Artigos e ensaios
Comunicação (i) material com as divindades: tipos e formas de ex-votos na religiosidade popular
Communication (i) material with the deities: types and forms of ex-votos in popular religiosity
Comunicação (i) material com as divindades: tipos e formas de ex-votos na religiosidade popular
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 37, pp. 190-206, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 30/01/2018
Aprovação: 31/05/2018
Resumo: O estudo dos ex-votos como objeto de pesquisa na área de comunicação está na origem da teoria fundada por Luiz Beltrão, a Folkcomunicação. Porém, os pesquisadores encontram, ainda hoje, dificuldades na classificação tipológica dos ex-votos. Beltrão não faz uma classificação exclusiva dos ex-votos, mas os enquadram na tipologia geral dos estudos folkcomunicacionais. A tipologia adotada hoje é a elaborada pelo pesquisador mexicano Jorge González (1981), que está restrita as manifestações culturais do catolicismo popular. O professor José Marques de Melo ao escrever sobre o tema, diz que a questão não está definida, deixando em aberto uma possível reclassificação. O objetivo deste artigo é a tentativa de ampliar o entendimento, agrupar e atualizar os tipos de ex-votos abrindo horizontes inclusive para outras manifestações religiosas que não se enquadram no catolicismo popular, mas que podem ser entendidas dentro deste processo comunicacional, hoje à margem da academia. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental, bem como o inventário através da observação participante.
Palavras-chave: Ex-voto, Tipologia, Folkcomunicação, Religiões.
Abstract: The study of exvotos as an object of research in the area of communication is at the origin of the theory founded by Luiz Beltrão, Folkcommunication. However, researchers still find difficulties in the typological classification of exvotos. Beltrão does not make an exclusive classification of the exvotos, but they fit them in the general typology of the folkcommunicational studies. The typology adopted today is that elaborated by the Mexican researcher Jorge González (1981), which is restricted to the cultural manifestations of popular Catholicism. Professor José Marques de Melo, writing on the subject, says that the issue is not defined, leaving open a possible reclassification. The objective of this article is the attempt to broaden the understanding, to group and to update the types of exvotos, opening horizons even to other religious manifestations that do not fit into the popular Catholicism, but that can be understood within this communicational process, today on the margins of the academy. The methodology used was the bibliographical and documentary research, as well as the inventory through participant observation.
Keywords: Exvoto, Typology, Folkcommunication, Religions.
Introdução
O pioneiro artigo de Luiz Beltrão “O ex-voto como veículo jornalístico” publicado no ano de 1965 na revista Comunicação & Problemas, é considerado a gênese da corrente de pesquisa acadêmica fundada por ele denominada “folkcomunicação”, que aproxima as diversas manifestações culturais populares, de modo especial as folclóricas, das pesquisas em comunicação social.
Embora Beltrão inicie sua pesquisa em Folkcomunicação; com base nos ex-votos, ele não os classificam sistematicamente. Podemos deduzir uma possível classificação tendo por base a tipologia geral das manifestações folkcomunicacionais. Segundo José Marques de Melo (2010, p. 103) Beltrão “classifica morfologicamente os ex-votos em dois subconjuntos: I) Segundo a estética: “gráficos” (desenhos e fotográficas) e “esculpidos” (pintados); e, II) segundo os suportes: quadro, imagem, fotografia, desenho, peças de roupa, utensílios domésticos, mecha de cabelo, etc”. Marques, na sequência, diz que “esse esboço classificatório mostra-se pouco operacional, porque construído teoricamente, a partir de referências contidas na literatura folclórica”.
No Livro Folkcomunicação – a comunicação dos marginalizados, Beltrão (1980, p. 259-279 – Anexo 3) ofereceu alguns indicadores básicos para a pesquisa de Folkcomunicação, para facilitar aos interessados nos estudos e pesquisa nesta área, diz: “oferecemos um levantamento dos principais meios de expressão utilizados”. São eles:
- Folkcomunicação oral: o linguajar; nomes próprios, alcunhas, xingamentos e palavrões; provérbios, comparações, frases feitas; orações e suas paródias, pragas; contos, histórias, fábulas, mitos e lendas; quadras (trovas) e glosas; pregões (expressão de vendedores ambulantes); parlendas, mnemorias, formuletes (gêneros comunicacionais infantis); anedotas, advinhas, travalínguas, bestiologias.
