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Políticas e estratégias de comunicação na comunidade Padre Hildon Bandeira, João Pessoa-PB, Brasil: sobre micro-revoluções cotidianas
Severino Alves de Lucena Filho; Juliana Freire Bezerra
Severino Alves de Lucena Filho; Juliana Freire Bezerra
Políticas e estratégias de comunicação na comunidade Padre Hildon Bandeira, João Pessoa-PB, Brasil: sobre micro-revoluções cotidianas
Communication policies and strategies in the community Padre Hildon Bandeira, João Pessoa-PB, Brazil: on everyday micro-revolutions
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 37, pp. 256-272, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: Este trabalho teve como objetivo analisar o papel desempenhado por ativistas-folk na comunidade rurbana Padre Hildon Bandeira, situada em João Pessoa-PB, sob a perspectiva do Desenvolvimento Local e da Teoria da Folkcomunicação. Do estudo, evidenciamos em que medida os atores sociais contribuem para a nutrição de redes cívicas e de comunicação, criando oportunidades, democratizando socialmente a comunidade e estabelecendo relações de solidariedade e confiança, bem como angariando benefícios sociais junto aos poderes públicos.

Palavras-chave:Folk-ativismoFolk-ativismo,ComunicaçãoComunicação,CidadaniaCidadania,Desenvolvimento LocalDesenvolvimento Local.

Abstract: This study objected to analyze the role developed by folk-activists in Padre Hildon Bandeira “rural urban” community, located in João Pessoa-PB, under the Local Development perspective and the Folkcommunication Theory. From the research was verified on witch circunstances the social actors contribute to the development of civic networks and communication, creating opportunities, socially democratizing the community and establishing relations of solidarity and trust, as well as raising social benefits with public authorities.

Keywords: Folk-activism, Communication, Citizenship, Local Development.

Carátula del artículo

Artigos e ensaios

Políticas e estratégias de comunicação na comunidade Padre Hildon Bandeira, João Pessoa-PB, Brasil: sobre micro-revoluções cotidianas

Communication policies and strategies in the community Padre Hildon Bandeira, João Pessoa-PB, Brazil: on everyday micro-revolutions

Severino Alves de Lucena Filho
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil
Juliana Freire Bezerra
Brasil
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 37, pp. 256-272, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 12/04/2018

Aprovação: 07/05/2018

Introdução

A Folkcomunicação é uma linha teórica da Comunicação Latino-Americana que busca investigar os canais e procedimentos comunicativos forjados pelas minorias da sociedade. De acordo com Sodré et al (2009), estas são entendidas como fluxos de resistência cultural, econômica, política e comunicativa, fomentadores de lutas contra-hegemônicas, por vezes anti-capitalistas, que freiam os imperativos elitistas locais, nacionais e globais. É intuito das minorias, portanto, aumentar o poder de abrangência e legitimidade de suas vozes, que foram historicamente silenciadas, para influenciar com mais força os campos de decisões políticas (PERUZZO, 1998).

Cabe, portanto, à Folkcomunicação analisar e compreender estas estratégias políticas e comunicativas, muitas vezes divulgadas por meio de canais informais de comunicação, bem como geradas a partir de diálogos e processos de difusão de informação espontâneos (WOITOWICZ, 2014). Para tanto, o criador da Teoria, Luiz Beltrão, categorizou, ainda na década de 1960, didaticamente, estas minorias em marginalizados urbanos ou rurais e culturalmente marginalizados, dependendo das especificidades causais que caracterizam o afastamento destes grupos dos centros de fala e poder da sociedade. Os agentes destas resistências, por sua vez, foram classificados, segundo Beltrão (1980), em messiânicos, político-ativistas e erótico-pornográficos, de acordo com as pautas reivindicatórias, bem como das estratégias de política e comunicação que defendiam e utilizavam para expressarem-se, enquanto agentes de transformações sociais.

