Artigos e ensaios
A Queijadinha de Dona Marieta em São Cristóvão/SE no Contexto do Folkturismo como Estratégia para o Desenvolvimento Local
The Queijadinha by Dona Marieta in São Cristóvão/SE in the Context of Folkturismo as a Strategy for Local Development
A Queijadinha de Dona Marieta em São Cristóvão/SE no Contexto do Folkturismo como Estratégia para o Desenvolvimento Local
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 36, pp. 251-268, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 06/10/2017
Aprovação: 09/03/2018
Resumo: A relação estreita entre mídia, turismo e cultura popular expandiu o olhar dos discípulos de Luiz Beltrão, que a partir da Folkcomunicação, teoria genuinamente brasileira, observaram a apropriação dos bens culturais como atrações turística através de meios de informação e da comunicação. Elementos da produção local como manifestações culturais, religiosas e gastronômicas, por exemplo, passam a se tornar produtos vendáveis que impactam principalmente na economia da região. Dessa forma, esta pesquisa tem por base apontar a Queijada de Dona Marieta como elemento folkturistico na cidade de São Cristóvão, como estratégia para o desenvolvimento local. A contribuição deste debate consiste em fortalecer o reconhecimento da teoria beltraniana, bem como expandir os olhares dos discípulos de Luiz Beltrão.
Palavras-chave: Folkturismo, Queijadinha, São Cristóvão, Turismo.
Abstract: The close relationship between media, tourism and popular culture expanded the view of Luiz Beltrão's disciples, who from Folkcommunication, a genuinely Brazilian theory, observed the appropriation of cultural assets as tourist attractions through means of information and communication. Elements of local production as cultural, religious and gastronomic manifestations start to become salable products that impact mainly on the economy of the region. Thus, this research is based on pointing out the Queijada de Dona Marieta as a folkturistico element in the city of São Cristóvão, as a strategy for local development. The contribution of this debate is to strengthen the recognition of the Beltranian theory, as well as to expand the eyes of the disciples of Luiz Beltrão.
Keywords: Folkturismo, Queijadinha, São Cristóvão, Tourism.
Introdução
A cidade de São Cristóvão, quarta cidade mais antiga do Brasil estabelece-se como cidade histórica pois mantém viva sua história caracterizada pela arquitetura ibérica e ricas tradições, acumuladas ao longo das lutas e batalhas, as quais deram a Portugal domínio massivo pelo seu território.
Resquícios dos seus colonizadores permeiam em São Cristóvão na contemporaneidade, uma herança que pode ser percebida principalmente pela gastronomia local, que apresenta um belo espetáculo de gostos, cheiros e cores, atraindo sergipanos e turistas dos mais diversos lugares.
Dentre os traços históricos de São Cristóvão, destaca-se a queijada, ou queijadinha, um doce típico de Portugal, que foi reformulado durante o processo de colonização devido a falta do queijo. Diante disso, esse doce foi inserido como patrimônio imaterial da cidade sergipana e hoje é uma atração turística.
Assim como as manifestações culturais, Schlüter (2003) destaca que a gastronomia foi incorporada como patrimônio histórico pela dimensão social e cultural, possibilitando assim que a mesma ganhasse importância na atração turística. Dessa forma, destaca-se o papel econômico do turismo que tem dado oportunidade a cultura popular, se apropriando e incorporando-as em seus roteiros atrativos.
Considerando esses apontamentos, entende-se que manifestações como a queijada ainda são reproduzidas por boa parte dos seus praticantes, e na sociedade contemporânea sofrem mudanças através do tempo, dando conta de ressignificações que é comum em qualquer prática cultural. Essa foi a observação inicial de Luiz Beltrão (1918-1986), que possibilitou que nascesse a teoria da Folkcomunicação, trabalhada pela primeira vez na década de 60 e que tem por objetivo, estudar a comunicação dentro das comunidades populares, envolvendo manifestações como grupos, danças, folhetos, artesanato, culinária e religiosidades populares.
A partir dessa teoria, novos pesquisadores abrangeram as pesquisas relacionadas a cultura popular e criaram uma nova abordagem denominada de Folkturismo, na qual observa-se a busca da prática turística em dar visibilidade a cultura popular, principalmente através de ferramentas da comunicação e da informação com aspectos culturais e comerciais. Dessa forma, o presente trabalho busca através de um estudo de caso, apontar a Queijadinha de Dona Marieta como elemento Folkturístico na cidade de São Cristóvão, buscando também mostrar como a iguaria contribui para o desenvolvimento local.
