consciente e garantindo um ambiente urbano saudável e sustentável.
Diante de tal problemática, serão discutidos a seguir os resultados obtidos na pesquisa dos artigos e nas dissertações e teses, apresentando os dados da revisão sistemática em sua dimensão de análise bibliométrica, de forma a identificar as lacunas na área pesquisada. Primeiro serão apresentados os resultados obtidos nas bases Scopus e Web of Science e, posteriormente, os dados obtidos nas bases Catálogo de Teses e Dissertações CAPES e BDTD.
O Quadro 1 sintetiza a estratégia de pesquisa utilizada na análise bibliométrica dos artigos, conforme descrito anteriormente.

Na Etapa 2, de busca inicial, foram obtidos 116 artigos para análise, sendo 105 na base Scopus e 11 na Web of Science. Desse total, 13 foram excluídos por duplicação, restando 103 artigos. Com a leitura dos títulos e resumos, na Etapa 3, identificaram-se 73 artigos com aderência ao tema. Após a avaliação dos critérios de elegibilidade, 46 trabalhos foram selecionados para o prosseguimento da análise.
A partir da pesquisa realizada nas bases Scopus e Web of Science, obtivemos os dados que estão resumidos na Figura 2.

Na caracterização bibliométrica dos artigos foram analisados dados relativos ao ano de publicação, ao país de origem das instituições pesquisadoras, aos principais periódicos, ao fator de impacto, ao quartil dos periódicos e aos trabalhos mais citados, extraindo as principais informações a respeito desses.
Na Figura 3 demonstra-se o quantitativo de trabalhos publicados por ano (barras) e a evolução das publicações (linha). O gráfico em linha apresenta as quantidades acumuladas das publicações com o passar dos anos.

Pela Figura 3 verifica-se que as publicações se tornaram mais frequentes a partir do ano de 2006. Os últimos cinco anos apresentam um número significativo de publicações, representando 30,4% do total de publicações dos últimos 44 anos. Dessa maneira, a pesquisa por recursos hídricos associados a espaços livres se mostra um assunto atual.
Outro indicador pertinente é o dos países de origem das instituições de ensino dos autores que desenvolvem as pesquisas. Essa informação está representada no mapa da Figura 4, que ilustra a distribuição por países considerando que uma mesma publicação pode conter autores afiliados a instituições de diferentes países, não sendo a contagem, por isso, associada ao número de publicações, mas sim à frequência de publicação do país da instituição.

Nota-se que o país com maior destaque no número de publicações são os EUA, aparecendo com 48%, o que corresponde a 22 artigos. Em seguida, aparecem a Indonésia, com 17% das publicações (8 artigos) e a Austrália, com 15% das publicações (7 artigos). O Brasil aparece com apenas 1 artigo, representando 2% das publicações.
Da mesma forma, torna-se relevante analisar o indicador referente aos artigos por periódico, de forma a identificar não somente os periódicos com maior número de publicações no tema analisado, como também seus respectivos fatores de impacto e quartil. Para tanto, na Tabela 1 estão enumerados os periódicos que apresentaram dois ou mais artigos dentro da pesquisa elencados em ordem decrescente do quantitativo de publicações.

Pode-se perceber nessa análise que, por se tratar de um tema transdisciplinar e bastante discutido em diversas áreas de pesquisa, cada uma com seu foco, é publicado em variados periódicos, tendo tido como resultado um total de 37 periódicos na pesquisa. Entre esses, pode-se destacar o periódico Journal of the American Water Resources Association (JAWRA), com 8,7% das publicações (4 em valor absoluto) e boa classificação no Quartil (Q1). Trata-se de um periódico internacional dedicado à publicação de trabalhos originais caracterizados por uma abordagem multidisciplinar para questões de recursos hídricos. Nesse periódico podem ser encontrados artigos a respeito de política hídrica, ecologia ribeirinha, sistemas de informações geográficas e gerenciamento adaptativo.
Entre os artigos analisados na revisão, serão mais detalhadamente abordados os cinco artigos mais citados. O número de citações se refere à quantidade de artigos que citam o artigo analisado e é um importante indicador da qualidade da pesquisa e de seu alcance no meio científico.
Na Tabela 2 são listados os artigos com maior número de citações segundo informações das bases na data de realização da pesquisa, elencados em ordem decrescente do quantitativo de citações, com a identificação dos autores, dos títulos das publicações, dos quantitativos de citações, dos periódicos e de seus respectivos fatores de impacto.

