Dossiê
Folkcomunicação e turismo cultural na Festa do Guaraná de Maués (AM)
Folkcommunication and cultural tourism in the Feast of the Guaraná de Maués (AM)
Folkcomunicación y turismo cultural en la Fiesta del Guaraná de Maués (AM)
Folkcomunicação e turismo cultural na Festa do Guaraná de Maués (AM)
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 17, núm. 38, pp. 47-64, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03/05/2019
Aprovação: 18/06/2019
Resumo: A Festa do Guaraná, realizada anualmente no Município de Maués, Amazonas, Norte do Brasil, aciona uma série de elementos das culturas, tradições e crenças amazônicas para, reunidas se constituírem em um espetáculo singular. Neste artigo, aspectos das culturas indígenas, popular, da religiosidade, da crença e os impactos do turismo e do mercado são discutidos a partir de noções da Folkcomunicação, do Folkmarketing e da Complexidade tendo como terreno discursivo a ideia e ou proposta da festa popular como um dos instrumentos de promoção e de desenvolvimento regional.
Palavras-chave: Festa do Guaraná, Folkcomunicação, Desenvolvimento, Amazônia brasileira.
Abstract: Guaraná Festival is held annually in Maués, Amazonas, North Brazil. It triggers a series of elements of the Amazonian cultures, as well as traditions and beliefs to be combined into a singular spectacle. In this paper, aspects of indigenous culture, popular culture, religiosity, beliefs and the impacts of tourism and also the market are discussed as the notions of Folkcommunication, Folkmarketing and Complexity which has the idea and / or proposal of the popular festival as one of the instruments of promotion and regional development.
Keywords: Guaraná Festval, Folkcommunication, Development, Amazônia.
Resumen: La Fiesta del Guaraná, realizada anualmente en el Municipio de Maués, Amazonas, Norte de Brasil, acciona una serie de elementos de las culturas, tradiciones y creencias amazónicas para, reunidas se constituyan en un espectáculo singular. En este artículo, aspectos de las culturas indígenas, populares, de la religiosidad, de la creencia y los impactos del turismo y del mercado se discuten a partir de nociones de la Folkcomunicación, del Folkmarketing y de la Complejidad teniendo como terreno discursivo la idea y o propuesta de la fiesta popular como uno de los instrumentos de promoción y desarrollo regional.
Palabras clave: Fiesta del Guaraná, La comunicación popular, Desarrollo, Amazonia Brasileña.
Introdução
Nas curvas de um grande rio de águas calmas e negras, uma lenda, por décadas, povoa o imaginário de povos amazônicos. A história de uma vida ceifada de qual brotou um fruto capaz de gerar, mover e sustentar inúmeras famílias, de garantir milhares de vidas. Dos grandes e escuros olhos de um curumim³ engerado⁴ em frutos apanhados pelas mãos de nossos ancestrais, histórias ganham formas, energia e sabores até os dias atuais. Da riqueza de suas lendas à força da bebida do Guaraná, chegamos a Maués⁵, município localizado no Amazonas, distante 267 quilômetros da capital Manaus, e onde a crença popular caminha junto com o desenvolvimento social.
Localizada no baixo rio Amazonas, a “Terra do Guaraná”, como popularmente é chamada a cidade de Maués, traz em suas raízes históricas um misto de cultura, crença, mistérios e desejos associados às suas belezas naturais. Neste artigo, na perspectiva da visão ecossistêmica analisamos a contribuição da Folkcomunicação como alternativa para o desenvolvimento local a partir da Festa do Guaraná de Maués, principal evento cultural promovido na cidade.
Carneiro (2012) destaca que a história da criação da cidade de Maués, assim como a realidade de tantas outras ao longo do interior do Amazonas, está vinculada à presença dos missionários jesuítas na região hoje conhecida como Amazônia, em meados do século XVI, e no projeto português de expansão dos seus territórios ocupados na Amazônia. “Consequentemente, com essa expansão, foi possível a fundação de 6 aldeias missionárias na região da Mundurucânia, como: Maguases (Maués), Tupinambarana, Andirazes, Curiatós, Abacaxis e Irurires. Segundo Serafim Leite, “os jesuítas Manuel Pires e Manuel Souza foram os primeiros a ocupar nossa região em 1660” (CERQUA, 1980, p. 21).
