Dossiê

Teoria e prática da pedagogia do jornalismo de Luiz Beltrão¹

Theory and practice of the journalism pedagogy of Luiz Beltrão

Eduardo Amaral Gurgel
Universidade Paulista – UNIP, Brasil

Teoria e prática da pedagogia do jornalismo de Luiz Beltrão¹

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 37, pp. 139-160, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 13/10/2018

Aprovação: 25/10/2018

Resumo: O artigo descreve e analisa a trajetória de Luiz Beltrão como um dos pioneiros do ensino do jornalismo no Brasil, pesquisando sua metodologia didático-pedagógica. O objetivo é revelar e caracterizar a constituição da pedagogia da comunicação de Luiz Beltrão voltada para o ensino do jornalismo por meio de sua obra e suas ações. Apresenta em sua bibliografia midiológica livros que são verdadeiros manuais para o ensino do jornalismo. Para a realização deste estudo utilizou-se como aportes metodológicos a pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, além de reconstruções históricas no intuito de coligir dados e qualificar informações. O resultado da pesquisa revela que Luiz Beltrão forjou uma sólida pedagogia voltada para o ensino do jornalismo. Conclui que sua ação pedagógica foi de fundamental importância para a sistematização do ensino do jornalismo contribuindo assim para a produção do saber comunicacional no Brasil.

Palavras-chave: Comunicação, Jornalismo, Ensino, Pedagogia, Luiz Beltrão.

Abstract: The article describes and analizes the trajectory of Luiz Beltrão as one of the pioneers of the teaching of the journalism in Brazil, searching his didactic-pedagogic methodology. The goal is to reveal and characterize the constitution of the pedagogy of the communication by Luiz Beltrão made for the teaching of the journalism with his work and actions. It is presented in his midiologic bibliography, books which are truly manuals to the teaching of the journalism. For the achievement of this learning, it was used as methodology supports, the bibliographic search and documentary search, moreover, historic reconstructions with the intention of gathering data and qualifying information. The result of the search reveals that Luiz Beltrão forged a solid pedagogy made for the teaching of the journalism. It is concluded that his pedagogic action had an essential importance to the adjustment of the teaching of the journalism contributing to the production of the communication knowlegde in Brazil.

Keywords: Communication, Journalism, Teaching, Pedagogy, Luiz Beltrão.

Introdução

Desde as primeiras iniciativas na Europa, mais precisamente em países como a Alemanha, França e Suíça entre os séculos XVII e XIX, passando pela institucionalização do jornalismo como campo universitário nos Estados Unidos do século XX, até os dias atuais, no Brasil e no mundo, especialistas ainda pelejam para delinear e sedimentar uma pedagogia do ensino do jornalismo. O assunto continua mais que desafiador principalmente pela complexidade da temática e das perspectivas de soluções frente a uma área do conhecimento tão dinâmica.

Os cursos foram criados para atender a demanda do campo da comunicação e preparar pessoas aptas a manipular a informação. O jornalista é visto como o profissional que trabalha para noticiar, informar e, se possível, formar a opinião pública (BELTRÃO, 2006a), daí a necessidade premente de uma formação de qualidade e de aparatos para tal.

Os primeiros cursos de jornalismo no Brasil seguiram duas correntes: o profissionalismo treinado na academia dos Estados Unidos e o ideal humanista europeu (MEDINA, 1982).

Antes dos cursos, a formação dos profissionais da área era no batente das empresas, na prática diária oferecida pelos jornalistas de ofício mais experientes. O pesquisador Carlos Rizzini (1953, p.6) traz dois exemplos claros dessa tendência nos Estados Unidos: a visão do diretor do The York Herald, Frederic Hudson que dizia que “o único lugar onde alguém pode aprender jornalismo é a redação de um grande jornal”, e a assertiva do escritor John Dillon quando diz que “Nós, jornalistas, estamos firmemente convencidos de sermos como os poetas: born not made”.

O revide às sentenças acima foi dado com certo atraso por Joseph Pulitzer, mas serviu de alento para a instituição do ensino superior de jornalismo nos Estados Unidos e também no Brasil.

Pulitzer foi categórico ao afirmar

[...] ser naturalmente a redação de jornal o lugar indispensável à formação profissional do jornalista, como o hospital à do médico e o fôro à do advogado. Mas o médico e o advogado não encetam a prática sem passar antes pelos bancos das faculdades. Por que só o jornalista é dispensado de saber a sua teoria ou de saber alguma coisa? (RIZZINI, 1953, p.6)

Os modelos forâneos de ensino do jornalismo foram, de certa forma, assimilados pelas instituições pioneiras do Brasil nas décadas de 40 e 50 do século XX.

O pragmatismo norte-americano e o academicismo europeu serão decisivos na formulação de uma pedagogia para o ensino do jornalismo brasileiro. Cada qual e, a seu tempo, foi importante para a conformação dos currículos dos cursos de jornalismo e para o campo da Comunicação Social (MARQUES DE MELO, 1974).

Ainda que tardiamente, os cursos de jornalismo pioneiros do Brasil também seguiram a tendência da revolução industrial e a crescente demanda dos setores emergentes da comunicação.

Questões de ordem sócio-política e cultural determinaram os rumos do ensino do jornalismo em nível universitário. As primeiras tentativas de criação de cursos de jornalismo foram frustradas, seja pela incipiência dos projetos ou pelo regime político vigente. O mesmo governo que outrora fora contrário à demanda, anos mais tarde, criaria o primeiro curso superior de jornalismo, porém, demoraria mais nove anos para determinar suas diretrizes pedagógicas (NUZZI, 1992).

Mesmo antes da oficialização dos cursos, ideias pioneiras voltadas para o ensino do jornalismo como as da Associação Brasileira de Imprensa – ABI – já trabalhavam a questão de uma pedagogia voltada para o campo.