Nesta perspectiva, as localidades não desenvolvidas, sejam rurais ou urbanas, configuram brechas valiosas de atuação destes agentes transformadores, que buscam fomentar projetos sociais e políticos promotores de oportunidades e combatentes de privações coletivas enfrentadas pela população de que fazem parte. Na conjuntura contemporânea, somados às formas de comunicação popular tradicionais, outros formatos comunicativos e horizontais de difusão social de informações e conhecimentos, possibilitados com o advento da internet e de tecnologias comunicativas multimídias, fortalecem este processo de busca por vez e voz das minorias.

A inquietação acerca de como são desenvolvidas as formas de expressão e articulação de comunidades populares na atualidade, fomentadoras da luta contra privações coletivas e a favor da conquista de direitos sociais, desembocaram nos seguintes questionamentos, a serem respondidos neste estudo: como agem as pessoas que se destacam em seu grupo de referência para endossarem a cidadania e a democratização social local, através da alimentação de redes de comunicação cotidianas, face a face, sociais e virtuais? Quais estratégias políticas e comunicativas os ativistas-folk elaboram para a promoção da luta em busca de vida mais digna na localidade e de geração de oportunidades socioeconômicas?

Intentando compreender, portanto, estes processos de fortalecimento da contra-hegemonia, através do olhar da comunicação popular em suas novas abrangências, é que, neste estudo, analisamos, sob a perspectiva do Desenvolvimento Local, o papel desempenhado por ativistas-folk na comunidade popular rurbana Padre Hildon Bandeira. Esta situa-se no bairro da Torre, em João Pessoa-PB, Brasil, às margens de uma das principais avenidas da cidade, a Beira Rio.

Para tanto, selecionamos duas categorias de análise: o Capital Social e o Capital Humano. Ambos configuraram lupas analíticas necessárias para que captássemos o espírito cívico atual da comunidade Padre Hildon Bandeira e desvendássemos as falhas e acertos de estratégias de busca por Desenvolvimento Local. No que toca o percurso metodológico deste trabalho, fizemos uso das técnicas da observação participante, realizada durante três meses, da entrevista semiestruturada realizada com os três ativistas-folk selecionados para este estudo, bem como das entrevistas exploratórias realizadas com demais atores sociais da comunidade e da história oral de vida. Por meio desta última técnica, procuramos apreender os processos de interação e de configuração de repertórios que se enunciam através de ações, gestos e palavras, entre as pessoas envolvidas. Para coletar dados objetivos referentes à configuração familiar, local de nascimento, escolaridade, participação oficial em organizações comunitárias, infraestrutura domiciliar e renda dos três ativistas-folk selecionados na comunidade para este estudo, bem como de mais seis ativistas que identificamos ao longo da pesquisa e que contribuíram como narradores da história da comunidade, aplicamos questionários. Estes compreendiam duas tabelas, que foram preenchidas por nós- uma no começo, outra no fim, de cada entrevista semiestruturada ou exploratória. Desta forma, este instrumento de pesquisa facilitou a sistematização de informações necessárias para a compreensão de questões relacionadas ao modo como os ativistas vivem e se colocam na comunidade, especificamente, e na sociedade, de forma mais abrangente. Subsidiariamente coletamos documentos, livros, fotografias e matérias jornalísticas, que serviram para fortalecer nossa compreensão acerca da realidade local e dos atores que nela atuam e habitam.

Ativismo-folk para o Desenvolvimento Local

O conceito ativismo-folk é uma atualização do Líder de Opinião pensado na década de 1960 por Luiz Beltrão. Este entendia por Líder de Opinião as pessoas que transitavam mais habilidosamente entre a localidade e o exterior a ela, como caminhoneiros, viajantes, rezadeiras, parteiras, trazendo as novidades de fora à comunidade e vice-versa (BELTRÃO, 1980). Mas com o acesso social mais facilitado à mídia na contemporaneidade, estes agentes sociais perderam um pouco da função de intermediários das notícias e passaram a exercer mais intensamente a função de mediadores culturais e políticos.

Neste sentido, Trigueiro (2008) afirma que são ativistas-folk as pessoas que se destacam em seu grupo de referência por I-realizar hibridizações entre as culturas populares e hegemônicas, estas muitas vezes advindas pela mídia, o que gera produtos chamados por ele de folkmidiáticos e/ou II- por configurar canais de comunicação e articulação política entre comunidade e poder público, fomentando a luta contra-hegemônica e a busca por Desenvolvimento Local (TRIGUEIRO, 2008; MACIEL, 2012).

