Resumo: A partir da discussão teórica relacionada aos conceitos de Folkcomunicação, o presente artigo pretende descrever como os atores envolvidos com a Festa de São Tiago, no Amapá, são representados no webjornalismo local. A tradição de celebrar o festejo foi trazida da África para a vila de Mazagão Velho, no século XVIII, mantendo-se no espaço temporal pelas narrativas orais. Para fazer a observação, o trabalho utilizou o percurso metodológico baseado na categorização das fontes de notícias – especialista, referência, testemunhal, institucional, notável, empresarial, oficial e popular – nos sites G1 Amapá e SelesNafes.com, durante julho de 2017. Contudo, embora os rituais e a história da festa sejam marcados pela intensa presença da cultura popular, houve a predominância de fontes oficiais no levantamento de 20 publicações verificadas.
Palavras-chave:FolkcomunicaçãoFolkcomunicação,Festa de São TiagoFesta de São Tiago,WebjornalismoWebjornalismo.
Abstract: From the theoretical discussion related to the concepts of Folkcommunication, the present article intends to describe how the actors involved with the Festa de São Tiago, in Amapá, are represented in the local webjournalism. The tradition of celebrating the feast was brought from Africa to the village of Mazagão Velho in the eighteenth century, keeping in the temporal space by oral narratives. In order to make the observation, the work used the methodological route based on the categorization of news sources – specialist, reference, testimonial, institutional, notable, corporate, official and popular – in the G1 Amapá and SelesNafes.com sites, during July 2017. However, although the rituals and the history of the festival are marked by the intense presence of popular culture, there were predominant official sources in the survey of 20 verified publications.
Keywords: Folkcommunication, Festa de São Tiago, Webjournalism.
Artigos e ensaios
Cultura popular no webjornalismo do Amapá: as representações da Festa de São Tiago¹²
Popular culture in Amapá webjournalism: the representations of the Festa de São Tiago

Recepção: 03/10/2018
Aprovação: 05/11/2018
As manifestações culturais se expressam a partir de signos, símbolos, ícones e estão presentes nas crenças, danças, musicalidade, religiosidade, culinária, oralidade, produções artísticas e festas. Neste contexto, com o objetivo de estudar os procedimentos comunicacionais das manifestações da cultura popular ou folclore, surge a Folkcomunicação, primeira teoria da comunicação genuinamente brasileira.
As investigações iniciais em Folkcomunicação foram realizadas por Luiz Beltrão (2004), na década de 1960. Em suas pesquisas empíricas no interior do Nordeste, o autor identificou a preocupação de estudarmos os grupos marginalizados e seus processos de comunicação e, diferentemente da atenção dada aos meios massivos, devemos enfocar e aprofundar os processos que estão direcionados a um mundo que faz a vinculação estreita entre folclore e comunicação popular.
Assim sendo, os seguidores de Beltrão procuraram ampliar a definição de Folkcomunicação. Passou-se, então, a considerar que as manifestações da cultura popular “se expandem, se sociabilizam, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influência da comunicação massificada e industrializada ou se modificam quando apropriadas por tais complexos” (HOHLFELDT, 2002, p. 52).
Portanto, destacamos a Festa de São Tiago, considerada a maior manifestação cultural e religiosa da vila de Mazagão Velho⁵, no Amapá. A devoção ao guerreiro Tiago foi trazida, no século XVIII, pelas famílias portuguesas transferidas do continente africano para região amazônica, após os confrontos político-religiosos contra os muçulmanos.
O festejo acontece de 16 a 28 de julho, com ponto alto no Dia de São Tiago, 25 de julho. Mesmo possuindo uma forte expressão de fé e comoção, o evento não está associado somente à religião. Além da novena, ladainha, missa e procissão, também tem atividades profanas, com bailes dançantes, shows e arraiais.
Segundo Marlon Pastana (2017, p. 60), em Mazagão Velho, a Festa de São Tiago tem um papel social essencial: “faz parte do cotidiano dos moradores. Sendo que os rituais e a história da festividade passam de geração a geração através de um processo de oralidade, presente mesmo nos dias atuais”. Atualmente, o evento é organizado pela Associação Cultural da Festa de São Tiago, em parceria com a Diocese de Macapá, tendo apoio da Prefeitura Municipal de Mazagão e do Governo do Estado do Amapá.
