Ensaio Fotográfico
Santa que não é “santa” motiva fé em Tibagi (PR)1

Uma “bonequinha”, de olhar simples e aparentemente ingênuo, trajando um vestido de cor laranja cujo comprimento vai até um pouco abaixo dos joelhos e uma capa, da mesma cor do vestido, calçando um par de sapatos pretos e segurando uma cesta que parece de frutas. Esta é a imagem de apenas cinco centímetros de comprimento, feita de louça e que em nada remete ao divino ou ao sagrado, mas que atrai milhares de peregrinos até a zona rural do município de Tibagi, na Região dos Campos Gerais, interior do Paraná.
Conhecida popularmente como Santa Pastorina, Santa Casturina ou simplesmente como Santinha, a imagem possui uma capela para ela, na localidade de Campina Alta, distante cerca de 30 quilômetros do Centro de Tibagi. Embora nunca tenha recebido o título de santa ou afim pela Igreja Católica, Santa Pastorina é venerada por fiéis do Brasil inteiro, que viajam até Tibagi para conhecê-la, agradecer ou fazer pedidos. De acordo com Pedroso (2001, p. 24), “a imagem cultuada não representa nenhuma figura humana que possa ter vivido em qualquer tempo ou espaço e realizado um ou ‘o milagre’ que a levasse a conquistar o título de Santa milagrosa”.
A tradição surgiu no início do século XX e, todos os anos, no dia 26 de julho, a comunidade de Campina Alta se prepara para a grandiosa festa em louvor à Santa Pastorina. Em algumas edições, a festa ocorre durante três dias.
Apesar de não ser reconhecida pela igreja, no dia da festa é realizada uma missa, sequência de orações e procissão. A missa é celebrada do lado de fora da capela, que é pequena e não comporta a quantidade de fiéis que a celebração atrai. Segundo a Prefeitura de Tibagi, a cada edição passam pela festa em torno de dez mil pessoas. Por conta da devoção dos moradores, o dia 26 de julho é feriado em Tibagi, conforme a Lei 989, de 23 de agosto de 1983, assinada pelo então prefeito José Tibagy de Mello. (PEDROSO, 2001).
Pedroso (2001, p. 21) explica que a origem da imagem de Santa Pastorina é desconhecida, mas o aparecimento dela em Campina Alta possui três versões. A primeira delas é de que a peça de porcelana teria sido levada do Distrito do Socavão, no município de Castro, a Tibagi por Maria Rubina Ferreira, no ano de 1900. Sua família cultuava a imagem em casa e a reza também despertava a devoção de vizinhos. (NOCÊRA, 1995, in PEDROSO, 2001).
A segunda versão também estaria ligada a uma família de Castro de quem a imagem teria se perdido e posteriormente achada num pequeno riacho de Campina Alta. A terceira hipótese, por sua vez, “seria a de que a imagem de Santa Casturina teria sido encontrada pelo milagreiro e profeta João Maria”. (PEDROSO, 2001, p. 22). Para Pedroso, a primeira versão pode ser considerada como uma das mais consistentes, embora haja pouca documentação a respeito da Santinha.
A partir do levantamento das fontes percebeu-se que não há documentos, fotos, recortes de jornais ou quaisquer outros registros que tragam informações precisas sobre o evento da festa ou mesmo sobre a Santa Casturina. Os documentos “raríssimos” encontrados foram apresentados neste trabalho: o manuscrito anônimo do Museu Desembargador Edmundo Mercer Junior, a lei que decretou o dia 26 de julho como feriado municipal e o pequeno texto de Ennio José Toniollo”. (PEDROSO, 2001, p. 37).
De acordo com a autora, a imagem que ainda hoje é cultuada é a mesma levada por Maria Rubina e nunca passou por nenhuma restauração. Apesar da fama de milagreira, ela destaca que “toda a devoção prestada à Santinha sempre foi de ordem privada, isto é, não houve nenhum relato de prodígio que tenha sido testemunhado por várias pessoas ao mesmo tempo” (PEDROSO, 2001, p. 35).
É interessante avaliar como uma devoção restrita ao lar de uma família da comunidade tomou dimensões tão grandes, considerando o tempo e a persistência dessa devoção. É um movimento peregrino, religioso que remontou o século XX e que não teve em nenhum momento qualquer veiculação de propaganda nos meios de comunicação de massa (como rádio ou TV). (PEDROSO, 2001, p. 37).