A contribuição deste debate tem por obrigação ressaltar a importância dessa iguaria na cidade história sergipana, assim como colaborar para o reconhecimento da teoria beltraniana e expandir os olhares dos discípulos de Luiz Beltrão.
Turismo, mídia e cultura popular
A partir dos pressupostos de Bosi (1992), Gastal (2000) apresenta cultura como prática que simboliza o que já foi vivido no passado, tornando-se conhecimento acumulado. Assim, apresentando uma noção do fazer, as atividades já praticadas um dia, seja na forma do conhecimento adquirido por viver no campo, no domínio da natureza, ou criação do computador e da pizza, a sociedade evoluiu em diferentes momentos e níveis de conhecimento. Dessa forma, a palavra cultura passa a indicar esses processos de produção, tornando-se “[...] sinônimo de erudição – e, de preferência, de acúmulo do saber produzido nos centros hegemônicos europeus” (GASTAL, 2000, p. 118).
É nessa perspectiva que Lucena Filho (2003, p.111), esclarece que cultura consiste no ato de "comunicar o jeito de ser de uma comunidade, estabelecendo ligações com a história que a originou, expressos no seu mosaico cultural formado pelas danças, crenças, leitura, poesia, músicas, linguagens, gastronomia, produção artística e folclore", e conforme Gastal (2000), integram-se como componentes essenciais do objeto de trabalho dos profissionais de turismo. Assim sendo, o produto só faz parte de um processo cultural se ele tiver público e o turismo tem forte participação na produção da cultura pois, um fato só pode se tornar cultural quando ele puder ser visto, proporcione reflexão e influencie a outras produções.
Quando este fato não se dá espontaneamente, no complexo mundo em que vivemos, é necessária a ação do produtor cultural, que irá organizar os meios para que o teatro, a dança, a literatura e as diferentes manifestações visuais aconteçam e cheguem ao público (GASTAL, 2000, p. 127).
Infere-se então, que a cultura se configura como processo de síntese de saberes de uma determinada comunidade que gera produtos com profunda carga simbólica que poderá ser transmitido ao turista e como processo de conhecimento acumulado, se estabelece a partir das tradições que são processadas e transmitidas na contemporaneidade que de certa forma torna cada comunicada única. Sendo assim, “passará a ser veículo de socialização entre visitantes e visitados, quando ela for um processo vivo de um fazer de uma determinada comunidade” (GASTAL, 2000, p. 127).
Dentro desse contexto, a releitura da Carta do Folclore Brasileiro de 1995³, nos lembra que a relação entre turismo e cultura é íntima e destaca sua importância em manter as manifestações e seus agentes vivos e ativos.
Reconhece-se que a relação folclore e turismo é uma realidade. O turismo pode atuar como divulgador do folclore e como fonte de recursos para o crescimento da economia local, o que pode significar melhoria da qualidade de vida das camadas populares. Esta relação, porém, precisa ser avaliada no sentido de resguardar os agentes da cultura popular das pressões econômicas e políticas. (COMISSÃO NACIONAL DE FOLCLORE, 1995, p. 4)
A partir disso, Oliveira (2003), explica que o fluxo de viagens passa a significar deslocamentos por lazer logo depois da Segunda Guerra Mundial. Somente no final da década de 70 e início da 80 que o turismo aumenta e aparece no centro das atenções das pessoas, prática que se relaciona a influência dos meios de comunicação. Dessa forma, o turismo passa a se preocupar com vendas de serviços prestados por várias empresas interligando o mundo inteiro por meio das suas atividades profissionais.
A informação, produzida em massa, chega a todos, vinda de todas as partes do planeta. As pessoas são motivadas ao consumo através do rádio, da televisão, dos jornais, das revistas e, para uma parcela da população dita globalizada, hoje, via Internet (OLIVEIRA, 2003, p. 22).
Portanto, como bem declara Lucena Filho (2003) a cultura popular, construída pela participação e pelo contato, muitas vezes se torna mercadoria sem perder sua capacidade criativa e seu cheiro de gente, processo definido como folkturismo. Perceber a cultura através da apropriação dos meios de comunicação, inclusive nas práticas turísticas, foi uma das observações que surgiram a partir do olhar de Luiz Beltrão (1918-1967), que enquanto pesquisador, notou que a cultura não somente representava costumes de um povo, mas também poderia atuar como mídia, como meio de comunicação dos indivíduos, constituindo assim um processo por ele denominado de Folkcomunicação.