A história de Maués tem início com os índios Mundurucu (expressão do tronco Tupi que significa formiga vermelha) e Mawé (do Tupi, “papagaio inteligente e curioso”) que viviam em constante conflito devido as suas diferenças culturais e a disputa da posse de terras da região conhecida como Mundurucânia (do Tupi, “terra das formigas vermelhas”), em meados do século XVIII. As duas tribos tinham na agricultura a principal fonte de vida, principalmente do guaraná e da mandioca. É nesse ambiente de conflitos que nasce o povoado de Lúsea, posteriormente elevada à categoria de Vila de Lúsea, em 25 de junho de 1833, data que marca a fundação da cidade.
Maués traz, em sua história de criação, mitos e lendas relacionados ao “guaraná”, fruto que é de cultivo primário dos agricultores da região. O município também é conhecido por suas belezas naturais que encanta, à primeira vista, o visitante da cidade. E só há duas formas de se chegar à Terra do Guaraná: em aviões de pequeno porte que pousam em uma pista do modesto aeroporto da cidade e por meio fluvial, o mais usado. Atualmente, não há linha de voos diários para a cidade, apenas os programados e fretados. As aeronaves partem do aeroporto de Manaus ou do aeroclube, localizado na Zona Centro-Sul da cidade, e cumprem percurso com duração de uma hora.

Seja qual for o meio que o visitante opte em chegar à cidade, será recepcionado por belas praias, uma vez que Maués é emoldurada pelo rio Maués-Açu (Açu do Tupi que significa grande) que proporciona uma área de balneabilidade de cerca de 2.400 metros, em frente à sede do município. Na opção mais econômica⁶, nos barcos regionais que levam aproximadamente 15 horas de viagem saindo de Manaus, é possível contemplar as belezas naturais ao avistar a cidade banhada por um rio de águas, que, coincidentemente, remetem a cor d a bebida guaraná. A mais popular das praias, a Ponta da Maresia, que se torna mais atraente no período da seca do rio (entre novembro e fevereiro), revela suas silhuetas um paraíso guardado em Maués.

Neste cenário, de uma cidade banhada pelo rio Maués-Açu, é realizada há 38 anos a “Festa do Guaraná de Maués”, uma das principais manifestações culturais dos municípios do interior do Amazonas. Registros históricos revelam que a festa que celebra a colheita do guaraná foi criada pelo menos 15 anos antes da data oficial.
A festa, tradicionalmente, ocorre na principal praia da cidade, a Ponta da Maresia, e reúne milhares de pessoas do próprio município (incluindo as inúmeras comunidades ribeirinhas), turistas de cidades vizinhas, da capital Manaus, e de outros estados brasileiros, atraídos pela curiosidade sobre os arranjos cosmológicos em torno do fruto guaraná e das atrações musicais de renome nacional.
A celebração da colheita da safra do guaraná, fruto cultivado pelos indígenas desde os primórdios na região de Maués (CARNEIRO, 2012) é o grande motivo da realização da Festa do Guaraná que, geralmente, ocorre no último fim de semana do mês de novembro (época da colheita) e atraí milhares de visitantes à cidade, potencializando o turismo e a economia local.
A Festa do Guaraná de Maués, criada pela própria população a partir de líderes comunitários até sua consolidação como uma das maiores festas folclóricas do interior do Amazonas, nos remete aos estudos da Folkcomunicação, a primeira Teoria da Comunicação genuinamente brasileira.
Benjamim (2000) explica que a palavra folclore aparece a partir de raízes saxônicas em que Folk significa “povo”, e Lore “saber”, logo, a palavra significaria “saberes do povo” e destaca o conceito estabelecido na releitura da Carta do Folclore Brasileiro que considera o folclore como um conjunto de criações culturais de uma comunidade, baseada em suas tradições individuais e coletivas.