- Folkcomunicação musical: assovio e aboio; cantorias (disputa poética cantada); a canção; os ritmos populares; instrumentos e orquestras.
- Folkcomunicação escrita: grafitos; manuscritos/datilógrafos/ em xerox; impressos; postais/santinhos/estampas; veiculados pelos MCS.
- Folkcomunicação icônica: escultura popular; objetos de identificação e adorno pessoal; a habitação e objetos utilitários e de decoração.
- Folkcomunicação de conduta (cinética): o trabalho e o lazer; autos, danças, espetáculos populares; atividades religiosas; atividades cívico/políticas.
Este levantamento foi revisitado por Marques de Melo (2008, p. 89-95) constatando que: “Esta ‘Tipologia da Folkcomunicação’ constitui, na verdade, um desafio aos pesquisadores comprometidos com a sedimentação dessa disciplina”. A dificuldade estaria em distinguir certas fronteiras (oral/musical) ou (escrita/manuscrito).
José Marques de Melo apresenta então uma subdivisão tendo em conta o gênero (forma de expressão determinada pela combinação de canal e código), diferentemente de Beltrão que apresentava cinco gêneros, agora aparecem quatro (oral; visual; icônica; cinética) facilitando assim a pesquisa; formato (estratégia de difusão simbólica determinada e pela combinação de intenções (emissor) e de motivações (receptor); e tipo (variação estratégica determinada pelas opções simbólicas do emissor, bem como por fatores residuais ou aleatórios típicos da recepção).
Dentro da tipologia apresentada por Marques, o ex-voto está enquadrado na Folkcomunicação icônica, no formato devocional.
Marques de Melo (2010, p. 104) sugere aos pesquisadores a classificação dos ex-votos segundo o culturalista mexicano Jorge A. González, autor do livro Exvotos y retablitos – religión popular y comunicación social en México, no qual fez um estudo primoroso sobre os ex-votos como forma de comunicação social. Segundo o estudo de González (1986, p. 10-13, tradução nossa), podemos qualificar os ex-votos em cinco tipos:
Em relação ao estudo de Gonzaléz, Marques de Melo não fecha a questão, pelo contrário: “Como se trata de uma tipologia originalmente construída no México, é possível que os pesquisadores brasileiros se deparem com outras espécies, que deverão ser arroladas, agrupadas e se possível classificadas”. (2010, p. 104)
O ex-voto, é uma prática devocional que teve início antes mesmo do cristianismo. Os registros mais antigos dos ex-votos, como compreendemos atualmente, foram encontrados em duas localidades na região que hoje é a Itália. As cidades de Pesto e Lácio abrigavam grandes templos em homenagem aos deuses cultuados por estes povos (GOMES GORDO, 2015). Ou seja, essa relação comunicacional por meio do ex-voto com a divindade está alicerçada em práticas religiosas antigas. Somente depois, acabou sendo associada, quase que exclusivamente, ao catolicismo popular.
As classificações tipológicas dos ex-votos, tanto de Beltrão, Marques de Melo, como de González, estão intimamente ligadas à tradição popular católica. Porém, a compreensão alargada do sentido do ex-voto, uma vez que era uma prática politeísta que foi incorporada no catolicismo, abre espaço para um entendimento mais amplo e diversificado do que sejam de fato os ex-votos, incluindo a presença marcante deste processo comunicacional em outras confissões cristãs evangélicas (de modo especial as pentecostais e neopentecostais) e nas religiões de matriz africana e na espírita.
A não inclusão deste universo religioso, que cada dia ganha mais força, sobretudo no Brasil, reduz as pesquisas acadêmicas nesta área. Embora os evangélicos utilizem outros termos para materializar a graça alcançada, acreditamos que estas “novas” formas de anunciar o “milagre” recebido, podem sim ser contempladas dentro de uma classificação tipológica dos ex-votos, incentivando futuras pesquisas folkcomunicacionais.
