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Da cultura militar à folkcomunicação: A elasticidade da banda de música do Comando Militar da Amazônia
Jefferson Rodrigo da Silva; Jonas da Silva Gomes Júnior
Jefferson Rodrigo da Silva; Jonas da Silva Gomes Júnior
Da cultura militar à folkcomunicação: A elasticidade da banda de música do Comando Militar da Amazônia
From military culture to folk communication: The elasticity of the Amazon Military Command musical band
De la cultura militar a la folkcomunicación: La elasticidad de la banda de música del Comando Militar de la Amazonía
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 17, núm. 38, pp. 82-94, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: O presente artigo discorre sobre a banda de música do Comando Militar da Amazônia (CMA), enquanto ferramenta de interação com a sociedade manauara. Nesse contexto, a banda realiza apresentações em espaços civis, ambientes que demandam um repertório adaptado, uma postura musical elástica, como pré-requisito para se estabelecer uma relação de entendimento, ou seja, de comunicação com o público. Portanto, este artigo tem como objetivo explicar os fatores que levam a banda do CMA a se apropriar de elementos do folclore amazônico, da cultura popular e da cultura de massa, tornando-se, assim, uma manifestação folkcomunicacional através da música.

Palavras-chave:FolkcomunicaçãoFolkcomunicação,MúsicaMúsica,Banda militarBanda militar,ExércitoExército,AmazôniaAmazônia.

Abstract: This article discusses the music band of the Military Command of the Amazon (CMA), as a tool for interaction with the Manauara society. In this context, the band performs presentations in civil spaces, environments that demand a repertoire adapted as a prerequisite for establishing a relationship of understanding, that is, of communication with the public. Therefore, this article aims to explain the factors that lead the CMA band to appropriate elements of Amazonian folklore, popular culture and mass culture, thus becoming a folk-communicational manifestation through music.

Keywords: Folkcommunication, Music, Military band, Army, Amazon.

Resumen: El presente artículo discurre sobre la banda de música del Comando Militar de la Amazonía (CMA), como herramienta de interacción con la sociedad manauara. En este contexto, la banda realiza presentaciones en espacios civiles, ambientes que demandan un repertorio adaptado, una postura musical elástica, como prerrequisito para establecer una relación de entendimiento, o sea, de comunicación con el público. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo explicar los factores que llevan a la banda del CMA a apropiarse de elementos del folclore amazónico, de la cultura popular y de la cultura de masa, convirtiéndose así en una manifestación folkcomunicacional a través de la música.

Palabras clave: Folkcomunicación, La música, Banda militar, Ejército, Amazonía.

Carátula del artículo

Dossiê

Da cultura militar à folkcomunicação: A elasticidade da banda de música do Comando Militar da Amazônia

From military culture to folk communication: The elasticity of the Amazon Military Command musical band

De la cultura militar a la folkcomunicación: La elasticidad de la banda de música del Comando Militar de la Amazonía

Jefferson Rodrigo da Silva
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Jonas da Silva Gomes Júnior
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 17, núm. 38, pp. 82-94, 2019
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 02/05/2019

Aprovação: 18/06/2019

Introdução

Já é cediço que todo estudo folk não pode ter outro início senão a partir de Luiz Beltrão de Andrade Lima. Nas palavras dele, a Folkcomunicação é “o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, idéias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore” (BELTRÃO, 1980, p. 24).

Com o passar do tempo, naturalmente, os conceitos vão ficando mais complexos e ganhando novas influências. Por ocasião do documentário “Ver e entender Folkcomunicação”, dos autores José Carlos, Allan, Aronchi e Kozlakowski, de 2006, pode-se encontrar definições diversas sobre o tema. Nesse contexto, para o professor José Marques de Melo, a Folkcomunicação é “a comunicação das classes subalternas, é a expressão cultural das classes populares, ou seja, é a maneira através da qual o povo se utiliza para se expressar publicamente” (MELO, 2006). O professor e pesquisador Roberto Benjamin (2006), entende que a Folkcomunicação é a comunicação existente no nível das comunidades populares, incluindo a mídia como sendo o seu canal de transmissão. Aprofundando esta aproximação da Folkcomunicação com a mídia, o pesquisador Antonio Hohlfeldt (2006), também no documentário, ressalta um ponto crucial deixado por Luiz Beltrão para que se possa entender a gênese do que hoje é a única teoria brasileira da comunicação:

