Artigos e Ensaios

Comunicação rural e internet: protagonismo da população do campo

Rural communication and internet: protagonism of the rural population

Comunicación rural e internet: protagonismo de la población rural

Luiz Custódio da Silva
Universidade Estadual da Paraíba, Brasil
José Primitivo Leal Neto
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Iara Alves dos Santos
Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Comunicação rural e internet: protagonismo da população do campo

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 18, núm. 41, pp. 186-203, 2020

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 04/05/2020

Aprovação: 27/05/2020

Resumo: Apresentamos uma reflexão sobre a utilização de ferramentas contemporâneas de comunicação pela população rural. Para tanto, fizemos uma revisão bibliográfica sobre as concepções de comunicação rural, trazendo algumas problematizações para sua atualização. Em seguida, tendo como parâmetro o YouTube, falamos também sobre a liberação do pólo emissor e sobre a democratização da fala. Para isso, nosso objeto empírico foi o canal “Humorista da Serraria Ofc”, protagonizado por agricultores do sítio Serraria, da cidade de João Dias, Rio Grande do Norte. Compreendemos que está havendo um movimento que propende atualizar a concepção de comunicação rural, tendo em vista que o protagonismo desse campo passa a ser das comunidades rurais. Eles estão utilizando cada vez mais as plataformas digitais para compartilhar informações e causos que permeiam a vida no campo.

Palavras-chave: Comunicação rural, YouTube, Humorista da Serraria Ofc, Ativista midiático, Produção de conteúdo.

Abstract: We present a reflection on the use of contemporary communication tools by the rural population. To this end, we did a bibliographic review about the conceptions of rural communication, bringing some problematizations for its updating. Then, taking YouTube as a parameter, we talk too about the release of the emitting pole and the democratization of speech. For this, our empirical object was the channel “Humorista da Serraria Ofc”, starring farmers from the Serraria sítio, from the city of João Dias, Rio Grande do Norte. We understand that there is a movement that promotes the updating of the concept of rural communication, bearing in mind that the protagonism of this field comes from rural communities. They are increasingly using digital platforms to share information and stories that permeate life in the countryside.

Keywords: Rural communication, YouTube, Serraria Ofc humorist, Media activism, Content production.

Resumen: Presentamos una reflexión sobre el uso de herramientas de comunicación contemporáneas por parte de la población rural. Para ello, nosotros hicimos una revisión bibliográfica sobre los conceptos de comunicación rural, trayendo algunas problematizaciones para su actualización. En seguida, tomando YouTube como parámetro, también hablamos sobre la liberación del polo emisor y sobre la democratización del discurso. Para esto, nuestro objeto empírico fue el canal "Humorista da Serraria Ofc", que presenta a los agricultores del sitio Serraria, en la ciudad de João Dias, Rio Grande do Norte. Entendemos que existe un movimiento que promueve la actualización del concepto de comunicación rural, teniendo en cuenta que el protagonismo de este campo pasa a ser de las comunidades rurales. Cada vez más ellas utilizan plataformas digitales para compartir información e historias que impregnan la vida en el campo.

Palabras clave: Comunicación rural, YouTube, Humorista de la Serraria Ofc, Activismo mediático, Producción de contenidos.

Introdução

Partimos do ponto de vista segundo o qual a comunicação rural deve ser pensada de forma ampliada e atualizada, para que as mudanças que acontecem no campo na contemporaneidade possam ser refletidas. Não podemos mais pensar o rural sem inseri-lo nas mudanças sociotécnicas que acontecem atualmente. A fronteira entre o urbano e o campo que antes era bem delineada, principalmente por diferenças estruturais, começa a se desfocar. Os segmentos populacionais rurais utilizam cada vez mais as tecnologias e as ferramentas comunicacionais que antes só estavam ao alcance da população urbana. Isso, de certa forma, lhes proporciona diferentes maneiras de enxergar e compartilhar o seu entorno.

Nesse sentido, estudar e entender essa relação da população rural com essas formas comunicativas é uma maneira de conhecer melhor o que os atinge. Afinal, o que eles costumam comunicar no dia a dia? Certamente suas dificuldades, suas esperanças, suas angústias, sua cultura etc. Conhecer esses contextos de forma mais aprofundada é importante para se pensar e debater políticas personalizadas de desenvolvimento voltadas para essa população. Afinal, nenhuma comunidade rural é igual a outra, cada qual, por mais próxima que seja, tem suas peculiaridades relativas ao cultivo, economia, cultura, tipo de moradia etc.

Ao longo do artigo, tentamos buscar uma aproximação do rural com as ferramentas comunicacionais disponíveis na internet. Por isso, é proposto, inicialmente, uma revisão sobre comunicação rural e algumas aproximações com certos conceitos da folkcomunicação. Em seguida, é sugerida uma reflexão sobre a liberação do pólo emissor e as possibilidades de uso das ferramentas comunicativas pela população rural. E, por fim, apresentamos um exemplo que une toda discussão apresentada anteriormente, trata-se de uma descrição e reflexão geral sobre o conteúdo publicado no canal do YouTube “Humorista da Serraria Ofc”, um espaço utilizado por um grupo de agricultores para contar causos do dia a dia do campo.

Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica sobre o tema amparados em alguns autores que auxiliaram a construir a linha de raciocínio do texto. Entre eles: Bordenave (1988), Acunzo (2008), Lemos (2010) e Trigueiro (2006). Para a análise do canal, utilizamos a seguinte metodologia: fizemos uma observação geral do conteúdo publicado no canal no Youtube. A partir daí, selecionamos três vídeos para a análise e descrição. O primeiro vídeo selecionado foi o primeiro postado pelo canal, em dezembro de 2017. Já o segundo escolhido, foi o vídeo postado um ano após o primeiro, em dezembro de 2018. Por fim, o terceiro vídeo escolhido foi o postado dois anos após o primeiro, em dezembro de 2019. O objetivo foi perceber possíveis mudanças técnicas e narrativas ocorridas nos vídeos ao longo do tempo, e também identificar que informações eles compartilham com o seu público, o que eles comunicam.

Comunicação rural, folkcomunicação e novas abordagens

Segundo Bordenave (1988), comunicação rural é uma estrutura que permite a circulação de informações, diálogos e influências entre os integrantes do meio rural e entre eles e os demais setores. É a partir dos projetos extensionistas para o desenvolvimento de tecnologias para o campo que começa a ser pensada uma comunicação voltada para o rural. De acordo com Bordenave (1988), no Brasil, o primeiro projeto com esta intenção aconteceu em São Paulo, em setembro de 1899, com a promulgação da lei 676. Essa lei visava à reorganização do serviço agrônomo do estado e atribuía a Secretaria de Agricultura a função de editar e publicar uma revista sobre a agricultura.

Inicialmente, a comunicação rural se deu nessa perspectiva de divulgação de ações realizadas pelo estado e seus órgãos. Os seus informativos objetivavam levar o conhecimento das novas tecnologias para a agricultura para os moradores do campo. Essas informações agrícolas eram passadas por meio de palestras, revistas, cartazes e programas de rádio. No entanto, esse modelo de comunicação não supria as necessidades de incomunicação entre os extensionistas e os moradores do campo. E não apenas isso, os agricultores necessitavam mais do que tecnologias de armazenamento de grãos e filtragem de água, eles necessitavam de saneamento, educação, eletricidade etc. (BORDENAVE, 1988).

Nesse contexto, a comunicação rural se aproxima da folkcomunicação, teoria da comunicação desenvolvida pelo professor Luiz Beltrão durante seu doutoramento. Os canais populares de comunicação ou canais folkcomunicacionais também poderiam ter sido mais utilizados para ultrapassar as incompatibilidades encontradas no modelo de comunicação rural adotada, uma vez que esses canais tinham uma linguagem mais próxima dos segmentos rurais marginalizados. Essa possibilidade encontrava, inclusive, um amparo na seguinte afirmação do criador da folkcomunicação: “como entretenimento e para exprimir seu pensar e sentir, os grupos rurais utilizam cantorias e desafios em verso, glosas, provérbios, pregões, frases feitas, orações e paródias, entremeando seu discurso oral de neologismos (gíria) e arcaísmo [...]” (BELTRÃO, 1980, p. 43)4.

A utilização dos canais folkcomunicacionais como forma de auxílio no desenvolvimento rural também aparecem nas preocupações do professor Roberto Benjamin. Ele sugeriu o emprego dos folhetos de cordel, do teatro popular de mamulengo e dos poetas populares, como canais populares de comunicação para falar com os segmentos rurais. Segundo Benjamin (1998, p. 3), “na década de 70 intensificou-se a edição de folhetos (literatura de cordel) por órgãos públicos, instituições religiosas, empresas e sindicatos, vinculados de uma forma ou de outra ao desenvolvimento rural ou interessadas na adoção de novos produtos, ideias, serviços e técnicas.” Essas informações demonstram que alguns órgãos ainda empregaram o folheto de cordel, um canal folk media, termo que o autor também costuma usar para se referir a essas vias, como meio para trabalhar a noção de desenvolvimento para o campo.

A necessidade de um desenvolvimento rural pleno inspirou algumas evoluções na concepção de comunicação rural. Nesse sentido, é importante pensarmos em uma comunicação participativa em detrimento da divulgação de técnicas agrícolas, principalmente, por conta do contexto atual. Essa visão é importante porque contribui para o alargamento do conceito.

[...] com base nas ideias de Paulo Freire sobre diálogo e participação, uma nova comunicação participativa prevalece sobre a então difusão de inovações. Dessa maneira, assume-se que a participação pode ser pensada como um método para alcançar objetivos, assim como se fosse uma necessidade humana (POZZO, 2019, p. 100, tradução nossa).

