Resumo: Analisam-se as práticas, narrativas e aspectos culturais da Companhia Teatral Arte Viva (Santa Cruz, Rio Grande do Norte, Brasil) no âmbito comunicacional e midiático. O relato ressalta as suas características representativas e a interação social entre a companhia e o público, bem como evidencia a observação de um fenômeno original: a expressão e resistência dos teatristas em associação à sua contextualização folkmidiática ao abordar a teatralidade que ocupa o espaço público e demonstra, em sua essência, a vocação.
Palavras-chave:FolkcomunicaçãoFolkcomunicação,Teatro de RuaTeatro de Rua,Companhia Teatral Arte VivaCompanhia Teatral Arte Viva.
Abstract: The practices, narratives and cultural aspects of Companhia Teatral Arte Viva (Santa Cruz, Rio Grande do Norte, Brazil) are analyzed in the communicational and media scope. The report highlights its representative characteristics and the social interaction between the company and the public, as well as evidencing the observation of an original phenomenon: the expression and resistance of the theaters in association with their folkmidiática contextualization when addressing the theatricality that occupies the public space and it demonstrates, in its essence, the vocation.
Keywords: Folk-comunication, Street Theater, Arte Viva theater company.
Resumen: Las prácticas, narrativas y aspectos culturales de la Companhia Teatral Arte Viva (Santa Cruz, Rio Grande do Norte, Brasil) se analizan en el ámbito comunicacional y mediático. El informe destaca sus características representativas y la interacción social entre la empresa y el público, además de evidenciar la observación de un fenómeno original: la expresión y resistencia de las teatrales en asociación con su contextualización folkmidiática al abordar la teatralidad que ocupa el espacio público y demuestra, en su esencia, la vocación.
Palabras clave: Folkcomunicación, Teatro de Calle, Companhia de Teatro Arte Viva.
Dossiê
Dinâmicas e fluxos da teatralidade do interior: as características folkmidiáticas da Companhia Teatral Arte Viva de Santa Cruz/RN
Dynamics and flows of the theatricality inner city: the folkmidiatic characteristics of Companhia Teatral Arte Viva of Santa Cruz/RN
Dinámicas y flujos de la teatralidad del interior: las características folkmidiáticas de la Companhia Teatral Arte Viva de Santa Cruz / RN

Recepção: 20/09/2020
Aprovação: 12/11/2020
No território nacional, o teatro de rua está enraizado. Sua relevância destaca-se dentre autênticas manifestações da identidade cultural brasileira, sendo categorizado como indispensável para uma compreensão da poesia popular e do processo cultural (PEIXOTO, 1999). O teatro de rua ocupa espaços públicos, plurais, construídos através da coletividade, em contrapartida ao que antes era considerado elitista, como o teatro clássico. Diante das possibilidades ofertadas pelo teatro de rua, estas o tornam aglutinador, que é indiferente à classe social.
Como exemplo da afirmação do gênero, de acordo com Fonseca (2015), por volta dos anos 2000, o movimento teatral de rua deteve uma crescente expansão no território brasileiro, e isto se deu através de incentivos a festivais direcionados que priorizaram apresentações em espaços abertos, bem como editais que reforçaram a linguagem em questão. A autora discorre ainda acerca da fundação da consolidada Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), criada em março de 2007, em Salvador/BA, a qual se caracteriza por ser um fórum virtual e atuante “onde estão cadastrados artistas e grupos de teatro de rua de todo o território nacional e onde debatem, divulgam atividades e organizam encontros presenciais (uma vez ao ano) para tomarem decisões e se articularem politicamente.” (FONSECA, 2015, p. 183, grifos da autora). Assim, diante dos avanços ocorridos, tornou-se possível identificar a concretização do gênero e sua abrangência com o passar dos anos.