Das iniciativas pioneiras ao funcionamento efetivo dos primeiros cursos, debruçaram-se sobre a elaboração de uma pedagogia para o ensino do jornalismo figuras paradigmáticas da área como Barbosa Lima Sobrinho, Gustavo de Lacerda, Anísio Teixeira, Carlos Rizzini, Danton Jobim, Luiz Beltrão entre outros (MARQUES DE MELO, 2012).

No princípio, os cursos eram vinculados às áreas de letras e filosofia. A falta de tradição acadêmica devido ao caráter recente dos cursos colaborava com a ausência de uma pedagogia própria para a área.

A obrigatoriedade de um currículo mínimo instituído a partir do ano de 1962 pelo Ministério da Educação – MEC – para o ensino superior de Comunicação Social foi também fator decisivo nos rumos de uma pedagogia do ensino de jornalismo (KELLY, 1966). Após a extinção dos currículos mínimos, o MEC instituiu as Diretrizes Curriculares que também determinam linhas vetoriais das abordagens pedagógicas do jornalismo.

O caráter mutante da comunicação e do jornalismo dita, dia a dia, novas tendências profissionais e pedagógicas que influenciam o processo de ensino/aprendizagem.

Influências políticas, culturais, tecnológicas, mercadológicas entre outras também são fatores que podem influenciar o delineamento das diretrizes didático-pedagógicas que, desde os primórdios, até os dias atuais, regem os cursos de jornalismo nas universidades brasileiras.

O estudo da comunicação, no caso em particular do ensino do jornalismo está imbricado com o percurso diacrônico da sociedade brasileira do século XX.

É defendendo o pleno desenvolvimento do Brasil que encontramos a figura paradigmática do professor pernambucano Luiz Beltrão de Andrade Lima.

Luiz Beltrão acreditou e defendeu a comunicação como fator determinante para o desenvolvimento de uma nação. Por conta dessa convicção e notando que faltava um melhor preparo aos jornalistas brasileiros, Luiz Beltrão, na década de 1950, inicia sua luta em defesa do ensino de jornalismo. Com o intuito de preparar profissionais, Beltrão, de jornalista do batente, fez-se professor formulando uma pedagogia própria voltada ao ensino do jornalismo (BENJAMIN, 1998).

Para abordar a Pedagogia do Ensino de Jornalismo de Luiz Beltrão traça-se neste artigo um caminho histórico necessário à elucidação do arcabouço teórico-metodológico deixado pelo mestre para as gerações futuras de comunicadores. Sua obra composta de livros, apostilas, documentos e cartas, é a base que norteia a parte metodológica do trabalho, principalmente na vertente pedagógica de Luiz Beltrão.

A opção por um caminho histórico da vida de Luiz Beltrão onde pensamento e ação transformam-se em teoria e prática do jornalismo é pela escolha metodológica da historicização para um pensamento e discussão atual da temática.

Ao longo do tempo, pesquisadores se debruçaram em pesquisas as mais diversas sobre vida e obra de Luiz Beltrão, principalmente voltadas às teorias da comunicação e do jornalismo. Especificamente, há uma gama de estudos abordando sua teoria da folkcomunicação, considerada como a primeira e única teoria da comunicação genuinamente brasileira (MARQUES DE MELO; FERNANDES, 2013). A Rede Folkcom – Rede de Estudos e Pesquisas em Folkcomunicação que congrega pesquisadores busca o desenvolvimento de atividades ligadas a folkcomunicação.

Porém, até o momento, não há um estudo sistemático acadêmico sobre a pedagogia do ensino do jornalismo de Luiz Beltrão. Um dos continuadores de sua obra, José Marques de Melo, relata que a pedagogia do ensino de jornalismo de Luiz Beltrão encontra-se escondida nas entrelinhas de sua obra e ainda por ser sistematizada. Essa termina sendo uma das grandes justificativas deste trabalho.

A tarefa aqui é fazer um balanço da pedagogia do ensino de jornalismo de Luiz Beltrão dentro de uma perspectiva histórica. A pretensão de tecer um “inventário” desta pedagogia perpassa por pressupostos teórico-metodológicos do jornalismo na obra Beltraniana. Neste aspecto procura-se então revelar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, descrita e, logo após, ratificada na prática por Beltrão (BELTRÃO, 2006b).

Para revelar a pedagogia do jornalismo de Luiz Beltrão tem-se então que desvendar a luta que ele travou para ensinar um jornalismo que acreditava ser uma ferramenta de transformação social.

Ao analisar o pensamento pedagógico de Luiz Beltrão, a pesquisa busca verificar se houve êxito em suas experiências no processo educacional do jornalismo. Quiçá, permitir com as reflexões propostas por Beltrão, suscitar contribuições para o debate das problemáticas do presente.

A pesquisa sobre a pedagogia de ensino do jornalismo é importante primeiro para a organização, sistematização e difusão do legado de Luiz Beltrão para o ensino superior. Estudar a ação pedagógica Beltraniana, como ela foi elaborada, é importante para compreender o conjunto de doutrinas, princípios e métodos de educação e instrução por ele utilizados que contribuíram com o campo comunicacional.

Em 2009, uma comissão formada por especialistas convocada pelo Ministério da Educação entregou um relatório final propondo mudanças curriculares nos cursos de Jornalismo. Conforme o relato de José Marques de Melo, presidente da Comissão de Especialistas, Luiz Beltrão empreendeu esforço na construção de uma pedagogia brasileira de jornalismo (BRASIL, 2009). Propostas de Diretrizes curriculares como promover a integração teoria e prática, entre outras, coadunam com os conceitos formulados na década de 1960 por Luiz Beltrão. Se adotadas, seriam grandes contribuições à Pedagogia do Jornalismo. As diretrizes curriculares para o ensino do jornalismo foram homologadas em 2013 e, desde então, as instituições de ensino superior, cada qual à seu modo, buscam se adaptar ao novo parâmetro. Diante desta situação verifica-se que, há mais de 80 anos, a educação dos jornalistas desafia a sociedade brasileira.

Faz-se premente que as ideias concebidas por Beltrão como um dos pioneiros do ensino do jornalismo no Nordeste e, também, do Brasil, sejam postas à luz do entendimento das novas gerações que não desfrutaram de seu convívio.

