Dossiê

Recepção: 15/10/2018
Aprovação: 25/10/2018
DOI: https://doi.org/10.5212/RIF.v.16.i37.0006
Resumo: No final da década de 1960, artigos de Luiz Beltrão revelavam seu interesse em observar as horas e espaços destinados pela televisão às informações jornalísticas. Compreendeu, rapidamente, a capacidade que a imagem eletrônica exercia diante do espectador. Observou que a revolução tecnológica e de conteúdo, provocada pela TV, forçava uma mudança de comportamento da imprensa tanto na linguagem do noticiário quanto nas estratégias de venda. Visionário, praticamente previu o surgimento de emissoras nos moldes da CNN. Entre os pontos que Beltrão definiu como caracteres pertinentes ao jornalismo estão atualidade e promoção, que focamos nesse artigo, e, mais detidamente, na ideia de promoção, utilizada por Beltrão com pertinência, quando pensou nas possibilidades que a mensagem televisiva difundir notícias com responsabilidade social.
Palavras-chave: Jornalismo, Notícia televisiva, Atualidade, Promoção.
Abstract: In the late 1960s, Professor Luiz Beltrão shared his interest in investigating the TV news coverage. He understood how the electronic image was able to influence the watcher. Beltrão observed that TV's technological and content revolution forced a behavior change of the press in both TV news language and publicity. He predicted, as a visionary, the emergence of companies of broadcasting similar CNN. Among the journalism competencies defined by Beltrão there are topicality and promotion. This article focuses on the idea of promotion, understood here in terms of the capacity of the TV spread news with social responsibility.
Keywords: Journalism, TV news, Topicality, Promotion.
Introdução
Quando o pesquisador, professor e jornalista pernambucano, Luiz Beltrão, publicou “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, em 1960, produziu uma feliz coincidência: o livro ganhou as livrarias no mesmo ano em que a cidade do Recife assistia ao nascer das primeiras transmissões televisivas na capital pernambucana. Foi nesse ano que duas emissoras, inauguradas praticamente no mesmo período, a TV Tupi - dos Diários Associados -, e a TV Jornal do Commercio - do Grupo de Comunicação F. Pessoa de Queiroz, passaram a desenvolver suas atividades na cidade. Para ser justa com os fatos históricos, a emissora que passou, realmente, a funcionar, em abril de 1960, foi a TV Jornal, uma vez que a Tv Tupi estreou seu sinal quinze dias antes, contudo, apenas como mais uma manobra de Assis Chateaubriand, que queria manter para si a marca e a vaidade de ser o pioneiro na transmissão televisiva no Estado, como aconteceu em outros locais do país. O fato é que o sinal da Tupi entrou no ar antes da TV Jornal, mas a emissora não tinha uma programação, nem estava, tecnicamente falando, totalmente pronta para entrar em ação, tanto que, durante três meses, ficou no ar, apenas, com o símbolo da Tupi – a marca do índio.
De toda sorte, o atraso histórico na implantação da TV no Recife – como se sabe a televisão já existia em outras capitais brasileiras há 10 anos – não impediu que Luiz Beltrão detivesse seu olhar de pesquisador, ainda que de forma contida, no poder da imagem eletrônica e, em especial, da imagem jornalística presente no novo veículo, quando, na primeira parte do seu livro “Iniciação à Filosofia do Jornalismo”, que venceu, em 1959, o prêmio da Academia Brasileira de Letras, “Orlando Dantas”, escreve, entre outros temas, sobre o “O desenho e o jornalismo pela imagem”, em que aborda, inclusive, a imagem televisiva.
Além de resgatar parte da história das primeiras transmissões de TV no mundo, Beltrão destaca, em sua obra, o fato de que, em alguns países da Europa e na América do Norte, a exemplo dos Estados Unidos, a TV já transmitia informação e entretenimento há quase 50 anos, explicitando, dessa forma, o atraso brasileiro e não apenas de algumas regiões do país, tal como o Nordeste, diante do “novo” veículo.
O interesse do mestre Beltrão estava focado, sobretudo, no estudo sobre as horas consagradas na TV às informações jornalísticas. Esse recorte, em parte, era resultado das observações que realizou nos Estados Unidos e, particularmente, da transmissão dos noticiários televisivos daquele país, bem como da observação da programação da TV europeia. Beltrão menciona o preconceito que existia diante do veículo televisão durante os seus primeiros anos de existência, o que ele considerava um comportamento equivocado por parte, sobretudo, de alguns intelectuais, inclusive de intelectuais brasileiros. Para Luiz Beltrão não se poderia minimizar nem a importância e, menos ainda, a força comunicativa que um veículo desse porte teria num país como nosso - muito marcado pelo negativo registro de altos índices de analfabetismo.