Pela Tabela 2, nota-se que os autores dos cinco trabalhos mais citados são Haase; Arifin e Nakagoshi; Schuch et al.; Randhir e Tsvetkova; e Law. O primeiro, Haase (2009), ultrapassa a marca de 100 citações. Pode-se observar ainda que os dez artigos mais citados foram publicados em dez periódicos diferentes, mostrando a multidisciplinaridade do tema.
No trabalho desenvolvido por Haase (2009), o mais citado, é discutido como o uso do solo afeta o balanço hídrico de uma região. Para o autor, existe um conflito nas cidades por conta da necessidade de uso do solo ao mesmo tempo que também há a necessidade de se manter seu potencial ecológico e de manter espaços livres que possam atender às demandas das gerações atuais e futuras no que diz respeito à proteção dos recursos hídricos e considerando as mudanças climáticas.
Ainda no mesmo artigo, o autor destaca que, em razão das crescentes alterações no uso do solo e em sua impermeabilização na maioria das cidades ao redor do mundo, as funções de filtro e de escoamento da superfície do solo são prejudicadas, afetando o balanço hídrico local. Dessa forma, o artigo analisou o impacto da mudança do uso do solo urbano e do revestimento desse solo no balanço hídrico urbano de longo prazo ao longo de uma trajetória de 130 anos, usando abordagens de modelo simples baseadas em dados disponíveis ao público. Um estudo de caso na cidade de Leipzig, Alemanha, foi realizado. Dele foram desenvolvidos mapas com análise do crescimento urbano, das taxas médias anuais de escoamento direto, da evapotranspiração anual média e das taxas de recarga das águas subterrâneas, todos para quatro intervalos de tempo entre os anos de 1870 e 2003. Como resultado, a observação de longo prazo do crescimento urbano e do consumo crescente de terras constatou que o impacto cumulativo da mudança no uso da terra e impermeabilização da superfície prejudicam o equilíbrio hídrico urbano. Além disso, a expansão urbana leva a um aumento do risco de inundação produzido pelo aumento do escoamento direto e uma consequente maior liberação de água para fora do sistema urbano.
O artigo de Arifin e Nakagoshi (2011) aborda assuntos como ecologia da paisagem e biodiversidade urbana na Indonésia. Para os autores, os problemas ambientais enfrentados recentemente no país, como perda da biodiversidade, diminuição da qualidade e da quantidade de água e inundações, são causados por significativas mudanças no uso e na cobertura da terra, desmatamento, sistemas agrícolas, urbanização, industrialização e outros tipos de desenvolvimento urbano. Buscando amenizar tais problemas e buscar a sustentabilidade urbana, o governo implementou uma lei nacional orientando as cidades a oferecerem, no mínimo, 30% das áreas urbanizadas como sendo espaços livres verdes. Os autores trazem as iniciativas implantadas na cidade de Jacarta, que executou ações como a criação de espaços verdes nas laterais e no meio das estradas, e na cidade de Sentul, que se engajou em políticas que visam à criação de uma eco-cidade bem projetada com vegetação urbana e redes ecológicas. Os autores concluem que a nova política implantada no país deve anunciar um futuro com melhor qualidade urbana e que os espaços livres verdes irão fornecer serviços ambientais, como gestão de recursos hídricos e conservação da biodiversidade.
O artigo desenvolvido por Schuch et al. (2017), apesar de mais recente, também já possui um bom número de citações. Este trabalho aborda o modo como o planejamento urbano, em especial o planejamento de espaços livres, pode desempenhar um importante papel na gestão dos recursos hídricos, inclusive das inundações. Os autores trazem que, apesar de os espaços livres verdes serem reconhecidos como importantes para a estruturação das cidades, ainda existem poucos relatos da real inclusão desse reconhecimento nos planos e estratégias de desenvolvimento urbano. A partir disso, o artigo compara as abordagens adotadas para o planejamento regional de espaços livres verdes em três capitais/regiões australianas. Os resultados indicam o reconhecimento das relações entre o controle de inundações e o planejamento de espaços livres verdes e de vários mecanismos de planejamento associados. Porém, essa relação tem sido pouco explorada, principalmente no que diz respeito à gestão de inundações, dado o legado de decisões de planejamento anteriores e a falta de informações para apoiar a implementação. O artigo conclui com recomendações para pesquisas adicionais que possam auxiliar no planejamento de espaços livres como aliados aos serviços ecossistêmicos relacionados ao gerenciamento de inundações.