Beltrão (2007) classifica a Folkcomunicação como um processo de “intercâmbio de informações e manifestações de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore”. Compreendemos aqui por “massa” a convivência de grandes grupos de indivíduos em um mesmo contexto social.
O vínculo existente entre o folclore e a comunicação popular, para o autor, não poderia ser ignorado pela imprensa midiática, principalmente quando associado ao fato de o Brasil ser um país rico em diversidade cultural. Beltrão (2007) ressalta que o processo comunicacional pelos populares não chega a ser prejudicado, pois os mesmos fazem uso de outros meios que acabam sendo eficazes para suas necessidades, como cordel, livretos, folhetos e afins.
Márcio Souza⁷ estabelece a diferença entre “Folclore” e “Cultura Popular”. Segundo o autor, “folclore” é tudo aquilo que não tem autoria, como por exemplo, lendas do Curupira, do Boto, da Iara e a própria lenda do Guaraná, e que passa de geração a geração. O folclore tem origem no mundo rural e está ligado aos festivais profanos e religiosos. Para o escritor, o folclore é uma manifestação profunda e de raiz, ou seja, não se sabe como começou a sua propagação, mas há crença.
Já a “Cultura Popular” engloba as manifestações apropriadas, ou seja, com origens em determinado local e imigradas para outros, onde são recriadas. São adaptações e recriações da cultura ancestral do folclore para o urbano, como as tradicionais cirandas dos festejos juninos, que têm suas origens portuguesas, e o próprio boi-bumbá.
As percepções de Souza foram apresentadas durante o Seminário de Cultura Popular⁸ promovido no dia 1º de dezembro de 2017, pelo Conselho Municipal de Cultura de Manaus (Concultura).
Estudar a relação entre o folclore, a cultura popular e a comunicação é uma das principais propostas deste artigo que traz o questionamento: a Folkcomunicação, a partir da Festa do Guaraná, pode contribuir para o desenvolvimento local da cidade de Maués? Para isso, nesta pesquisa buscamos apresentar versão resumida da origem da Festa do Guaraná em Maués, associada às lendas e aos mitos a ela relacionadas, transmitidos de geração à geração.
Interpretar o processo de consolidação da Festa do Guaraná como uma das principais festas culturais do Estado do Amazonas, representa, ainda, compreender impactos relacionados à economia por meio do turismo, ao processo comunicacional tendo como suporte a Folkcomunicação e a comunicação midiática. Todos em diálogos entrecruzados com o rio de culturas que a festa habita e viaja.
Das lendas e mitos à festa do guaraná de Maués: Origem
O município de Maués é um dos principais produtores de Guaraná, do tupi “waraná” que significa “olhos de gente”. A origem do fruto é concebida por lendas que povoam o imaginário amazônico. Almeida (2007) relata a lenda versus o mito em torno do fruto guaraná. A primeira é referente à índia Cereçaporanga (cereça: moça; poranga: mais bela) e o segundo sobre um curumim (índio criança).
O mito do guaraná remete a um casal de índios da tribo sateré-mawé que desejava ter filhos, mas desejava ser pais. Ao pedir a Tupã (Deus) o casal foi agraciado com o nascimento de um menino. O curumim cresceu bonito, generoso e bom, o que logo despertou inveja de Jurupari, o deus da escuridão. Este decidiu acabar com a vida do jovem índio.
Um dia, o garoto foi coletar frutas na floresta e Jurupari transformou-se em uma serpente venenosa, picando o curumim e matando-o instantaneamente. A notícia se espalhou pela tribo e, ao mesmo tempo, trovões clareavam o céu enquanto a mãe do jovem índio chorava sua morte. Ao ouvir os trovões, a mãe entendeu que se tratava de uma mensagem de Tupã e plantou os olhos do curumim na terra da aldeia, nela nasceu uma planta com um fruto semelhante aos olhos do jovem índio.

Outra lenda apresenta o enredo a seguir: o fruto do guaraná surgiu de um amor proibido entre uma índia Cereçaporanga, da tribo sateré-mawé, com um jovem índio guerreiro de uma tribo rival. Ao ser descoberto, o casal passou a ser perseguido e, abraçado, clamou a Tupã (Deus). Este enviou um raio sobre o casal.