Mesmo dentro do catolicismo, outras formas de pagamento de promessa foram espontaneamente surgindo nos últimos anos, de modo especial com o advento da internet e que hoje ainda não foram classificadas. A prática religiosa dos ex-votos se renova e se adapta constantemente, este movimento ancestral está no senso religioso do ser humano, em nosso imaginário.
Como elaborar uma atualização tipológica dos ex-votos, incluindo não só as novas formas de pagamento de promessas provenientes do catolicismo popular, mas também as práticas de agradecimento por um milagre alcançado em outras expressões religiosas?
Metodologia
A trajetória metodológica adotada neste artigo constou de dois pilares: o primeiro foi a pesquisa bibliográfica, o segundo, o inventário, metodologia já estabelecida no campo da Folkcomunicação relacionada a pesquisas que têm como objeto os ex-votos.
Como fizemos o inventário?
José Marques de Melo, sugere como método de estudos dos ex-votos o inventário: “inventariar todas as peças incorporadas ao acervo do núcleo de devoção [...] o ideal é inventariar todas as peças expostas.” (MARQUES DE MELO, 2010, p. 105).
Os autores Silvia Regina da Mota Rocha e Carlos Xavier de Azevedo Netto, ambos da Universidade federal da Paraíba em artigo sobre o Inventário do Patrimônio Religioso da Paraíba, escrevem sobre os dois eixos da pesquisa tendo por base o inventário:
"No que concerne ao modelo conceitual do Inventário, o primeiro eixo de sua conceituação refere-se à forma na qual está estruturada suas duas categorias macro: que possibilitarão categorizações geral e específica do objeto em inventariação, respectivamente, configuradas da seguinte forma: - Como categorias macro temos: categorização geral; e categorização específica; - Como categorias subsequentes ou complementares temos: informação contextual; informação suporte e artística; informação semântica; e informação histórica e documental. O segundo eixo de conceituação refere-se aos desdobramentos das categorias subsequentes ou complementares configurados em diversas tipologias ou campos para registro de informação especializada de diversas áreas de conhecimento: Ciência da Informação, Biblioteconomia, História, Estética, Restauração e Conservação e Teologia. Portanto, os campos ou categorias indexais para registro de informação especializada que compõem a ficha de inventário não apresentam relação hierarquizada, mas de complementariedade, com vistas à qualificação dos bens culturais móveis e integrados religiosos." (ROCHA; NETTO, 2012, p. 13).
Na nossa pesquisa se enquadra na categoria macro, com categorizações gerais e específicas. O inventário foi realizado em locais físicos como santuários (catolicismo); igrejas (católica e protestantes); cruzeiros e cemitérios (religiões de matriz africana e catolicismo popular); e outros locais de cultos que congregam tanto a umbanda como o candomblé. Também pesquisaremos em plataformas digitais da internet.
Selecionamos alguns espaços físicos e digitais com base na Matriz Religiosa Brasileira2, São locais que estão intimamente ligados à cultura religiosa de nosso país, desde a devoção oriunda do catolicismo popular; das expressões devocionais da matriz africana e povos originários e do cristianismo evangélico, de modo especial o neopentecostal que se apropria de muitos elementos simbólicos tanto do catolicismo quanto das religiões embasadas na cultura africana.
2.1 Espaços físicos pesquisados:
Santuário do Divino Pai Eterno – Trindade - Goiás.
Santuário São Francisco do Canindé – Canindé – Ceará.
Igreja – Padre Donizetti – Tambaú – São Paulo.
Igreja Deus é Amor – Sede Mundial – São Paulo – São Paulo.
Cruzeiro – Cemitério da Saudade – Campinas – São Paulo.
Casa de Iemanjá – Salvador – Bahia.