Ainda entre os mais citados, temos o artigo desenvolvido por Randhir e Tsvetkova (2011) que, diferente dos outros artigos mencionados, traz como metodologia a modelagem, de forma a avaliar os padrões emergentes de uso da terra e prever a variação na quantidade e qualidade da água através dos recursos computacionais. São realizadas modelagens que utilizam equações hidrológicas para simular padrões e processos da paisagem. Um modelo de dinâmica espaço-temporal de bacias hidrográficas é aplicado a uma sub-bacia da bacia do rio Blackstone, em Massachusetts/EUA, para prever possíveis mudanças no uso da terra, escoamento esperado e carga de sedimentos. Os resultados mostram que, enquanto a erosão da superfície diminuiu, a erosão do rio aumentou dado o aumento do escoamento das áreas urbanas. Além disso, o uso de melhores práticas de gestão urbana em locais sensíveis, estratégias preventivas e planejamento de conservação de longo prazo são úteis para sustentar o sistema de bacias hidrográficas.
O artigo desenvolvido por Law (1996) mostra como a questão do gerenciamento das águas urbanas é um assunto que já vem sendo tratado há muitos anos, sendo ainda bastante atual, atingindo nos dias de hoje novas abordagens e buscando solucionar novas variáveis. Esse artigo aborda a questão do reaproveitamento de água, descrevendo o projeto Rouse Hill como um todo, incluindo o raciocínio por trás da instalação do sistema duplo de abastecimento de água, o projeto da estação de tratamento de esgoto, as qualidades de efluentes alcançadas, o projeto do sistema duplo de distribuição de água e os requisitos da autoridade reguladora. O desenvolvimento de Rouse Hill, no noroeste de Sydney, foi a primeira aplicação em grande escala na Austrália de reutilização doméstica não potável.
Apesar de não estar entre os artigos mais citados, é importante destacar o artigo desenvolvido no Brasil, por abordar uma realidade local. Desenvolvido por Ducrot et al. (2010), o artigo traz um estudo de caso na região periférica de São Paulo. Nele é discutido como grande parte da expansão urbana de São Paulo é impulsionada pelo desenvolvimento de assentamentos informais em sua periferia, o que inclui as bacias hidrográficas que fornecem importantes serviços ambientais. O artigo desenvolveu um jogo, tipo RPG, com o objetivo de explorar as interações entre diferentes atores (prefeito, companhia de água, representantes distritais e proprietários de terras de diferentes tipos) na insegurança fundiária, infraestrutura de água e saneamento e poluição na periferia de São Paulo.
O jogo computadorizado foi projetado para simular negociações relacionadas ao planejamento do uso da terra em um município. Uma avaliação das sessões de jogo revelou os diferentes pontos de vista dos atores locais e institucionais sobre as principais questões e os possíveis arranjos de negociação. Uma demonstração do jogo foi proposta aos membros do comitê da sub-bacia Guarapiranga. O jogo foi disputado quatro vezes com representantes de instituições e organizações e quatro vezes com representantes de instituições locais e lideranças locais. Uma avaliação das sessões de jogo revelou os diferentes pontos de vista dos atores locais e institucionais sobre as principais questões e os possíveis arranjos de negociação.
A estratégia de pesquisa utilizada na análise bibliométrica das dissertações e teses está sintetizada no Quadro 2, conforme descrito anteriormente.