Neste artigo, abordamos a história da Companhia Teatral Arte Viva (CTAV), do município de Santa Cruz, Rio Grande do Norte, Brasil, a cerca de 100 quilômetros da capital, Natal. A Cia. Arte Viva foi originada em 1989, através da união de um grupo de jovens no bairro Paraíso – a maior comunidade santa-cruzense – detentora da mais expressiva concentração populacional do município e de elevada vulnerabilidade social, fator este que não serviu de entrave às ações do grupo. Diante do propósito de arrecadar fundos em prol de uma ação para auxílio financeiro a ser destinado aos estudos de um amigo dos membros da equipe, surgiu inicialmente intitulado “Geração Unida”, o qual introduziu sua atuação no âmbito artístico a partir da reprodução de peças de teatro dublado e técnicas circenses com apresentações limitadas ao próprio bairro. (SOUZA, 2017).
A trajetória inicial contou com percalços, a destacar o desconhecimento da população acerca do teatro e das intenções dos membros da “Geração Unida”, o que gerou críticas que, com o passar dos anos, através da persistência e disseminação de ações, conquistou o reconhecimento das atividades desenvolvidas por seus integrantes e a participação efetiva do público local. (SILVA, 2017).
Em se tratando da iniciativa dos membros, a CTAV visa à inclusão de jovens e adultos nas práticas artísticas desenvolvidas, inserindo-os nos diálogos e envolvendo-os como produtores de novos saberes, ressignificando as apreciações artísticas através das ações desenvolvidas e da postura crítica encarada pela Companhia, promovendo, ainda, a integração com a comunidade através das reconfigurações culturais dos atores sociais. Uma das ferramentas que possibilitam suscitar o olhar com criatividade para experiências de construção coletiva.
Para a conceituação do presente estudo nos utilizamos de alguns pensamentos esclarecedores, dentre eles, a significativa contribuição de Beltrão (2001, p. 79), que define a Teoria da Folkcomunicação como “o processo de intercâmbio de informações e manifestações de opiniões, ideias e atitudes de massa através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore”. Essa teoria compreende os estudos dos processos comunicacionais advindos através das classes populares, e essa representação ressalta os traços comuns entre a comunicação e cultura.
Fundamentamos essas contribuições visando agregar ao conhecimento acerca da teoria da folkcomunicação à compreensão de seus aspectos teórico-metodológicos, para o entendimento das práticas comunicativas sociais direcionadas ao meio popular. A produção da ciência e a justificativa dos novos saberes como interpretação da realidade social pioneiramente desenvolvida por Beltrão somaram intelectuais diversos que endossaram seus estudos e contribuíram para a disseminação da teoria da Folkcomunicação como a “geração renovadora” elencada por Amphilo (2010).
Barreiras transpostas, a contribuição brasileira para as ciências da Comunicação detém reconhecimento em diversos âmbitos3, dentre eles a instauração e concretização, por exemplo, da Conferência Brasileira de Folkcomunicação, a qual caminha para a sua vigésima edição4 com previsão de ocorrer em São Luís, no estado do Maranhão (MA)5. Ainda, a resistência do Núcleo de Pesquisa em Folkcomunicação na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), a formação da sociedade científica Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação (Rede Folkcom), os Grupos de Trabalhos em Folkcomunicação na Associação Latinoamericana dos Investigadores da Comunicação (ALAIC), Federação Lusófona de Ciências da Comunicação (LUSOCOM), Congresso Brasileiro de Folclore, Congresso Internacional IBERCOM. A criação da Revista Internacional de Folkcomunicação (RIF), dentre diversas atuações na Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, México, Portugal, dentre outros. O fortalecimento das conexões voltadas ao resgate do pensamento de Luiz Beltrão reitera a necessidade de valorização e disseminação dessa teoria que possui a brasilidade em sua gênese.