A partir da incorporação das concepções freireanas ao contexto da comunicação rural, os projetos extensionistas passaram a ter uma preocupação maior em construir saberes em concomitância com as comunidades, ou seja, as pessoas passaram a fazer parte do processo de divulgação e aprendizagem dos projetos. É a partir daí que o tema do desenvolvimento passa a fazer parte efetivamente do contexto da comunicação rural. Nesse sentido, a comunicação para o desenvolvimento rural cumpre, segundo Acunzo (2007, p. 85-86, tradução nossa), três funções básicas:

1. Compartilhar conhecimentos, visões e novas perspectivas de desenvolvimento. 2. Oferecer ferramentas para a negociação e concentração de políticas entre os diferentes atores. 3. Facilitar processos, plataformas, meios e serviços de comunicação sobre temas prioritários de desenvolvimento.

Essas três funções cumprem um papel muito importante no desenvolvimento do campo: aproximam os produtores rurais de novas ferramentas tecnológicas para o cultivo, possibilitam o conhecimento de formas de obtenção de crédito para investimentos em insumos e matéria-prima e ajudam na obtenção de informações sobre problemas que podem atingir o campo. Nesse sentido, como aponta Pozzo (2019, p. 101, tradução nossa), “a comunicação rural abre espaço, então, à comunicação para o desenvolvimento.”

O uso da comunicação para o desenvolvimento foi consolidado nas décadas de oitenta e noventa, com a disseminação da abordagem do Desenvolvimento Rural Sustentável, o que implica a necessidade de incorporar sistematicamente a comunicação como componente estratégico nos projetos de desenvolvimento (ACUNZO, 2007, p. 85, TRADUÇÃO NOSSA).

Como podemos perceber, a necessidade de uma prática de desenvolvimento rural sustentável fez com que houvesse uma consolidação necessária entre desenvolvimento e comunicação rural. Isso explicita a importância das ferramentas comunicacionais no decorrer do processo desenvolvimentista do campo. Dessa maneira, a comunicação vem sendo um ponto importante para o desenvolvimento rural.

Apesar do aumento da atuação da comunicação rural, ainda é possível perceber que a produção teórica-científica não consegue abranger totalmente o que viria a ser comunicação rural. São poucos textos que conseguem trabalhar uma noção ampliada da concepção desse campo. Com isso, queremos chamar a atenção para o fato de que existem poucos trabalhos que estudem a noção de produção jornalística para o campo.

Nesse sentido, defendemos que a comunicação rural possa abranger também uma noção de jornalismo sobre e para o rural. Assim, vislumbramos a necessidade de um distanciamento entre a comunicação rural e a comunicação institucional e divulgacionista dos projetos extensionistas. Isso porque podemos observar outras formas comunicativas que também podem ser agregadas ao campo da comunicação rural. Por exemplo, vemos que a produção de conteúdos jornalísticos sobre e para o campo poderiam fazer parte do rol da comunicação rural, bem como os conteúdos produzidos e publicados na internet por produtores rurais e seus familiares.

Essa possibilidade de acesso dos grupos rurais a canais de comunicação da internet é um espaço muito fértil para adentrarmos em mais um conceito trabalhado dentro da folkcomunicação, trata-se da concepção de agente comunicador/líder de opinião ou ativista midiático. Cada uma dessas expressões corresponde basicamente a uma mesma concepção, a de um líder ativo dentro de um grupo social. Contudo, cada um deles corresponde a um momento específico dentro da pesquisa em folkcomunicação. O agente comunicador/líder de opinião foi um conceito criado por Luís Beltrão. Ele identificava pessoas que transitavam entre o hegemônico e o popular e também conseguiam entender tanto as mensagens dos meios de comunicação massificados quanto às mensagens dos grupos marginalizados. Por isso, eles eram considerados agentes comunicadores, pois assumiam a figura de um mediador entre o seu grupo social e os meios de comunicação e vice-versa. No entanto, como salienta Lucena, Bezerra e Amorim (2014, p. 159), “[...] a função conceituada por Beltrão de agente comunicador perde o sentido, pois que não há necessidade de decodificadores do global, quando este papel é desempenhado pelos meios de comunicação. Isso porque o novo agora vem pela mídia, por um click, pelo celular.” É nesse contexto de evolução dos meios de comunicação e das melhores condições de acesso a eles que o conceito de ativista midiático é posto em cena, com o intuito de atualizar a compreensão de agente comunicador.

O ativista midiático age motivado pelos seus interesses e do grupo social ao qual pertence na formatação das práticas simbólicas e materiais das culturas tradicionais e modernas para o uso da vida cotidiana. É um narrador da cotidianidade, guardião da memória e da identidade local, reconhecido como porta-voz do seu grupo social e transita entre as práticas tradicionais e modernas, apropria-se das novas tecnologias de comunicação para fazer circular as narrativas populares nas redes globais (TRIGUEIRO, 2006, p. 5).

Esse conceito de ativista midiático apresentado por Osvaldo Trigueiro pode ser aplicado ao grupo de agricultores que vamos ver mais à frente, isso porque eles narram e mostram o seu entorno por meio de vídeos postados na web. Podemos observar que o uso das novas tecnologias de comunicação pelo meio rural abriu uma importante janela de sociabilidade entre os moradores do campo e os demais setores da sociedade. As pessoas passam a ter um espaço a mais para dar voz às suas questões, sejam só para se relacionarem com outras pessoas, seja para produzirem conteúdos informativos ou de entretenimento e compartilhá-los no YouTube, por exemplo.

