Artigos e ensaios

Valha-me Nossa Senhora! - A devoção Religiosa Apresentada no Filme O Auto da Compadecida

Hail Mary! The Religious Devotion Presented in the Movie The Auto of Compadecida

Marcelo Pires de Oliveira
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Milena de Menezes Nascimento
, Brasil

Valha-me Nossa Senhora! - A devoção Religiosa Apresentada no Filme O Auto da Compadecida

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 36, pp. 214-233, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 26/05/2017

Aprovação: 09/03/2018

Resumo: O presente artigo analisa o processo de apropriação dos elementos da cultura popular pelos meios de comunicação de massa, tendo como objeto de estudo, a representação da devoção mariana na obra cinematográfica “O Auto da Compadecida”. A devoção a Nossa Senhora consiste em uma manifestação marcante da cultura e religiosidade popular brasileira, por meio da análise dessa representação, baseada nas teorias da Análise do Discurso, da Folkcomunicação e dos Estudos Culturais, buscamos identificar as marcas dramatúrgicas inseridas na obra audiovisual que representam essa devoção religiosa.

Palavras-chave: Cultura Popular, Marianismo, “O Auto da Compadecida”.

Abstract: This article analyzes the appropriation process of the elements of popular culture by the mass media, having as object of study the representation of the Holly Mary devotion in the cinematographic work “The Auto of Compadecida”. The devotion to Holly Mary consists in a remarkable manifestation of Brazilian popular culture and religiosity, through the analysis of this representation, based on theories of the Discourse Analysis, Folkcommunication and Cultural Studies, is possible to identify the dramaturgical marks inserted in the audiovisual work they represent in the religious devotion.

Keywords: Popular Culture, Holly Mary Devition, “O Auto da Compadecida”.

Introdução

A devoção aos santos é uma característica extremamente marcante do catolicismo brasileiro, especialmente a devoção à Virgem Maria ou Nossa Senhora, sendo ela considerada a padroeira do país. A importância da devoção religiosa católica e as peregrinações a santuários são uma tradição comum no Brasil e em outros países ibéricos. Devido o seu caráter extremamente popular, a devoção religiosa é reproduzida por diversos campos das artes e da comunicação, sendo representada na música, na literatura, no teatro e em diversos meios de comunicação de massa, como ocorre, por exemplo, no filme “O Auto da Compadecida”, no qual a devoção mariana constitui-se um elemento de destaque, e que sofreu uma ressignificação de seus elementos.

Toda representação consiste em uma reprodução simbólica de um determinado objeto, sendo, portanto, uma nova forma de expressão sobre ele. Neste sentido, podemos dizer que os meios de comunicação de massa, ao apropriarem-se dos elementos da cultura popular, representando-os, procedem a uma escolha de quais elementos deverão utilizar, bem como quais sentidos eles deverão adquirir, os quais podem condizer ou não, com seu significado real na cultura popular. Além disso, o próprio meio em que se desenvolve essa representação é responsável por uma série de ressignificações, uma vez que possui suas especificidades estéticas, linguísticas, rítmicas, estruturais e técnicas.

Diante disso, por meio da análise da representação da devoção mariana no filme “O Auto da Compadecida”, procuraremos melhor compreender o processo de apropriação da cultura popular pelos meios de comunicação de massa, como também identificar as ressignificações decorrentes desse processo, com a identificação dos elementos utilizados nessa representação, bem como dos significados que ela suscita ao ser transposta para o ambiente midiático.

Entende-se por cultura popular as crenças, as tradições, a musicalidade, a literatura, o folclore, a religiosidade e demais costumes relacionados às classes populares. Acreditava-se que as manifestações populares estavam obsoletas e logo desapareceriam, devido aos processos de modernização e globalização mundial.

Ao contrário das suposições modernosas, na verdade, estribadas em sentimentos profundamente elitistas, o que observamos hoje é justamente um movimento em sentido contrário. A globalização permite vislumbrar o cenário de um mundo polifacético e multicultural. Ele sugere que qualquer inserção pró-ativa no seu universo depende basicamente do capital simbólico acumulado nas, mega, macro ou microrregiões, potencialmente convertíveis em imagens e sons capazes de sensibilizar a aldeia global. (MELO, 2004 p. 19-20).

Cultura Popular e Movimento Armorial

A apropriação da cultura popular não é algo novo, nem exclusivo dos meios de comunicação de massa, estando presente em diversos outros meios, como por exemplo, na arte erudita. Sobre esse processo, Roberto Benjamin (2004)⁠ comenta que diversos expoentes da cultura erudita como Homero, Boccaccio, Miguel de Cervantes e Gil Vicente teriam se inspirado no imaginário popular para produzirem suas grandes obras.