Todos, na tribo, acharam que os dois teriam morrido, entretanto foram levados ao céu por Tupã e, na terra, onde o raio tocou, brotou uma árvore cujo fruto lembrava os olhos cheios de paixão e energia de Cereçaporanga, o guaraná, popularmente conhecido por sua energia e vitalidade (ALMEIDA, 2007). Esta é a versão mais popular sobre o guaraná e esta é encenada, anualmente, durante a Festa do Guaraná de Maués.

Instituída pela Lei Municipal nº 19, de 5 de junho de 1989, a Festa do Guaraná é realizada, anualmente, no último fim de semana do mês de novembro (a exceção do ano de 2017 quando a festa ocorreu no primeiro fim de semana do mês de dezembro devido as agendas de shows dos artistas nacionais convidados a se apresentarem no evento). Durante a festa são realizadas feiras agrícolas e exposições sobre a cadeia e processo da fabricação do guaraná.
Tem gente pilando, torrando, fazendo bastão, moendo, tem até gente ralando bastão na língua de peixe para os visitantes beberem. O guaraná é servido com mel ou com outras misturas, para mostrar que a bebida pode ser consumida de diversas maneiras. São expostos artesanatos indígenas, trabalhos de artistas plásticos regionais e é encenada a lenda do guaraná. (ALMEIDA, 2017, p. 76).
Oficialmente, a Festa do Guaraná de Maués, com as características que mantém hoje, foi realizada pela primeira vez no ano de 1979, como resultado de uma mobilização que reunião e uniu representantes das classes sociais do município, prefeitura e empresariado. Porém, vários relatos apontam que 15 anos antes já eram realizados os desfiles das Rainhas do Guaraná e um baile no Clube Guaranópolis (CARNEIRO, 2012).
Mesmo com suas origens nas lendas e mitos populares, enraizadas na cultura indígena, a Festa do Guaraná não mobilizava a população de Maués economicamente mais carente. O quadro reverteu a partir de 1995 quando o então vice-prefeito de Maués, Sidney Leite, realizou uma enquete popular numa rádio local motivando a população a participar do evento, que, a partir de então, passou a reunir multidões na praia da Maresia. Hoje, além de shows musicais com a presença de bandas regionais e nacionais, durante a Festa do Guaraná são realizados concursos de trajes típicos das candidatas à rainha, da lenda e do mito do guaraná, desfiles e apresentações de rituais.

Em 2017, a 38º edição da Festa do Guaraná de Maués, reuniu mais de 50 mil pessoas na Praia da Ponta da Maresia, de acordo com dados da Prefeitura da cidade e injetou R$ 10 milhões na economia local, segundo dados divulgados pela Prefeitura de Maués, estimulando, principalmente o turismo.
A folkcomunicação aliada ao desenvolvimento do turismo local
Esta pesquisa é um exercício de diálogo com outras teorias entre as do Turismo, do Marketing e da Comunicação com foco na Folkcomunicação e o Turismo, mesmo entendendo a complexidade de definir este último, por ser área ainda é entendida como uma ciência em processo de construção. A Folkcomunicação também agrega complexidade enquanto estudo de produção e expressões culturais de um povo.
Segundo Towner (1995) o modelo que vem se estudando sobre a história do Turismo é absolutamente colonial: sem aprofundamento, minimizando a rotina, as práticas e a cultura local, não se conhece como ele variou nas diferentes culturas ao longo dos anos. Camargo (2001) identifica o turismo como fenômeno historicamente localizado, ou seja, um fenômeno não inerente à natureza, nem imemorial, mas datado e parte integrante de um momento da cultura do homem ocidental.
Já nos dias atuais, também se pode compreender o turismo como um fenômeno socioeconômico cuja prática social é de natureza dialética posto que a relação ativa com o mundo, lugares e paisagens do território, e também com outros indivíduos, possibilita a transformação da natureza, mas também do próprio fenômeno, gerando múltiplas inter-relações (CAMMARATA, 2006).