No presente trabalho, o conceito de Desenvolvimento Local é embasado pelas lupas teóricas de Franco (2000) e Oliveira (2001). Segundo eles, mais do que uma busca por dinamização financeira em comunidades pobres, o Desenvolvimento Local persegue a democratização social, através do compartilhamento de acesso a oportunidades de desenvolvimento humano, e o exercício da cidadania. Pois, segundo Oliveira (2001), é através da política que melhorias sociais são alcançadas.

Oliveira (2001) ainda afirma que reduzir o Desenvolvimento Local à mensuração de índices de acumulações financeiras que permitem acesso a serviços e bens, sem considerar a dimensão cidadã- a qual não pode ser quantificada, pois se trata de um “estado de espírito social e humano”, seria fechar os olhos às causas complexas e macro das privações sociais enfrentadas no mundo, bem como ao motivo da dependência de grupos oprimidos às camadas hegemônicas para sobreviver. “O desafio do desenvolvimento local é o de dar conta desta complexidade, e não voltar as costas para ela” (OLIVEIRA, 2001, p.13).

Por este viés é que intentamos analisar, neste estudo, em que medida os ativistas-folk identificados contribuem para a promoção do espírito cívico local, em nome dos desenvolvimentos humanos e sociais da comunidade Padre Hildon Bandeira. Para tanto, foram selecionadas duas subcategorias analíticas: o Capital Humano e o Capital Social.

Capitais Humano e Social como recursos da cidadania

Enquanto o Capital Humano faz referência às habilidades, sonhos, conhecimentos e motivações desenvolvidas individualmente pelo ser humano, o Capital Social faz menção às capacidades que este possui de compartilhar seus capitais humanos com outras pessoas e formar redes sociais de convivência, bem como de civismo.

Neste sentido, Franco (2000) pontua que redes sociais de séria envergadura, como organizações locais políticas, bem como as lúdicas e espontâneas, como os jogos de futebol ou as reuniões em praças, por exemplo, são tão importantes quanto para a fomentação do espírito cívico e do ethos de pertencimento comunitário, ambos necessários, segundo Bauman (2003), para o fortalecimento da luta contra-hegemônica.

É que é através dos encontros, do estar reunido, que o Capital Social se solidifica num grupo. E, quanto mais as pessoas da comunidade se conectam em redes diversas de encontros, mais os Capitais Humanos são compartilhados e os desenvolvimentos humanos e social dos grupos alimentados. Jara (1999) indica em seus estudos que o que temos dentro de nós, permeia o que falamos e nutrimos uns em relações aos outros. De maneira similar, como num ciclo, o espírito que rege o grupo, seu valores e normas também influenciam quem somos. Desta forma, se as pessoas da comunidade nutrem amor e zelo de uns para com os outros, o ethos coletivo será colaborativo e solidário para o enfrentamento de privações tanto de ordem social, como individual.

Putnam (2000), assim como Coleman (2001), entende ainda que as normas, as redes de comunicação e a confiança são pilares para a fomentação de sistemas cooperativos e coordenados, tão melhores para o Desenvolvimento Local de comunidades não-desenvolvidas, quanto mais fortes os valores cívicos e éticos. Por este viés, as normas sociais estabelecidas podem garantir sentimento de segurança local, por exemplo, enquanto redes de comunicação fechadas estabelecem os dignos de confiança e desconfiança na localidade, bem como estimulam pautas de lutas coletivas do grupo, haja vista que, como pontua Sodré (2009), o que caracteriza as minorias é a força de transformação comum que as impulsiona a mudar realidades. Da mesma maneira, atos e sentimentos de solidariedade, de cooperação e de confiança, bem como habilidades e conhecimentos necessários para a fomentação de ações altruístas e cidadãs de enfrentamento a privações sociais, são fomentados nas redes de comunicação comunitárias, sejam elas virtuais e/ou físicas, através do debate de ideias e das normas e ações de reciprocidade.