Para Beltrão, Folkcomunicação é, portanto, “o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore” (BELTRÃO, 2001, p. 61). Inicialmente essa teoria limitava-se em enxergar como os protagonistas da cultura popular se apropriavam das informações midiáticas, bem como das tecnologias, para recriar seus produtos e expressões. Porém, segundo as contribuições de Marques de Melo (2008), alguns protocolos de pesquisas foram construídos com a finalidade de melhorar e renovar o arsenal metodológico da disciplina.
Os discípulos de Luiz Beltrão ampliaram o seu raio de observação dos fenômenos folkcomunicacionais, não se limitando a analisar os fenômenos da recodificação popular de mensagens da cultura massiva, mas também rastrando os processos inversos, ou seja, pesquisando a apropriação de bens da cultura popular pela indústria cultural (tanto em meios de comunicação coletiva quanto os aparatos do lazer massivo, principalmente o turismo) (MELO, 2008, p. 24).
Desse modo, o folkturismo configura-se como uma nova abrangência da folkcomunicação e como destaca Melo (2008), o pensamento de Luiz Beltrão conseguiu atravessar fronteiras alcançando visibilidade em todo território nacional, conquistando novos seguidores e discípulos que seguem sua mesma trilha aprofundando e atualizando os postulados da folkcomunicação.
São Cristóvão e a queijadinha de dona Marieta
As margens do rio Paramopama, afluente do Vaza-Barris, encontra-se São Cristóvão, cidade de aproximadamente 88.118 habitantes segundo dados estimados do IBGE⁴ e está localizada a 26 km da capital Aracaju. Conhecida como cidade histórica de Sergipe foi a primeira capital do estado e possui uma realidade peculiar a outras cidades históricas como história, arquitetura, cultura, religião e arte e é a quarta cidade mais antiga do Brasil.
São Cristóvão hoje reflete um processo de construção tardio e cheio de lutas e conquistas. Sua arquitetura, possui traços das cidades ibéricas que participaram do seu processo de colonização. Hoje como cidade histórica está entre os sítios urbanos tombados⁵ do Brasil. Silva (2004) aponta uma forte presença do cenário europeu nas cidades do interior, e algumas características originadas de colônias de imigrantes.
Através do Decreto Lei Nº 94, de 22 de junho de 1938, São Cristóvão foi elevada à categoria de Monumento Histórico e, mesmo que Portugal tenha passado mais de trinta anos para implementar sua política, ainda assim foi responsável pela colonização em maior parte do Brasil, deixando grandes heranças culturais, principalmente a hibridização cultural de três culturas diferentes: a ameríndia, a africana e a europeia.
Atualmente, a cidade sergipana concentra um espaço de grandes riquezas originais buscando sempre manter suas expressões através da cultura local, que aborda as manifestações culturais e religiosas, bem como a culinária portuguesa uma das suas grandes influências, afinal se constitui como nação amplamente rica em doces e ”é um documentário etnográfico tão amplo, preciso e claro como uma exposição de Arte Popular, numa galeria sedutora e autêntica de todas as obras de artesanato nacional” (CASCUDO, 2014, p. 303).
Achegada dos negros trazidos da África não se resumiu a extração de cana-de-açúcar. Muito embora exista uma rica diversidade de ingredientes, observa-se que na sociedade brasileira como um todo, Portugal provocou maior domínio na culinária, afinal foram as mulheres portuguesas que ensinaram às negras mucamas a cozinhar na casa-grande. Assim, a culinária foi um traço de grande importância que referencia a cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro, uma solução sul-americana que possibilitou a associação da escravaria a família do colonizador (FREYRE, 2007).
Assim, a presença da figura da escrava na cozinha portuguesa, associa-se também a identidade feminina da época, em cuidar dos serviços domésticos e da alimentação. Em relação a isso, Freyre (2007, p. 193) explica que:
Dentro da extrema especialização de escravos no serviço doméstico das casas-grandes, reservaram-se sempre dois, às vezes três indivíduos, aos trabalhos de cozinha. De ordinário, grandes pretalhonas; às vezes negras incapazes de serviço bruto, mas sem rivais no preparo de quitutes e doces. [...] Foram estes os grandes mestres da cozinha colonial; continuavam a ser os da moderna cozinha brasileira. Inclusive da doçaria. (FREYRE, 2007, p. 193).