Metodologicamente optou-se por uma pesquisa qualitativa, principalmente pela natureza do objeto a ser pesquisado. Também, no percurso metodológico foram feitas pesquisas bibliográficas e documentais, via as principais referências sobre a temática, recolhendo-se quase que totalmente a bibliografia Beltraniana e contribuições de seus discípulos e impulsionadores no sentido de compreender melhor os pensamentos desse teórico.

Utilizou-se também o método da reconstrução histórica defendido por Richard Romancini (2010) quando explica que determinado fato histórico é recontado e reconstruído justamente para um entendimento comunicacional e histórico dos fatos.

Ancorado nas metodologias acima descritas, espera-se que, ao fim e ao cabo, o artigo contemple a pedagogia do jornalismo de Luiz Beltrão em sua plenitude.

Contexto histórico do ensino de jornalismo

O jornalismo como campo universitário foi institucionalizado nos Estados Unidos no início do século XX. Contudo, ações no continente europeu, mais precisamente na Alemanha, na França e na Suíça, precederam esse fato (MARQUES DE MELO, 2012).

O ensino superior do jornalismo historicamente acompanha o desenvolvimento da imprensa e o processo de reconhecimento da profissão. Como ponto de partida a história demonstra que “o jornalismo somente se imporia no cenário europeu do século XVII quando começam a circular na Alemanha os primeiros jornais diários” (SCHULZE, 1994, p.15)

Indissociáveis do contexto socioeconômico, político e cultural, tais processos irão mudar a fisionomia da sociedade. O jornalismo diário alavanca a opinião pública e impulsiona o ideal democrático, fator colaborativo para a Revolução Francesa de 1789 com seus ideais revolucionários que nutriram os conceitos de liberdade de imprensa.

Com a imprensa acompanhando o desenvolvimento da sociedade a formação dos jornalistas demandou a criação dos primeiros cursos universitários, assim descritos:

Nos EUA, o primeiro espaço universitário dessa natureza foi criado apenas em 1869, no Washington College, Virgínia. Por sua vez, a primeira experiência europeia datava de 1806, tendo sido protagonizada pela Universidade de Breslau, então situada em território alemão, (NIXON apud MARQUES DE MELO, 2012, p.109)

De lá para cá, a luta pela democracia tem sido uma constante envolvendo imprensa e jornalismo como ferramentas para a soberania popular em contínua mutação para se adequarem às realidades societárias. As mudanças e a quebra de paradigmas evocadas pelo jornalismo sofreram e ainda sofrem uma resistência natural dos sistemas hegemônicos.

Para o bem e/ou para o mal, a imprensa e o jornalismo evoluíram junto com uma sociedade também mutante. Ideologias diversas permearam esse processo evolutivo e, cada uma, a seu tempo e a seu modo, ditaram regras e apontaram caminhos a seguir.

O momento histórico da busca pela democracia reflete uma ideologia voltada para a promoção do bem social. Contudo, o emblemático rumo socioeconômico regido pelo capitalismo empurra a sociedade para novas tendências.

Tudo isso sob a égide da indústria cultural que se expandia e necessitava urgentemente de mão de obra qualificada. No bojo dessa indústria cultural, forja-se o jornalismo como profissão liberal.

Para se adequar à fase industrial observou-se a necessidade da montagem de escolas de profissionalização para treinamento de técnicos da informação.

Daí a importância da instituição do ensino do jornalismo como forma rápida para suprir a necessidade de um profissional exigido por essa indústria.

No século XIX a imprensa, por meio de sua atuação na sociedade se distingue como profissão e requer sua normalização. Assim, Cremilda Medina (1982, p.30) explica que, “gradativamente, o exercício profissional se estrutura em um tripé ideológico: saber, saber fazer, saber ser”. Esse modelo estrutural ganharia projeção mundial com ênfase nos Estados Unidos que foram seguidos de perto pela extinta União Soviética e, depois, por outros países do continente europeu.

Duas correntes se estratificaram na primeira metade do século: os norte-americanos levam às últimas consequências o profissionalismo treinado em universidades; ingleses, franceses, alemães e italianos (não de forma totalmente unânimes) rejeitam a especificação profissional do jornalismo e defendem o “ideal humanista” sem preparação técnica e as vocações míticas da arte de escrever ou de exercer a tribuna pública. (MEDINA, 1982, p.30)

Apesar dos motivos para a profissionalização dos jornalistas serem diferentes, a exemplo dos Estados Unidos, o profissionalismo também tinha uma função explícita na União Soviética. Assim, “Embora os pontos-de-partida não tenham sido exatamente os mesmos, ou seja, não se tratasse de ascensão de classe média, os cursos de jornalismo foram imediatamente implantados na revolução com a finalidade de multiplicar, de pronto a mão de obra treinada” (CREMILDA MEDINA, 1982, p.33).

O desenvolvimento da imprensa e, consequentemente do ensino do jornalismo, caminhou ao lado do progresso industrial. Quem primeiro atendeu às demandas da revolução industrial com vistas à profissionalização foram os Estados Unidos e a União Soviética onde “as empresas jornalísticas já assistiam, no início do século, à paralela montagem de escolas de profissionalização e treinamento de técnicos da informação”. (MEDINA, 1982, p.27)

EUA e URSS viram a importância das escolas para a profissionalização de forma rápida e eficaz de jornalistas que o contexto exigia.

Retardatários desse processo, países emergentes do Terceiro Mundo começam a despertar para as demandas da imprensa após a Segunda Guerra Mundial.

A experiência das grandes potencias na profissionalização do jornalista torna-se um paradigma que foi discutido pela Organização das Nações Unidas – ONU – trazendo à tona o caráter formativo da profissão jornalística.

Em 1948, a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura – UNESCO – realizou uma conferência em Paris sobre a formação dos jornalistas do terceiro mundo. Conta Eduardo Meditsch (1992, p.199) que a entidade, na época era amplamente dominada pelos Estados Unidos e pelo espírito da guerra fria.