No Brasil, podemos encontrar elementos populares na arte barroca, na música clássica, na literatura, entre outras artes, tendo como exemplos as obras de Aleijadinho, Villa-Lobos e Gilberto Freyre. Além disso, podemos citar os movimentos Modernista e Armorial, nitidamente influenciados pelas artes populares, como exemplos de manifestações que apropriaram-se da cultura popular ao se desenvolverem.

O Movimento Armorial, assim como o Movimento Modernista, tinha como principal objetivo a construção de uma arte erudita baseada nas matrizes populares, tendo como precursores expoentes como Guerra Peixe, Nestor Silva, Lula Cardoso Aires, Francisco Brennand, Raimundo Carrero, Gilvan Samico, Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, sendo este líder e principal teórico do movimento. Além disso, faziam parte desta corrente, o Balé Armorial do Nordeste, a Orquestra Armorial de Câmara, a Orquestra Romançal e o Quinteto Armorial.

O Movimento Armorial foi lançado oficialmente em Recife, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto denominado “Três séculos de música nordestina: do Barroco ao Armorial” e de uma exposição de artes plásticas, promovidos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pelo Conselho Federal de Cultura.

A peça “Auto da Compadecida”, possui, ao menos, uma característica “armorial”, ou seja, a presença de elementos populares que compõem uma arte erudita, e é percebida no próprio formato da peça, que é a de um Auto Religioso, sendo esta uma manifestação popular muito comum na idade média.

Os autos são espetáculos teatrais da narrativa popular, representados por meio de danças, cantos e personagens míticos. Em suas narrativas abordam-se temas profanos e religiosos, sendo os últimos enredo básico da maioria de suas representações. Os pastoris, o bumba-meu-boi, as lapinhas e congadas são exemplos de autos de origem religiosa que ainda hoje subsistem.

Outra característica marcante da peça “Auto da Compadecida” consiste na influência da literatura de cordel. A peça baseia-se em três histórias dos romances populares nordestinos: “O castigo da Soberba”, “O Enterro do Cachorro” e “A História do Cavalo que Defecava Dinheiro”.

Também a poesia, presente no texto, é baseada no estilo do Cordel, e o nome do personagem principal da peça, João Grilo, é baseado no conto de João Martins de Athayde, “As proezas de João Grilo”, caracterizando ainda mais a conexão com as raízes da cultura popular presentes na peça.

Devemos enumerar três formas pelas quais se dá o processo de apropriação das expressões do imaginário popular: 1- Por meio da apropriação direta da forma, do conteúdo, do tratamento e do significado expressos na manifestação popular. 2-Por meio da ressignificação da forma ou do conteúdo da manifestação, mas mantendo relação com o significado original. 3- Pelo uso de matrizes diversificadas na elaboração da obra.

Um dos modos de apropriação do imaginário popular pela comunicação de massa se dá pela cooptação e incorporação do artista popular pela indústria cultural, como foi o caso de Luiz Gonzaga e de Jackson do Pandeiro. Outro modo, mais recente, tem sido a apropriação das expressões do imaginário popular já projetado na obra de arte erudita de autores consagrados. Este tem sido o caso das novelas e minisséries televisivas baseadas na obra de Jorge Amado (Gabriela, Tieta do Agreste), Dias Gomes (O bem-amado, Saramandaia) e Ariano Suassuna (Auto da Compadecida). (BENJAMIM, 2004, p.82)

Essas produções consistem em produtos culturais híbridos, tal como definiu Canclini (1998), ou seja, compostos por elementos da cultura popular inseridos num contexto massivo, unindo assim tradição e modernidade, popular e erudito, local e global. Essas interações produzem uma reinterpretação desses elementos, dando-lhes novos significados.

Antes disso, porém, é necessário esclarecermos as diferenças entre cultura popular, cultura erudita e cultura de massa. De acordo com Oliveira (2007), a cultura erudita define-se de acordo com o conceito de hegemonia Gramsciniano, estando intimamente ligada às classes detentoras de poder, as quais definiriam aquilo que seria culturalmente aceitável ou não, bem como os critérios de acesso de outras classes a esses elementos.

A definição de “Cultura Erudita” existe desde a Idade Média, período no qual os sacerdotes e nobres eram os únicos grupos sociais que possuíam direitos, entre eles o direito à educação, que, além do acesso à leitura e ao conhecimento dos escritos guardados nos monastérios, também fornecia os parâmetros para apreciar a arte. (OLIVEIRA, 2007, p. 26)

Metodologia de Análise

Metodologia é o conjunto de procedimentos empregados na realização de um trabalho, desde a pesquisa, coleta de dados e informações, até análise e posterior reflexão sobre o objeto estudado, consistindo, portanto, num instrumento de fundamental importância na elaboração de um trabalho. Uma vez definido o objeto de estudo e seu recorte, sendo estes, a análise da representação mariana, no filme “O Auto da Compadecida”, bem como seu campo teórico, no caso, a Folkcomunicação, optamos por utilizar como procedimento metodológico a análise do discurso da Escola Francesa, baseando-nos para isso, nas obras de Michel Pêcheux, Dominique Maingueneau, Helena Brandão e Eni Orlandi.