O professor Luiz Beltrão se deu conta que da mesma maneira que a teoria funcionalista norte-americana identifica dois conceitos básicos que são a do líder de opinião, dentro de grupos, e o fato de que a comunicação não se dá diretamente de um emissor para um receptor final, mas ela cria cadeias de recepção e de retransmissão, ou seja, um mesmo receptor, em um primeiro momento, ele se torna um novo emissor, em um segundo momento, o que é um caso típico da comunicação de massa. (HOHLFELDT, 2006).

Em uma linguagem mais formal, de acordo com Mauro Wolf (1997), a influência dos mass media não se dá diretamente no receptor como preconizavam os teóricos do início do século XX. Os efeitos da mídia, enquanto transmissoras de conteúdo, neste caso em análise o conteúdo folclórico e popular, são parte de um processo mais abrangente que diz respeito à influência dos líderes de opinião. É o que Paul Lazarsfeld chamou de fluxo de comunicação em dois níveis, que “é determinado precisamente pela mediação que os líderes exercem entre os meios de comunicação e os outros indivíduos do grupo” (WOLF, 1997, p. 53). Vale pontuar que Lazarfeld foi a fonte de Beltrão nos primeiros momentos de sua investida no que hoje chamamos de Folkcomunicação.

A noção de cultura que será a utilizada neste artigo não vai se limitar “a estabelecer um método para explorar a especificidade de um conglomerado humano em relação aos demais”. (...) vai renunciar o “etnocentrismo preconceituoso e racista do qual o ocidente nunca se cansou de acusar-se” (LLOSA apud MACHADO, 2013, p.13). Portanto:

O sinal (...) ao que representa uma cultura foi dado pelos antropólogos, inspirados, com a maior boafé do mundo, numa vontade de respeito e compreensão das sociedades mais primitivas que estudavam. Estabeleceram eles que cultura era a soma das crenças, conhecimentos, linguagens, costumes, vestuários, usos, sistemas de parentesco e, em resumo, de tudo aquilo que um povo diz, faz, teme ou adora”. (LLOSA apud MACHADO, 2013, p. 13).

E o folclore? Alguns estudiosos consideram que folclore, com “f” minúsculo, significa o modo de saber de um povo, e Folclore, com “F” maiúsculo, significa um tipo de ciência, ou melhor, uma disciplina da antropologia voltada ao estudo do saber popular. Independente de ser com a letra “f” (minúscula) ou com a letra “F” (maiúscula), a palavra folclore, neste artigo, estará ligado ao que é ou um dia foi tradicional. Para ficar claro:

De um ponto de vista rigoroso, são propriamente folclóricas as toadas, cantos, lendas mitos, saberes, processos tecnológicos que, no correr da sua própria reprodução de pessoa a pessoa, de geração a geração, foram incorporados ao modo de vida e ao repertório coletivo da cultura de uma fração específica do povo (BRANDÃO, 2012, p. 29).

Por fim, esses conceitos introdutórios aqui colocados serão o caminho para entender a banda de música do Comando Militar da Amazônia (CMA) como uma expressão folkcomunicacional em situações excepcionais.

A Banda de Música Militar

Um dos pontos de partida para o entedimento de qualquer objeto de pesquisa pode ser o conhecimento da sua história. Segundo Amilton Passos (2012), a banda de música militar tem origem nas fanfarras medievais de cavalaria e a sua estruturação se diferenciava de acordo com a demanda de cada exército. Para essa colocação, somam-se, neste primeiro momento, dois conceitos do que é uma banda de música. Para Nylton Batista (2010), uma banda de música é um conjunto de homens uniformizados, em que uma parcela deles toca instrumentos de percussão e a outra, instrumentos de sopro. Engrossando um pouco mais o conceito, Antonio Gonçalves Meira e Pedro Schirmer (2000) dizem que uma banda de música é um conjunto de instrumentistas liderados por um regente. Comparando os dois conceitos, percebe-se que um deles é mais incipiente do que o outro. O que evidencia essa diferença é a indicação da figura do regente. Nesse sentido, e guardando as devidas proporções, é interessante grifar que essa diferenciação conceitual, no Exército Brasileiro, aconteceu, na prática, no ano de 2005. A partir de então, para se tornar um músico ou um regente da Força Terrestre é preciso ser aprovado em concurso público de âmbito nacional e concluir, com aproveitamento satisfatório, o Curso de Formação de Sargentos Músicos.

Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, a corte portuguesa trouxe uma banda composta por 09 (nove) músicos. Estes músicos formaram a primeira banda militar organizada como um conjunto, tratava-se da banda marcial da Brigada Real da Marinha (Verde-Oliva, 2009, p. 49). Para se ter uma dimensão da evolução quantitativa, hoje, 210 anos depois, a menor fração de banda do Exército Brasileiro é composta por 16 músicos e a maior, como é o caso da banda de música do Comando Militar da Amazônia (CMA), por 96 músicos. De acordo com Silva Borges (2018), as bandas de música do Exército são classificadas em 05 (cinco) categorias, decrescentes em número de músicos na medida em que a ordem alfabética avança: A, B, C, D, E e F. Importante considerar que ao fazer o paralelo entre 1808 e 2018 cabe salientar que a existência de bandas militares, no Brasil, data do século XVIII:

As bandas de música militares do final do século XVIII foram criadas nos regimentos milicianos do Recife e Olinda, por ato do governador D. Tomás José de Melo. A exemplo destas, foi criada também uma banda no terço auxiliar de Goiana (PE), em 1789, mantida pela respectiva oficialidade (VERDE-OLIVA, 2009, p. 48).

Para Oscar da Silveira Brum (s/a, p. 13) a banda de música militar deve ser pensada para ter intensidade sonora, pois a utilidade dos instrumentistas militares está em marcar a cadência do desfile da tropa e encher o espírito do soldado de amor à pátria. Na Guerra do Paraguai (1864-1870), todavia, a utilidade antes citada extrapolou e os músicos militares brasileiros entraram em combate com os músicos militares paraguaios, a saber:

Há copiosas referências à atuação dos nossos músicos militares em campanha, constantes de comovidas reminiscências, nas quais há relatos de “Combate entre Músicos”. Esses documentos registram a luta da Banda de Música do 42º de Voluntários contra a banda do 40º Corpo do Exército paraguaio, a Guardiã de Lopez, culminando com a banda inimiga destroçada e sobrevivência de apenas seis integrantes da nossa Banda (VERDE-OLIVA, 2009, p. 49).

A banda de música, ou melhor, a fanfarra que viria a ser do CMA, segundo o assessor de assuntos históricos do CMA, tenente-coronel Lauro Pastor (2018), teve sua fundação no ano de 1918, mais precisamente no dia 02 de dezembro daquele ano, em Manaus. Entretanto, Pastor (2018) ressalta que o Quartel-General do CMA só foi criado 38 anos depois, em 1956, e teve sua sede inicial na cidade de Belém do Pará. Por fim, passados logo 13 anos, em 1969, a criação de uma Região Militar na cidade de Manaus forçou a transferência do CMA para a capital amazonense e, então, a fanfarra do 45º Batalhão de Caçadores de Manaus passou a ser uma banda de música com sede no CMA.

Na Europa dos séculos XVII e XVIII, “as bandas de música atuavam basicamente na corte e nas igrejas da elite aristocrática, sem a conotação de conjunto popular que possui hoje”, afirma Fernando Binder (2006, p. 8). Fazendo um paralelo com o Brasil, não foi diferente. No século XIX, pode-se verificar que a existência da banda de música esteve ligada diretamente à elite política na figura do rei, D. João VI, e dos imperadores D. Pedro II e I. Deste principalmente. “O apoio de D. Pedro I foi imprescindível para o surgimento das bandas de música, tendo em vista sua habilidade como compositor, pianista, clarinetista e fagotista” (VERDE-OLIVA, 2009 p. 49).