A partir deste evento, com uma preocupação eminentemente política, a UNESCO realizou diversos estudos sobre o ensino de jornalismo no mundo e criou centros de formação de professores de jornalismo nas várias regiões do terceiro mundo, conforme atesta Cremilda Medina (1982, p. 28):

À época, o consenso estabelecia que, para equipar os novos países da África, Ásia e América Latina (não tão novos) de profissionais conscientes de seu papel social, era preciso levar o treinamento às vias educacionais, estabelecer parâmetros profissionais, objetivos e técnicas de trabalho e, sobretudo, criar pólos de ensino para economizar tempo em um processo que, se espontâneo, iria gastar muitas décadas.

Como resultado dessa discussão em favor da profissionalização do jornalista, em 1956, Jornalistas e professores de 25 países participam de um grande encontro em Paris e decidem pela criação de centros internacionais de especialização.

Fruto dessa abordagem é a criação do Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para a América Latina – CIESPAL – no ano de 1959, em Quito no Equador, que adota a ideologia do profissionalismo influenciando o ensino de jornalismo no Terceiro Mundo.

A criação do CIESPAL intensifica a aplicação das teorias comunicacionais norte-americanas. O CIESPAL torna-se uma das instituições paradigmáticas pioneiras na sistematização e difusão do Pensamento Comunicacional Latino Americano. Neste contexto, ancorado no difusionismo hegemônico e em metodologias norte-americanas, o Ciespal capacitava jornalistas e produtores de rádio para atender as demandas das indústrias culturais latino-americanas (MEDITSCH, 1992).

No Brasil, as primeiras investidas para a institucionalização do ensino do jornalismo antecedem a esse fato. Já nas primeiras décadas do século XX, concomitante com a expansão industrial, aponta-se uma movimentação em torno da problemática do jornalismo. Porém, somente nas décadas de 1940 e 1950 é que o movimento obteve resultados concretos com a implantação dos cursos de jornalismo em terras brasileiras.

Tendências profissionais e pedagógicas que influenciaram o processo ensino/aprendizagem do jornalismo como campo universitário no mundo também afetaram o Brasil. Desde a implantação dos primeiros cursos, o ensino do jornalismo no Brasil passou por inúmeros problemas como: entraves burocráticos, políticos, sociais, profissionais, acadêmicos, entre outros. Alguns desses problemas persistem até os dias atuais.

A mescla do padrão europeu (teórico) com o modelo norte-americano (pragmático) influenciou desde a elaboração dos currículos mínimos na década de 1940 e, ainda hoje, influencia no debate sobre as atuais diretrizes curriculares homologadas pelo Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC, por meio do Parecer CNE/CES nº 39/2013 (BRASIL, 2013).

Desde os primeiros currículos até as atuais diretrizes curriculares, diferentes matrizes pedagógicas foram implantadas nos cursos de jornalismo Brasil afora.

Algumas delas importadas dos Estados Unidos e da Europa foram assimiladas sem maiores problemas e, outras ainda, sofreram com a incompatibilidade frente à realidade latino-americana.

O sucesso e o fracasso desses processos são discutidos permanentemente por profissionais da área, principalmente através de entidades como a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM -, o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ – e a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – COMPÓS, que buscam soluções viáveis para os problemas do ensino do jornalismo.

No contexto histórico do Brasil, fator decisivo para a instalação e manutenção dos cursos de jornalismo foi a ingerência do Estado com legislação específica para a área. A priori com a criação do curso de jornalismo no sistema de ensino superior e, mais incisivo, na implantação dos currículos mínimos que, hoje, aporta-se nas diretrizes curriculares. A atuação do Estado na regulamentação das profissões da comunicação também foi fator preponderante para mudanças na área. Enfim, Leis, decretos e normas estabelecidas pelo poder público ou a omissão do mesmo em assuntos relativos à comunicação, afetaram e ainda afetam o ensino do jornalismo brasileiro.

Luiz Beltrão: uma vida dedicada ao jornalismo

Luiz Beltrão de Andrade Lima nasceu no dia 8 de agosto de 1918 em Olinda, no Estado de Pernambuco. Estudou no Seminário de Olinda e no Ginásio Pernambucano e graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da antiga Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de Pernambuco.

Ainda no ginásio, em 1936, ingressou no jornalismo trabalhando no arquivo do jornal “Diário de Pernambuco” onde passou a revisor e, posteriormente, se tornou repórter. Também atuou em vários órgãos da imprensa pernambucana e tornou-se líder sindical da categoria, alcançando projeção nacional.

Participou de congressos jornalísticos, no país e no exterior, foi autor de diversos ensaios e monografias sobre o jornalismo e suas consequências na sociedade.

Publicou vinte livros sendo que o primeiro, “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, lhe rendeu o prêmio “Orlando Dantas” – 1959, patrocinado pela Editora Agir (Rio de Janeiro), que o lançou nacionalmente no ano seguinte.

A prática como jornalista profissional também o impulsionou para a carreira acadêmica quando, em 1961, fundou o curso de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.

Em 1963 criou o primeiro centro brasileiro de estudos acadêmicos sobre os fenômenos midiáticos, mantido pela Universidade Católica de Pernambuco.

Desta iniciativa surgiu a primeira equipe de pesquisadores de fenômenos comunicacionais e a primeira revista científica da área no Brasil.

Também foi nos idos de 1963, três anos depois da publicação de “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, que Luiz Beltrão foi convidado a suceder Danton Jobim no Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para América Latina (Ciespal), no Equador. Lá, Beltrão ministra o curso de Metodologia do Ensino da Técnica de Jornal, tendo sua apostila original de 129 páginas datilografadas, transformada em livro.

Pelo reconhecimento de seu trabalho, no ano de 1965, Beltrão é convidado pelo governo Castelo Branco a assumir a direção da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde permanece até 1969.