A pesquisa a respeito da companhia teatral não significou apenas relatá-la em si, mas, principalmente, compreender os impactos sociais causados pela CTAV em sua realidade local e a reflexão acerca do processo como um todo, observando os aspectos comunicacionais e midiático-folkcomunicacionais através da atuação do grupo cultural marginalizado6. Dessa forma, centra-se nosso interesse na seguinte inquietação: como ocorrem e se caracterizam os processos comunicacionais e folkmidiáticos da Companhia Teatral Arte Viva (CTAV) de Santa Cruz (RN)? Tomando por base o problema de pesquisa, tem-se a delimitação da investigação e análise das práticas, narrativas e aspectos culturais da Companhia Teatral Arte Viva de Santa Cruz/RN no contexto midiático e folkcomunicacional. Especificamente, esses objetivos são revelados de forma a historicizar e caracterizar a representatividade do teatro de rua da Companhia Teatral Arte Viva, investigar o processo de mediação entre a Companhia e o público e analisar as interações entre a Companhia e a folkcomunicação.
A origem da palavra teatro vem do grego theátron, que tem como significado o lugar em que se visualiza o espetáculo, o espaço destinado à plateia. Posteriormente o avanço da terminologia voltou-se à significação do edifício e, adiante, tornou-se o que se conhece atualmente pela arte dramática simbólica. (PAVIS, 2008).
O marco inicial do teatro não detém época delimitada, no entanto, as pesquisas históricas apontam que as representações do ser humano são reconhecidas desde os seus primórdios, a começar do período de caça dos povos primitivos ao que vieram a se tornar as representações artísticas na conjuntura atual. O pensamento de Berthold (2001, p. 02) ressalta que uma das formas intrínsecas da expressão humana é a transformação numa outra pessoa, e os estudos voltados ao teatro primitivo são embasados nas três seguintes fontes:
As tribos aborígines, que têm pouco contato com o resto do mundo e cujo estilo de vida e pantomimas mágicas devem, portanto, ser próximos daquilo que nós presumimos ser o estágio primordial da humanidade; as pinturas das cavernas pré-históricas e entalhes em rochas e ossos; e a inesgotável riqueza de danças mímicas e costumes populares que sobreviveram pelo mundo afora.
Portanto, o teatro dos povos primitivos detém embasamento relacionado aos impulsos primordiais da vida, absorvendo questões referentes à magia, cerimônias, às coreografias voltadas à fertilidade, colheita (agricultura) e diferentes cultos às divindades em busca da prosperidade (BERTHOLD, 2001, p. 02).
O teatro dos primitivos assenta-se no amplo alicerce dos impulsos vitais, primários. [...] A forma e o conteúdo da expressão teatral são condicionados pelas necessidades da vida e pelas necessidades da vida e pelas concepções religiosas. Dessas concepções um indivíduo extrai as forças elementares que transformam o homem em um meio capaz de transcender-se a seus semelhantes.
A perspectiva da encenação do ocidente - tal como temos conhecimento na contemporaneidade – a qual aponta para as representações da civilização grega, datadas do final do século VII A.C. A realização de rituais em favor da divindade de Dionísio7 são os registros das raízes dessas dramaticidades que evoluíram com o passar dos anos e tornaram-se o que reconhecemos como as formas dramáticas na conjuntura atual. (FERREIRA, 2006).
As civilizações aqui representadas ilustram o processo crescente do fenômeno teatral em suas primeiras aparições de significativo reconhecimento. Relacionado à perspectiva das representações teatrais à luz da evolução cultural, Berthold (2001, p. 01) destaca que “a diferença essencial entre formas de teatro primitivas e mais avançadas é o número de acessórios cênicos à disposição do ator para expressar sua mensagem.”. A partir do desenvolvimento do gênero, diversas vertentes do teatro foram surgindo8, busca-se neste estudo, evidenciar uma delas: o teatro de rua, tal qual se discorre no item a seguir.