Além disso, sendo a representação mariana, no filme “O Auto da Compadecida”, um fenômeno folkcomunicacional, baseamo-nos também nos estudos de Luiz Beltrão, José Marques de Melo, Roberto Benjamin e Osvaldo Trigueiro, e trabalhos de teóricos dos Estudos Culturais pós-modernos, como Nestor García Canclini e Jesús Martín-Barbero, de modo a melhor compreendermos os processos de inter-relação entre cultura popular e cultura de massa, como também os processos de ressignificação que ocorrem nessas apropriações.

Dentro desse contexto, é interesse deste artigo analisar o discurso presente na representação da devoção mariana, no filme “O Auto da Compadecida”. Por meio da análise dos elementos utilizados na construção dessa representação, vamos mostrar os significados que esta manifestação religiosa secular adquire ao ser transposta para o cinema.

No que diz respeito ao filme “O Auto da Compadecida”, existem dois contextos de produção do discurso a serem considerados: um referente ao momento de criação da peça que deu origem ao filme e outro referente ao momento da adaptação desta para o cinema.

Segundo Orlandi (2007)⁠, o estudo da análise do discurso engloba três categorias: a da sintaxe e enunciação, a da ideologia e a do próprio discurso. Embora a análise do discurso tenha como principal objetivo a compreensão dos sentidos inerentes a uma mensagem, é preciso observar que não há um significado tido como verdadeiro e absoluto sobre determinado fato e sim, diversas interpretações, que estão sujeitas às diferentes formas de compreensão daqueles que o analisam.

Partimos do pressuposto de que ao construirmos um discurso, fazemos uma seleção de palavras e argumentos de modo a melhor expressarmos aquilo que pretendemos. Tal fato consiste, portanto, em um posicionamento sobre o tema. Sendo assim, a análise dos elementos que compõem o discurso deve considerar, tanto os elementos linguísticos materializados no discurso, como também as intenções existentes na produção de uma determinada mensagem. A análise das condições socioculturais do discurso, ou seja, o contexto em que este é produzido, também deve ser considerada para uma melhor compreensão do sentido de uma mensagem.

Ao analisarmos a adaptação de uma manifestação da cultura popular para o cinema, devemos levar em consideração os elementos que são utilizados para compor essa representação. Os recursos utilizados pelos meios de comunicação de massa na produção de uma obra audiovisual, como é o caso do filme “O Auto da Compadecida”, resultam em uma adaptação de elementos da obra original, fundidos para o meio audiovisual, entrelaçando estéticas e soluções discursivas que transmitam ao espectador a mensagem.

Para Orlandi (2007), na análise do discurso há dois processos de uso da linguagem: os parafrásticos, sendo estes reformulações de algo que já foi dito em um dado momento, ou seja, formas diferentes de dizer uma mesma coisa; e os polissêmicos, ou seja, as rupturas e os novos significados atribuídos a um determinado objeto.

Podemos dizer que, na adaptação de uma manifestação popular para o cinema há, tanto um processo parafrástico, pois a representação remete a um elemento já existente na cultura popular, como também um processo polissêmico, pois tais elementos adquirem novos sentidos e significações, ao serem transpostos para os meios massivos. Assim uma representação, embora tenha correspondência com objeto real, de fato, não se constitui no objeto, ou seja, não consiste na fonte que a originou, sendo apenas uma representação. Porém, é justamente nesse processo de representação e ressignificação que se produzem novos sentidos.

O Marianismo

A religiosidade é um importante elemento da nossa cultura, permeando todo o cotidiano do povo brasileiro e constituindo-se, assim, em um aspecto fundamental para um melhor entendimento da cultura brasileira. Diversas manifestações de nossa cultura estão associadas à rituais religiosos, como as festas, a culinária e o calendário civil. Dentro desse contexto, a religiosidade popular brasileira é um fenômeno cultural bastante complexo uma vez que na composição cultural do país misturaram-se muitos povos, etnias e culturas, tendo cada um deles contribuído para a formação desta religiosidade.

O catolicismo foi introduzido na cultura brasileira pelos colonizadores e missionários europeus, desde a sua chegada em solo brasileiro. Sua influência é percebida na fundação de igrejas, ordens missionárias e congregações religiosas, que procuraram catequizar a população nativa. O fato de o catolicismo ter sido a religião de base do sistema colonial e ter se sustentado como religião oficial durante muitos anos é um ponto importante para que possamos compreender certos traços e elementos da cultura popular. Tal fato torna-se relevante à medida que em nosso país, religião e cotidiano estão intimamente ligados. Além disso, diversos elementos religiosos que fazem parte do catolicismo, até hoje compõem a ideologia nacional e a noção de brasilidade, como, as festas, as artes, a musicalidade e o calendário, por exemplo.