2.2 Espaços midiáticos pesquisados:
Foram inventariados também programas de TV evangélicos que priorizam em seus roteiros os testemunhos de graças recebidas (muitos são somente pela via da oralidade, outros além do testemunho oral estão acompanhados da materialidade da graça recebida, como carteiras de trabalho, fotos de antes e depois, dentre outros). Nossa pesquisa teve como objeto de estudo espaços midiáticos digitais, especificamente os canais da mídia digital YouTube, pois os conteúdos veiculados neste meio foram primeiramente televisionados e agora estão disponíveis na internet com acesso a qualquer hora e local (embora tanto evangélicos quanto católicos se utilizem desses meios, focaremos em nossa pesquisa os canais evangélicos). Os dois canais escolhidos pertencem a denominações neopentecostais, pois a base central de seus programas são os testemunhos.
Igreja Universal do Reino de Deus – Canal no YouTube.3
Igreja Mundial do Poder de Deus – Canal no YouTube.4
A partir das visitas a locais e do acesso aos canais do Youtube, não nos detivemos na análise de cada peça, mas foi feita uma descrição dos ex-votos expostos não lhes atribuindo juízo de valor. Também não trabalhamos com fichas especificas com análise de cada peça e nem com a quantidade de determinadas categorias. A tarefa metodológica configurou-se na produção de uma lista (geral) dos tipos de ex-votos identificados (categorização geral e específica) em cada um dos locais visitados. Dessa forma foi determinado um tempo exato para o procedimento. A pesquisa ocorreu de acordo com a especificidade de cada local visitado e do número de ex-votos nele depositados, lógica que também foi adotada para os sites.
2.3 Etapas do inventário:
Identificação das peças – foi feito um registro de todas as peças encontradas. Seguimos como ponto de partida a tipologia de González, listando os ex-votos que se enquadram nesta categoria, as peças que não se encaixaram, agrupamos separadamente. Como já dissemos, não focamos no número exato de peças similares, mesmo que em uma modalidade existissem dezenas de peças e em outra apenas uma, elas tiveram o mesmo tratamento de valor. (Tipologia de González: objetos figurativos; representativos; discursivos; midiáticos e pictóricos).
Categorização – para facilitar a separação dos gêneros encontrados, agrupamos as peças (primeiramente, como já dissemos, segundo os tipos propostos por González, e posteriormente agrupando peças que formam outras categorias). Esta categorização não foi a mesma em cada identificação, pois encontramos diversidade de material comparando um local de pesquisa com outro. A categorização no inventário também não representou a tipologia final, foi apenas um recurso para agrupar as peças.
Atualização da tipologia dos ex-votos
A tipologia criada por González tem por base a experiência religiosa do povo mexicano. Existe, como sabemos, muita similaridade cultural e religiosa entre o México e o Brasil5. Justamente por essas semelhanças a classificação tipológica de González foi adotada pelos pesquisadores da Folkcomunicação, sem contudo encerrar a matéria. Pois, é possível que ao pesquisar sobre o tema, sobretudo no trabalho de campo, os estudiosos dos ex-votos se encontrem com particularidades que não foram contempladas na tipologia de González, elaborada para a realidade mexicana.
Como já dissemos, González classifica os ex-votos em cinco tipos: figurativo, representativo, discursivo, midiático e “retablitos” (pictóricos). No trabalho de pesquisa que fizemos ao inventariar as peças encontradas, usamos como base da nossa pesquisa a tipologia de González. Todos os ex-votos que se enquadravam dentro dessa tipologia eram identificados. Depois percebemos que alguns deles não se encaixavam nesta tabela. Criamos, dessa forma, novas categorias para que a maioria das peças, que entendemos como ex-votos, pudessem ser inventariadas.
Também percebemos, que com o advento de novas técnicas comunicacionais, alguns ex-votos se “modernizaram”, ou se ajustaram ao tempo presente, como as expressões digitais que circulam em abundância através da internet. Por essa razão, sugerimos que seja acrescentado no tipo ex-voto midiático o termo digital. Ficando, portanto ex-votos midiáticos e digitais.
Tendo em vista a possibilidade de uma atualização do que foi definido como linha mestra dos estudos, que têm como objeto o ex-voto, apresentamos algumas considerações e possíveis adequações.
Além das cinco categorias tipológicas elaboradas por González, sugerimos acrescentar mais cinco: alimentícios; arquitetônicos; corpóreos; agradado e orais.