A partir disso, não podemos mais apontar o rural sob o estigma de lugar atrasado, de um lugar que vive sobre a luz candeeira. Temos que pensar em um novo rural, que tem luz, internet, computador, celular e smarts TVs. Entendemos que esses apontamentos não são unânimes, cada contexto é uma realidade. No entanto, o que salientamos é que essas mudanças, mesmo sendo pontuais, possibilitam iniciativas interessantes do ponto de vista da comunicação rural e também da folkcomunicação. O uso de ferramentas que surgem com a internet é um bom exemplo, trata-se de instrumentos que passam a ser usados por um segmento que foi pouco ouvido historicamente. Para discutir melhor essas possibilidades, vamos falar da democratização de conteúdo e da liberação do pólo emissor utilizando a ferramenta YouTube como parâmetro.

YouTube: liberação do pólo emissor e a democratização de conteúdo

O YouTube é uma ferramenta de compartilhamento de produções audiovisuais. O site é estadunidense e foi fundado em 2005, por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-funcionários da empresa de pagamentos on-line PayPal. No ano seguinte, em outubro de 2006, a plataforma foi vendida para a empresa Google, por 1,65 bilhão de dólares (BURGESS; GREEN, 2009). Desde então, o YouTube só cresce em números de usuários e de conteúdos postados e consumidos. Segundo a empresa, atualmente, o canal de compartilhamento de vídeos tem aproximadamente dois bilhões de usuários conectados, com pessoas assistindo a um bilhão de horas de conteúdo diariamente5.

Esses números só são possíveis de serem alcançados pela plataforma porque houve uma mudança de comportamento social e cultural ao longo dos últimos anos. Depois da ampliação do acesso à internet e também do uso das tecnologias de informação e comunicação por mais pessoas, houve o surgimento cada vez maior de serviços e produtos oferecidos na web e o deslocamento de algumas atividades que já eram realizadas no espaço físico para o espaço virtual. Nesse sentido, toda essa conjuntura possibilitou a criação de várias ferramentas digitais, como o YouTube, por exemplo.

Desde que tenham um dispositivo e acesso à internet, as pessoas podem ver tudo o que é postado pelos produtores de conteúdo no site. Isso não é nenhuma novidade para quem tem livre acesso à web, mas não foi sempre que essa grande quantidade de conteúdo foi tão acessível. Isso só é possível porque há pessoas observando os costumes de consumo da sociedade e, a partir daí, estão trabalhando na melhoria das tecnologias, influenciando no barateamento dos produtos e criando ferramentas. Nesse contexto, fica mais fácil produzir, publicar e disseminar conteúdos no ambiente digital.

Essa possibilidade de produzir, publicar e disseminar conteúdo na internet gera uma mudança no campo da comunicação, já que os meios de comunicação ditos de massa eram os produtores e disseminadores hegemônicos de conteúdo. Nesse sentido, Beltrão (2007, p. 4) salienta que “essas mudanças geram uma reconfiguração no campo da comunicação tencionando o modelo vigente do broadcast (transmissão, sistema de disseminação de informação em larga escala), no qual apenas um seria responsável pela comunicação.”

Essa tensão é resultado da chamada liberação do pólo emissor. Com relação a isso, Lemos (2007) aponta que a primeira característica da cultura digital “pós-massiva” é a liberação do polo de emissão, cujas principais mudanças estão na possibilidade do antigo “receptor” também produzir e emitir sua própria informação. Ainda nessa linha, o autor salienta que isso foi capaz de ampliar as formas já existentes de produção de informações difundidas por rádios e TVs piratas. Isso não quer dizer que os meios de comunicação também não possam produzir e emitir informações pelos mesmos canais que as pessoas comuns estão utilizando. Pelo contrário, eles têm uma ampliação das suas possibilidades, já que podem transmitir tanto pelas ondas eletromagnéticas quanto pela internet. A diferença principal está mesmo na possibilidade de uma pessoa comum com poucos equipamentos poder produzir e transmitir informações e alcançarem o mesmo público que uma emissora de televisão ou rádio, por exemplo.

Todas essas características que perpassam o digital: a reelaboração das formas de consumo, o deslocamento de modelos de relacionamento físicos para o espaço virtual e tantas outras mudanças, contribuem para a criação de um novo modelo de espaço, o chamado ciberespaço. A esse respeito, Lemos (2010) diz que:

Temos uma ideia do ciberespaço como o conjunto de redes de telecomunicações criadas como o processo digital de circulação de informações. [...] Toda a economia, a cultura, o saber, a política do século XXI, vão passar (e já estão passando) por um processo de negociação, distorção, apropriação a partir da na nova dimensão espaço-temporal de comunicação e informação planetária que é o ciberespaço (LEMOS, 2010, p. 127).