Neste sentido é que intentamos analisar em que medida os ativistas-folk da comunidade Padre Hildon Bandeira contribuem para fomentar estes espaços de convivência social e de compartilhamento de conhecimentos, solidariedade, oportunidades e falas para o desenvolvimento humano e social da população comunitária.

Quem são nossos agentes locais?

Para a feitura da presente pesquisa, inicialmente, nos debruçamos a detectar as pessoas que se destacavam na comunidade Padre Hildon Bandeira pelos Capitais Humano e Social que possuíam. Esta primeira etapa foi realizada através das técnicas da observação participante e de entrevistas exploratórias realizadas aleatoriamente com atores locais. Três ativistas-folk foram selecionados para este estudo: Júlio César, Giselda Lima e Luís Paulo Araújo. Apresentamos cada um deles e analisamos suas atuações sociais na localidade a seguir.

Ativismo-folk político em busca de conquistas sociais

O primeiro ativista analisado neste estudo é Luís Paulo Araújo, de 58 anos. A ligação dele com a comunidade Padre Hildon Bandeira é antiga. Ele chegou nesta há 30 anos, advindo do município de Serra Redonda, situado no interior paraibano, para fundar sua padaria em João Pessoa. Conhecido como Luís da Padaria, o comerciante de origem rural e ambições políticas tratou logo de fazer amizades no local com seus vizinhos, estabelecendo vínculos de solidariedade e ajuda mútua.

Desta forma, foi ganhando a simpatia local e se candidatou em 2002 à presidência de Associação de Moradores da localidade, único órgão oficial do local voltado a tratar de questões políticas. Venceu e desde então não saiu da gestão da Organização. Em 2006, se reelegeu, e, em 2010, como não podia mais se candidatar, lançou sua esposa, Claudenice Felipe da Silva, de 49 anos, como candidata. Ela venceu esta eleição e há dois mandatos assume a presidência local. Nesta conjuntura, Araújo exerce oficialmente a função de diretor financeiro da Associação, mas todos da comunidade o reconhecem como presidente desta, pois é ele quem toma a frente da Gestão, tendo utilizado sua esposa como estratégia para permanecer no Governo.

Revelando a função do presidente da Associação, Araújo (2016) afirma:

Você sabe que hoje numa associação o presidente é um agente político. Então, ele escuta as demandas da comunidade e busca consegui-las, se articulando aos governos. Traz conhecimento sobre seus direitos à comunidade. Eu trago advogados pra instruir as pessoas sobre seus direitos, sobre pensão, programas sociais que podem ter acesso.

Em outras palavras, Luís da Padaria revela que desempenha o papel de mediador entre a localidade e o poder público, ao servir como porta voz das reivindicações da população local, através do posto que assume na Associação de Moradores. É sua função estabelecer esta articulação mais facilitada da comunidade com os poderes para que esta tenha suas privações sociais dirimidas. É papel dos gestores da Associação também, segundo sua fala, proporcionar o contato da população local com informações e conhecimentos jurídicos, políticos, midiáticos que lhes interesse e beneficie; o que é gerador de Capital Humano (conhecimento) político para o exercício cidadão.

Neste processo de mediação que exerce, Araújo (2016) afirma que a dificuldade principal enfrentada em seu primeiro mandato, há 14 anos, enquanto presidente da Organização local, foi a de estabelecer diálogo com os criminosos da comunidade. Ele reuniu os “chefões do tráfico”, como se referiu, para lhes solicitar que sanassem a violência e os assaltos comuns na comunidade à época.

Aqui sempre teve bandidinho safado, que a mulher saía de dentro de casa, alguma lavadeira dessa aí, quando voltava, o caba tinha roubado a televisão. Aquilo começou a me encher o saco. Quando eu ganhei a primeira vez na Associação, eu chamei os chefão tudinho pra conversar. Fiz uma reunião dentro da Associação e disse ‘rapaz, olhe, querem bagunçar? Vão bagunçar lá fora. Agora aqui vocês vão ter que respeitar!’” (ARAÚJO, 2016).