A questão da visibilidade do fenômeno dramático a partir da ocupação do espaço público detém existência equiparada ao surgimento das cidades, tanto no ocidente como no oriente, apontam Turle e Trindade (2016). O seu desenvolvimento infere - ao ultrapassar os muros e abarcar a rua enquanto delimitação de atuação - surgimento no período da Idade Média. Segundo relata Carreira (2005), parte dos realizadores de teatro religioso, após sofrerem impedimento de atuar nos templos, visualizaram como estratégia de atuação a migração para os espaços públicos, partilhando o convívio com outros artistas de rua, de tal forma, “apoiado pelas corporações de ofício, se combinou posteriormente com o desenvolvimento das festas civis.” (p. 21). Procedimento este o qual resultou na renovação dos artistas, roteiros e personagens.
A construção do pensamento de Carreira (2005, 2007) aponta características delimitantes para a compreensão do teatro de rua em um panorama geral. Sua leitura permite elencar fatores que tornam a representação popular única. De tal forma, o autor destaca que a diversidade de interferências ocasionadas acidentalmente pelo contexto do espaço público, intrínseco da rua, possibilita a mudança de uma rotina - ou não – estabelecida na encenação. Como fruto da ressignificação do lugar de atuação, do espaço cênico, o público diversificado é “flutuante”, também “acidental”, inerente ao local de atuação, se apresentando como um fenômeno constituinte da representação.
Compreende-se que as características ora apresentadas detiveram avanços também possibilitados pelas transformações das realidades em vigência, bem como necessidades que surgiram no decorrer das mudanças de suas especificidades e atuações.
Os fluxos e a representação social do espaço público, para o teatro de rua, também são responsáveis pela atuação e inserção da significação artística. De tal modo, Turle e Trindade (2016, p. 15) relatam acerca da conexão com a rua e a “interligação entre os seus pontos concretos, fixos: casas, prédios, calçadas, fontes, jardins” como forma de expressão e o transporte de fluidez das “ideias e ideologias, tanto no corpo de seus usuários ou nos símbolos, signos e sinais”.
Até a ascensão da burguesia, que introduziu na Europa a oposição entre as esferas do público e do privado, exceto em alguns momentos e por razões específicas para sua proibição, atividades artísticas eram realizadas livremente nas ruas, praças, adros, feiras e mercados (TURLE e TRINDADE, 2016, p. 15).
Os autores relatam ainda que a procura pelo rompimento com o preconceito ideológico e a violência contra a dramaticidade apresentada em espaços públicos busca ressoar nos modos de interação entre o teatrista, a cidade e o público. O teatro de rua remonta à questão político-social a partir de suas intervenções em seus espaços, na vida cotidiana da cidade, e os diferentes usos destes (TURLE e TRINDADE, 2016).
A CTAV não se limitou apenas à formação enquanto atores do teatro de rua. O conhecimento adquirido pela companhia e a sua popularização ocasionaram ações vinculadas aos processos comunicacionais e midiáticos. Durante toda a sua trajetória, a CTAV se manteve em exercício e envolvida nas representações que visam dialogar acerca das questões sociais. Como exemplo, tem-se a participação no projeto “(Folk)cólera”, ação idealizada no ano de 1992 pela Secretaria de Saúde Pública através do Governo do Estado do Rio Grande do Norte para retratar campanhas educativas referentes à temática da saúde - na ocasião, em relação à prevenção e controle da doença – com ações direcionadas à população e que contou com diversas atividades de caráter formador, dentre elas, a oficina de teatro de rua promovida pela companhia teatral Alegria Alegria9 - esta que detém destaque em níveis nacional e internacional. (SOUZA, 2017).
Outros mecanismos comunicacionais foram adotados pela companhia e visaram a produção da arte na busca pela cidadania e educação, promovendo encenações que repassavam a informações direcionadas às campanhas de vacinação, das prevenções às drogas, educação sexual e o convite à população para realizar a matrícula escolar das crianças e jovens. Os espetáculos de cunho lúdico pontuavam questões de interesse comum, a relação da atuação para com o seu público-alvo detinha eficácia e os índices de adesão às campanhas foram alavancados a partir da atuação da companhia. (SOUZA, 2018).