Podemos perceber que o conceito de ciberespaço de André Lemos tem uma relação muito forte com a questão social, já que o ciberespaço trata de um processo de readaptação das atividades e práticas humanas (a cultura, a economia, o saber e a política) às redes de telecomunicação criadas com a maior circulação de informações no espaço virtual.

Diante desse contexto de liberação de polo de emissão e democratização de espaço de fala, podemos circunscrever o nosso objeto de estudo, um grupo de agricultores que utiliza a internet, mais especificamente o YouTube, como canal para compartilhar o seu dia a dia. Nesse sentido, podemos dimensionar até que ponto a questão da liberação do polo de emissão pode oferecer possibilidades de democratização de fala, já que, historicamente, as comunidades rurais tiveram dificuldades com canais de comunicação.

O exemplo do canal Humorista da Serraria Ofc

Nada melhor do que começarmos esse tópico com uma das pertinentes perguntas feitas por Diaz Bordenave no texto “Comunicação Rural: discurso e prática”. Ao apresentar algumas questões ainda não resolvidas sobre a comunicação rural, Bordenave (1993, p. 12) questiona: “o melhor comunicador rural profissional é um agrônomo ou um veterinário que aprende a comunicar ou um comunicador social que aprende agricultura e pecuária?” Ousamos respondê-lo aqui de uma forma diferente, com a seguinte afirmação: o melhor comunicador rural profissional é o agricultor, o morador da zona rural. A aprendizagem, de certa forma dicotômica, da qual o autor se refere é uma coisa que o próprio morador aprende de forma “natural”.

Diante disso, apresentaremos uma iniciativa que une o que vamos chamar aqui de práticas de comunicação rural profissional e os meios digitais como ferramenta de comunicação, trata-se do canal “Humorista da Serraria Ofc”6 hospedado no YouTube7. A partir de uma reportagem feita pela BBC Brasil é possível conhecer um pouco da história do canal e seus personagens. Os vídeos postados são protagonizados pelos agricultores Francisco Valdo de Oliveira, o seu Mané, e por Arnaldo Antunes de Oliveira, o seu Antônio. Participam ainda da trama e da produção dos vídeos, Vitor César de Oliveira, o Joaquim fofoqueiro, e Francisco Itamar de Oliveira, o cinegrafista e editor. O nome do canal deriva do nome da comunidade rural na qual as histórias se passam, o sítio Serraria, pertencente à cidade de João Dias de 2,6 mil habitantes, que fica no oeste do Rio Grande do Norte. A história do canal tem início a partir da chegada da eletricidade na comunidade (ROSSI, 2018). Depois da chegada dela, Francisco Valdo decide instalar internet na sua casa e assim todos passam a conhecer as possibilidades que essa ferramenta pode oferecê-los em termos de comunicação.

O “Humorista da Serraria Ofc” foi criado em 17 de dezembro de 2017 e depois de dois anos no ar conta com 1,36 milhão de inscritos, número expressivo dadas as proporções de segmentação de trabalhos presentes na plataforma. Os 379 vídeos postados no canal somam 375.283.675 visualizações8. A narrativa principal do projeto se constrói em torno de seu Mané e seu Antônio, homens do campo que resolveram compartilhar suas rotinas com o mundo.

Para fazermos a análise e descrição do canal, selecionamos três vídeos. O primeiro vídeo escolhido teve um tempo de 40 segundos e foi postado no dia 18 de dezembro de 2017. Até a última observação ele contava com 25.478 visualizações, 1,6 mil marcações como gostei, 19 como não gostei9 e 40 comentários. Tanto a imagem como o áudio foram captados por celular, a imagem foi gravada na posição vertical. Como não foi capturado por um microfone profissional, o áudio tem muitos ruídos, mas o que mais se sobressai é o barulho do vento no microfone nativo do celular.

O material postado foi nomeado de “o animal” e mostra Seu Mané sentado em um banco de madeira folheando um álbum de fotos. Seu Mané chama seu Antônio para lhe mostrar uma fotografia onde aparecem ele e alguns amigos de outrora. Seu Antônio chega e senta-se em outro banco de madeira que estava posto ao lado. Seu Mané mostra e identifica as pessoas da foto, quando de repente é interrompido por uma indagação de Seu Antônio: “e esse animal aí do meio?”. Na verdade, ele se referia a imagem de Seu Mané, que fica revoltado com a comparação e sai da cena murmurando. O vídeo acaba com o foco em Seu Antônio, que fica sentado vendo o seu amigo ir embora. Abrindo um parêntese para o engajamento com esse conteúdo, o que foi percebido é que a maioria dos comentários que foram feitos são onomatopeias que representam o riso. A partir disso, é possível inferir que a intenção do vídeo foi cumprida, ou seja, a de ser um conteúdo humorístico.

O segundo vídeo selecionado tem um tempo de 12 minutos e 56 segundos, ele foi publicado em 27 de dezembro de 2018 e foi nomeado de “Seu Mane e Seu Antônio assusta o pessoal com a sua cantiga”. A publicação tinha, no momento da análise, 1.306.648 visualizações, 27 mil marcações como gostei, 1,6 mil como não gostei e 1.700 comentários. Diferentemente do primeiro vídeo, neste a imagem foi gravada na posição horizontal e teve mais de uma tomada.