Entrevistas realizadas atualmente com pessoas da comunidade com quem adquirimos confiança pelas visitas frequentes foram consensuais quanto à leitura sobre o grau de violência local. Todos os entrevistados realçaram que o tráfico de drogas é ainda um mal presente na comunidade, mas que, com pouca frequência um assassinato ou roubo ocorre. Isto revela que a Comunidade Padre Hildon Bandeira, apesar de ser acometida pelos males de uma desestruturação social comum às localidades populares urbanas, possui algo que a difere das outras: o ethos comunitário, o sentimento de pertencimento à população vicinal, que nutre o zelo, o carinho e a confiança que uns destinam aos outros.

Afora o combate à violência, Araújo também fica atento aos projetos sociais ofertados pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Por executar um cargo administrativo na Prefeitura Municipal de João Pessoa, ele está sempre em contato com os secretários municipais para trazer benefícios para a comunidade. Também transita habilidosamente pelos espaços de trabalho de atuação do Governo do Estado, pois já foi ligado ao atual Governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, quando este ainda era prefeito de João Pessoa.

Isto revela que a facilidade que possui em se articular aos poderes advém do grau de parceria que estabelece com eles, incluindo o fato de Luís Paulo e sua esposa, gestores da Organização Local, exercerem também cargos comissionados na Prefeitura. Este fato de forte pertencimento a grupos políticos compromete, porém, o grau de autonomia da Associação de Moradores e, de certa forma, lhe causa dependência a estes.

Moradores revelam que os políticos só vão à comunidade em época de eleição, visando votos. Isto talvez pudesse ser mudado, se a Associação possuísse independência para demandar maior apoio político ao local, na fomentação e manutenção de projetos sociais que gerassem oportunidades para a população. Percebemos ainda, apesar de constatar boa vontade na fala de Araújo, que a Associação de Moradores não inspira uma ágora local de participação coletiva e debate de ideia. Isso porque, os gestores promovem poucas reuniões para ouvir as demandas locais e exercem função representativa, ainda que não saibam o que os seus vizinhos demandam nas conversas cotidianas nos bares, na praça, nos mercadinhos.

É papel dos ativistas políticos comunitários, contudo, incitar a democracia, bem como a participação local; e não as cessar. Por isso, contatamos que, apesar dos vários benefícios trazidos durante os 14 anos de gestão de Luís Paulo Araújo e de sua esposa, Claudenice Felipe da Silva, como escadarias, lombada eletrônica na Beira Rio, reforma na lavanderia, praça, projetos sociais, etc.; falta algo mais importante: o estímulo ao espírito cívico e ao desenvolvimento humano local. E isto se faz com gestões menos representativas, quanto mais participativas e inclusivas.

Ativismo-folk messiânico e político ativista a favor da saúde e da paz local

Não há ladeira na comunidade Padre Hildon Bandeira que ela tenha deixado de percorrer a pé e nem casa nos entornos que ela desconheça de quem é. Isso porque, Giselda Lima da Silva, de 52 anos, além de residir no local há 34 anos, desempenha a função de agente de saúde comunitária há 22, quando foi selecionada, como primeira colocada, através de um concurso realizado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, em 1996.

Revelando quais são suas incumbências no trabalho, ela afirma:

(...) a agente de saúde toma conta da comunidade, visitando as casa das mãe de família, orientando, dá vacina nas crianças, olha os pesos da criança menor de dois anos, faz o acompanhamento de vacina até cinco anos de idade, olha passagem de vacinas, incentiva as mães a vacinar (...). Orienta também as pessoas que têm problema, que é hipertenso, a tomar a medicação, fazer a dieta que é importante pra ela, os exercícios, que é bom pra saúde também (SILVA, 2015).

Para dar conta das 146 famílias que atende, Silva organiza suas visitas a partir de critérios de agendamento específico, que prioriza os grupos com riscos de saúde, como gestantes, crianças, hipertensos, diabéticos; etc. Ela revela que adentrar nas casas das pessoas da comunidade e ganhar suas confianças foram tarefas difíceis. Inicialmente, as famílias parecem não estar abertas a recebê-la e evidenciam uma primeira rejeição; um ar de desconfiança, segundo Silva (2015). Mas, com o tempo, a partir de um trabalho contínuo, as pessoas vão entendendo que ela está ali para ajudá-las a agir da melhor maneira possível, frente aos problemas que lhe afligem.