Saltando para o século XXI, precisamente ao ano de 2003, quando o comandante do Exército aprova o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais da Força Terrestre, pode-se observar que há, no índice de assuntos, um espaço dedicado ao pessoal da banda de música. No inciso XXII, do Artigo 21, do referido regulamento, pode-se ler que o comandante de unidade militar tem a prerrogativa de empregar a banda de música militar em festas e atos que não sejam de cunho político-partidário, caso julgue conveniente. A partir de então, tem-se um marco cronológico, 2003, que dá início, pelo menos na teoria, à possibilidade de uma banda de música militar poder se apresentar em ambientes que não o seu de origem, a caserna. Para isso, é preciso adaptar seu repertório a partir de outros gêneros musicais como, por exemplo, a música popular, as expressões folclóricas ou da cultura de massa. Isso representa o que, para fins de entendimento do objeto deste artigo, será chamado de “elasticidade”, ou seja, bandas de música militares, no caso em estudo, a banda do CMA, assumem uma postura folkcomunicacional no repertório quando de um contato aproximado com a sociedade civil, seja por meio de apresentações em praças públicas ou em Shopping Center, tocando desde músicas cantadas do boi-bumbá de Parintins até a canção mais escutada no Youtube no ano de 2017, “Despacito”, do compositor porto-riquenho Luis Fonsi.

Cultura musical militar e folkcomunicação: As duas faces da mesma banda

Ao fazer uma consulta ao Estatuto dos Militares, Lei 6880/80, pode-se constatar que a base que sustenta a vida castrense é formada pela hierarquia e disciplina. Ambas também regem o funcionamento das bandas de música militares. Além do mais, há também os regulamentos específicos como, por exemplo, o já citado Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) e os Manuais de Campanha C 20-5, C 22-6 e C 20-10, que dizem respeito ao manual de toques do Exército, ao manual de inspeções, revistas e desfiles, e, ao manual de liderança militar, respectivamente. Todos datam do século XX e somados preservam a cultura musical das bandas militares do Exército Brasileiro.

No manual de liderança militar (C 20-10), na sua 2ª edição, de 2011, consta um artigo sobre inteligência emocional no qual a música é considerada uma das sete inteligências desejáveis ao militar do Exército Brasileiro, levando em consideração o fato de que o alto desempenho em uma dessas inteligências não significa alto desempenho nas demais:

No início da década de 1980, um psicólogo chamado Howard Gardner, propôs a teoria das inteligências múltiplas, definindo sete inteligências a partir do conceito de que o ser humano possui um conjunto de diferentes capacidades. São elas: (1) a lógica-matemática, (2) a lingüística, (3) a espacial, (4) a musical, (5) a corporal-sinestésica, (6) a interpessoal e a (7) intrapessoal. (MANUAL DE CAMPANHA C 20-10, 2011, p. 8-9).

Portanto, ao militar músico é garantido que ele detenha melhor habilidade nesta área. No manual de inspeções, revistas e desfiles (C 22-6), na sua 2ª edição, de 1996, consta um artigo sobre procedimentos em formaturas e nas solenidades com a presença da banda de música. Por fim, no manual de toques do Exército (C 20-5), na sua 1ª edição, de 1998, elaborada pela Seção de Musicologia do Centro de Documentação do Exército (C Doc Ex), constam as normas para a execução dos toques de interesse da Força Terrestre.

Essas referências de manuais trazidas à tona servem para demonstrar o ambiente intrínseco das bandas militares, a aplicabilidade das mesmas em cerimônia e formaturas, e, por fim, para deixar claro que tudo o que acontece na instituição Exército Brasileiro está escrito e previsto em algum manual. Vide os exemplo supracitados.

O divisor de águas, como já dito em momento anterior, está no inciso XXII, do Artigo 21, do Regulamento Interno dos Serviços Gerais do Exército, o RISG, de 2003. Nele, consta que se o comandante de unidade militar achar conveniente usar a banda de música militar em eventos externos pode fazê-lo, ressalvados os casos de cunho político e partidário. Nesse sentido, sem abrir mão do culto às tradições, desde a Batalha dos Guararapes, em 1648-1649, até os desfiles de sete de setembro nos dias atuais, o Exército Brasileiro, a partir das suas bandas de música, dentre elas a do Comando Militar da Amazônia (CMA), vem interagindo cada vez mais com a sociedade civil em diversos tipos de ambientes não militares. Em artigo publicado no Blog do Exército Brasileiro, Amilton Mendes dos Passos (2018) diz: “as obras musicais apresentadas pelas bandas e fanfarras seguem padrões modernos, abrangendo todas as camadas da sociedade e representando a música dos quatro cantos do Brasil.”