Esses elementos, historicamente incorporados à nossa cultura pelos colonizadores, acompanhado de fusões culturais que aqui houve, serviram de base para a construção de uma cultura brasileira, configurando comportamentos, crenças e ideologias que perduram até os dias de hoje. Sobre esses elementos, Steil afirma que consistem em “... estruturas históricas que, longe de se apresentarem como a sobrevivência do passado no presente, são, na verdade, contemporâneas e estruturantes de nossa visão de mundo e de nosso ethos cultural.” (STEIL, 2001, p.10, grifo do autor)

Diversas expressões do catolicismo, difundidas durante séculos, ultrapassaram o espaço eclesiástico, encontrando-se plenamente incorporadas à nossa cultura e cotidiano, independente da religião que adotemos.

[...] quando nos referimos ao catolicismo, estamos na verdade nos remetendo a um intrincado sistema de práticas, significados, rituais e personagens que transitam por este universo religioso e que ultrapassam as fronteiras institucionais da Igreja e ortodoxia católicas. (STEIL, 2001, p.10)

Podemos afirmar que diversos elementos religiosos católicos encontram-se presentes em diversos aspectos da nossa cultura. Esses elementos fazem parte de uma ideologia que naturalizamos por meio de modelos e práticas sociais foram incorporadas as atividades cotidianas resultantes de séculos de predominância da religião católica na sociedade brasileira.

O nosso calendário, por exemplo, é formulado de acordo com as festividades católicas, as quais estão associadas aos milagres e acontecimentos das vidas dos santos. Neste sentido, podemos dizer que as festas religiosas, além de se constituírem em importantes expressões de nossa cultura, também organizam nossa vida social, uma vez que servem de base para a formulação do calendário civil.

O calendário é um dos instrumentos mais eficazes através do qual somos incorporados na cultura. Para além de nossas opções conscientes diante das possibilidades de caminhos religiosos ou não-religiosos que se apresentam hoje na sociedade pluralista em que vivemos, somos envolvidos por um calendário que nos remete constantemente a um imaginário religioso que subjaz à nossa experiência social e histórica. (STEIL, 2001, p.12)

Podemos citar a devoção aos santos, como uma característica marcante de nossa cultura e religiosidade, especialmente no catolicismo. Os santos seriam pessoas de muita fé, sendo dotadas de qualidades especiais, o que lhes possibilitaria a capacidade de realizar milagres. Os santos podem ser reconhecidos formalmente pela Igreja Católica ou não, a exemplo de diversos santos da religiosidade popular que, embora possuam grande número de devotos, ainda não foram oficialmente reconhecidos, como é o caso, por exemplo, do Padre Cícero, sendo muito popular no Nordeste do Brasil e responsável pela mobilização de um grande número de pessoas, que se dirigem todos os anos até sua igreja, em Juazeiro do Norte, no Ceará.

No que diz respeito à devoção aos santos, o culto à Virgem Maria ou Nossa Senhora, merece destaque. A Virgem Maria é uma santa católica reconhecida mundialmente por milhões de pessoas, sendo um importante elemento do catolicismo por ser a mãe de Jesus Cristo. É a única santa que possui uma oração que, além do Pai Nosso, foi amplamente incorporada ao nosso cotidiano: a Ave-Maria. Tida como uma intercessora junto a Deus e mãe de todos os fiéis, tem diversas outras denominações como Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora do Rosário por exemplo.

A devoção mariana tem origem através da instituição da concepção imaculada de Maria, pelo Concílio de Éfeso em 431, na cidade de Éfeso, atual Turquia. A partir de então, foi proclamado o dogma da imaculada concepção de Maria e esta adquiriu o caráter de Mãe de Deus, passando a ser considerada como uma ligação entre Deus e a humanidade, daí sua qualidade de intermediadora entre Deus e os fiéis, constituindo-se assim, na intercessora dos cristãos.

O culto à Nossa Senhora é chamado pela igreja Católica de hiperdulia³, e está referenciado na liturgia da missa. Devemos apontar que a Igreja Católica impõe aos fiéis uma diferenciação entre o culto a Deus, aos santos e à Nossa Senhora. Pela liturgia Deus é cultuado pela “latria, aos santos é concedida a “dulia, e Nossa Senhora, recebe uma veneração maior que os santos que é feita pela “hiperdulia”. Esta diferenciação de cultos deve ser obedecida pelos fiéis e é ritualizada nas diferentes cerimonias da fé católica.

No Brasil, a devoção à Nossa Senhora, é uma manifestação religiosa importante, sendo um elemento marcante de nossa cultura e persistir em muitas expressões da linguagem brasileira.