Ele entendia que, como meio de informação, a televisão levava vantagem sobre o jornal e o rádio, pois expressava, na época, o mais rápido meio de difusão criado pelo “engenho humano”, capaz de levar imagem e áudio ao mesmo tempo. Em suas primeiras impressões, identificou na TV seu aspecto didático, inclusive nos programas jornalísticos, e, como um visionário que era, compreendia a televisão não como uma concorrente dos demais veículos de comunicação, mas como uma provocadora salutar da “evolução na natureza e no estilo da imprensa”. (Beltrão, 1960, p.59). Entendia, ainda, que seriam necessárias algumas mudanças nas propostas dos então cursos de Jornalismo, de tal forma que as instituições de ensino fossem capazes de formar adequadamente o profissional para as demandas do veículo que unia, de uma vez por todas, em ambiente doméstico, som e imagem, tal como já fazia o cinema, mas em exibições públicas.
Caracteres do jornalismo
Ainda em “Iniciação à Filosofia do Jornalismo” (1960), Beltrão vai destacar seis pontos que definiu como caracteres pertinentes ao jornalismo: variedade, interpretação, periodicidade, popularidade, atualidade e promoção. É sobre esses dois últimos caracteres que vamos debruçar nosso olhar nesse texto e mais detidamente sobre a ideia de promoção, utilizada por Beltrão com pertinência, quando pensou nas possibilidades que a mensagem televisiva seria capaz de carregar.
A nossa proposta, neste artigo, é analisar - dentro do que hoje denominamos de telejornalismo – como se estabelece a compreensão de promoção no jornalismo televisivo brasileiro, em especial no que Beltrão definiu como a capacidade (do jornalismo) para promover e assegurar o bem comum. Observar, de modo particular, o percurso e o movimento que alguns telejornais recifenses estão realizando em direção ao jornalismo dirigido para as comunidades, sobretudo de periferia, que se propõe promover o bem comum, reunindo, ao mesmo tempo, duas práticas telejornalísticas: as reportagens gravadas, mas com temas atuais pertinentes a uma dada comunidade; e as inserções - ao vivo - nos telejornais que, quase sempre, retomam essas reportagens e atualizam-nas, colocando frente a frente à população das comunidades e os representantes de órgãos públicos.
Como pesquisador de comunicação, Beltrão entendia a necessidade e a urgência de estabelecer um jornalismo dinâmico e competente para atrair a atenção da sociedade. Afirma o fundador do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, um dos mais antigos em funcionamento no Brasil, que “os homens dos nossos dias ‘têm fome de conhecer o presente’. Para estar a par das ideias, eventos e situações correntes, por isso, procuram veículos muito mais especializados e diversificados do que os seus ancestrais”. (Beltrão, 1960, p.60).
O interesse de Luiz Beltrão pelo jornalismo televisivo vai ganhar espaço, ainda, em seus estudos e pesquisas no final dos anos 60. Ele entendia que a revolução tecnológica e de conteúdo, provocada pela televisão, forçava a imprensa nacional também a uma mudança de comportamento, tanto no formato e linguagem do noticiário jornalístico quanto nas estratégias de venda desse jornalismo. Compreendeu, rapidamente, a capacidade que a imagem eletrônica exercia diante do espectador.
Em 1967, em conferência pronunciada na Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo - USP, ele destacou as perspectivas do jornalismo televisivo e criticou a forma como a televisão brasileira ainda tratava o jornalismo nesse veículo, reduzindo-o, segundo Beltrão, a “um radiojornalismo televisado”, sem aproveitar realmente os recursos e as qualidades próprias da televisão. Destacava, entre outros pontos, a imediaticidade, a linguagem acessível e a facilidade de recepção como os elementos que levaram a indústria tecnológica rapidamente a aperfeiçoar a televisão e essa a cair nas graças do povo brasileiro, principalmente, entre os não letrados – que, mesmo sem ter condições financeiras para ter acesso a esse “novo eletrodoméstico”, sonhava (e endividava-se) com a possibilidade de ter um aparelho de TV.