E é justamente nesta instituição que, no ano de 1967, defende sua tese de doutorado sobre Folkcomunicação, convertendo-se no primeiro Doutor em Ciências da Comunicação do Brasil. No campo da comunicação Beltrão foi pioneiro em outras áreas:

Luiz Beltrão converteu-se em ícone brasileiro das ciências da comunicação por seu tríplice pioneirismo: fundador do primeiro instituto universitário de pesquisa (1963), criador da primeira revista científica (1965) e autor da primeira tese de doutorado (1967) nessa área do conhecimento, em nosso país (DUARTE, 2001, p. 127).

Ainda em Brasília Beltrão atua como docente e pesquisador do Centro de Estudos Universitários de Brasília (CEUB). Beltrão trabalha também na Fundação Nacional do Índio (Funai) onde avalia o comportamento da imprensa brasileira ante a questão indígena.

O resultado deste trabalho está reunido no livro “O índio, um mito brasileiro” lançado em 1977 pela editora Vozes de Petrópolis.

Beltrão teve intensa produção científica sobre o campo comunicacional e ainda marcou seu nome na literatura com contos, novelas e romances.

No ano de 1985 teve um acidente vascular cerebral que o deixou paralítico das pernas. Sobre uma cadeira de rodas ainda teve forças para escrever e lançar o livro “Subsídios para uma teoria da comunicação de massa”.

Luiz Beltrão faleceu no Hospital das Forças Armadas em Brasília, no dia 24 de outubro de 1986, aos 68 anos.

Pedagogia de Luiz Beltrão para o ensino do jornalismo

Para revelar a pedagogia da comunicação voltada ao ensino do jornalismo desenvolvida pelo pioneiro Luiz Beltrão é necessário seguir um caminho ao longo do qual ele constrói o aporte teórico-metodológico utilizado para tal missão.

A trajetória pedagógica de Luiz Beltrão se configura mesclando teoria e prática sistematizadas em sua vasta bibliografia traduzida por autores que se ocuparam do assunto. Porém, somente as contribuições dos livros não elucidará por completo a grandiosidade do legado pedagógico que Luiz Beltrão deixa para a posteridade. É preciso que se entenda “nas entrelinhas” – como confidenciou seu discípulo José Marques de Melo – a sua prática educativa e comunicacional.

Para seguir essa trilha abordam-se analiticamente as obras de Beltrão em bibliografia específica. Há uma ordem cronológica das obras, salvo algumas necessárias digressões que expliquem demandas atemporais.

Os fatores e o contexto social que influenciaram a ação de Luiz Beltrão no processo de construção de uma pedagogia do jornalismo são elencados antes das obras e das práticas que apontam a ação didático-pedagógica Beltraniana.

Iniciamos a trilha proposta por Beltrão entre os anos de 1953-1959 quando ele organizou suas ideias que culminaram no ensaio “Iniciação à Filosofia do Jornalismo” ganhador do Prêmio “Orlando Dantas” em 1959, porém lançado no ano seguinte. O primeiro de uma série de livros voltados para a sistematização do ensino do jornalismo no Brasil.

Em seguida, Beltrão parte para a prática pedagógica também no ano de 1959 quando inicia sua carreira acadêmica no recém-autorizado Curso de jornalismo da Faculdade de Filosofia das Lourdinas (Instituto Nossa Senhora de Lourdes), em João Pessoa.

No ano de 1960 ajuda a fundar e, em 1961, assume a coordenação do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) onde desenvolveria grande parte de seu projeto pedagógico voltado ao jornalismo.

Porém, antes de assumir, já tinha ideias claras a respeito da problemática do ensino do jornalismo.

Em julho de 1960, em trabalho apresentado à IV Conferência Nacional de Jornalistas em Manaus, sugeriu uma reestruturação de emergência para os cursos de jornalismo (17). Sua tese central residia na autonomia desses órgãos. Essa posição foi incorporada ao programa estabelecido para a formação de jornalistas da Universidade Católica de Pernambuco, com os seguintes objetivos: a) formar profissionais capacitados para o exercício de todas as funções do processo de comunicação de atualidades; b) realização de pesquisas com a finalidade de atualizar os padrões técnicos da imprensa e observar sua influência junto à opinião pública; c) implantar laboratórios experimentais que pudessem funcionar como centros de renovação de padrões jornalísticos vigentes (LOPES, 1989, p.27)

Esse pioneirismo e o sucesso alcançado com o modelo didático-pedagógico implantado na Universidade Católica de Pernambuco lhe renderam, no ano de 1963, o convite para assumir a direção da Cátedra de Metodologia do Ensino de Jornalismo no Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para América Latina – CIESPAL.

Foi a partir daí que, em 1963, junto com a primeira turma do curso de jornalismo da UNICAP, Beltrão criou o Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), primeiro centro brasileiro de estudos acadêmicos sobre os fenômenos midiáticos, mantido pela Universidade Católica de Pernambuco.

Desta bem sucedida iniciativa surgiu a primeira equipe de pesquisadores de fenômenos comunicacionais e a primeira revista científica da área no Brasil – “Comunicações & Problemas” –, publicada a partir de 1965.

Luiz Beltrão ainda foi convidado, em 1965, para assumir a coordenação de Faculdade de Comunicação de Massa da Universidade de Brasília onde tentou implantar seus ideais pedagógicos construídos na UNICAP. Também foi em Brasília que se torna o primeiro Doutor em Comunicação do Brasil ao defender sua tese sob o título “Folkcomunicação, um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de ideias” no ano de 1967.

Além do livro “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, a obra de Luiz Beltrão, centrada em duas vertentes acadêmicas: teoria do jornalismo e teoria da comunicação constitui-se em um singular aporte para a construção de um modelo didático-pedagógico.

No plano didático, Beltrão resgata as teses defendidas na obra inicial com as apostilas “Métodos en la enseñanza de la técnica del periodismo” (Quito, CIESPAL, 1963) e “Técnica de Jornal” (Recife, ICINFORM, 1964).