Observa-se então, que a culinária se tornou um importante fator cultural, afinal a alimentação de um povo reflete nos seus modos de viver. Todas as regiões brasileiras possuem suas peculiaridades gastronômicas e conforme afirma Freyre (2007), o Nordeste canavieiro é a região mais rica em doces e bolos. Em São Cristóvão especificamente, os traços híbridos na culinária hoje ganham destaque e atualmente, fazem parte da sua riqueza cultural e um dos principais doces que está inserido nesse contexto histórico é a queijada, ou queijadinha como muitos conhecem.
A arte de fazer queijadas é quase tão antiga quanto a cidade de São Cristóvão. Denominada assim porque originalmente era feita com queijo, ingrediente de difícil acesso na época, mas que acabou sendo substituído pelo coco, elemento abundante no litoral do Nordeste do Brasil. Foram trazidas pelos portugueses no início da colonização de São Cristóvão e é considerado uma herança dos escravos da cidade porque foram eles os responsáveis pela modificação.
Cascudo (2014) explica que a alimentação brasileira reúne elementos indígenas e portugueses, tornados africanos, inclusive os pratos vindos da África foram reelaborados no Brasil com os elementos locais e que na alimentação portuguesa não foi diferente. A mucama cozinheira aproveitou os elementos próximos e adicionou novos componentes, alguns deles vindos da África. Cascudo (2014, p. 594), menciona que o coco era pouco presente nas receitas portuguesas: “Na África, o português é consumidor parcimonioso do coco e sua doçaria nacional não lhe é muito acolhedora. No Doces portugueses, excelente caderno de receitas essenciais, compendiadas por Maria do Minho (430), o coco figura sete vezes em 130 fórmulas”.
Diversas figuras muito importantes estiveram à frente da produção de queijadas em São Cristóvão. Aglaé Fontes, em entrevista, lembra de importante contribuição de Dona Geninha, que faleceu aos 94 anos, e desses, 75 foram de pura dedicação a tradição da queijada. “Magra, baixa, negra, de uma gentileza fora do comum, que dava prazer só de agente ir lá para comprar queijada pela educação e pela finura dela”⁶


Hoje, a tradição é perpetuada por Dona Marieta Santos, descendente de negros, 74 anos, bisneta de uma escrava que foi trazida para São Cristóvão no período da escravidão. Segundo ela, sua bisavó, escrava trazida da África, viveu em São Cristóvão durante o período de colonização fez parte da cozinha e se tornou mestre nessa tradição. Nesse contexto, Cascudo (2014) atesta a forte presença de escravas na cozinha portuguesa, uma ocupação natural e própria, como já foi pontuado aqui. Inclusive, a negra na culinária brasileira se tornou importante, uma vez que segundo Freyre (2007), há comidas que só são saborosas, se forem feitas por mãos negras.
Considerada uma das principais referências⁷ na produção de queijadinhas, Dona Marieta perpetua a tradição desde os cinco anos de idade e adulta criou os irmãos em uma casinha de palha na beira da Maré, área que concentra grande pobreza de São Cristóvão. Destaca-se, então, o fato folclórico como espontâneo, uma vez que segundo Benjamin (2007) fatos e manifestações folclóricas nascem na comunidade a partir da criação do povo relacionados a suas tradições, e inclusive com elementos de outras culturas a depender da aceitação coletiva⁸.
A continuação da prática a partir da herança das suas descendentes, construiu a tradição da queijadinha em São Cristóvão. Cascudo (2014), explica que naquela época era muito comum as mulheres fazerem seus bolos e doces e ensinar a técnica para as filhas e as netas para estas, continuarem a perpetuar a tradição. Contudo, essa técnica era mantida em segredo e não desvendavam para as sinhás brancas, como menciona Freyre (2007, p. 191).
As negras de tabuleiro e de Quintanda como que guardam maçonicamente segredos que não transmitem às sinhás brancas do mesmo modo que, entre as casas ilustres, umas famílias vêm escondendo das outras receitas de velhos bolos e doces que se conservam durante anos especialidade ou segredo ou singularidade de família. Daí o fato que sucederam gerações de quituteiras quase como gerações de artistas da idade Média: donas de segredos que não transmitem aos estranhos. (FREYRE, 2007, p. 191).