O vídeo tem início com seu Antônio informando a esposa que vai para a “Serra do Mocó”, local com muitas pedras do sítio Serraria. Ele sai e a câmera é movimentada para acompanhá-lo e depois disso a cena é cortada. Em seguida, chega seu Mané que pergunta por seu Antônio, a esposa informa que ele foi para a “Serra do Mocó”, seu Mané então segue para lá dizendo que tem um negócio para propor ao seu amigo, depois disso a cena é cortada. A tomada seguinte mostra seu Mané chegando ao encontro de seu Antônio e lhe fazendo a proposta de negócio. Trata-se de uma ideia para que os dois se tornem cantores. Seu Antônio fica desconfiado com a proposta, mas é convencido. Para ensaiar, seu Mané propõe a música “A triste partida” de composição de Patativa do Assaré e gravada por Luiz Gonzaga. A proposta é simples, seu Mané vai cantar e seu Antônio fará a segunda voz, se inserindo para cantar o verso “ai, ai, ai, ai” da música.

O cômico do episódio começa a ser evocado quando seu Mané começa a cantar, ele troca as expressões “meu Deus, meu Deus” por “morreu, morreu”. Quando seu Mané termina de cantar a estrofe, seu Antônio responde de forma muito escandalosa: “ai, ai, ai, ai”. Nesse momento chega Joaquim, um jovem que tem uma mente muito fértil, ele pensa que seu Antônio está passando mal, desconfiança que fica mais evidente quando seu Mané começa a cantar “morreu, morreu” de forma também muito escandalosa. Joaquim sai desesperado para pedir ajuda, depois disso a cena é cortada. Mais uma tomada se inicia, agora mostra quatro amigos em um campo aberto se divertindo, Joaquim chega muito afobado e conta a eles o que se passavam, todos saem desesperados para ajudar seu Antônio que supostamente estava passando mal. Ao chegarem lá, vêem que na verdade eles estavam cantando, todos riem da situação e termina o vídeo cantando a música “a triste partida”.

O terceiro e último vídeo que selecionamos tem um tempo de 11 minutos e 09 segundos, ele foi postado em 17 de dezembro de 2019 e foi nomeado de “Doutor Raimundo acorda seu mané com uma cerenata”.10 Até o momento de observação, o vídeo tinha 429.214 visualizações, 14 mil marcações como gostei, 442 como não gostei e 692 comentários. A primeira cena do vídeo tem início com o encontro de seu Antônio, que vinha por uma estrada de terra com um carrinho de mão, e dois vizinhos, seu Zenildo e seu Sérgio, que vinham saindo de uma mata, cada um com um feixe de lenha. Seu Antônio demonstra uma indignação e levanta a hipótese de que os dois não estavam ali para apanhar lenha e sim para terem alguma relação íntima. Nas palavras dele, os dois estavam “com suas bonitezas na mata”. Podemos fazer essa leitura devido ao contexto da cena e também pelo tom de voz dos personagens. Seu Antônio desiste de importunar os vizinhos devido a sua relação íntima, ele argumenta dizendo: “eu não vou mais perturbar meu juízo não, porque também eu já estou velho, vocês façam o que quiserem”. Seu Antônio vai embora e Zenildo e Sérgio, revoltados com a suposição dele, decidem deixar os feixes de lenha ali mesmo e irem embora em uma moto que eles haviam deixado estacionada enquanto procuravam a lenha. Com isso, a cena é cortada.

A segunda tomada mostra seu Antônio continuando o seu trajeto pela estrada de terra. De repente, ele escuta um barulho de motor de motocicleta, trata-se de Zenildo e Sérgio que vinham com os troncos amarrados um ao outro por uma corda, de forma que isso os deixou muito próximos na garupa da moto. Nesse momento, seu Antônio grita alto indicando que os dois deixassem de “seboseira”, que tinha ficado pior devido ao fato deles estarem com os troncos unidos por uma corda. Em seguida, a cena foi encerrada e a terceira tem início mostrando uma discussão entre seu Mané e sua filha Filomena. O motivo do desentendimento entre os dois é o desejo da filha de casar com um médico e o pai querer que ela se case com um agricultor. Seu Mané argumenta com a filha dizendo que: “daqui a alguns dias aqui vai encher de doutor, ninguém vai mais plantar uma cova de milho, ninguém vai plantar uma cova de feijão, vão comer só papel e remédio?” A cena é encerrada com ele falando para a filha que vai monitorar os passos dela.

A quarta cena mostra o médico, o Doutor Raimundo, cabisbaixo sentado sobre uma cisterna. De longe, Joaquim vê o médico e depois de se aproximar dele o questiona sobre o motivo da sua tristeza. Ele responde que está daquele jeito porque seu Mané não aceita o namoro dele com Filó. Joaquim então tem uma ideia, ele sugere que o médico faça uma serenata para a moça, justificando que tanto Filomena como o pai gostam de música. O médico concorda com a ideia e Joaquim se responsabiliza por encontrar um violão, buscar outras pessoas para ajudarem e ainda mostrar a janela do quarto de Filó. Joaquim sai correndo e a cena é cortada.