Proposta de nova tipologia para os estudos folkcomunicacionais dos ex-votos
Nossa proposta para uma nova tipologia dos ex-votos inclui as cinco categorias de Jorge González (1981, p. 9-13), acrescentando mais cinco que são frutos de nossa pesquisa, contemplando não só o universo do catolicismo popular, mas abrindo possibilidades que outras práticas religiosas, entendidas por nós como ex-voto, pudessem ser catalogadas e consequentemente estudadas pelos pesquisadores da Folkcomunicação.
Para essa nova tipologia, apresentaremos o tipo de ex-voto, uma breve descrição do que seja, e em seguida alguns exemplos, sem, contudo abordar e catalogar todos os formatos, pois estamos diante de múltiplas possibilidades.
Seguem os tipos de ex-votos:
Ex-votos figurativos
Ex-votos representativos
Ex-votos discursivos
Ex-votos orais
Ex-votos midiáticos e digitais
Ex-votos pictóricos
Ex-votos arquitetônicos
Ex-votos de agrado
Ex-votos corpóreos
Ex-votos alimentícios
Descrição de cada tipo e formatos (difusão simbólica):
a) Ex-votos figurativos
São os objetos que expressam de forma figurativa e simbólica a graça que o fiel recebeu. Os formatos podem ser os mais variados possíveis e confeccionados de diversos materiais (madeira, cera, papel, isopor, plástico, resina, pedra, dentre outros).
Dentre as peças é possível encontrar: partes anatômicas do corpo humano, como cabeça, braços, mãos, pés, dedos, pernas, orelhas, olhos, boca, nariz, órgãos genitais masculinos e femininos, seios; órgãos internos, como rins, coração, fígado, intestinos, garganta, língua, útero, pulmões, próstata, bexiga, baço, dentre outros.
Figuras humanas na totalidade indicando muitas vezes a parte do corpo que foi agraciada com o milagre.
Fotos de partes do corpo, pontuando o local da graça alcançada.
Miniaturas de casas, barcos, carros, bicicletas, motocicletas.
Figuras de animais desde domésticos, até selvagens.
Latas ou sacos com vegetais ou grãos agradecendo a colheita.
b) Ex-votos representativos
Peças que representam metonimicamente um aspecto, elemento ou componente da totalidade do milagre (sendo uma figura de linguagem, no formato objeto, que é empregado ou usado com sentido, mesmo que fora do seu contexto).
Neste tipo, os formatos são os mais variados como, por exemplo: martelos, tesouras, tornos mecânicos, jalecos de professores ou de profissionais da saúde, crachás de empresas, cópias ou reproduções de carteiras de trabalho, representando “sucesso e uma colocação no mercado de trabalho”.
Diplomas e títulos emoldurados, cópias de monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado, fotos de formatura, álbuns de formatura, vestidos e ternos de formatura, representando “êxito escolar”.
Quepes, dragonas, distintivos, fardas, representando “promoção militar”.
Vestidos de noiva, buquês de noiva, grinaldas, cestinhas de alianças, fraques, gravatas, representando “sucesso ao conseguirem se casar”.
CDs, capas de disco, instrumentos musicais (como violão, acordeão, flauta, guitarra), faixas de miss, livros publicados, vestidos usados em premiações, representando “sucesso artístico”.
Camisetas de times de futebol, bolas de diversos esportes, troféus, medalhas, representado “sucesso esportivo”.
Garrafas de bebidas alcoólicas, latas de bebidas alcoólicas, representando a “libertação do vício”.
Maços de cigarro, cachimbos, cachimbos artesanais para o uso de drogas, charutos, cigarrinhos parecidos com os de maconha, narguilés, cigarros eletrônicos, representando a “libertação do vício”.
Muletas, tipoias, cadeiras de roda, carcaças de gesso, aparelhos ortopédicos, óculos, prótese dentária, radiografias, exames médicos, vidrinhos com cálculos renais ou vesiculares, fotos destacando a parte do corpo enferma, representando “saúde recuperada”.
Capacetes, peças de moto, carro e bicicleta, representando “livramento na hora do acidente”.