Para ganhar credibilidade na localidade, Silva começou, então, a falar em público, ministrando palestras sobre saúde e sobre os problemas sociais ligados à comunidade no espaço físico da Associação de Moradores; juntamente com enfermeiras e médicas. Sua intenção era tornar mais popular a linguagem técnica utilizada pelos demais profissionais de saúde, visando tornar as informações relevantes para a saúde comunitária mais acessíveis e propensas à aceitação.

Além deste olhar mais atento à saúde de grupos considerados prioritários na comunidade; Silva também exerce a função de mediadora de conflitos nos domicílios, orientando as famílias visitadas a agirem de maneira mais prudente e amável uns com os outros. Ela acredita ser sua função também, então, observar nuances que ocorrem dentro do seio familiar para ofertar orientações que primem pela paz e harmonia local. Silva (2015) afirma que atua desta forma para:

amenizar mais a violência, até dentro da comunidade, trazer os pais, mostrar pra família, que a gente vive melhor com a gente mesmo com a paz, pra nós todos melhora, pra saúde melhora também porque a violência mais tarde pode trazer complicação pra gente e pra todo mundo da comunidade, pra as pessoas também, né? (...). A gente orienta a mãe que desde pequenininho, quando nasce a criança, não fazer briga, não brigar muito pra não prejudicar futuramente a comunidade, pra não ficar muito violenta (...).

Silva (2015) acredita, assim como Jara (1999) afirmou, que o clima cívico local é uma extensão dos valores positivos que nutrimos individualmente e expressamos ao outro, através da nossa fala, dos nossos olhares, das nossas atitudes de solidariedade, amor e cooperação. Segundo o olhar teórico dele e as falas cotidianas dela, não há como criar espaços sadios e de forte pertencimento comunitário, se não forem construídos e compartilhados capitais humanos (pensamentos, desejos, sonhos) positivos. E, como num ciclo, as redes de relações sociais, que são nutridas pelo que há dentro destas pessoas conectadas umas a outras, quanto mais acumulam e compartilham ações sadias, mais colaboram para a geração de maior desenvolvimento humano na comunidade.

Desta forma, constatamos que mais do que um trabalho técnico de educação preventiva de saúde, Silva desempenha um trabalho social que inspira o espírito cívico local. Analisando a biografia da agente de saúde e suas leituras da vida, observamos que Silva (2015) não suporta violência e sofrimento, pois foi vítima destes. Incentiva a busca pelo conhecimento, através do estudo, e a paz local, porque ambos os sonhos lhe foram negados na infância. Ao contrário de reproduzir o que sofreu, ela busca mudar a realidade das crianças da comunidade, através das quais se enxerga, relembrando o passado. Em outras palavras, ela mediatiza laços sociais, e fomenta o espírito cívico local para que as crianças e a comunidade possam se desenvolver em meio a um clima saudável, como indicaram os estudos de Putnam (2000) e Colemam (2001).

Ativismo-folk desportivo em nome da inclusão social

Era 1998, quando a casa de uma família residente de área de risco no bairro do Distrito Industrial, em João Pessoa, foi atingida pelo desmoronamento de uma barreira. Na hora do acontecimento, estavam no domicílio uma criança de quatro anos, outra de nove e os pais delas. Ninguém sofreu ferimentos. Só susto. O risco de morte sofrido fez, contudo, com que a família migrasse, às pressas, para a comunidade do Cafofo. Esta fica localizada no bairro da Torre, ladeada à Comunidade Padre Hildon Bandeira, na capital paraibana. E, foi assim, com seus pais, à época, desempregados, em busca de construir uma casa com teto de lona e chão; nada mais do que isso; que Júlio César da Silva, com seus nove anos de idade, foi parar na localidade, onde até hoje habita.