Com efeito, o nome de Maria é uma constante na linguagem popular, sobretudo na forma exclamativa: Virgem!, Virgem Maria!, Ave Maria!, Ave!, Santa Virgem!, Mãe do céu!, Nossa Senhora!, Minha Nossa Senhora! Essa última expressão é especialmente interessante porque une o respeito da “Nossa Senhora” com a intimidade da “Minha...” (BOFF, 1995, p. 15)

O culto à Nossa Senhora teria sido trazido para o Brasil pelos colonizadores portugueses, estando, portanto, presente em nossa cultura desde os primórdios da colonização.

A História do Brasil, desde a vinda dos portugueses, está impregnada pela devoção à Virgem Maria. Quando o almirante Pedro Álvares Cabral partiu para a viagem durante a qual deu no Brasil, trazia na armada duas imagens da Virgem: um quadro de Nossa Senhora da Piedade, perante o qual era celebrada diariamente a Missa, e um outro de Nossa Senhora da Esperança, que ainda é conservado no convento franciscano de Belmonte (Bahia). (BOFF, 1995, p. 12-13)

Introduzida na cultura brasileira desde os primeiros tempos da colonização, a devoção mariana adquiriu importância em nossa cultura. Foi difundida muitas vezes como uma forma de obter a salvação, uma vez que ela era vista como o caminho que levaria a Jesus, tendo sido assim difundido desde a época medieval até os tempos atuais. As características atribuídas à Nossa Senhora, como seu amor maternal, sua força, compaixão, pureza e candura, bem como seus feitos e aparições milagrosas, serviram de inspiração ao imaginário popular, dando origem a diversas lendas e histórias que procuram destacar essas virtudes.

Outra característica relevante da religião católica e da devoção mariana consiste na representação pictórica dos santos através de pinturas e esculturas, fato este bastante incentivado desde o II Concílio de Nicéia, em 787, o qual procurou legitimar o culto às imagens sagradas, evidenciando sua função catequética, fato este que seria revalidado também no Concílio Vaticano II.

Essas considerações são de extrema importância no que diz respeito à Nossa Senhora, uma vez que suas imagens, presentes nas igrejas, residências e até mesmo em lugares públicos, seriam uma forma de lembrar constantemente aos fiéis de sua misericórdia e presença constantes.

No que diz respeito a devoção especial à Nossa Senhora Aparecida, sua origem se dá em 1717, com a ocorrência de um milagre na região do Vale do Paraíba Paulista, onde três pescadores, Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves, moradores das margens do rio Paraíba, na cidade de Guaratinguetá, em São Paulo, após inúmeras tentativas sem pescar algum peixe, teriam recolhido em suas redes uma imagem quebrada de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e ao consertarem-na, unindo a cabeça, que estava separada, ao corpo da imagem, conseguiram pescar uma grande quantidade de peixes, atribuindo o acontecimento a um milagre da santa. A partir de então a santa, representada na imagem de Nossa Senhora da Conceição, passou a ser chamada de Nossa Senhora Aparecida, pelo fato de ter aparecido milagrosamente naquela região.

Desde então muitas pessoas começaram a fazer orações perante a imagem. Com o tempo, o número de pessoas que vinham fazer-lhe devoção aumentou cada vez mais. Construiu-se então um oratório e posteriormente uma pequena capela, porém, o número de frequentadores não parava de aumentar. Diante disso, em 1743, iniciou-se a construção de uma igreja mais espaçosa em devoção à santa, a qual foi concluída dois anos depois, em 1745, tendo sido celebrada sua primeira missa no dia 26 de julho.

Em 1904, a imagem de Nossa Senhora teria sido coroada, por ordem do Papa, fato este que se constituiu em uma grande solenidade, a qual foi assistida por inúmeros fiéis, além do episcopado e de um representante do presidente da República. Em 16 de julho de 1930 o Papa Pio XI, atendendo ao pedido dos católicos de todo país, proclamou Nossa Senhora Aparecida, a padroeira nacional do Brasil.

Devido à importância dessa manifestação popular e ao caráter sagrado e profano da religiosidade brasileira, esta logo foi incorporada pela música, teatro, cinema e demais meios de comunicação de massa, que passaram a representá-la, como ocorre, por exemplo, no filme “O Auto da Compadecida”, nosso objeto de estudo.

No filme “O Auto da Compadecida”, podemos observar a representação de diversas manifestações da cultura popular nordestina, a exemplo da poesia e da musicalidade do cancioneiro popular, além de outros elementos que são nele representados. Porém, a religiosidade popular, em especial a devoção à Nossa Senhora, constitui-se no elemento de maior destaque, uma vez que, além de dar nome à obra, o clímax do filme acontece com o momento do Juízo Final e a aparição de Nossa Senhora, A Compadecida, que vem interceder pelos personagens a serem julgados.