Vidros contendo vômitos, representando dois tipos de libertação – “libertação da saúde” em que o vômito é a doença expelida, como câncer ou tumores, “libertação espiritual” em que o vômito é a presença do maligno (ou do espírito demoníaco) expelida;
Umbigos de recém-nascidos, representando a “sorte no nascimento”.
Peças de roupas e sapatos (de uso diário, ou de eventos especiais - como batizados, primeira comunhão, crisma -, ou de algum dia especial na vida do devoto) de pessoas que receberam o milagre.
Fotografias de rosto da pessoa agraciada, de famílias reunidas, grupos de amigos, de animais, propriedades, localidades e muitas outras.
c) Ex-votos discursivos
Objetos que descrevem os milagres através da escrita, exemplos:
Cartas, bilhetes, cartazes, gravuras, placas (de mármore, granito, plástico, metal), banners, panfletos e santinhos de papel feitos sob demanda, faixas.
Escritas (com canetas, carvão ou com pedras) em paredes de templos, grutas e túmulos de cemitério.
d) Ex-votos orais
São os testemunhos orais que podem ou não ser acompanhados de alguma materialidade. Geralmente são proferidos em assembleias públicas de culto, por incentivo do presidente da celebração, ou são espontâneos.
Muitas vezes o ex-voto da oralidade não passa pela instituição religiosa, acontecem em eventos promovidos pelos próprios agraciados, como orações do terço, novenas, louvores, grupos de oração.
Podem ser incluídos aqui os testemunhos dados em programas de rádio e em programas televisivos via telefone.
e) Ex-votos midiáticos e digitais
São os anúncios veiculados em jornais, revistas, sites e portais de internet, blogs, redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp) e outros meios de comunicação.
Geralmente difundidos fora dos santuários e ali expostos como demonstração do milagre recebido. Os veículos tanto podem ser oficiais das instituições religiosas, ou criados por devotos sem vínculos institucionais.
f) Ex-votos pictóricos
Quadro em madeira ou em outro tipo de material, ilustrando o milagre através de representações desenhadas e pintadas contendo, geralmente, a representação da cena no exato momento do milagre.
Muitos trazem a estampa do santo (ou santa) que favoreceu o milagre no alto da cena, como que interagindo efetivamente na realização da graça.
A maioria dos ex-votos pictóricos traz também a descrição discursiva de como o milagre foi realizado, identificando o nome do agraciado e a data do ocorrido.
g) Ex-votos arquitetônicos
São os ex-votos que têm como forma de pagamento da promessa, a construção arquitetônica ou a interferência em um imóvel destacando a devoção particular ou familiar.
Muitos templos, capelas, ermidas, grutas, cruzeiros e até mesmo túmulos são erguidos no cumprimento de um voto.
Nos altares dessas edificações são entronizadas, em local de destaque, as imagens do santo ou da entidade que realizou o milagre.
Alguns devotos mandam afixar na parede externa de suas residências, lojas e empresas a estampa ou a imagem do santo protetor (geralmente feitos em azulejos, ou em pequenos nichos no alto do imóvel).
Outro exemplo comum são vitrais em igrejas. O devoto depois de alcançar a graça doa um vitral para uma igreja que está sendo construída, e na base do vitral se coloca a inscrição: “por uma graça alcançada”.
h) Ex-votos de agrado
O devoto deseja agradar a divindade que realizou o milagre. Há certa compreensão, com base no imaginário popular, ou revelado pela entidade, das coisas que lhe agrada.
Por essa razão os fiéis oferecem presentes como: flores; velas; incensos; joias (coroas, tiaras, braceletes, brincos, pulseiras, colares de ouro e pedras preciosas); bijuterias (imitação de joias das mais variadas possíveis).
Adereços e materiais para a beleza (cremes cosméticos, material para maquiagem facial, espelhos, pentes).
Charutos (também cachimbos e cigarros variados, fumo de corda).
Roupas e acessórios como mantos, véus, túnicas (confeccionados para vestirem a imagens dos santos, respeitando inclusive a cor que a entidade mais gosta).