Posterior à implementação satisfatória do projeto idealizado pelo Governo do estado do RN, ocorreu a procura da Prefeitura de Santa Cruz/RN em vigência para o apoio da companhia na divulgação das ações desta voltadas à necessidade de participação da população. (SOUZA, 2018)
Dessa maneira, objetivando compreender o processo comunicacional e midiático vivenciado pela CTAV, tem-se ainda as questões relacionadas ao feedback no momento anterior, presente e posterior à representação, diante de sua relação com o público, o espaço e as interações geradas a partir das vivências adquiridas.
Os estudos de Fonseca (2016) abordam os processos comunicacionais que ocorrem no teatro de rua de seu referencial de pesquisa. A autora relata que estes detêm dois ciclos que se conectam às questões relacionadas ao processo de encenação ancorado na estética da representação, sua apropriação espacial, a interferência e a interação dessa ambientação entre os atores sociais.
Por seu caráter social e relacional, a comunicação é parte intrínseca do fenômeno teatral, e é por meio destes processos comunicacionais que os sujeitos/artistas estabelecem vínculos entre si e com o meio, criando formas de comunicabilidade que se relacionam com aqueles que entram em contato com a arte produzida em determinado tempo e espaço. Nessa conjugação de fatores, dá-se o processo de apropriação e ressignificação pelo público (sujeito/espectador) que também permite um processo individual de leitura e interpretação. (FONSECA, 2016, p. 17)
Em se tratando das características da companhia como prática do processo comunicacional, Downing (2002, p. 183) ressalta em sua obra “Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais” que tanto o teatro de rua quanto o teatro popular seus veículos são “o discurso público e o corpo, como na dança, mas às vezes com o acréscimo de efeitos cênicos”. Portanto, o teatro de rua é mídia. Essa inferência é possível através das contribuições do autor sobre a necessidade de se compreender o impacto latente das performances que este causa através dos corpos de seus atores, da mensagem, dos elementos os quais constituem as cenas propostas e da recepção do público que prestigia as encenações.
De tal forma, o exemplo do teatro enquanto processo comunicacional se dá, neste item, a partir da contextualização proposta acerca da encenação do “Gran Circo Teatro Arte Viva”. Esta detém enfoque no reconhecimento do mesmo ainda enquanto instrumento folkcomunicacional. De tal maneira, explana-se o teor das mensagens que são transmitidas ao público pela companhia como forma de informação. Como o teatro, dentro do conceito convencional, pode ser visto como mídia e como ele pode ser um mecanismo de mediação.
A dinâmica do espetáculo se dá ao inserir intenções simbólicas figuradas por críticas sociais pertinentes entre os atos e momentos cômicas improvisados.
A chamada de início da apresentação infere acerca da questão da arte produzida no espaço público e a diversidade de elementos artístico-culturais presentes no espetáculo: “sob a grande lona do céu, chega à sua rua, o Circo-teatro Arte Viva, trazendo em sua bagagem, música, malabares, poesia, teatro de rua e muita palhaçada.” (SOUZA, 2018).
O sentido dos textos interpretados pela CTAV é construído a partir das reuniões, estudos, ensaios e circunstâncias diante da plateia. A temática a ser desenvolvida detém estruturação prévia e é acordada através dos próprios integrantes da companhia, os quais buscam propor textos e adaptações.
Todo o desenrolar dos atos contam com sonoplastia realizada simultaneamente à apresentação, sem conter músicas ou efeitos sonoros prévios, funcionalidades desenvolvidas através dos próprios integrantes. De forma a ilustrar esse processo, tem-se a cantoria parte constituinte da encenação do “Gran Circo Teatro Arte Viva”:
Eu sou o circo, sou o palhaço, eu sou da rua, sou o teatro. Gato corre atrás do rato. O gato bebe leite. Eu vou atrás do circo pois eu sou o palhaço. O rato foge do gato. O rato come queijo. Eu vou atrás do circo porque eu sou o teatro. Eu sou do povo. Na rua eu vou, pro circo também, é muita alegria, pra gente faz bem. (DOMINGOS, 2018).