Por meio desta representação, são trazidos ao público expressões que, embora façam parte de nossa cultura, muitas vezes são marginalizadas e vistas de forma depreciativa por estarem associadas às classes populares. Partimos do pressuposto que os meios de comunicação de massa, por atingirem um grande número de pessoas, ao representarem os elementos da cultura popular, promovem uma maior visibilidade destes. Sendo assim, a representação da devoção a Nossa Senhora, no filme “O Auto da Compadecida”, é um instrumento relevante para a valorização da cultura popular nacional.

Ao interceder pelos personagens, Nossa Senhora expõe a história de cada um deles. A partir daí tomamos conhecimento de outro lado de suas histórias de vida, passando a vê-los sob outro ângulo. A aparição de Nossa Senhora consiste, portanto, numa revelação, permitindo assim um novo olhar perante o outro. Sua representação no filme “O Auto da Compadecida” é emblemática, pois, além de promover uma maior visibilidade das diversas manifestações populares presentes no filme, suscita um novo olhar sobre o povo brasileiro, um olhar repleto de compaixão. Assim constrói uma mensagem que ultrapassa as fronteiras religiosas ao transmitir valores universais de humanismo.

Comumente, os elementos da cultura popular passam por uma série de transformações aos serem adaptados pela mídia em suas diversas performances, os quais constituem-se também em processos de hibridização ao associar elementos da cultura popular à cultura midiática. Com a representação da devoção mariana no filme, podemos observar a intensidade desse processo, através da mistura entre religião e cotidiano, tradição e modernidade, local e global, sendo estas algumas das múltiplas associações e sincretismos presentes no filme.

Sendo essa representação, uma apropriação de uma manifestação popular por um meio de comunicação de massa e, portanto, um fenômeno folkcomunicacional, o presente estudo é um instrumento relevante para uma melhor compreensão dos significados que os elementos da cultura popular adquirem na contemporaneidade ao serem incorporados pela mídia.

Análise da devoção mariana no “Auto da Compadecida”

Dentro da perspectiva da Análise do Discurso, os elementos de composição cenográfica, embora sejam importantes na construção da narrativa fílmica, são indiferentes, uma vez que seu objeto de estudo é a formulação dos enunciados, bem como o contexto de produção destes. Sendo assim nos deteremos apenas na investigação das significações construídas através dos enunciados dos personagens, bem como no contexto em que estes se inserem na narrativa cinematográfica, sendo este apenas um recorte, diante das múltiplas possibilidades de interpretação deste discurso.

No filme “O Auto da Compadecida”, vemos que a devoção a Nossa Senhora, é representada de diversas formas, constituindo-se assim em um elemento essencial de sua construção narrativa. Podemos observar que ela encontra-se presente em todo o filme, sendo expressa através dos discursos dos personagens, no verso recitado por João Grilo ao invocar Nossa Senhora, no escapulário do cangaceiro Severino, nas diversas pinturas e imagens da santa, na oração da Ave Maria executada pelo cangaceiro antes de matar o padeiro e sua mulher, nas expressões linguísticas do povo, como “Vixi, Maria”, “valei-me, minha Nossa Senhora” e, sobretudo, na própria representação da santa, interpretada pela atriz Fernanda Montenegro.

O elemento central da ideologia e religião católica é a figura de Jesus Cristo. Daí a importância de Nossa Senhora como elemento religioso e político da Igreja, uma vez que ela é considerada a Mãe de Deus. Neste sentido, podemos dizer que Nossa Senhora goza de papel relevante na Igreja Católica, uma vez que através dela teria sido possibilitada a concepção de Jesus Cristo, o Redentor, estando ela, portanto, sempre associada a ele, fato este evidenciado através de sua representação no filme.

Embora a formação ideológica católica seja evidente nesta representação, podemos observar ainda a presença de outros discursos em sua composição, fenômeno este também chamado de processo interdiscursivo, como define Brandão (2004)⁠. Podemos dizer que, embora o discurso religioso constitua-se no elemento central dessa representação, outros discursos também dialogariam com ele, de modo a compor uma determinada significação.

No filme “O Auto da Compadecida”, ao abordar a questão da devoção a Nossa Senhora, podemos observar a presença de diversos outros discursos associados a essa questão, como o discurso político inerente ao próprio elemento religioso, a crítica ao sistema judiciário, aos valores da sociedade capitalista, ao racismo, a visão do nordestino como ser inferior, além de vários outros discursos que poderiam ser identificados em uma outra interpretação, uma vez que os diversos sentidos de uma enunciação não se esgotam em uma única análise.

Uma vez que todo discurso remete a uma determinada referência, podemos dizer que no filme “O Auto da Compadecida”, a representação da devoção mariana é formulada de acordo com discursos pré-existentes, formulados pela Igreja Católica e perpetuados não só pelo clero, como também pelo próprio povo, uma vez que essa manifestação religiosa encontra-se incorporada à nossa cultura e cotidiano.