Beltrão percebeu que a linguagem dos nossos então ‘telenoticiários’ logo teria que ser modificada, para atender, de forma mais adequada, às necessidades e características da televisão. Ele antecipou que novas funções iriam surgir no jornalismo brasileiro – e, de fato, surgiram - em razão do veículo, a exemplo do cinegrafista e do editor de imagem. Destacou a necessidade do trabalho em equipe para o desenvolvimento do jornalismo televisivo e preocupava-se profundamente com a formação dos novos jornalistas para uma tecnologia que extrapolava o que conhecíamos à época no mercado e nas próprias Universidades. Satélites, videotape e câmeras portáteis, mais ágeis, passariam a exigir um novo profissional para atuar como jornalista nessa área, preocupava-se com a formação desse jornalista, pois vislumbrava um campo promissor para o jornalismo televisivo.
Êsse receio pelo futuro resulta da avaliação estreita que mestres e estudantes, em sua grande maioria, fazem do campo de atividade que será abrangido pela TV, à base da situação atual. Para promover o intêresse do estudante em busca de sua especialização como telejornalista, parece-nos suficiente leva-lo a considerar a esplêndida realidade da transmissão da imagem, diretamente, pelos satélites. Realidade que implicará, sem dúvida, no estabelecimento das agências de informações televisadas, funcionando 24 horas ao dia, do mesmo modo que atualmente as destinadas a fornecer notícias, reportagens, secções e fotografias a periódicos impressos e radioemissoras. E o mesmo ocorrerá com as de TV que irão recrutar para os seus quadros pessoal especializado na captação da notícia com a utilização do VT. (Beltrão, IN: Anuário UNESCO/Metodista de Comunicação Regional, 1997, p. 141).
Como podemos observar, o mestre Beltrão previu, em 1967, o surgimento de emissoras nos moldes da CNN, modelo hoje copiado em vários países, inclusive no Brasil, de modo especial nos canais de TV por assinatura. Entretanto, as novas exigências não alteravam o que Beltrão definia como os caracteres do jornalismo: a variedade, a interpretação, a periodicidade, a popularidade, a atualidade e a promoção. Esses últimos pontos, como já destacamos anteriormente, eram, para o pesquisador pernambucano, características fundamentais do jornalismo, e que a televisão, nesse sentido, por sua abrangência e penetração social, se comparada a outros veículos, tinha uma responsabilidade ainda maior para desenvolver com competência o jornalismo.
A responsabilidade social do jornalismo televisivo era, dessa forma, para Beltrão, ponto determinante para o desempenho do jornalista. Na comparação dos veículos rádio e TV, ele afirmava que o rádio estava mais propenso para a regionalização e a televisão para a internacionalização, daí sua responsabilidade ser cada vez maior. (1967)
Por isso mesmo, Beltrão não se furtou a discutir temas polêmicos envolvendo as emissoras de televisão brasileiras, a exemplo da análise que fez do caso dos contratos Time/Life e TV Globo, em artigo publicado na Revista “Comunicações & Problemas”³, em 1968. Apesar de ater-se, na maior parte do tempo, aos textos jurídicos sobre a questão, ele entendia que havia necessidade de estabelecer condições claras para a organização e funcionamento das emissoras de TV em nosso país, uma vez que seu papel na integração nacional poderia ser fundamental.
De toda sorte, mesmo reconhecendo a TV como um veículo voltado para a integração, via satélite, não apenas no próprio território brasileiro, mas e também com várias partes do mundo, portanto, uma produção mais globalizada (na época o termo utilizado por ele é internacionalizada), Beltrão compreendia que a busca pela informação atualizada e a promoção do bem comum deveriam ser os objetos primeiros do jornalismo e interesse maior da sociedade, portanto, também do público televisivo.
Essa visão explica, em parte, hoje, o número de telejornais preocupados em abrir espaço em suas editorias para o jornalismo voltado para as comunidades, em especial das periferias, bem como interessados em defender para as fronteiras do jornalismo a liderança nas campanhas sociais, que antes estavam mais concentradas nos setores de produção e na comunicação institucional das emissoras. Hoje, elas ganham força e determinação nos redutos das redações telejornalísticas. Nas emissoras de televisão do Recife, temos alguns exemplos desse comportamento, dos quais destacamos as duas de maior audiência, a TV Globo Recife e a TV Jornal, hoje afiliada do SBT.
Certamente, se Beltrão tivesse assistido ao avanço da internet e suas possibilidades de interação e circulação de informações, teria defendido bandeira semelhante para um jornalismo capaz de promover o bem comum, que poderia via a ser, se de fato levado a sério, um importante combate às alardeadas fakes news (notícias falsas) nos dias atuais. Mas esse é outro tema a se estudar. Voltemos ao conceito de Beltrão e de como o telejornalismo poderia melhor dele beneficiar-se.