Para essa pesquisa, na Etapa 2, de busca inicial, foram obtidos 22 trabalhos acadêmicos para análise, sendo 13 na base da CAPES e 9 na BDTD. Desse total, 8 foram excluídos por duplicação, restando 14 dissertações e teses. Com a leitura dos títulos e resumos, na Etapa 3 foram identificadas 13 pesquisas com aderência ao tema. Após a avaliação dos critérios de elegibilidade, 11 trabalhos foram selecionados para o prosseguimento da análise.
Os dados obtidos a partir da pesquisa realizada no Catálogo de Teses e Dissertações CAPES e na BDTD estão resumidos na Figura 5.

Na caracterização bibliométrica dos trabalhos acadêmicos foram analisados dados relativos ao ano de publicação, ao tipo (dissertação ou tese), à área do programa de pós-graduação e às palavras-chave, extraindo as principais informações a respeito desses.
O quantitativo de trabalhos acadêmicos publicados por ano (barras) e a evolução das publicações (linha) estão representados na Figura 6. O gráfico em linha apresenta as quantidades acumuladas das publicações com o passar dos anos.

Pela Figura 6 verifica-se que as publicações se tornaram mais frequentes a partir do ano de 2018, mostrando novamente que pesquisas que associam recursos hídricos com espaços livres urbanos têm sido um tema atual. É importante destacar que, apesar de o primeiro ano a aparecer nos resultados da pesquisa ser o ano de 2008, não significa que não haja trabalhos anteriores a esse ano. O que ocorre é que alguns dos trabalhos mais antigos não estão disponibilizados nas bases pesquisadas. Em alguns casos não foi possível obter o arquivo completo do trabalho por este ser anterior à Plataforma Sucupira.
Quanto ao tipo de trabalho (Figura 7), constatou-se que 82% (9 trabalhos) são de dissertações de mestrado e que 18% (2 trabalhos) são de teses de doutorado, o que reflete a realidade de uma maior oferta de cursos de pós-graduação em nível de mestrado no Brasil. No entanto, a complexidade de se abordar a relação dos recursos hídricos com o planejamento urbano e seu sistema de espaços livres justifica a necessidade de se ter um maior número de pesquisas de tese a esse respeito.

Com relação às áreas dos programas de pós-graduação (Figura 8) nos quais as pesquisas sobre o tema foram desenvolvidas, destacam-se os programas de Arquitetura e Urbanismo e os programas na área de Ciências Ambientais.

Ainda a respeito das áreas, cabe informar que o programa de Pós-graduação em Modelagem e Tecnologia para Meio Ambiente Aplicadas em Recursos Hídricos do Instituto Federal Fluminense, ao qual a revisão sistemática da pesquisa de tese está vinculada, enquadra-se na área de Ciências Ambientais, comprovando a pertinência dessa pesquisa nesse programa.
Com relação aos assuntos abordados, analisaram-se as palavras-chave dos trabalhos (Figura 9). Ao todo foram obtidas 32 palavras-chave distintas dentro dos 11 trabalhos estudados.