Portando, a doceria é um elemento cultural muito forte, constituindo-se um dos símbolos identitários da população de são Cristóvão. Pensando nisso, há mais de uma década Dona Marieta mudou-se para outro espaço que fica localizado na parte alta de São Cristóvão, que possibilitasse assim maior visibilidade através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e que consequentemente possibilitou que o doce ganhasse mais destaque e ser ainda mais requisitado. Além disso, agora turistas e visitantes podem ver de perto a produção de queijadas, em uma ampla cozinha composta por elementos de grande importância, como o forno de barro a lenha por exemplo, Dona Marieta mantém a tradição.


Em determinadas épocas, uma parte das queijadas é entregue para alguns dos filhos ou netos de dona Marieta venderem em alguns pontos estratégicos de São Cristóvão, como por exemplo na Universidade Federal de Sergipe, localizada próximo a capital sergipana. E além das vendas em sua residência, a queijadinha é comprada por uma padaria de Aracaju, na qual é revendida por um preço mais alto.
Metodologia
Como este trabalho tem por finalidade analisar a queijadinha de Dona Marieta dentro do contexto do Folkturismo e do desenvolvimento local, essa pesquisa preocupa-se com o método qualitativo na qual "torna-se possível descrever com precisão fenômenos tais como atitudes, valores e representações e ideologias contidas nos textos analisados" (GIL, 2002, p. 90).
Inicialmente, preocupa-se com um estudo bibliográfico, que segundo Gil (2008) possibilita ao investigador saber mais sobre o assunto através de materiais que abordam o assunto estudado e que já forma elaborados por outros autores, como por exemplo, livros, artigos, monografias, entre outros. Contudo, considerando que o objeto de estudo desta pesquisa ainda não tem grande referencial teórico, torna-se essencial coletar dados a partir de entrevistas. Para Gil (2008), a entrevista significa uma técnica que o investigador prepara perguntas que possam lhe garantir a obtenção de informações necessárias para uma investigação.
Portanto, foram entrevistadas a Dona Marieta Santos, doceira e comerciante das queijadinhas e sua filha Marta Angélica Santos que atualmente acompanha na produção do doce com a intensão de conhecer o cotidiano da Casa da Queijada. Foram entrevistados também, o professor Denio Santos Azevedo, doutor em sociologia e a professora Aglaé D'ávila Fontes, pesquisadora do folclore e da cultura popular. Além deles, foi necessário manter conversas informais com turistas e pessoas que já presenciaram a produção e a venda das queijadas de Dona Marieta para assim, observar e entender o turismo a partir da perspectiva dos apreciadores. Todas as informações foram coletadas entre os meses de agosto e novembro de 2017.
Com base nas informações expostas, busca-se então fazer um estudo de caso que por sua vez pretende posicionar o pesquisador em um “[...] estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos já considerados" (GIL, 2002, p. 54).
A queijadinha a partir do Folkturismo como estratégia para o desenvolvimento de São Cristóvão
Inicialmente, é importante trazer para esta análise a importância de São Cristóvão enquanto cidade histórica, já que esse fator é de grande valia para dar destaque a suas manifestações culturais para só depois, elencar alguns pontos específicos que retratam o doce como elemento turístico da cidade sergipana a partir do ponto de vista do Folkturismo.
Como aponta Silva (2004), há duas configurações distintas nas cidades históricas brasileiras. Na primeira, compreendem as capitais de estado e grandes centros urbanos que possuem mais de quinhentos mil habitantes. Na segunda, se destacam as pequenas cidades denominadas de turísticas que raramente ultrapassam os cinquenta mil habitantes.
Diante dessas configurações, conclui-se que São Cristóvão se configura como uma cidade histórica pequena, que possui uma imagem que se caracteriza pelo regionalismo e as tradições culturais. Assim, entende-se que as manifestações populares acabam sendo sua principal atração turística, principalmente nas épocas de festas e comemorações religiosas, atraindo turistas interessados na cultura popular. Destaca-se a festa religiosa do Senhor dos Passos9 que atrai diversos devotos do estado e de muitos lugares do Brasil. Nesses eventos, a queijada acaba sendo muito requisitada pelos visitantes e conseguindo um alto índice de vendas. Logo, o turismo se configura como ponto chave dentre os aspectos de maior importância na economia de São Cristóvão. Barreto (2005, p. 113) destaca que,
Desde os anos 60, que as cidades nordestinas, todas elas, se lançam em investimentos para dotarem as suas praias de hotéis, restaurantes, bares, equipamentos artísticos e facilidades para atração dos turistas. Para tanto, os grupos são arrancados de seus habitats, deixam as suas obrigações, e são levados como exemplares exóticos que a terra do Nordeste guarda, apesar do tempo e do progresso. (BARRETO, 2005, p. 113).