Outra contribuição significativa para a pedagogia viria com sua trilogia:

Como desdobramento pedagógico e síntese de divulgação teórica, ele resgata toda a sua maturidade como professor de jornalismo e planeja uma trilogia didática, que se configurou através dos livros: A imprensa informativa (São Paulo, Folco Masucci Editor, 1969), Jornalismo Interpretativo (Porto Alegre, Sulina, 1976) e Jornalismo Opinativo (Porto Alegre, Sulina, 1980) (MARQUES DE MELO, 1985, p.67, grifos nossos).

Luiz Beltrão ainda elaborou uma série de manuais destinados aos estudiosos do campo da comunicação. A divulgação científica vem com outra trilogia para iniciar interessados no conhecimento da teoria da comunicação.

Escreve, inicialmente, Fundamentos científicos da comunicação (Brasília, Thesaurus, 1973) e, depois, Teoria geral da comunicação (Brasília, Thesaurus, 1977). A série se completa, agora, com Teoria da comunicação de massa, que a Summus Editorial lança em São Paulo na sua coleção “Novas Buscas em Comunicação” (MARQUES DE MELO, 1985, p.67, grifos nossos).

Ao se debruçar sobre a trajetória profissional e acadêmica de Luiz Beltrão, o discípulo e continuador de sua obra, José Marques de Melo sintetiza a pedagogia de seu mestre. Por meio da Cátedra UNESCO/Metodista de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, Marques de Melo traz importante contribuição para perpetuar a obra do pioneiro dos estudos em Comunicação no Brasil.

A 10ª edição do “Anuário UNESCO/Metodista de 2006”, editado pela Universidade Metodista de São Paulo, apresenta uma compilação de mais de 30 anos que Luiz Beltrão dedicou à comunicação e ao jornalismo (ANUÁRIO UNESCO, 2006).

A edição monográfica com os diversos textos publicados por Luiz Beltrão está dividida em quatro partes: 1) - Teoria da Comunicação, 2) - Midiologia, 3) - Pedagogia da Comunicação e, para conformar a contribuição da Cátedra UNESCO Metodista na divulgação da obra do pioneiro, o tópico 4) Apêndice, retrata o Portal Luiz Beltrão.

Na terceira parte do livro, como o próprio título já diz, Marques de Melo resgata quatorze artigos publicados em congressos e conferências que, de certa forma, sistematizam parte da pedagogia Beltraniana.

Destaca-se então a preocupação de Luiz Beltrão com a formação superior, com a sistematização do ensino de jornalismo, com a pesquisa científica, com a estrutura curricular dos cursos sempre problemática, com a formação profissional dos jornalistas e a formação dos professores, com a distância entre a teoria e a prática e também entre a academia e o mercado. Luiz Beltrão descobre na prática a “importância da comunicação para a sociedade humana”, “o significado social do jornalista” e prega “a defesa do profissional jornalista especializado e, enfim, para tanto, a urgência da criação das escolas de jornalismo[...]” (HOHLFELDT, 2003, p.70-71).

Ao enfatizar a importante contribuição de Luiz Beltrão para pensarmos o Jornalismo como objeto científico com status próprio, Alfredo Vizeu (2007, p.17) entende

[...]que Luiz Beltrão dá início à investigação do Jornalismo como objeto científico com status próprio, procurando desenvolver metodologias adaptadas à compreensão desse campo como prática profissional ou como campo especializado de ensino.

Foi assim que Luiz Beltrão contribuiu e, ainda contribui para o campo da comunicação. E, como bem pontua José Marques de Melo (1985, p.69), “Beltrão é um exemplo que pode inspirar tanto professores universitários a fazerem do seu cotidiano pedagógico não um mero ato de transferência de conhecimentos, mas de sistematização e de recriação”.

Considerações finais

O jornalista e professor Luiz Beltrão de Andrade Lima é uma das figuras mais paradigmáticas do campo da comunicação no Brasil e seu legado nunca esteve tão atual e nunca foi tão necessário para o pensamento de um jornalismo diferencial e abrangente, justificando o verdadeiro status de comunicação social.

Sua trajetória de vida profissional recheada de pioneirismos não deixa margem para dúvidas quanto a sua importância para o cenário comunicacional. A atuação de Beltrão nos veículos de comunicação de Pernambuco foi o princípio das lutas sociais tendo como pano de fundo a comunicação.

Ainda na década de 1950, enxergou Beltrão na comunicação uma obra por fazer e um fator determinante no desenvolvimento de seu país o que melhoraria a vida de todos. A ferramenta escolhida para se trabalhar nessa obra foi o jornalismo que Beltrão abraça por profissão e, posteriormente, como sacerdócio tornando-se professor. Jovem ainda entendeu que aprender a se comunicar e aprender as teorias, métodos e técnicas da comunicação lhe valeriam muito mais que um lugar ao sol.

A vocação de jornalista lhe parece inata e, desde seu primeiro contato com o jornal, sabia da necessidade premente de aprender e ensinar aquela arte.

Dentro do jornal atende a essa necessidade como pode estudando bibliografia nacional e internacional tendo como complemento a prática. Neste contexto, Beltrão acaba não só por estudar a comunicação de forma teórica, mas, a assimilar de forma prática todos os seus desdobramentos.

Por conta da profissão e de seus princípios, começa então a militância que o levaria a outros países que estavam muito mais desenvolvidos no assunto da comunicação em comparação com o Brasil que engatinhava na questão. O engajamento na luta em favor da classe dos jornalistas profissionais foi intenso, mas Beltrão teria uma missão ainda maior: ensinar jornalismo.

Mesmo contra a vontade dos próprios jornalistas, Beltrão trava uma luta ferrenha para a institucionalização do ensino do jornalismo em nível superior no Brasil. À época das primeiras escolas de jornalismo no Brasil, Luiz Beltrão já possuía uma envergadura intelectual e invejável tirocínio nas técnicas de jornal. Os predicados lhe valeram um convite para iniciar sua prática didático-pedagógica como professor nos primeiros cursos do Nordeste brasileiro. Essa ação Beltraniana veio respaldada por um cabedal sistematizado no livro de estreia Iniciação à Filosofia do Jornalismo.