O telejornalismo e a promoção para o bem social
A TV Jornal é a emissora mais antiga em funcionamento em Pernambuco. Completou este ano 58 anos de existência e, ao longo desse período, conheceu a glória, o sucesso e, a exemplo de várias emissoras regionais, também amargou tempos de crise, sobretudo financeiras, em especial nos anos de 1970 e de 1980. Além da má gestão local, a crise na TV Jornal coincidiu com o momento em que as redes de televisão brasileiras passaram a transmitir suas programações, via satélite, diretamente das sedes localizadas no Rio de Janeiro ou em São Paulo, concentrando nessas cidades as verbas da publicidade, consequentemente, os recursos para as televisões regionais ficaram escassos.
Foram duas décadas difíceis, com atraso de salários e sucateamento da emissora até que, no final dos anos de 1980, acontece a volta por cima. A TV Jornal, juntamente com os outros veículos do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, é comprada pelo grupo do empresário João Carlos Paes Mendonça, na época, proprietário de uma grande rede de supermercados, Bompreço. O Grupo JCPM tratou rapidamente de modernizar a emissora, contratou novos profissionais para atuar no jornalismo, na produção e no setor comercial. Paes Mendonça e a equipe contratada viu no telejornalismo um importante canal de aproximação com a sociedade pernambucana, em especial, com o público das classes mais populares do Recife e da Região Metropolitana.
No início, a adoção de uma linha editorial e mesmo de uma programação voltada para esse público não foi tão simples. A TV Jornal, no final dos anos 80, retransmitia a programação da Rede Bandeirantes, sediada em São Paulo, cujo perfil de programação era bem diferente dos interesses do público que a TV do Grupo Paes Mendonça queria atingir. Para transpor essa dificuldade, a TV Jornal deixa a Bandeirantes e passa a ser afiliada do SBT, rede com a qual está ligada até hoje (30 anos) e que se destaca por ser uma das afiliadas com maior audiência para o Sistema Brasileiro de Televisão – SBT em todo o país.
Os telejornais da emissora pernambucana, de modo especial o “Programa do Meio Dia”, que depois passou a denominar-se “TV Jornal Meio-Dia”, direcionou sua linha editorial para o jornalismo de serviços voltado para a comunidade. Logo a audiência do principal jornal da televisão a ficou muito próxima da emissora primeira colocada, a Rede Globo Nordeste. Até hoje, o TV Jornal Meio-Dia caracteriza-se pela exibição dos fatos do dia, mas com destaque para as demandas das comunidades da Região Metropolitana do Recife, principalmente das periferias dessa região. São reportagens de serviço, denúncias e acompanhamento da resolução dos problemas. Líderes comunitários, responsáveis por órgãos governamentais, fundações e autarquias que prestam serviços ao público são os personagens mais frequentes no telejornal de maior audiência da emissora.
A audiência do TV Jornal Meio-dia, segundo o Ibope, varia de 10 a 13 pontos, ora está em segundo lugar no horário, logo atrás do NE1, da TV Globo Recife, ora ocupa a primeira posição. O foco do TV Jornal Meio-Dia, no ar há 26 anos, continua dedicado ao jornalismo voltado ao factual da cidade e aos problemas enfrentados pelas comunidades periféricas da Região Metropolitana recifense, sobretudo no quadro denominado “Boca no Trombone”, que vai ao ar, atualmente, nas terça e quinta-feira da edição do Jornal. TV Jornal Meio-Dia recebe, mensalmente, em torno de 200 pedidos para realização de reportagens nas comunidades que sofrem com o não atendimento de serviços públicos, todas elas destinadas ao quadro “Boca no Trombone”. Desse total de pedidos, 50% chegam através de telefonemas e a outra metade via e-mail ou redes sociais, a exemplo do Facebook, bem como do Comuniq, um aplicativo de compartilhamento de informações desenvolvido pelo próprio Sistema Jornal do Commercio, onde o público pode divulgar vídeos, fotos e fazer suas denúncias. Segundo a produção do TV Jornal Meio-Dia, quase 90% dos pedidos ou denúncias são convertidos em reportagens para o “Boca no Trombone”, que se constitui num importante canal de ligação com o público do telejornal⁴.