Concluiu-se que os temas mais abordados foram “Planejamento urbano” e “Sistemas de Espaços Livres”, que constam em 4 trabalhos cada. Em seguida aparecem as palavras “Parque linear” e “Recursos hídricos”, presentes em 3 trabalhos cada. Esses resultados mostram que a revisão sistemática foi bem delimitada e aborda a questão de pesquisa, discutindo a inter-relação do Sistema de Espaços Livres com os recursos hídricos.
Os autores, títulos das pesquisas, ano da defesa e instituição de ensino dos onze trabalhos analisados estão apresentados no Quadro 3, em ordem decrescente de ano de defesa.

Para os autores Lima (2020), Oliveira (2018) e Aliprandi (2017), é fundamental que o crescimento urbano se estabeleça de forma harmoniosa com os recursos hídricos. Pode-se ainda identificar que ocorrem diversos impactos negativos quando são analisados os efeitos do crescimento não ordenado sobre a drenagem urbana. Na maioria das cidades, os recursos hídricos não apresentam tratamento que lhes ofereça algum tipo de proteção ou que permita e incentive sua utilização. E, nesse sentido, o SEL tem um importante papel, pois possibilita a integração da população com a estrutura urbana, além de propiciar a conservação dos recursos hídricos e seu uso planejado.
Os trabalhos apresentaram metodologias como elaboração de mapas temáticos (ALIPRANDI, 2017; COCCO, 2020; MARTINS JÚNIOR, 2013; MORAES, 2018; OLIVEIRA, 2018; PACIORNIK, 2018; SOUZA, 2015), análise morfológica da paisagem (ALIPRANDI, 2017; SOUZA, 2015), entrevista semiestruturada (PACIORNIK, 2018), simulação matemática de cenários (OLIVEIRA, 2018) e análise da água (IWAMURA, 2011).
Com relação aos dois trabalhos de tese de doutorado, Martins Júnior (2013) apresentou a avaliação do Plano Diretor de Goiânia quanto aos fundamentos da ocupação do espaço urbano frente ao paradigma da cidade sustentável. A pesquisa avaliou os processos de expansão urbana, de conversão do uso e ocupação do solo de ambientes naturais para outros usos não naturais, o que implica na supressão das áreas verdes urbanas, na apropriação privada dos benefícios ambientais de áreas legalmente protegidas e das vantagens locacionais da urbanização, assim como a alienação do Patrimônio Socioambiental.
O trabalho de Martins Júnior (2013) baseou-se na revisão bibliográfica das teorias do desenvolvimento urbano com foco nas categorias conceituais de produção e apropriação do espaço e da paisagem urbana, segregados e fragmentados pelo modo de produção capitalista, sobretudo na experiência da urbanização latino-americana e brasileira em particular. A pesquisa de tese buscou discutir os fundamentos da política urbana, com ênfase no conceito da função socioambiental da cidade e realizou um estudo de caso em Goiânia através da formulação de uma proposta metodológica de valoração ambiental integrada. Realizou-se a caracterização do espaço urbano, utilizando-se o programa de geoprocessamento ArcView GIS 3.2 para elaboração de mapas de uso e ocupação do solo, e a evolução do uso do solo foi analisada por meio do Índice Normalizado de Remanescentes. O trabalho concluiu que o processo de produção e apropriação do espaço urbano da cidade se desenvolveu mediante intensa atividade de conversão dos ambientes naturais em ambientes edificados ou edificáveis.
Aliprandi (2017), por sua vez, abordou o SEL da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, identificando carências e potencialidades deste e avaliando os atributos que o qualificam. A autora avaliou a hipótese de que o processo de urbanização da cidade de Campos não conciliou a expansão da mancha urbana com seu SEL com as demandas cotidianas e conservação ambiental, o que resultou em problemas como ocupação em áreas de risco relacionadas aos recursos hídricos, segregação espacial, fragmentação urbana e atendimento desequilibrado de demandas cotidianas, como das estruturas de lazer.