Lacerda afirma que o turismo traz uma dupla contribuição: direta e indireta. A primeira por apresentar resultados que enriquecem culturalmente a população que visita e os visitantes. Indireta, pois consiste no planejamento da viagem e “na verificação natural de pontos de dúvida entre turistas e o visitado” (LACERDA, 2010).
Na perspectiva de desenvolver a atividade turística a partir de uma manifestação cultural, esse processo comunicacional em níveis de compreensão pela própria população, que deve estar ciente de sua importância e também a relevância de sua manifestação cultural, neste caso, a Festa do Guaraná de Maués, surgindo aqui o elo entre a importância da relação do Turismo com o processo folkcomunicacional, um sistema de Turismo.
O jornalista Luiz Beltrão foi o precursor nos estudos da Teoria da Folkcomunicação. Esta teoria está intrinsecamente ligada ao folclore e as culturas populares e surgiu da necessidade de estudar o que estava à margem da sociedade, ou seja, a Teoria dos Marginalizados.
O fenômeno da marginalidade se caracterizou após a revolução burguesa e sua ideologia, e se agravou com a Revolução Industrial, geratriz conceptual e formal da sociedade de massa. Às camadas superiores – a elite do poder econômico e político – que estabelecem os níveis de civilização e as metas de desenvolvimento, inclusive sociocultural, se contrapõem indivíduos e grupos sem condições (ou a quem sempre são negadas condições) de alcançá-los, por sua pobreza, por suas culturas tradicionais, pelo isolacionismo geográfico, rural ou urbano, pelo baixo nível intelectual ou pelo inconformismo ativo e consciente com a filosofia e/ou a estrutura social dominante. (BELTRÃO, 2007, p. 45).
Na leitura de Beltrão (2007) a Folkcomunicação é um processo artesanal e horizontal. Na prática, a Folkcomunicação é a forma de um povo transmitir sua cultura, seus pensamentos e costumes de geração a geração, estando entre seus principais objetivos o desenvolvimento, a inclusão e a transformação social.
Como aponta Benjamim (2000) há uma relação direta entre o Turismo e o Folclore, sendo o primeiro o divulgador do segundo, e juntos resultam positivamente na economia local de um lugar, proporcionando melhoria na qualidade de vida da população. Entretanto, o autor ressalta que esta relação precisa passar por avaliações, a fim de que o agente cultural não seja pressionado por fatores econômicos.
A contribuição da folkcomunicação para a Festa do Guaraná
Turisticamente, a cidade de Maués é simbolizada pelo fruto do guaraná. Durante todo o ano são fabricados souvenir, camisetas, chaveiros, porta-retratos, telas de pintura, e trajes indígenas típicos. A produção e comercialização desses itens são intensificadas no período da Festa do Guaraná, quando os produtos garantem mais espaços públicos por meio de exposições em uma feira livre no principal acesso à praia da Ponta da Maresia. O que nos leva a apontar que a Folkcomunicação presente na festa tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento regional, a inclusão e transformação social, a compreensão das mensagens populares e a promoção da integração e da paz social (AMPHILO, 2011).
Partindo desses contextos, surge aqui uma nova definição de processo comunicacional: o Folkmarketing que, como o próprio nome indica possui base nas matrizes teóricas da Folkcomunicação e do marketing. Lucena Filho (2010), dentro dessa conjuntura de interpretação, explica que o Folkmarketing é uma medida adotada pelo mercado e por gestores público, em um processo constitutivo, onde se apropriam de expressões simbólicas, neste caso específico uma manifestação popular que é a Festa do Guaraná, com o objetivo mercadológico e institucionais.
Exemplificando na prática, o Folmarketing pode ser identificado na Festa no Guaraná em diferentes frentes. A primeira com a realização da festa realizada pela Prefeitura de Maués, com o aporte financeiro do Governo do Estado do Amazonas. Em segundo, com o apoio primordial da Companhia de Bebidas das Américas – Ambev, principal financiadora do evento e grande responsável pelo seu marketing a nível nacional e internacional.