A veiculação da notícia do santuário de Santa Pastorina é realmente pontual e acontece no período da festa. Recentemente, quem tem feito este trabalho de divulgação é a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Tibagi³, visto que o Governo Municipal apoia o evento.
Este ensaio fotográfico foi produzido durante a festa realizada no dia 26 de julho de 2018. Ao chegar ao local, após viajar muitos quilômetros de carro em estrada de chão, já chamou a atenção a quantidade de ônibus estacionados. Eram dezenas deles, com placas de diversas cidades brasileiras, o que comprova que os devotos da santa que não é santa percorrem longas distâncias para participar da festividade.
Pela manhã, foi realizada uma missa e durante todo o dia fiéis formaram filas para passar alguns segundos pertinho da imagem da Santinha, colocada entre duas grandes imagens de Nossa Senhora Aparecida, num altar dentro da capela. Ao lado também há outras figuras de santos e ícones sagrados para a Igreja Católica. Não existia, naquele dia, a possibilidade de tocar diretamente a Santinha, assentada numa redoma de vidro.
Segundo Pedroso, durante a missa, o padre não menciona o nome de Santa Casturina, mas lembra que dia 26 de julho é celebrada Senhora Sant’Ana e São Joaquim, pais de Maria, mãe de Jesus. Por coincidência ou não, Sant’Ana é padroeira dos municípios de Ponta Grossa e Castro, cidades vizinhas a Tibagi e origem de muitos dos devotos que aproveitam o feriado para participar das celebrações em louvor à Santinha. “Percebe-se, aqui, uma postura de silêncio por parte da Instituição em relação à devoção prestada à Santa, mas uma atenção para as pessoas que lá se encontram” (PEDROSO, 2001, p. 51).
Dentro da capela, havia dois pontos de venda de objetos como terços, chaveiros, velas e réplicas em tamanho real (cinco centímetros) da Santa Pastorina. Na entrada da capela havia um terceiro ponto de venda dos artigos religiosos. A capela fica no alto de um morro e, na frente dela, há uma grande imagem de Jesus Cristo ressuscitado, colocada de forma a “abençoar” quem está abaixo do morro. Sob a imagem fica o velário, mas, percebeu-se que o local não é usado para este fim por conta do vento.
A capela fica no alto de um morro e, na frente dela, há uma grande imagem de Jesus Cristo ressuscitado, colocada de forma a “abençoar” quem está abaixo do morro. Sob a imagem fica o velário, mas, percebeu-se que o local não é usado para este fim por conta do vento.
Logo à frente do velário, foram construídas as escadas que levam à parte de baixo do espaço destinado à festa. É nesse local que ficavam dispostas as barracas para venda de artigos diversos e também a praça de alimentação.
Ao descer as escadas, parecia haver uma transição entre a festa religiosa para a de cunho popular. Entre os corredores escutava-se os mais variados estilos musicais e deparava-se com o comércio de roupas, brinquedos, calçados, eletrônicos. Entre os produtos alimentícios, as ofertas também eram bastante variadas: churrasco, espetinho, churros, batata frita, sanduíches, doces... As moças bem arrumadas e maquiadas pareciam aproveitar o movimento para a paquera, ao que percebeu-se haver correspondência com os rapazes. E o mesmo palco onde foi celebrada a missa, ao lado da capela, ou seja, em cima do morro, foi usado também para apresentação de músicos e para o bingo.
A estrutura do santuário não sofreu grandes transformações nas últimas décadas, visto que em 2000, ano do relato feito por Pedroso, e em 1976, em que a autora resgatou um manuscrito com as impressões da festa, há muitas semelhanças. Já na década de 1970, a festa contava com o comércio ambulante de diversas mercadorias e alimentos, além da presença de candidatos. Como 2018 também é um ano eleitoral, foi constatada a presença de pelo menos um candidato, cujos passos eram seguidos por apoiadores e assessores, um deles utilizando-se inclusive de uma câmera moderna para captação de imagens do postulante. Pedroso (2001) lembra que em 2000 havia até faixas com nomes de candidatos na festa popular.
A passagem pela festa de Santa Casturina demonstra que, para a fé, os caminhos são mais simples e não há necessidade de comprovação oficial de certos “milagres” nem interferência externa – como os meios de comunicação, por exemplo – para que seja cultivada e preservada.

