Ainda no que diz respeito à diferenciação dessa representação, é preciso observar que, embora as representações comuns sobre o Nordeste revelem uma sociedade machista e patriarcal, é a figura de Nossa Senhora e, portanto, um personagem feminino, que é o elemento central da narrativa, uma vez que sua presença, além de ser constante em todo o filme, por meio de muitas referências a essa devoção, é também um elemento fundamental para o desfecho da história, já que é com a sua intercessão que ocorre a salvação dos personagens no filme.

A cena do Juízo Final, quando os personagens João Grilo, Eurico, Dora, Severino, padre João e o bispo, são julgados por Jesus Cristo, no filme, denominado Emanuel. Aqui há uma referência a trechos da bíblia, nos quais referem-se ao julgamento dos homens e a um dos nomes atribuídos a Jesus Cristo. A cena constitui-se tal como um julgamento em um tribunal judiciário e a postura dos personagens revela as relações de poder.

Neste sentido, podemos observar que os personagens que estão sendo julgados, representam claramente os réus. Jesus Cristo ou Emanuel, é o juiz, sendo responsável pela sentença do julgamento. O diabo é o promotor, uma vez que seu interesse é a condenação dos réus. E Nossa Senhora assume a função de advogada dos personagens, intercedendo por sua absolvição e remetendo assim a seu papel de intercessora e advogada dos fiéis na Igreja Católica.

A proximidade entre a divindade e os homens também é ressaltada através dessa representação, uma vez que Nossa Senhora seria a mediadora entre estes e Deus. Por ser considerada a mãe dos fiéis, ela adquire um caráter ainda mais próximo a estes, como podemos observar na cena na qual o Diabo parece conseguir a condenação de João Grilo:

João Grilo: Ah! Você pensa que eu me entreguei? Pode ser que eu vá, mas não é assim não! Eu vou apelar! // Padre João: Pra quem, João? Você mesmo ouviu Nosso Senhor dizer que a situação está difícil… // Emanuel: Espere! Com quem você vai se pegar, João?

João Grilo: Eu vou pedir pra alguém que está mais perto de nós. Por gente que é gente mesmo. // Emanuel: É algum santo? // João Grilo: O senhor não repare não, mas de besta eu só tenho a cara. Meu trunfo é maior que qualquer santo! // Emanuel: Quem é? // João Grilo: Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, Agora sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré!

No trecho acima transcrito, podemos observar a referência a diversos dogmas da Igreja católica e da devoção mariana, sendo o mais expressivo deles, a condição de Nossa Senhora como intercessora dos fiéis, sendo assim, a esperança de salvação dos homens. Fato este evidenciado na fala de João Grilo, ao dizer que ainda não havia se entregado e que apelaria. Além disso, no enunciado em que João Grilo diz que seu “trunfo é maior do que qualquer santo”, remete-se ainda a questão da hiperdulia, ou seja, a devoção a Nossa Senhora como uma espécie de veneração superior à dos demais santos.

No enunciado no qual João Grilo diz que vai apelar para “alguém que está mais perto”, revela-se a proximidade entre Nossa Senhora e os homens, uma vez que esta, embora seja santa, seria humana como todos eles, conhecendo assim, as situações que eles vivenciam. Embora haja uma grande proximidade entre o caráter sagrado e profano na religiosidade popular, evidenciado através das relações dos homens com os seres divinos em todo seu cotidiano, desde as orações, até as suas expressões linguísticas, podemos observar que essa proximidade é ainda maior no que diz respeito à figura de Nossa Senhora. Neste sentido, podemos dizer que ela representa uma espécie de conjunção entre Deus e os homens, aproximando-os, fato este que remete ainda ao dogma católico de Nossa Senhora como mediadora entre Deus e a humanidade.

Essa proximidade é evidenciada nas falas de João Grilo, ao invocá-la através da recitação de um verso de autoria do poeta popular nordestino, Canário Pardo. Além de ser uma representação da devoção popular a Nossa Senhora, evidencia-se também a proximidade existente entre o divino e o homem na cultura e religiosidade nordestina.

A aparição de Nossa Senhora se dá por meio da invocação de João Grilo e a partir daí, ela surge vestida com um manto azul bordado com detalhes dourados, fator este comumente associado ao esplendor divino, uma roupa vermelha ricamente ornamentada e uma coroa em formato de estrela, sendo essa uma representação semelhante às diversas pinturas e imagens da santa presentes no filme, como a do escapulário de Severino e da parte externa da igreja.

Devido ao fato do cinema possuir um ritmo mais acelerado do que o teatro, meio da obra original, algumas falas dos personagens foram suprimidas ou picotadas por serem longas quando utilizadas no cinema. Diante disso, percebemos um ajuste da linguagem ao meio, para que o público pudesse melhor compreendê-la. No entanto, também percebemos que o filme tentou manter a essência da obra, seguindo o estilo original de Suassuna, no qual a devoção mariana, o caráter teatral, a simplicidade nordestina e a influência medieval são elementos fortes e constantes.