Na Rede Globo Nordeste os dois telejornais em que o jornalismo é mais voltado para a prestação de serviços e para as demandas das comunidades são o Bom dia Pernambuco e o NE1, sobretudo esse último, uma vez que além da informação do fato, há claramente em sua linha editorial a intenção de atuar como mediador entre a comunidade e os órgãos públicos governamentais.
No caso do Bom Dia Pernambuco, esse direcionamento acontece em especial a partir das entrevistas de estúdio ou de entradas ao vivo com prestação de serviços nas áreas da saúde, educação, jurídica e na indicação de oportunidades de trabalho e aperfeiçoamento profissional. Já o NE1, além de serviços e locais de atendimento para a população, também desenvolve o jornalismo de “denúncia” e “cobra” resultados dos órgãos responsáveis, definindo, inclusive, os prazos para que as soluções possam ser atendidas dentro de um dado período, visando contemplar as demandas e reivindicações da comunidade que buscou o telejornal. Essa prática acontece no quadro denominado “Calendário”, em que a equipe de jornalismo da TV Globo Recife do NE1 leva, inclusive, o calendário físico/impresso para a comunidade onde a denúncia será gravada ou numa inserção ao vivo. Assim, durante reportagem, representantes de órgãos municipais, estaduais e lideranças comunitárias envolvidas no tema, que quase sempre diz respeito a serviços públicos que não estão sendo prestados, em comum acordo definem uma data/prazo para a solução do problema pelos órgãos públicos. O quadro Calendário do NE1 edição utiliza-se, então, dessa estratégia editorial, inclusive para acompanhar os desdobramentos do caso.
A TV Globo Recife já havia experimentado modelo parecido nos anos 80 com as reportagens relâmpagos do então “Globo Cidade”. A diferença é que a denúncia era feita, mas não se acompanhava o processo, isto é, se o órgão responsável havia ou não resolvido a questão. E quando uma equipe voltava a focar o mesmo tema na mesma comunidade, por exemplo, um buraco numa rua, que não foi fechado, raramente fazia menção à denúncia anterior. Havia um descompasso entre a denúncia e o acompanhamento do caso, sem falar que as inserções, ao menos no caso da TV Globo Recife, não eram ao vivo, eram flashes gravados, que não ultrapassavam 2 minutos e que eram inseridos, aleatoriamente, ao longo da programação e não nos telejornais.
Atualmente, com o “Calendário”, não só a denúncia e a cobrança são realizadas, como no prazo marcado, em comum acordo com reclamantes e reclamados, a equipe de jornalismo da emissora retorna ao local, na data agenda, para verificar se o que havia sido acordado foi cumprido. Caso não tenha sido cumprido, a equipe de reportagem faz uma nova cobrança às autoridades competentes e marca um novo prazo. Em alguns casos, no lugar de retornar ao local, o telejornal exibe imagens de arquivo do problema anteriormente apresentado e divulga a posição do órgão responsável sobre a situação. Na maioria das vezes, um novo prazo é estipulado entre as partes, com a mediação da equipe de jornalismo da emissora, o que reforça a ideia de papel de mediador do telejornal.
Para realizar essas reportagens junto às comunidades a produção do NE1 recebe os pedidos via telefone, whatsapp e e-mail. Em 2019 o quadro Calendário vai completar 10 anos e, durante esse período, já ultrapassou as fronteiras da Região Metropolitana do Recife. Já foram realizadas reportagens para o Calendário em 26 municípios pernambucanos, além de Fernando de Noronha. Saúde, segurança, lazer, esgoto, asfalto, iluminação, transporte, trânsito, educação, cultura, cidadania, água e serviços estão entre os temas mais recorrentes. Ele vai ao ar quase que diariamente, São exibidas em torno de 20 reportagens mensais no Calendário. Dos pedidos e cobranças realizados, até hoje, pelas comunidades com a mediação do NE1, 289 foram totalmente resolvidos. Em termos de audiência, o do NE1 edição, depois que inseriu o Calendário, passou dos 12 pontos do Ibope, em 2008, para 16 e 18 pontos, em 2009 e 2010, respectivamente⁵.