A quinta cena mostra Joaquim encontrando o delegado, que vinha com um ladrão de galinhas sob custódia. Ele para o delegado para convidá-lo para a serenata, contudo, o policial diz que não pode porque está muito atarefado. Enquanto os dois conversam, o ladrão de galinhas se afasta discretamente e consegue fugir. Então, Joaquim se despede e vai embora, enquanto o delegado fica desesperado procurando o ladrão. Posteriormente, a sexta cena mostra o encontro de Joaquim com seu Zenildo e seu Sérgio, que vinham de motocicleta, ainda com os troncos unidos pela corda. O rapaz acha estranho a forma como os dois estavam, mas Sérgio explica que apenas está ensinando Zenildo a andar de moto e que aquilo é uma medida de segurança para que seu aluno não caia. O jovem Joaquim diz que isso não importa no momento e os convidam para ajudarem o Doutor Raimundo com a serenata. Os dois aceitam o convite e dizem que irão.

Em seguida, a sétima cena mostra seu Mané no quarto conversando com a esposa. Ele explica para ela que não vai aceitar o casamento de Filomena com o Doutor Raimundo. A mulher ainda tenta argumentar em favor da filha, mas seu marido a interrompe e diz que não aceita. Ele sugere que os dois vão dormir, mas ela fala que sem a proteção da cama não vai. Seu Mané então diz que com essa proteção não quer dormir com ela. A esposa o deixa só no quarto e ele tira suas roupas e vai deitar-se, depois disso a cena é cortada. Em seguida, depois que a noite já tinha caído, a oitava cena mostra Doutor Raimundo, Joaquim, seu Zenildo e seu Sérgio chegando a possível janela do quarto de Filomena. Ao chegar no local, o Doutor Raimundo começa sua cantoria. No entanto, o que todos não esperavam era que aquela janela não era do quarto de Filó e sim de seu Mané. Ao ouvir o barulho fora de casa, o pai de Filomena abre a janela e passa por cima dela e depois de insultar todos, joga sua bota no candidato a genro, depois disso a cena é cortada. Após isso, a nona e última cena mostra seu Antônio jantando apoiado em um fogão a lenha. Como a janela da cozinha estava aberta, um objeto bate em seu prato e derruba toda sua comida. Ele vai à procura do que derrubou sua comida e descobre que se trata de uma bota, possivelmente a mesma que seu Mané jogou em Doutor Raimundo. Com isso, o vídeo se encerra.

Comparando os três materiais com um ano de diferença de produção entre eles, observamos que houve uma evolução da técnica e da narrativa. Essas características que apareceram nos vídeos estudados, se aplicam também aos demais postados na plataforma do YouTube. A duração dos vídeos aumentou, a gravação tem mais cenas, tem cortes que demonstram uma preocupação com a edição e com um roteiro, os ruídos do vento no microfone também diminuíram. No terceiro vídeo que selecionamos fica claro a evolução em relação aos demais, ele tem cenas que se entrelaçam, como em uma novela, por exemplo.

Fazendo um apanhado dos comentários feitos nos vídeos, podemos observar que as pessoas demonstram admiração pela simplicidade do trabalho, pedem abraços, lhes parabenizam pelo trabalho etc. No entanto, não vimos uma reciprocidade a estas interações, nenhum desses comentários são respondidos pela página, eles apenas são curtidos. A interação é feita no momento que são realizadas as transmissões ao vivo com os personagens, nesses momentos o engajamento é percebido.

Se unirmos o que vimos até aqui sobre a comunicação rural com a prática dos personagens do canal “Humorista da Serraria Ofc”, vamos perceber como é próxima, importante e reveladora essa relação. Seu Mané e seu Antônio são exímios comunicadores rurais profissionais e também ativistas midiáticos. Eles se utilizam, mesmo sem saber, da possibilidade de liberação do polo emissor para produzir e emitir informações em escala global, narrar o cotidiano e contribuir para a perpetuação das identidades locais.

Considerações finais

Neste artigo, tentamos expandir a concepção de comunicação rural. Acreditamos que, com essa tentativa, podemos compreender melhor alguns fenômenos contemporâneos que surgiram com as mudanças sociais, culturais, de consumo e também tecnológicas. Nesse sentido, a comunicação rural deve ser entendida não só como uma forma de comunicação feita pelas instituições governamentais e não governamentais, mas como uma comunicação feita também pelos moradores do campo.

A partir do estudo que fizemos dos três vídeos do canal “Humorista da Serraria Ofc”, percebemos que a comunicação rural não está mais restrita a segmentos específicos, como sindicatos e associações, por exemplo. A partir de ferramentas acessíveis e baratas, a exemplo do celular e da plataforma do YouTube, é possível produzir conteúdo de forma simples e barata. O canal é um exemplo disso, os protagonistas dele começaram a produzir vídeos de forma muito amadora, com ruído no áudio, com a imagem trêmula. No entanto, isso não impediu o sucesso deles. Já faz dois anos que eles postam conteúdo nesse canal e sempre têm um retorno positivo do público que assiste.