As organizações buscam através dos seus discursos via ação comunicacional do folkmarketing expressar sua sensibilidade para promover os interesses da região onde estão localizadas, usando as manifestações e os elementos das culturas populares como estratégia comunicativa. Os grupos que habitam uma região têm preocupações que devem ser também aspirações das empresas, numa identificação e promoção do sentimento cultural coletivo (LUCENA FILHO, 2010, p. 5-6).
Essa “sensibilidade”, no sentido de despertar interesse por parte das organizações, de promoção, conforme cita Lucena Filho (2010), por parte da instituição privada, em Maués, pode ser observada na atuação da Ambev que mantém na cidade, há 46 anos, a Fazenda Santa Helena, como espaço para pesquisa sobre o cultivo sustentável do Guaraná. Na fazenda são produzidas uma média de 50 mil mudas de guaraná por ano, que são doadas aos produtores locais, que, por sua vez, respondem pela produção de 85% dos frutos utilizados na produção do Guaraná Antártica, principal marca de refrigerante produzido pela companhia⁹.

O recorte para o Folkmarketing permite complementar o entendimento do contexto da Folkcomunicação no cenário da Festa do Guaraná, tendo em vista que os atores desse processo sofrem influências diretas dos processos comunicacionais sejam eles massivos ou não.
A Festa do Guaraná de Maués se insere em múltiplas temáticas que passeiam pelos campos da Folkcomunicação, com possibilidades de oferecer narrativas inovadoras no esforço de compreensão dos arranjos culturais dos povos amazônicos; aproxima-nos das cosmologias por meio das quais os povos indígenas realizam leituras de mundo e do universo, como um mundo além da terra, sem fronteira, onde cada ser tem um papel e, todos, em permanente complemento com as águas, o trovão, a lua, o sol, as estrelas, são autores da obra da vida; e conversa com o Folkmarketing, perspectiva em elaboração, para tecer a rede onde a comunicação por meio do folclore e do marketing, irá atuar na direção de tornar viável produto e serviço de uma manifestação cultural comunitária e da relação desta com o setor produtivo.
As implicações dessa junção de fatores e de ferramentas de determinados conhecimentos não são aqui abordadas em profundidade, considerando que este artigo é um olhar-resultado das primeiras imersões feitas para a elaboração da dissertação de mestrado. Colher elementos sobre as formas de atuação das empresas que atuam na Festa do Guaraná, o grau de compromisso e ou de entranhamento destas com os elementos-chave para a população de Maués e à festa do guaraná exige pensar sobre outra pesquisa. É possível indicar elementos que apontam ora para a projeção elevada do fruto guaraná como espécie de força-mãe dos acontecimentos e da vida em Maués na qual expressões do mercado, da economia mundializada e da política realizam ações negociais de portes transnacionais, nacionais, estaduais e locais; e, igualmente, refletir sobre como a população reinventa a tradição e realimenta, nela, sonhos, lendas e mitos na direção de realizar um velho-novo desejo: ter vida mais digna, poder ser feliz, o que, em certa medida representa contemporaneamente o mito e a lenda de geração do guaraná: desejo de gerar vida, como fruto de amor; amor que não aceita fronteiras ou interdições e se realiza a despeito de todas as forças contrárias.
O guaraná, feito olho que magnetiza ou feito planta cujos frutos são olhos magnetizantes, parece ser a tradução mais aproximada da luta do povo de Maués contada em festa e nas sementes carregadas pelo mundo e a espalhar história de alimento bom, cheio de energia, uma das expressões da Natureza na promoção do bem–viver para os humanos no esforço de renovar o pacto com estes que, revigorados pela bebida do guaraná, compreenderiam a razão de cuidar da Natureza em agonia
Considerações finais
A Festa do Guaraná de Maués como objeto de pesquisa deste estudo revelou-se como um vasto cesto de conteúdo e conhecimento relacionados à Folkcomunicação, desencadeando outras relações referentes ao processo comunicacional, como o Folkmarketing.