Além dos quadros “Boca no Trombone” (TJ Jornal) e “Calendário” (TV Globo Recife), observa-se que há, com frequência, engajamento das emissoras da capital pernambucana em campanhas e outras prestações de serviços. A TV Globo Recife, por exemplo, por meio Jornalismo aliado a Produção, desenvolve um projeto direcionado aos alunos do ensino médio que irão participar do ENEM. São informações e dicas destinadas especialmente para esse público, que se tornam mais frequentes no segundo semestre do ano. Professores participam de reportagens exibidas nos telejornais da emissora, entre eles O Bom Dia Pernambuco e o NE1 edição, abordando temas relacionados a História, Biologia, Física, Matemática, Língua Portuguesa, Química, Inglês, Espanhol, enfim, conteúdos, competências e habilidades que serão cobrados dos alunos na prova do ENEM e nos vestibulares das Universidades pernambucanas. É uma espécie de aula, mas apresentada no formato jornalístico, com linguagem simples, clara e atualizada, o que a aproxima, num certo sentido, da função didática que Beltrão reconhecia nos produtos para a televisão.
Considerações finais
A busca em produzir um jornalismo pautado pela atualidade e pela promoção do bem social, ainda que por vezes esse bem social resuma-se a prestação de serviços, parece ser uma estratégia mais presente nos noticiários televisivos atuais. O jornalismo, tanto da TV Globo Recife quanto da TV Jornal e de outras emissoras locais pernambucanas procuram, nas edições dos seus noticiários, aproximar as demandas da comunidade dos responsáveis por órgãos públicos, a partir da mediação do jornalismo dessas emissoras.
Outra forma de aproximação junto às comunidades, quase sempre, acontece após e durante tragédias naturais, a exemplo das enchentes - comum na Zona da Mata de Pernambuco - ou dos que ainda sofrem no agreste e no sertão pernambucano com os problemas da seca. Campanhas promocionais são realizadas pelas emissoras, de modo especial pelo jornalismo, para ajudarem as pessoas dos locais atingidos.
As equipes, além de produzirem e exibirem a cobertura dos fatos com reportagens, o que é o procedimento naturalmente esperado dos telejornais, também se empenham em realizar campanhas que promovam a solidariedade, mobilizando e orientando a população para contribuir com os desabrigados e com as cidades devastadas. As campanhas vão desde o direcionamento para doações de produtos (indicando, inclusive, quais são os mais pertinentes e onde devem ser entregues), até a convocação de voluntários para prestação de serviços nesses lugares atingidos ou em instituições que se encarregam de receber, organizar e distribuir as doações. Esse expediente também é adotado junto a campanhas de instituições e grupos que desenvolvem ações filantrópicas, a exemplo das que apoiam idosos, crianças ou doentes que demandam acompanhamentos especiais, a exemplo dos hospitais de câncer e infantis.
É possível que o telejornalismo comunitário e de prestação de serviços praticado hoje pelas emissoras de TV pernambucanas, por vezes confundido com clientelismo, não corresponda ao que Beltrão entendia como responsabilidade social do jornalismo televisivo brasileiro, uma vez que a promoção do bem comum deve levar em consideração outros elementos que contemplem o salutar exercício da cidadania e da democracia, que está para além da prestação de serviços. Essa, por certo, é uma discussão que não se esgota aqui, mas que merece maior aprofundamento em trabalhos futuros, sobretudo, nesses tempos de reses sociais.
Lícita e prudente, também, a preocupação de Luiz Beltrão com a forma e o modo que nossas escolas de jornalismo estavam – e diríamos ainda estão - preparando os jornalistas que irão atuar na sociedade, especialmente porque o jornalismo foi tomado pela em definitivo pela imagem, agora por toda parte com o advento da internet. É preciso não perder de vista o que, de forma incisiva e comprometida, Beltrão alertava para o aprimoramento do exercício jornalístico:
...toda atividade humana no convívio social, tende fatidicamente para um destes dois polos: - para a degenerescência ou para o aperfeiçoamento. E esta tendência incoercível impõe, como reativo enérgico, urgente, indispensável, o princípio e aplicação da responsabilidade no jornalismo, o qual, em virtude dela, irá perdendo definitivamente, o seu feito individualista, os seus caprichosos rumos pessoais ou de grupo para ser, como de fato há de ser, um ‘serviço público’. (Beltrão, 1960, p. 104-105).
A visão e esperança de um jornalismo compromissado, ético, preocupado acima de tudo com a responsabilidade social, está, certamente, entre os principais legados deixado pelo mestre Luiz Beltrão.
Referências bibliográficas
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______. Nos tempos da gloriosa: meus encontros, desencontros e reencontros com Luiz Beltrão. In: Benjamin (Org.) Itinerário de Luiz Beltrão. Recife: Associação de Imprensa de Pernambuco – AIP – FASA, 1998, p. 148-169.
Notas