Lucena Filho (2003) a partir do pensamento de Benjamin (2000), explica que a cultura popular se constitui como atração turística motivando despertar o interesse das pessoas em conhecer determinado lugar. E o folclore se torna um dos fatores que dão as suas regiões um tom de exotismo, diferente e especial. Dessa forma, a mercantilização a partir do turismo reforça aos indivíduos a interagir com outras paisagens e culturas do inusitado. Cria-se então, a necessidade de gerar atenção aos espetáculos, possibilitando que as cidades se planejem e organizem suas estratégias junto as empresas de turismo em busca de desenvolvimento, visto que, a atividade do turismo determina um esforço de concepção, adaptação e construção de novos espaços (SILVA, 2004).
A queijadinha de Dona Marieta, por ser histórica, é um dos pontos principais de São Cristóvão e é muito divulgada seja pela Prefeitura da cidade ou pelos meios de comunicação locais e até nacionais. Nessa perspectiva, visando o turismo e o desenvolvimento local, as cidades históricas fazem das mídias seus principais instrumentos de comunicação, como é o caso da série de vídeos institucionais que a prefeitura de São Cristóvão preparou para divulgar as belezas da cidade, através da rede social Facebook10. Assim, as ferramentas como redes sociais se tornam um os principais meios para dar visibilidade a cultura popular. Gadini (2007, p. 54) aponta que
[...] o fortalecimento da modernidade acelerou a produção/circulação e consumo de bens, serviços ou produtos culturais. E esse processo está diretamente associado aos crescentes fenômenos de urbanização, derivado em especificidades típicas de expressões ou manifestações de uma cultura ‘urbana’. Algumas transformações sociais, registradas com mais ênfase a partir de final dos anos 1980, forjaram situações com impacto no campo cultural. (GADINI, 2007, p. 54).
Maciel (2011) fortalece a ideia da mediação da cultura na mídia quando diz que:
Com o crescimento do poder aquisitivo das classes mais baixas, essa categoria de produto e serviço tem ampliado seu target às classes menos favorecidas. De televisão e quadros apresentados em canal de TV aberta são apresentados, trazendo consigo uma maior divulgação e valorização da cultura (MACIEL, 2011).
Dessa forma, a mídia é a mediadora entre o turismo e a cultura popular, e de acordo com Barretto (2007) o turismo cultural se refere a comercialização da cultura, mas transforma o patrimônio em mercadoria. Assim, de certa forma obriga que cada lugar desenvolva seus produtos culturais influenciando a competitividade e consequentemente levando a inventar tradições e identidades. Como consequência, o patrimônio deixa de ter valor como legado cultural e passa a ter um significado comercial.
Pensando nisso, Sigrist (2007) esclarece que o folclore é um dos elementos que possuem grande potencialidade cultural e atende a diversos fluxos turísticos, porém nem todas as manifestações são visibilizadas.
É dessa forma que a mídia funciona no Brasil, vez por outra aproveitando-se de um ou outro fato folclórico, sem qualquer compromisso didático, retirado do contexto vivencial de sua identidade, como se mais nada existisse ou devesse ser levado ao conhecimento do público. É uma relação desigual, desfavorecendo tudo aquilo que vem do povo, ou nele está mantido, como bem próprio,ou mesmo que seja emprestado, o qual já poderia requerer o "Usocapião",para legitimar séculos e mais séculos de depositário fiel, fidelíssimo, da cultura da humanidade (BARRETO, 2005, p. 113).
Como bem declara Trigueiro (2005) manifestações como festas, danças e culinária, por exemplo, não mais pertencem apenas aos seus protagonistas. “As culturas tradicionais no mundo globalizado são também do interesse dos grupos midiáticos, de turismo, de entretenimento, das empresas de bebidas, de comidas e de tantas outras organizações socais, culturais e econômicas" (Trigueiro, 2005).
Contudo, a partir do ponto de vista do folkturismo, o turismo é apontado como efeito para o fortalecimento das manifestações artísticas e esse processo possibilita que as manifestações populares possam ser vistas. Para isso,
cabe aos gestores de turismo nessas regiões desenvolverem, em parceria com os poderes públicos e a comunidade em especial, estratégias práticas fundamentadas na realidade local gerando um desenvolvimento em equilíbrio com o ambiente em sua totalidade (LUCENA FILHO, 2003, p. 113).