O pensamento Beltraniano sobre a comunicação e o jornalismo como ferramentas sociais determina a construção da Pedagogia do Ensino do Jornalismo de Luiz Beltrão. Vendo a importância da comunicação e dos jornalistas no contexto do desenvolvimento social brasileiro, Luiz Beltrão intensifica suas ações que desembocam na encruzilhada do ensino do jornalismo como vemos em sua obra.

A pedagogia Beltraniana aparece no livro primeiro, clássico do jornalismo brasileiro trazendo um aporte teórico metodológico para o jornalismo que colabora imensamente para a sistematização do conhecimento na área. Mas, no introito da obra, o próprio Beltrão relata que seu conteúdo é fruto das teses defendidas em congressos de jornalistas no Brasil e no Exterior. Também se verifica que, parte dos aportes são conceitos apreendidos por Beltrão de bibliografia estrangeira. Fato que não causa nenhum demérito ou constrangimento ao autor, muito pelo contrário, na falta de bibliografia brasileira, o mesmo foi o pioneiro na sistematização do conhecimento, preenchendo assim uma das grandes lacunas do ensino do jornalismo. A partir dessas experiências, Beltrão se esmera na produção e sistematização de conhecimento sobre o campo jornalístico, trazendo sempre junto a prática que é, sem dúvida, seu grande diferencial.

Usando os aportes teórico-metodológicos apreendidos ao longo da bem sucedida carreira e, principalmente, colocando em prática as teorias, Luiz Beltrão desenvolve seu projeto pedagógico no Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. A pedagogia de Luiz Beltrão está exposta no livro “Técnica de Jornal” que reúne as aulas que ministrou na UNICAP no triênio 1961-1963.

Como primeiro coordenador de curso de jornalismo do Brasil, Beltrão implanta uma série de experiências pedagógicas singulares em Pernambuco. Neste contexto, a conformação da teoria e da prática em Luiz Beltrão fica mais explícita com a invenção de sua ferramenta pedagógica: o jornal-cobaia, uma espécie de jornal laboratório. Assim, os conceitos teóricos das apostilas são empregados na prática. As técnicas de reportagem e entrevistas ganham vida na prática dos alunos de Beltrão.

Suas experiências pedagógicas em Pernambuco são tão expressivas que lhe valem um convite para serem expostas em um curso ministrado no Ciespal – Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para a América Latina. Fruto deste trabalho, a apostila do curso “Metodos de la enseñanza de la técnica del periodismo” é, sem dúvida, o maior repositório da Pedagogia de Luiz Beltrão. É um material mais que atual e que até hoje inspira a construção de currículos acadêmicos de boa parte dos quase 400 cursos de Jornalismo espalhados pelo Brasil, sem falar da influência latino-americana, principalmente em países que tiveram formadores que passaram pelos bancos do CIESPAL. Nela estão contidas a teoria e a prática da técnica do jornalismo que Beltrão construiu ao longo das aulas ministradas em Pernambuco e nas experiências pedagógicas que levou a cabo com sua turma pioneira na UNICAP.

Corroborando a pedagogia Beltraniana o Instituto de Ciências da Informação – ICINFORM – então conforma o tripé pesquisa-ensino-extensão constituindo assim o chamado eixo fundamental da Universidade brasileira. Dessa iniciativa brotam experiências pedagógicas como o primeiro Curso Nacional de Ciências da Informação e o lançamento da primeira revista acadêmica de comunicação do Brasil: Comunicação & Problemas. Outro importante legado do ICINFORM é o pioneirismo de Luiz Beltrão na pesquisa em Comunicação. Ainda que em projetos embrionários, seus alunos da UNICAP desenvolveram e aplicaram pesquisas na área do jornalismo que renderam seus resultados.

Porém, a maior contribuição de Luiz Beltrão para com as teorias da comunicação foi a Folkcomunicação. Aqui aportada como ferramenta pedagógica de Luiz Beltrão, a Folkcomunicação serve para alcançar o princípio básico de sua luta: o acesso à comunicação à todas as pessoas indistintamente, principalmente dando voz e vez às classes subalternas, historicamente alijadas dos processos de educação e comunicação, o que Beltrão, em uma teoria folkcomunicacional denominou de marginalizados.

Com a crise na Universidade de Brasília – UnB –, Beltrão ainda conseguiu algum progresso didático-pedagógico, porém, o contexto político não permitiu que ele desse prosseguimento a seu plano. Beltrão daria continuidade ao projeto didático-pedagógico como professor-fundador do curso de Comunicação do Centro Universitário de Brasília onde encerrou sua trajetória.

A bibliografia de Luiz Beltrão com mais de vinte livros publicados, é, em sua grande maioria, voltada ao ensino do jornalismo. Assim, os aportes pedagógicos estão sistematizados em sua obra de maturidade na trilogia didática “A imprensa Informativa – Técnica da notícia e da reportagem no jornal diário”, “Jornalismo Interpretativo – Filosofia e Técnica” e, ainda, o livro “Jornalismo Opinativo”. As obras se mostram como manuais práticos de jornalismo com exemplos e exercícios práticos.

Sobre a teoria da comunicação, vimos o esforço pedagógico de Luiz Beltrão em sistematizar o conhecimento através do livro “Sociedade de massa: comunicação & Literatura”, e da trilogia: “Fundamentos Científicos da Comunicação”, “Teoria Geral da Comunicação” e “Teoria da Comunicação de Massa” que completa o ciclo de produção do grande mestre Luiz Beltrão. Também oferecem grande conhecimento aos que deles se ocuparem.

O que se denomina a Pedagogia de Luiz Beltrão, nada mais é do que os conceitos teóricos e a aplicação de práticas elaboradas pelo mestre com o intuito de ensinar de maneira simples, porém, respaldada por conceitos teórico-metodológicos, como se faz um jornalismo de verdade.