Como metodologia foi utilizada uma abordagem sistêmica no estudo da paisagem urbana, com mapeamento temático e documental para análise morfológica, tendo o SEL da cidade de Campos como objeto. Considerou-se a relação entre espaços edificados e não edificados, desenvolvendo uma análise morfológica da paisagem e SEL correspondente. Segundo Aliprandi (2017), a configuração do tecido urbano da cidade foi condicionada pelo suporte geobiofísico composto de extensa planície irrigada por um rio principal, o Rio Paraíba do Sul, seus afluentes e lagoas.
Através do mapeamento temático e do cruzamento de dados obtidos na pesquisa, constataram-se fragilidades, mas também diversas potencialidades do SEL da cidade. Além disso, observou-se que a função social da propriedade fica restrita apenas ao texto do plano diretor e que o que ocorre são intervenções pontuais, desconectadas entre si, mas que atuam em sincronia com interesses do mercado imobiliário e dos proprietários de terra.
Além das teses citadas, podemos destacar a dissertação desenvolvida por Lima (2020) sobre um estudo de caso em Quissamã, município próximo à cidade de Campos dos Goytacazes. A autora buscou demostrar a importância dos recursos hídricos urbanos, apesar do histórico de intervenções conduzidas pela sociedade. Foram analisados quatro dos corpos d’água da cidade, procedendo um levantamento histórico, apresentando como eles são abordados atualmente no Planejamento Urbano do Município e a importância para o desenvolvimento do turismo local. O estudo foi realizado através de um levantamento documental e bibliográfico sobre águas urbanas e foram desenvolvidos croquis cartográficos e levantamentos fotográficos que permitiram uma leitura mais objetiva da paisagem do município. O trabalho concluiu que, apesar de contar com um Plano Diretor, suas diretrizes e a população não valorizam a importância da paisagem hídrica.
Este artigo procurou inter-relacionar os espaços livres, particularmente os públicos, com os recursos hídricos, constituiu-se em uma pesquisa bibliográfica que adotou, como procedimento metodológico, a Revisão Sistemática da Literatura. Para tanto, foram identificados 116 artigos nas bases Scopus e Web of Science, dos quais, após aplicação dos critérios de elegibilidade, foram selecionados 46 trabalhos para o prosseguimento da análise e 22 trabalhos de dissertações e teses, dos quais foram selecionados 11 trabalhos.
Os resultados bibliométricos apontam que o tema analisado é atual e tem sido pesquisado em diversos países. Devido à sua natureza transdisciplinar e à sua ampla abrangência em diversas áreas de pesquisa, o tema é amplamente discutido e publicado em uma variedade de periódicos especializados. Os autores dos cinco artigos mais citados são Haase, Arifin e Nakagoshi; Schuch et al., Randhir e Tsvetkova e, Law.
As pesquisas de dissertações e teses também têm crescido ao longo dos anos. O maior número de pesquisas foi de dissertações, destacando-se os programas de Arquitetura e Urbanismo e Ciências Ambientais.
As pesquisas abordam temas como planejamento urbano, uso e ocupação do solo, mapeamentos temáticos, recursos hídricos e questões ambientais urbanas. Através das palavras-chave, concluiu-se que os temas mais abordados foram “Planejamento urbano” e “Sistemas de Espaços Livres”, “Parque linear” e “Recursos hídricos”, o que mostra que a revisão sistemática foi bem delimitada e aborda a questão de pesquisa, discutindo a inter-relação do Sistema de Espaços Livres com os recursos hídricos.
COMO CITAR (ABNT): TORRES, T. F.; OLIVEIRA, D. B. B.; OLIVEIRA, V. P. S. A inter-relação entre os espaços livres e os recursos hídricos urbanos: uma revisão sistemática da literatura. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 25, n. 3, e25320579, 2023. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n32023.20579. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/20579.
COMO CITAR (APA): Torres, T. F.; Oliveira, D. B. B.; & Oliveira, V. P. S. (2023). A inter-relação entre os espaços livres e os recursos hídricos urbanos: uma revisão sistemática da literatura. Vértices (Campos dos Goitacazes), 25(3), e25320579. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n32023.20579.