Considerada uma tradição de São Cristóvão, perpetuada por Dona Marieta e suas ancestrais a mais de duzentos anos, a queijada possui grande valia para a cidade, afinal seu histórico remete a colonização portuguesa, que destaca os traços típicos da região e torna-se um dos principais pontos de atração turística, já que “a culinária típica da região visitada é parte irrecusável dos produtos consumidos, cujos ingredientes e modos de preparo têm histórias para serem contadas desde suas origens" (SIGRIST, 2007, p. 87).
Schlüter (2003) explica que a gastronomia ganha mais importância, promove um destino e atrai turistas depois do uso turístico do patrimônio. Para que esses elementos sejam considerados patrimônio, devem ser reconhecidos e percebidos como tal por agente social e assim, conseguir adesões. Porém, apesar de haver elementos de significado escasso para determinada comunidade, o consumo do turista pode ser relevante e, portanto, esse reconhecimento já é válido para torna-lo patrimônio.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), esclarece que os bens culturais considerados imaterial, integram aquelas práticas da vida social que representam saberes, ofícios e modos de fazer, as manifestações como celebrações, formas de expressões cênicas, musicais, plásticas ou lúdicas e lugares que abrigam práticas culturais coletivas como mercados, feiras e santuários. Dessa forma, a queijadinha de São Cristóvão foi inserida como patrimônio imaterial da cidade.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), patrimônio imaterial significa
as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. (CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR, on-line)
Uma das principais ações promovidas pelo próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi a mudança do local de vendas da Queijada. Dona Marieta foi realocada para um espaço localizado na Praça da Matriz, um dos pontos centrais de São Cristóvão. Estratégia que teve como intuito, dar mais visibilidade e aproximar a queijadinha aos visitantes, já que a praça da matriz é próxima dos principais pontos turísticos de São Cristóvão. Nesse ponto de vista, Lucena Filho (2003, p. 115-116) explica que essas estratégias “possuem importância significativa no complexo caminho da busca e da divulgação das manifestações culturais, populares que integram o rico mosaico cultural nordestino”.


São estas formas que, em um sentido amplo a queijadinha identifica-se como um doce típico de São Cristóvão, e uma das principais ferramentas de atratividade utilizada pelo turismo. Assim, se faz necessário perceber que esse doce por estar inserida em um contexto histórico, pode ser identificada como um componente cultural que agrega valores a cultura de São Cristóvão.
Considerações finais
Através de um estudo inicial acerca da teoria da folkcomunicação, o presente artigo propôs apontar a Queijada de Dona Marieta, como elemento folkturistico na cidade de São Cristóvão, como estratégia para o desenvolvimento local. Incialmente é importante destacar que esse doce é típico de Portugal e foi reformulado pelos negros na época da colonização da cidade sergipana. Percebe-se que o saber foi mantido, e o fazer continua da mesma forma, já que a produtora continua utilizando os mesmos métodos herdados pelos seus antepassados.
A partir disso, verificou-se que as influências significativas dos seus colonizadores possibilitaram que a queijada se tornasse um meio de trabalho, o qual permitiu que muitos dos seus produtores, principalmente os negros quando foram libertos da escravidão, introduzissem essa prática como forma de sustento. Destaca-se então a queijada como um dos elementos que intensificam desenvolvimento de São Cristóvão e é um dos fatores para divulgar a cidade e a sua cultura.
Portanto, quando Gastal (2000) aponta cultura como conhecimento acumulado, é importante destacar que a culinária em si se tornou uma das principais fontes de atração turística, e que através do folkturismo, ganha visibilidade que consequentemente estimula aos seus praticantes a dar continuidade as manifestações culturais, afinal Dona Marieta, a mais tradicional doceira de São Cristóvão, continua perpetuando a tradição.
Diante disso, o turismo enquanto prática que busca a comercialização da cultura inserido na visão da folkcomunicação pode trazer para São Cristóvão alguns benefícios significativos, como por exemplo, a difusão das manifestações e da culinária local. É preciso esclarecer também que a relação desses dois elementos precisa, antes de mais nada, servir para preservar as manifestações e incluí-las em projetos de políticas públicas voltadas para o turismo e o desenvolvimento local.
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Notas