As músicas de caráter cômico visam instigar uma quebra na dramaticidade que, ao adentrar os conteúdos de cunho crítico, tornam o momento mais favorável à concentração e observação.
Os atores populares se propõem a vivenciar os fluxos de troca entre estes e a plateia que os circundam. De tal forma, os conteúdos explanados a partir da análise realizada através dos dados coletados e apresentados no estudo em questão objetivam os processos comunicacionais e midiáticos da companhia no campo da folkcomunicação e ativismo midiático.
O desenrolar das etapas do “Gran Circo Teatro Arte Viva” retrata inicialmente a temática voltada à saúde, na qual os personagens “Chambinho”, “Barruada” e “Lorota” encenam de maneira cômica, explorando os trejeitos característicos dos palhaços, a necessidade da escovação para a saúde bucal.
Por diante, os momentos voltados ao entretenimento contam com o ato “luta encenada”, para fins de despertar o lúdico do público. Já os atos “atuação de cinema”, “corrupção” e “manipulação midiática” – este último, elencado para se discorrer e ilustrar o processo mais à frente no texto - visam despertar o olhar para a crítica político-social.
Buscando representar o processo comunicacional midiático intrínseco da Companhia Teatral Arte Viva, encontra-se a seguir a representação da CTAV enquanto mídia. Para tal, buscamos caracterizar seus elementos simbólicos dispostos no quadro 01.

Diante do exposto, visualizamos o aspecto mediador da companhia enquanto elaboradora do processo comunicacional midiático a partir do esquema simplificado do quadro 01. Este exprime a intenção levada ao público através da emissão proporcionada pela CTAV das mensagens de caráter social por meio do canal simbolizado pelos corpos, narrativas, figurinos, maquiagens, cenários e objetos cênicos no qual se constitui a companhia, visando o público como alvo do processo, possibilitando ainda a retroalimentação, a partir do fluxo mútuo de informações.
Inferimos que a mediação ocorre sem interferência, nos moldes de mídia direta, onde a própria mídia é a mediação. Acerca das questões relacionadas à mediação, o autor Jesús Martín-Barbero (1997) indica a relação que as produções culturais objetivam, para o entendimento dos processos comunicacionais e/ou cultural. Fonseca (2016) aponta que não pode haver unilateralidade, mas sim, através da “produção” ou “forma”, já que a partir das práticas cotidianas, a “relação” é estabelecida e possibilita a mediação.
Partimos do pressuposto de que o espetáculo teatral contém, em sua estrutura, todas as potencialidades para ser analisado como objeto de pesquisa na comunicação. Porque, a nosso ver, teatro e comunicação estão conectados pela própria natureza da arte teatral, posto que todos os processos envolvidos na elaboração, produção, fruição e recepção se dão por meio de ações comunicacionais. Por seu caráter social e relacional, a comunicação é parte intrínseca do fenômeno teatral, e é por meio destes processos comunicacionais que os sujeitos/artistas estabelecem vínculos entre si e com o meio, criando formas de comunicabilidade que se relacionam com aqueles que entram em contato com a arte produzida num determinado tempo e espaço. Nessa conjugação de fatores, dá-se o processo de apropriação e ressignificação pelo público (sujeito/espectador) que também permite um processo individual de leitura e interpretação. (FONSECA, 2016, p. 17)
Para a compreensão desses aspectos midiáticos, discorremos a exemplo das vivências da companhia na figura 01 a encenação do “Gran Circo Teatro Arte Viva”10 espetáculo atual no qual, de maneira itinerante, contando primordialmente com financiamento próprio e o incentivo de algumas parcerias, busca levar através de sua narrativa a utilização do humor para a conscientização da população acerca de diversas temáticas, dentre elas a saúde, cidadania, política, relações humanas e a manipulação midiática.