Talvez, iniciativas como essa do canal podem ser uma alternativa para a sobrevivência e a perpetuação do conceito de comunicação rural, um conceito atualizado, renovado, com maior participação das comunidades. Um conceito que busque significado não mais na informação agrícola como foi no início, mas que busque nos sujeitos do campo a fórmula de sobrevivência e atualização.

Os três vídeos além de mostrar uma evolução técnica e narrativa, demonstram a maturidade com que eles organizam o roteiro, os enquadramentos e as falas. Apesar de ser nítida a atuação de cada um, fica visível a simplicidade das palavras, do sotaque e dos locais de gravação. Em cada vídeo podemos encontrar, implicitamente, uma informação relevante sobre suas vidas. No primeiro vídeo fica evidente a memória, já que eles olham os amigos de juventude em uma fotografia.

Enquanto no segundo vídeo, aparece o gosto pela música, inclusive, a escolha dela é muito significativa porque retrata o sentimento de muitos nordestinos afetados pela estiagem. A canção “A Triste Partida” narra a saga de muitas famílias do Nordeste, que vendem tudo o que têm para irem em busca de uma “vida melhor” no sudeste do país. A paisagem do sítio também chama a atenção nesse vídeo, um local seco, mas com uma vista deslumbrante da Serra do Mocó.

Já no terceiro vídeo, é explícita a trama que é desenvolvida para contar cada história. Nele, aparecem vários elementos que fazem parte do dia a dia da população rural: apanhar lenha na mata para cozinhar, a estrada de terra, o carrinho de mão, o ladrão de galinhas, o fofoqueiro, a agricultura do milho e do feijão, a cisterna e o quintal cercado de varas.

Esse conjunto de elementos também nos relembra o conceito de folkcomunicação e de ativista midiático. A partir do momento que essas pessoas utilizam as ferramentas de comunicação da internet, elas transmitem as suas ideias, suas opiniões, suas culturas, suas identidades e o seu cotidiano. Francisco Valdo, o seu Mané, Arnaldo Antunes, o seu Antônio, Vitor César, o Joaquim fofoqueiro, Francisco Itamar, o cinegrafista, são ativistas midiáticos que conseguem transitar entre as práticas tradicionais e modernas e usar as tecnologias para se comunicarem com diferentes grupos sociais.

Os vídeos do “Humorista da Serraria Ofc” protagonizados por seu Mané e seu Antônio são formas de comunicação, mais especificamente de comunicação rural e de folkcomunicação. Eles mostram, através dos causos que contam em vídeo, o dia a dia dos moradores do campo, as dificuldades, as esperanças, a simplicidade. Em fala para a reportagem do quadro “Meu Sertão, meu xodó” da 1ª edição do RNTV, Francisco Valdo, o seu Mané, demonstra o incentivo que ele tem para fazer os vídeos: “foi uma maneira que eu achei, que eu encontrei de mostrar a vida do agricultor aqui no nosso sertão, que é sofrido, castigado pela seca. Eu tinha vontade de mostrar lá para os lados do Sul, São Paulo, para o lado do Norte, todos os cantos do país.” A fala de Francisco Valdo remonta, mesmo sem que ele tenha consciência, o conceito de comunicação rural proposto por Diaz Bordenave e também o de ativista midiático de Osvaldo Trigueiro. Ele evidencia na fala uma preocupação, uma necessidade de mostrar para o “mundo” a vida do agricultor.

Referências

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Notas

4 Queremos deixar claro que essa compreensão do autor corresponde a uma realidade das décadas de 1960, 1970 e 1980 ou até mesmo anteriores a essas, mas elas são importantes para compreendermos e contextualizarmos esse tema. Obviamente que essas formas de entretenimento, de pensar e de sentir foram se expandindo ao passar dos anos. Atualmente, temos uma série de novos canais folkcomunicacionais, dos quais os grupos rurais se apropriam para se divertirem e se comunicarem.
5 Informações do site do Youtube. Disponíveis em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/about/press/. Acesso em: 20/02/2020.
6 Ofc é uma abreviação para a palavra oficial.
7 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCVF73fsH3BhHPkSG77VUIcw. Acesso em: 20/02/2020.
8 Ressaltamos que esses números podem mudar constantemente. Isso porque pode haver mais inscrições no canal, os vídeos postados na plataforma podem ser vistos por mais pessoas e tem conteúdo sendo postado toda semana e, com isso, pode haver mudanças na quantidade de visualizações e na quantidade de vídeos. Esses números correspondem até a data de 30/03/2020.
9 Essas marcações como gostei e como não gostei refletem as reações das pessoas que visualizaram o vídeo.
10 De acordo com a ortografia da gramática normativa da língua portuguesa, a palavra “cerenata” é grafada com “s”. Assim, a palavra correta seria serenata. Mesmo assim, decidimos respeitar a grafia original da postagem do canal, afinal o mais importante para esse estudo é o que eles compartilham com o público.
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