Estandartes em homenagem a divindade.
Se a graça alcançada foi por intermédio de algum “anjinho” (crianças enterradas em cemitérios consideradas santas) é comum vermos brinquedos e chupetas.
Outra tradição, como ex-voto agradável é a promessa de mandar rezar missa de Ação de Graças para determinados santos (tanto os canonizados oficialmente, quanto os santos populares).
Temos também como pagamento de promessa batizar os filhos com os nomes dos santos de devoção, nesta mesma linha colocar o nome do estabelecimento comercial em homenagem a eles.
Festas religiosas que surgiram de devotos que fizeram suas promessas.
i) Ex-votos corpóreos
São os pagamentos de promessa em que o corpo do devoto é utilizado como meio de pagar a promessa.
São vários os exemplos: deixar o cabelo crescer por um determinado tempo e depois de cortar, oferecê-lo à divindade; caminhar de joelhos pela nave central de uma igreja, ou em um trajeto que faça sentido ao devoto.
Fazer peregrinações a pé até o santuário ou igreja do santo de devoção.
Fazer jejuns ou privação de algum alimento específico que o devoto goste.
Mortificações como o uso do cilício.
Alguns devotos precisam sentir que o corpo padece no momento de pagar a promessa, por essa razão muitos buscam o sacrifício físico ao extremo, como caminhar entre pedras e brasas, carregar por longas distâncias imagens e cruzes; rezar de joelhos durante muito tempo, ou de braços abertos.
Outros ainda utilizam do próprio corpo para homenagear suas divindades, como vestir-se conforme a imagem da entidade ou do santo (a roupa, geralmente, depois é deixada no templo aos pés da entidade ou do santo).
A prática de fazer tatuagens (religiosas) pelo corpo como expressão de agradecimento. As tatuagens podem ser variadas em suas formas e tamanhos.
Uso de objetos religiosos que remetam à devoção (terços, medalhas, crucifixos).
j) Ex-votos alimentícios
Oferecer à divindade que realizou o milagre, alimentos e bebidas, subentendido pelo imaginário popular, ou revelado pela entidade, que tais oferendas irão satisfazer e deixá-la feliz.
Se tivermos em conta as religiões de matriz africana, a lista de alimentos e bebidas pode ser extensa, pois cada orixá, ou entidade, têm apreço por determinados alimentos e bebidas.
Como exemplo de comidas salgadas, citamos: acarajé; canjica; pipoca; espigas de milho cozidas ou cruas; carnes variadas de diversos animais (cruas, fritas, assadas, ou cozidas); sarapatel; pimentas; pirão de inhame; camarões; quiabo; peixes de água doce; peixes de água salgada; abará; farofa; feijoada; charque.
Doces: como quindim; doce de coco; doce de abóbora; doce de cidra; arroz-doce; doces com canela; mungunzá; bolos de diversos tipos e sabores.
Frutas, como maçã; abacaxi; morango; melão; maracujá, e pinha. E a lista segue com dezenas de comidas.
Entre as bebidas, podemos citar: licores; aguardente (cachaça / pinga); vinhos doces (licorosos) e secos (tintos ou brancos); cervejas claras e escuras; conhaque; whisky; espumante (champanhe); sucos; água de coco; água natural, servida em copos ou em garrafas.
Para os santos populares que estão nos cemitérios, são oferecidos vários tipos de alimentos e bebidas. Se forem crianças predominam os doces; balas; pirulitos; chocolates; pão molhado na água caso o “anjinho” não consiga mastigar; iogurte; leite e refrigerante.
Quando o santo popular morreu de alguma tragédia, geralmente se oferece água na tentativa de aliviar o seu sofrimento.
Considerações finais
Com base na pesquisa que fizemos e ancorados na tipologia de ex-votos proposta por Jorge González, concluímos que a atualização dessa tipologia com as cinco novas categorias ampliaria o entendimento que temos acerca dos ex-votos, possibilitando, inclusive, novas pesquisas acadêmicas na área da Folkcomunicação tendo como objeto o pagamento de promessas.