Relembrando sua história de vida, o ativista folk, com agora 29 anos, afirma que, não fosse os fatos terem se desenvolvido desta forma, ele talvez não fosse quem se tornou. Isso porque, foi andando pelas vizinhanças do Cafofo, que conheceu aos 14 anos um projeto voluntário de capoeira que ocorria na comunidade Padre Hildon Bandeira. Neste projeto, professores ligados ao Grupo Axé Capoeira, que tem sua sede no Recife e filiais por todo o país, desde 1982, ofertavam ensino gratuito do esporte em comunidades populares e a localidade analisada no presente estudo era uma das contempladas.

Impulsionado, então, pelo desejo de aprender a se defender nas brigas que ocorriam entre os adolescentes das comunidades Padre Hildon Bandeira e Cafofo, o adolescente, à época, que ganhou de seu primeiro professor o codinome de Júlio Ratinho, referência à ligeireza dos seus passos de capoeira, que se assemelha à rapidez de um roedor, logo percebeu que, com o esporte, tinha oportunidade de viver experiências, que, devido ao seu baixo poder aquisitivo, eram consideradas impossíveis. Fez viagens interestaduais com o Grupo Axé Capoeira, aprendeu um pouco de outros idiomas (inglês e espanhol), conheceu em campeonatos e encontros proporcionados pelo seu Grupo brasileiros de diferentes estados e estrangeiros ligados a outros grupos de capoeira no exterior, com quem mantém contato e amizade, através de redes sociais e aplicativos, como o falecido Orkut, e atualmente o Facebook e o Whatsapp.

Tentando retribuir, então, a oportunidade de desenvolvimento humano de que desfrutou, a partir do compartilhamento de Capital Humano de ativistas-folk anteriores, Júlio Ratinho deu continuidade ao projeto desportivo na comunidade Padre Hildon Bandeira e faz uma década que é professor do esporte e organizador do projeto no local, uma vez que seus antigos mestres tiveram de deixar de ofertar as aulas gratuitas. Sobre sua permanência há tanto tempo no projeto social, ele revela: “eu acho que fiquei por eu ser de comunidade, por eu acreditar que fiz parte desse trabalho, que eu resolvi levar isso comigo, né? Ajudar as crianças. ”

Desta forma, o ativista-folk revela que o forte sentimento de pertencimento à comunidade, o carinho e o zelo que sente pelas crianças e adolescentes do seu espaço, que forma o espírito de “nosso lugar”, bem como de gratidão, o impulsiona a querer compartilhar o seu Capital Humano (conhecimento), transformando-o em Capital Social. Este, como mencionamos anteriormente, faz referência ao ethos comunitário de estar junto, se ajudando, se comprometendo um com outro, se articulando para que todos se desenvolvam coletivamente num trabalho cívico, mesmo que lúdico, de busca por democratização social, através da criação de oportunidades outrora inexistentes.

Assim, Júlio Ratinho, depois que sai do trabalho que desempenha como consultor de vendas em empresa privada, ministra todas as quartas-feiras, das 19h30 às 21h, e sábados de 16h30 às 18h, aulas de capoeira para 15 crianças e adolescentes das comunidades Padre Hildon Bandeira e circunvizinhas. As aulas são realizadas no espaço físico da Associação de Moradores da Comunidade Padre Hildon Bandeira, que é disponibilizado também de forma gratuita. Esporadicamente, os treinos também ocorrem nos domingos.

Através do papel de agente político e social que exerce em sala de aula, colabora para o desenvolvimento pessoal, bem como para a fomentação do espírito comunitário e solidário entre os jovens. Neste sentido, ele afirma, que por não ter apoio político para dar prosseguimento ao projeto, conta com a ajuda mútua entre os próprios alunos para que as vestimentas e os instrumentos musicais sejam ofertados a todos os participantes.

Eu tenho alunos que treinam comigo que trabalham e no momento que eu preciso de uma coisa assim que quero ajudar um aluno, eu digo: ei, gente, eu quero ajudar um aluno aí, vamo ver aí quanto é o valor aí pra comprar um uniforme pra ele, vamo rachar aí. Então eu vou e pego o meu, pego o de um aluno, pego de outro,chego no dia e digo “oh, toma aí teu uniforme”. Então isso aí é a união (RATINHO, 2016).