Com essa interação, no caso de Manaus, a banda de música do CMA se torna um agente da expressão cultural da região amazônica ao agregar valores folclóricos e populares da cultura local. Valores esses que funcionam como uma liga envolvente entre a banda militar e a parcela marginalizada da sociedade manauara pré-disposta a consumir um repertório informal, seja em praça pública, seja em algum shopping center da cidade ou no histórico e tradicional Teatro Amazonas, com entrada gratuita. Vale grifar que associar “marginalizado” como sendo uma coisa ruim ou uma pessoa de espírito mau e sem caráter moral é um equívoco para fins de reflexão deste artigo, que em consonância com Luis Beltrão considera que:

A Folkcomunicação preenche (...) o vazio, não só da informação jornalística como de todas as demais funções da comunicação: educação, promoção e diversão, refletindo o viver, o querer e o sonhar das massas populares excluídas por diversas razões e circunstâncias do processo civilizatório (BELTRÃO, 1980, p. 26).

Ao incorporar elementos da cultura popular (músicas do boi-bumbá de Parintins) e da cultura de massa (“Despacito”, do compositor porto-riquenho Luis Fonsi) em seu modus operandi, à banda do CMA, aflora-se um novo modus vivendi, o folkcomunicacional. Essa é a condição sine qua non para que a elasticidade na postura musical da banda a leve para além dos muros dos quartéis.

Ser aceito em um ambiente “estranho” ao seu berço não é algo fácil, não acontece de um dia para o outro. Precisa haver uma aceitação recíproca entre as partes militar (os músicos) e civil (o público), pois são mundos completamente diferentes. Quando ambas concordam em discordar, é sinal que a relação entre esses dois mundos diferentes se estabeleceu e a música foi o caminho (SILVA BORGES, 2018).

Ao conseguir a aceitação do público externo, a banda do CMA ganha visibilidade. “Por visibilidade devemos compreender o conjunto de manifestações externas que tornam uma empresa visível e perceptível aos olhos e sentimentos da opinião pública” (TORQUATO, 1991, p. 241). Uma dessas manifestações externas do CMA se dá por meio da sua banda música. Já a percepção sentimental, geradora de um vínculo afetivo e consequentemente comunicacional, ou melhor, neste caso, folkcomunicacional, entre a banda e o público, dá-se pelo tipo de música apresentada.

Alguns dos gêneros que fazem parte do repertório da banda do CMA enquanto manifestação folkcomunicacional são: a música popular brasileira, com Alceu Valença, Roberto Carlos e Gilberto Gil; a música massificada, com o hit “porque homem não chora”, de Agenor dos Santos Neto (conhecido como Pablo) e o já citado Luis Fonsi (da música “Despacitos”); a música folclórica dos bois-bumbás de Manaus e de Parintins, com Chico da Silva, Davi Assayag e Arlindo Júnior; as trilhas sonoras de filmes consagrados da indústria cinematográfica dos Estados Unidos como, por exemplo, as dos filmes “Capitão América, Star Wars e Piratas do Caribe”; a trilha sonora de um clássico jogo de vídeo game, conhecido como “Super Mário Bros”, dentre outros. Entretanto, ao término das apresentações públicas, a banda do CMA sempre executa a Canção do Exército. Essa diversidade de gênero representa um golpe de folkmarketing da banda do CMA, pois a aceitação dela também depende de sua adaptação, elasticidade, às mudanças culturais da sociedade. Nesse sentido, é muito provável que daqui a 05 anos, a banda do CMA esteja tocando trilhas sonoras de filmes de Hollywood do momento e interpretando sucessos do momento da música brasileira. Dentro dessa perspectiva:

O marketing sabe agora que a industrialização da cultura prospera quando leva em conta as diferenças entre as nações e as etnias, entre homens e mulheres, quando se produzem bens diferentes para quem tem 60, 40, 15 ou 8 anos. (CANCLINI, 2008, p. 6).