Neste artigo sugerimos uma tipologia, atualizada, dos ex-votos, sobretudo tendo em conta outras manifestações religiosas que não estão ligadas de forma exclusiva ao catolicismo. Incluímos nesta nova tipologia expressões devocionais relacionadas ao pagamento de promessa (ex-voto) de importantes seguimentos religiosos do Brasil, como as denominações evangélicas e as religiões de matriz africana (Candomblé e Umbanda). E o fundamento dessa inclusão se baseia na própria história dos ex-votos, sempre presente em manifestações religiosas ancestrais.
Acreditamos, inclusive, que a tipologia que propomos abarca também outras formas religiosas que não contemplamos em nossa pesquisa. A nova tipologia, a nosso ver, possibilita um enquadramento mais amplo da ação devocional de retribuir a uma divindade a graça efetivada ou o milagre realizado.
Referências bibliográficas
ARAGÃO, Iury Parente. A construção de um santo: caso motorista Gregório. Teresina: EDUFPI, 2015.
BELTRÃO, Luiz. . ex-voto como veículo jornalístico. In: MARQUES DE MELO, José; FERNANDES, Guilherme Moreira (Orgs.). Metamorfose da Folkcomunicação – Antologia Brasileira. São Paulo: Editae! Cultural, 2013.
______. Folkcomunicação – a comunicação dos marginalizados. São Paulo, Cortez: 1980.
______. Comunicação e Folclore. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1971.
______. Folkcomunicação: teoria e metodologia. São Bernardo do campo: UMESP, 2004.
______. Folkcomunicação – Um estudo dos agentes e dos meios de informação de fatos e expressões de ideias. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
CUNHA, Magali do Nascimento. A Explosão Gospel – um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: MAUAD, 2007.
GOMES GORDO, Luís Erlin. Ex-Voto . a saga da comunicação perseguida. São Paulo: Ave-Maria, 2015.
GONZÁLEZ, Jorge. Exvotos y retablitos. comunicación y religión popular en México. México: Universidade de Colima, 1986. Disponível em: < http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31610102 >. Acesso em: 14 de set. 2017.
______. Entre Cultura(s) e cibercultur@(s). São Bernardo do Campo – SP: Metodista, 2012.
______. Retablitos y antuários, entre la cultura y el poder. Anuário Unesco de Comunicação Regional, n. 5, pp. 213-235, 2001.
MARQUES DE MELO, José. Mídia e cultura popular. São Paulo: Paulus, 2008.
______. Os caminhos cruzados da comunicação – história, taxionomia e metodologia da folkcomunicação. São Paulo: Paulus, 2010.
______. Prefácio. In: BELTÃO, Luiz. Folkcomunicação – A Comunicação dos Marginalizados. São Paulo, Cortez: 1980.
______, José; FERNANDES, Guilherme Moreira (Orgs.). Metamorfose da Folkcomunicação . Antologia Brasileira. São Paulo: Editae! Cultural, 2013.
MOREIRA, Aldemar. Formas Populares da Religião – experiências brasileiras e teorias sociológicas. São Paulo: IRESI: 1967.
OLIVEIRA, Marcelo Pires de. Prólogo. In: OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. (Org.). Ex-votos das Américas – comunicação e memória social. Curitiba: Editora CRV, 2017.
ROCHA, Silvia Regina da Mota & NETTO, Carlos Xavier de Azevedo. Construção e Análise do Inventário do Patrimônio Religioso Paraibano. informação como representação social. XIII ENANCIB. 2012. Disponível em: < http://enancib.ibict.br/index.php/enancib/xiiienancib/paper/view/3942/3065 > Acesso em: 20 de Abr. 2017.
POEL, Francisco van der. Dicionário da Religiosidade Popular . Cultura e religião no Brasil. Curitiba: Nossa Cultura, 2013.
SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes no Brasil. Museu Histórico nacional. Rio de Janeiro, 1981.
TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. Precursores e Pioneiros. In: MARQUES DE MELO, José; FERNANDES, Guilherme Moreira (Orgs.). Metamorfose da Folkcomunicação – Antologia Brasileira. São Paulo: Editae! Cultural, 2013.
Notas