No projeto social desenvolvido por Ratinho, os alunos solidificam o grupo social de convivência cotidiana e virtual- através das redes online- bem como desenvolvem, na autopedagogia do estar junto, aptidões para a proatividade, para a comunicação dialógica e horizontal, para a reflexão sobre o esporte e outras questões da comunidade, para a colaboração, para a reciprocidade, para exercício do amor para com o próximo.

Considerações finais

Através das análises dos dados e discussão dos três folk-ativistas, Luís Paulo Araújo, Júlio César da Silva e Giselda Lima da Silva, podemos constatar que suas estratégias comunicativas e políticas colaboram para o estabelecimento de normas sociais positivas, como de segurança, de confiança e de fortalecimento do ethos comunitário; bem como com relações de reciprocidade e solidariedade, seja através da promoção de projetos desportivo ou de saúde, seja através de mediações políticas organizadas pelo diretor financeiro da Associação de Moradores Local. Constatamos também que a nutrição de redes de relações cotidianas e do grau de civismo da sociedade local ocorrem em graus distintos. Enquanto Júlio César e Giselda Lima da Silva são ativistas que promovem redes de comunicação fechadas, envoltas por princípios de participação, autonomia e solidariedade; Luís Paulo Araújo parece não estimular a voz dos atores comunitários, desempenhando, assim, papel de gestor representativo, numa democracia local tão menos direta, quanto menos compartilhamento de falas e visões de mundo na comunidade for realizado. Identificamos também que favores individuais concedidos a este gestor por parte de Governos Municipal e Estadual comprometem a autonomia da Associação de Moradores, enquanto único órgão oficial de luta política local.

Neste sentido, destacamos que as estratégias políticas realizadas por Luís Paulo Araújo compreendem o uso da comunicação vertical em redes abertas, o que não colabora muito para o compartilhamento do Capital Humano e Social que o ativista possui para a comunidade; ainda que traga benefícios para o local, a partir do alto grau de articulação com os poderes públicos que construiu. Já Júlio César e Giselda Lima da Silva se utilizam de comunicação dialógica e em grande medida horizontal, em redes fechadas, para desenvolverem falas pedagógicas fortalecedoras do Capital Social comunitário e dos Capitais Humanos.

Convém ressaltar ainda que Júlio César, talvez pela razão de ser jovem, é o único ativista a fomentar redes de relações online. Por meio de grupos no Whatsapp e no Facebook, ele alimenta o diálogo e a amizade entre a turma de capoeira local, bem como estabelece pontes de contato entre esta e outras pessoas vinculadas ao esporte no Brasil e também em outros países do mundo. Luís Paulo Araújo possui igualmente conta no Facebook, onde divulga os benefícios trazidos para a comunidade e as parcerias que estabelece. Mas, diferentemente de Júlio Ratinho, o uso destas ferramentas virtuais por esse tem finalidade essencialmente individual. Constatamos ainda, com o estudo, que apesar de conhecerem os trabalhos uns dos outros e desfrutarem de boas relações, bem como fomentarem princípios positivos, de solidariedade e confiança, na comunidade, configurando-a como local abençoado a que Putnam (2000) e Coleman (2001) se referiram; os ativistas-folk analisados não estabelecem articulações que liguem os projetos sociais, de forma a multiplicar oportunidades e fortalecer as redes de relações in loco. Isto é uma falha de estratégias política e comunicativa, evidenciada nas falas daqueles, para o Desenvolvimento Local, em sua perspectiva de entendimento inclusivo e cidadão. Na tabela abaixo, podemos visualizar de forma resumida a conclusão deste trabalho. Por conter os três tipos de Capital Social categorizados por Putnam (2000) e Coleman (2001), a tabela conclusiva mostra visualmente como e em que medida cada ativista-folk agiu utilizou as redes de comunicação local para a promoção de normas sociais positivas e relações de reciprocidade na comunidade Padre Hildon Bandeira. Também exibe qual tipo de Capital Humano cada ativista-folk possui e como este colabora ou não para a configuração do Desenvolvimento Local.

Figura 1
Tabela de Conclusão da pesquisa

da autora, 2016.

Material suplementar
Referências bibliográficas
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Notas
Figura 1
Tabela de Conclusão da pesquisa

da autora, 2016.
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