A figura 01 retrata um fragmento da apresentação, abordando ludicamente os pontos de interesse público, já mencionados. Dentre diversas inserções no tocante às críticas realizadas pela CTAV, verificamos, na imagem, aspectos da manipulação midiática e o alerta direcionado para que população atente à reflexão acerca da recepção do conteúdo veiculado pela grande mídia. Na figura, a espectadora da apresentação se voluntariou a participar da encenação e representou11 simbolicamente uma antena digital que sintoniza nos canais de transmissão aberta da televisão brasileira, enquanto isso, o personagem se mantém “hipnotizado” diante do conteúdo repassado, ignorando o local, o real e as abordagens à sua volta.
O entendimento que pode ser realizado a partir da visualização dessa cena, como em tantas outras que constituem o referido espetáculo, retrata o compromisso da Companhia Teatral Arte Viva em levar ao público questões voltadas à busca pela conscientização política e crítica social.
Caracterizar a natureza comunicacional da teatralização e a interpretação cênica através da dinâmica das ações realizadas e da leitura acerca dos seus elementos constituintes possibilita visualizar os processos comunicacionais e midiáticos veiculados pela CTAV.
Diante das diversas frentes de atuação da Companhia Teatral Arte Viva, salientamos, ainda, o Cine Rural, iniciativa na qual, a partir da instalação de uma tela no suporte acima do veículo próprio12, os integrantes visam levar a exibição de produções audiovisuais às comunidades de Santa Cruz/RN e cidades com menor acesso a esse conteúdo, destacando, principalmente, filmes de origem brasileira. (SILVA, 2019).
Ao optar por realizar os aprofundamentos analíticos com a CTAV, pretendeu-se evidenciar essa representação característica como patrimônio de tradições do município, bem como identificar os processos midiáticos e folkcomunicacionais inerentes. Trigueiro (2008, p. 30) evidencia esses aspectos ao propor que “comunicação e cultura devem ser estudadas juntas, porque representam realidades muito próximas, são campos multidimensionais e integrativos.”.
Dessa forma, reconhece-se na atuação da CTAV que, para além da representação cultural, caracteriza-se por ser um espaço de inserção de práticas sociais e, ainda, como instrumento comunicacional. Por deter caráter no âmbito político, cultural e social e desenvolver trabalho de conscientização na realidade local na qual a CTAV está inserida, esta pode ser evidenciada como ativista midiático folkcomunicacional, utilizando-se dos próprios discursos e elementos simbólicos para a propagação das ações artísticas tanto corporalmente - utilizando-se da sua narrativa e elemento cênicos - quanto na divulgação midiática em seus canais oficiais próprios13. Fernandes (2011) ressalta que os estudos voltados a esse conceito são fundamentais para a evolução do pensamento da folkcomunicação.
A relação entre a teatralidade e o espaço no qual está constituído, a questão da troca de experiências, o direcionamento deste ao público e a forma de recepção pelo mesmo despertaram para a investigação que contempla estudos relacionados às artes cênicas no contexto comunicacional. Por deter elementos característicos formadores da cultura popular brasileira, ressalta-se que as pesquisas acerca da temática legitimam, significativamente, o patrimônio cultural de tradições do município apresentado.
Cascudo (1967, p. 12) ressalta que a cultura do povo “é uma cultura viva, útil, diária, natural” e, numa reflexão acerca desse conceito, entende-se que a transmissão e a defesa dos hábitos se fazem necessárias para a propagação dessas tradições.
Relacionado ao processo teórico abordado, identifica-se ainda a notória habilidade da CTAV em promover espetáculos cênicos a partir de uma ressignificação simbólica e de maneira acessível, ao repassar informações de interesse comum no âmbito das narrativas próprias reforçando, dessa forma, a inserção da Companhia à luz das teorias dos estudos sociais em questão.
Ao apresentar as dinâmicas e fluxos acerca da Companhia Teatral Arte Viva, propôs-se a vivenciar uma forma de comunicação que expressa as características de um grupo marginalizado e, ainda, o canal próprio utilizado por esta, a qual de maneira eficaz, apresenta um conjunto de expressões a serem veiculadas ao seu público.