A contribuição de Luiz Beltrão para a geração e sistematização de conhecimento na área do jornalismo é inconteste. Beltrão tem a continuidade de sua obra garantida com expoentes da área da comunicação que são seus discípulos como José Marques de Melo e Roberto Emerson Benjamim, Cristina Gobbi, Fátima Feliciano, entre outros. É notório também que facetas pedagógicas de Luiz Beltrão estão impregnadas no trabalho desses continuadores/pensadores, e em seus respectivos programas de graduação e pós-graduação ensinando seus alunos num contínuo ciclo de aprendizagem.

Muitos trabalhos na área acadêmica tomam a pedagogia de Luiz Beltrão como suporte teórico-metodológico. Há, porém, um paradoxo em tudo isso: ao mesmo tempo que a relevância da Pedagogia de Luiz Beltrão é incontestavelmente para a disseminação do ensino do jornalismo, sua obra é pouco divulgada. Então, o que se procura com esse trabalho é um resgate da obra Beltraniana para que as gerações futuras desfrutem desse conhecimento.

Guardadas as questões temporais, muitos dos conceitos criados por Beltrão em seus livros da década de 1960 ainda continuam vigentes e podem ajudar a elucidar questões sobre a teoria e prática do jornalismo. Fica a certeza de que ainda há muito que se revelar da Pedagogia do Jornalismo do grande mestre Luiz Beltrão escondida nas entrelinhas de sua obra, principalmente sua atualização e aplicação para uma conjuntura do século XXI, notadamente pelos desafios que passam atualmente o ensino do Jornalismo não só no Brasil, mas também em todas as partes do Mundo.

Referências bibliográficas

BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1960.

______. Metodologia do Ensino da Técnica de Jornal. Quito: CIESPAL, 1963.

______. Técnica de jornal: apostilas para a 1ª série do curso de Jornalismo. Recife: Inciform, 1964.

______. A imprensa informativa: técnica da notícia e da reportagem no jornal diário. São Paulo: Folco Masucci, 1969.

______. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica. Porto Alegre: Sulina, 1976.

______. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Bernardo do Campo: UMESP, 1980.

______. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980.

______. Teoria e prática do Jornalismo. Adamantina; São Bernardo do Campo: FAI; Cátedra UNESCO de Metodista de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 2006a.

______. Anuário Unesco/Umesp de Comunicação Regional/Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, Universidade Metodista de São Paulo. Ano 10, nº 1, São Bernardo do Campo, Metodista. 2006b.

BENJAMIN, R. Itinerário de Luiz Beltrão, Recife, AIP/FASA.1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação de Jornalismo. Relatório da Comissão de Especialistas instituída pelo Ministério da Educação. Brasília, 2009, 26p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/documento_final_cursos_jornalismo.pdf.

BRASIL. Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Jornalismo. Parecer CNE/CES nº 39/2013. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13063-pces039-13-pdf&category_slug=maio-2013-pdf&Itemid=30192.

CÁTEDRA UNESCO/UMESP DE COMUNICAÇÃO. Comunicação no Brasil: as ideias pioneiras de Luiz Beltrão. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional. nº 10, São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2006.

DUARTE, Jorge. Luiz Beltrão, um autodidata abrindo picadas no campo da comunicação. IN: MARQUES DE MELO, José; DUARTE, Jorge (orgs.). Memória das ciências da comunicação no Brasil: Os Grupos do Centro Oeste. Brasília: UniCeub, 2001.

HOHLFELDT, Antonio. Luiz Beltrão: do jornalismo à literatura. In: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. v. 26, n. 1, jan/jun. São Paulo: INTERCOM, 2003.

KELLY, Celso. As Novas Dimensões do Jornalismo, Rio, Agir. 1966.

LOPES, Dirceu Fernandes. Jornal Laboratório: do exercício escolar ao compromisso com o público leitor. 2. Ed. São Paulo: Summus, 1989.

MARQUES DE MELO, José. Contribuições para uma Pedagogia da Comunicação. São Paulo: Paulinas, 1974.

______. Trajetória pedagógica de Luiz Beltrão. IN Revista Brasileira de Comunicação, v.8 (53), n.2, p. 65-70. jul./dez. São Paulo, Intercom.1985.

______. História do jornalismo – itinerário crítico mosaico contextual. São Paulo: Paulus, 2012.

MARQUES DE MELO, José; FERNANDES, Guilherme Moreira. (Orgs.). Metamorfose da folkcomunicação: antologia brasileira. São Paulo: Editae Cultural, 2013.

MEDINA, Cremilda de Araujo. Profissão jornalista: responsabilidade social. Rio de Janeiro. Editora Forense-Universitária, 1982.

MEDITSCH, Eduardo. Adeus, CIESPAL: Ruptura Brasileira no Ensino de Jornalismo. In KUNSCH, Margarida (org.), O ensino de comunicação: análises, tendências e perspectivas futuras. São Paulo: ABECOM, ECA/USP, 1992.

NUZZI, Erasmo de Freitas. 40 anos de ensino de jornalismo no brasil: relato histórico. In. KUNSCH, Margarida M. Krohling. O ensino de comunicação: análises, tendências e perspectivas, São Paulo, ABECOM: ECA/USP. 1992.

RIZZINI, Carlos. O ensino do jornalismo, Rio de Janeiro, Mec. 1953.

ROMANCINI, Richard. História e jornalismo: reflexões sobre campos de pesquisa. In: BENETTI, M.; LAGO, C. Metodologia de pesquisa em jornalismo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 23-47.

SCHULZE. I. A imprensa na Alemanha. In: QUINTERO. A. P. História da Imprensa. Lisboa. Planeta Editora, 1994

VIZEU, Alfredo. Beltrão, os estudos e as teorias do Jornalismo. São Paulo: Sociedade Brasileira de Ciências da Comunicação – Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v.30, n.1, p. 13-34, jan./jun. 2007.

Notas

1 O presente artigo, com adaptações e inserções, é parte integrante da dissertação de Mestrado do autor, com o título “A Pedagogia do jornalismo na teoria e prática de Luiz Beltrão” apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo no ano de 2012.
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por