Por mais que a citação de Néstor Canclini faça referência a um contexto macro, com pouco esforço se consegue entendê-la em um contexto micro, pois o que melhor poderia explicar essa elasticidade musical da banda de música do CMA senão uma fusão do folk com o marketing? Em tempo, o conceito de folkcomunicação vem ganhando abrangência com a diversificação dos estudos da cultura popular, do folclore e dos acontecimentos artísticos, em um contexto contemporâneo, caracterizado pela predominância dos meios de comunicação de massa:

Da presente análise, conclui-se que os estudos da Folkcomunicação estão consolidados e sua área expandida para além do conceito inicial, e que sua evolução corresponde ao desempenho dos estudiosos desta temática em acompanhar as mudanças culturais ocorridas nas últimas décadas (BENJAMIM, 2011, p. 287).

Por fim, se de acordo com Cristina Schmidt (2006) a folkcomunicação é o estudo dos processos de comunicação dentro das manifestações populares e a banda do CMA, ao fazer uma apresentação pública, monta um repertório que representa uma síntese da expressão cultural amazônida e, também, de expressões da cultura de massa, pode-se deduzir, então, que a mediação desse conteúdo por meio da música representa um canal folkcomunicacional.

Esse movimento, de ida aos elementos folkcomunicacionais e de volta à cultura musical militar, com o objetivo de estabelecer uma comunicação e uma relação de entendimento do conteúdo musical manifestado pelos emissores, a banda, para os receptores, em ambiente não militar, é o que caracteriza a elasticidade da banda do CMA, pois encerradas as tensões naturais do ambiente não militar (representadas pelas setas na tabela abaixo), que a deformam, ela volta à forma inicial de origem conforme a representação abaixo:

Quadro 1
Elasticidade da Banda de Música do CMA

o autor.

Considerações finais

Produzir um artigo sobre Folkcomunicação é um grande desafio. Primeiro, por causa do grande leque de possibilidades teóricas existentes para a aplicabilidade da teoria a algum fenômeno. Segundo, quando o fenômeno a ser estudado é escolhido começa a fase das interligações por meio de consultas multidisciplinares, que neste caso perpassou autores da área da música, da cultura, da antropologia, das ciências militares, do folclore, da comunicação, e, não menos importante, os próprios teóricos da folkcomunicação.

Assim, essa pluralidade de perspectiva abriu a possibilidade do entendimento de que a Folkcomunicação pode ser uma doadora e ao mesmo tempo receptora universal para qualquer área do conhecimento ou fenômeno cultural. Graças a Luiz Beltrão e a todos os seus sucessores, que labutaram pelo universo folk, este introdutório artigo sobre uma banda de música militar, dentro da atmosfera folkcomunicacional, foi possível.

Diante disso, pode-se concluir de forma introdutória que a banda de música do CMA, ao se apresentar em ambientes não militares, fica sujeita às tensões externas que, em certa medida, deformam, momentaneamente, o seu estado permanente, natural, militar. Essas tensões são previsíveis e fazem com que a banda adapte o repertório a ser apresentado ligando-se a temas da cultura popular e da cultura de massa, ou seja, incorporam-se elementos folk na expressão musical da banda do CMA, pois, só assim, consegue-se a aceitação, o reconhecimento e a interação com os públicos que, na ocasião, são estranhos ao ambiente de origem da banda, o ambiente militar.

Essa postura folk é tão óbvia quanto necessária, pois fazer uma apresentação na praça de alimentação de um Shopping Center executando apenas hinos e canções militares não causaria impacto nem geraria as condições suficientes para se estabelecer uma relação de entendimento com o público presente no local.

A banda de música do CMA não é uma banda só porque é formada por músicos. A banda de música do CMA é uma banda porque carrega em si um potencial de elasticidade musical tão extenso que em qualquer lugar em que se apresentar será bem acolhida. Por fim, vale grifar que essa postura folk, essa elasticidade de uma banda de música militar seria algo impossível de ser concebido no Brasil de algumas décadas atrás.

Material suplementar
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Notas
Quadro 1
Elasticidade da Banda de Música do CMA

o autor.
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