Podemos dizer que essas modificações ocorreram, não com o intuito de se construir uma representação inteiramente nova, modificando-se totalmente o conteúdo da obra original, mas de modo a permitir uma melhor assimilação e fruição do público perante o produto audiovisual, uma vez que além de uma boa história, é preciso também uma boa construção narrativa, para que ela seja plenamente compreendida pelo público. Neste sentido, para promover uma melhor contextualização e compreensão da narrativa fílmica, buscaram utilizar em sua composição, elementos religiosos referentes à devoção mariana mescladas com elementos do folclore e do cotidiano popular nordestino, além da utilização de uma linguagem fortemente teatral, baseada no humor e na ironia.

No filme “O Auto da Compadecida”, podemos observar a representação de Nossa Senhora como o arquétipo da figura maternal, a mãe que está próxima dos seus filhos, sempre zelando por eles e os protegendo. Vemos ainda a representação da mãe madura e compreensiva, que jamais os desampara, fato este evidenciado através de sua intercessão e de seu caráter compassivo e misericordioso. Além disso, por meio da figura de Nossa Senhora, também podemos observar a representação da esperança do povo e da fé em sua constante intercessão. Vemos assim representada a mãe de todos os homens e advogada dos fiéis, papel este que se legitima ao interceder pelos personagens, evitando assim que eles sejam condenados. Também podemos observar a legitimação de qualidades universalmente atribuídas a essa manifestação religiosa, tão presente na vida do povo brasileiro. Neste sentido, por meio de sua representação, procurou-se valorizar não só o caráter popular da manifestação, e seu valor enquanto elemento cultural e religioso, como também os valores verdadeiramente humanísticos nela representados, os quais transcendem quaisquer barreiras regionais ou religiosas.

A intercessão de Nossa Senhora no filme “O Auto da Compadecida”, procura afirmar a positividade diante da vida, a qual pode ser observada ao se transpor as barreiras da morte, pela ressurreição de João Grilo, como também por meio da exposição do melhor lado do ser humano, evidenciado pelas novas atitudes dos personagens, dotadas de valores de compaixão e misericórdia. Ressalta-se ainda a importância da fé como um elemento fundamental na vida do homem, uma vez que a partir dela ocorreria sua salvação, fato este não só transmitido, como também reforçado pela representação de Nossa Senhora no filme.

Também podemos dizer que com a absolvição dos personagens e a segunda chance dada a João Grilo, representa-se assim a vitória do bem sobre o mal, uma vez que com a intercessão de Nossa Senhora, os personagens teriam sido perdoados de seus pecados e livres das garras do diabo.

O diabo é um elemento do imaginário coletivo estando presente em diversas narrativas da cultura popular, como as lendas, os mitos e até mesmo as narrativas religiosas, sendo visto frequentemente como um símbolo do pecado e tendo como características a dissimulação, a mentira, a maldade e a associação a diversas atitudes condenadas pela Igreja e pela sociedade. Comumente ele expressa a oposição ao bem. Neste sentido, em toda narrativa na qual ele se insere, por antagonismo acaba-se por reforçar as qualidades do objeto ao qual ele se opõe.

Nesse contexto, ao opor-se a Nossa Senhora, na cena do Juízo Final, ele acaba por evidenciar as qualidades da Virgem Maria, como compaixão, bondade, misericórdia, esperança e salvação. Expressando ainda a superioridade e vitória do bem sobre o mal, uma vez que com a salvação dos personagens, ele seria derrotado por Nossa Senhora, reforçando-se assim o valor dessa manifestação religiosa.

Considerações Finais

Com a análise da representação da devoção mariana no filme “O Auto da Compadecida”, observamos a referência a diversos dogmas da Igreja Católica incorporados ao nosso cotidiano, a exemplo do papel de Nossa Senhora como intercessora dos fiéis, seu caráter maternal, sua mediação entre Deus e os homens, sua constante ligação com Jesus Cristo, além de diversas questões referentes a essa devoção, como a hiperdulia e a visão de Nossa Senhora como a esperança de salvação dos fiéis.

Com este trabalho, mostramos que a cultura popular e a cultura de massa, podem relacionar-se harmoniosamente, por meio da associação de uma com a outra, de modo a complementarem-se, contribuindo assim, tanto para valorização dos elementos da cultura popular, ao inseri-los em um contexto mais abrangente, como também dos produtos veiculados pela mídia, uma vez que os elementos por ela apropriados são ricos em valores simbólicos e culturais, possuindo um grande apelo junto ao público.

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Notas

3 O termo “hiperdulia” consiste em uma forma de veneração maior que a devoção aos santos, porém inferior à adoração, uma vez que esta é prestada somente a Deus.
4 O termo “latria” é o maior nível de adoração, podendo ser prestado unicamente a Deus.
5 O termo “dulia” é a simples honra ou respeito a alguém, portanto, inferior a adoração.
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