Olhar esta manifestação cultural a partir da compreensão do folclore, festa popular e comunicação, nos leva a concluir que o estudo da produção simbólica de um povo, assim como suas manifestações folclóricas e culturais se faz extremamente necessário, pois, a partir desta compreensão e da sua importância para a sociedade, alimentam outros cenários, como a própria indústria cultural e organizações governamentais, não governamentais e privadas.
É possível constatar, embora o estudo ainda esteja em andamento, o quanto os costumes e a tradição de um povo, de uma comunidade, como no caso da população de Maués, onde várias culturas convivem tradicionalmente, afetam e podem transformar a imagem de uma cidade, e agregar elementos distintos para compor o que é conhecido como imagem turística da região. Esse aspecto aparece nas percepções dos comunitários que as distinguem, com fervor, daquilo por vezes generalizado pelo visitante como um bloco das ‘coisas da Amazônia’.
Os posicionamentos de moradores e participantes ativos da construção e apresentação da Festa do Guaraná constituem trilhas por onde andar a pesquisa, ampliando a escuta e problematizando o gesto recorrente dos visitantes e ou dos turistas ao generalizar esses acontecimentos. Para os que estão envolvidos com a festa compará-la e estabelecer relação de igualdade, como sendo a mesma coisa, das outras festas típicas da região (ex: do Abacaxi, do Leite, da Laranja ou a da Ciranda) é compreendido como visão ignorante, limitada ou mesmo de provocação. Os festeiros do guaraná de Maués estão a postos como uma torcida apaixonada e que sabe a diferença, as singularidades e os encantos do espetáculo que confeccionam.
No embate ou no empate das culturas e da tradição amazônicas, a Folkcomunicação carrega a dimensão complexa da construção de novas narrativas que ampliam possibilidades de estudos, da produção de novos olhares da ciência e na problematização dos modelos de desenvolvimento de regiões que têm no Turismo Cultural, da Natureza e no Ecoturismo suportes para agregar investimentos, gerar postos de trabalho, renda e negócios sustentáveis.
E é neste momento que o realce à importância de recorte para o manuseio da Folkmarketing durante a Festa do Guaraná, mesmo não estando prevista a sua abordagem quando se pensava em discutir a Folkcomunicação como ferramenta ao Turismo Cultural em Maués, durante a Festa do Guaraná. Por sua vez, um outro terreno se apresenta a estudos futuros, trata-se de conhecer e problematizar as formas de colaboração, seja por meio da Prefeitura, do Governo, ou ainda da Ambev, para a consolidação da Festa do Guaraná de Maués como um evento de grande porte na região do Baixo Amazonas.
A partir deste estudo sobre a cidade de Maués e ao identificarmos sua rica cultura tradicional, seus costumes e suas belezas naturais, pode-se levar em consideração também a conveniência de expandirmos essa pesquisa, em momento posterior, para outros objetos de estudos também voltados a Folkcomunicação, como o Carnaval de Maués e o Festival de Verão de Maués, manifestações populares que também agregam valiosas contribuições para o estudo desta teoria da comunicação.
A Folkcomunicação e seus processos comunicacionais se apresentam como espaços privilegiados à pesquisa acadêmica e preocupada com produções de outras narrativas, reforça a literatura nascida a partir de contos e fenômenos amazônicos intricados com a ideia de desenvolvimento cultural, social e econômico de determinada região, lugar ou espaço, valorizando dessa forma a tradição, costumes e crenças de nossos antepassados, permitindo que elas permaneçam vivas, além das ruas, em publicações, periódicos e livros.
Nos arranjos teóricos, Folkcomunicação e Folkmarketing se apresentam, na pesquisa, com potencial estratégico para manejar as reflexões do cotidiano e ajudar a alavancar produtos e serviços no município de Maués. Os estudos nesse campo podem representar os outros ingredientes que irão agir, em conjunto com decisões governamentais e das organizações da sociedade, para consolidar Maués como destino turístico, e a Festa do Guaraná a bússola a guiar e abrigar os encantamentos, as emoções, as espiritualidades e as ações socioeconômicas no município.
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Notas