Com base nisso, o presente artigo pretende descrever como os atores envolvidos com a Festa de São Tiago são representados no webjornalismo amapaense. Para fazer a referida identificação, nos baseamos na sistematização das fontes de notícias categorizadas por Schmitz (2011) – especialista, referência, testemunhal, institucional, notável, empresarial, oficial e popular – para observar os sites G1 Amapá⁶ e SelesNafes.com⁷, escolhidos por serem os veículos online mais antigos em atividade no estado.
O portal G1, que engloba as plataformas do Globo.com, instalou-se no Amapá em julho de 2013. O site reúne o catálogo de vídeos veiculados ao G1 em 1 Minuto, G1 na Rede, além do Bom Dia Amazônia e das primeiras e segundas edições do Jornal do Amapá. Também disponibiliza na home page os links de acesso para os programas de entretenimentos da Rede Amazônica (conglomerado de mídia que retransmite o sinal da TV Globo no estado), páginas institucionais do grupo e GloboEsporte.com local. Não há divisão por editorais.
Já o SelesNafes.com, criado pelo jornalista Seles Nafes, foi lançado em dezembro de 2013. O webjornal é dividido em oito editorias (Amapá, Política, Política e Economia, SNTV, Turismo, Beleza, Cultura e Interessante). O veículo tem apoio para produções audiovisuais da produtora Bureau Amazônia, que presta serviços para propagandas comerciais, institucionais e políticas.
No artigo, o recorte abrange de 1º a 31 julho de 2017, em razão da festa acontecer na segunda quinzena desse mês, levantando um total de 20 publicações (10 conteúdos em cada site). Com o objetivo de atingir as finalidades da pesquisa, também foi realizado o levantamento bibliográfico sobre a Teoria da Folkcomunicação (LUCENA FILHO, 2007; SCHMIDT, 2011, 2012, MARQUES DE MELO, 2008; BELTRÃO, 2004; TRIGUEIRO, 2001, 2005, 2006; HOHLFELDT, 2002).
Portanto, para melhor compreensão, a estrutura do trabalho foi dividida em três momentos. Primeiramente, irá apresentar sobre cultura popular e Folkcomunicação. O tópico seguinte mostrará acerca da Festa de São Tiago, bem como a origem e a programação do evento. E, para finalizar, será abordada a representação da festividade no webjornalismo amapaense, constando a análise e interpretação dos 24 definidores de fonte encontrados durante o período de 31 dias.
A cultura popular é caracterizada pelas crenças, tradições, musicalidade, literatura, folclore, religiosidade e demais costumes relacionados aos grupos marginalizados. Lucena Filho (2007) explana que as manifestações contra-hegemônicas buscam amparar o lado emocional através das criações e representações que trazem nostalgia de um tempo idealizado.
A partir desta perspectiva, compreende-se que Folkcomunicação⁸ é o processo de intermediação entre a cultura de massa e a cultura popular, “protagonizando fluxos bidirecionais e sedimentando processos de hibridação simbólica. Ela representa inegavelmente uma estratégia contra-hegemônica das classes subalternas” (MARQUES DE MELO, 2008, p. 25).
São considerados os diversos formatos de expressão popular que fazem a transmissão de valores e sentimentos como mídias próprias ao público, assim como os inúmeros formatos e mensagens que apresentam essas significações. “A cultura é a grande tela onde estão configuradas essas maneiras de exibir os conteúdos produzidos no cotidiano de cada grupo, de acordo com as suas necessidades materiais e imateriais” (SCHMIDT, 2012, p. 121).
Luiz Beltrão (2004), ao pesquisar os fenômenos comunicacionais na década de 1960, batizado por ele de Folkcomunicação, verificou que as camadas marginalizadas possuem formas próprias de se expressarem e de conceberem o mundo e, por isso, seu cotidiano compõe uma grande arena que dialoga com a comunicação contra-hegemônica. Com base nisso, o autor se preocupou em relação aos processos que esses homens criam e estabelecem para se comunicar e manifestar valores, ideias e atitudes.
O discurso folclórico, em toda a sua complexidade, não abrange apenas a palavra, mas, também, meios comportamentais e expressões não-verbais e até mitos e ritos, que vindos de um passado longínquo, assumem significados novos e atuais, graças a dinâmica da Folkcomunicação. (BELTRÃO, 2004, p. 72)
Em suas pesquisas, Beltrão (2004) identificou a figura do líder de opinião, denominando-o de comunicador de folk. Ainda que o líder de opinião tenha maior acesso a outras fontes de informação e contato com diferentes grupos, este continua vinculado às suas referências culturais locais, sendo capaz de expressar e traduzir as mensagens a partir de uma linguagem adequada e acessível para os seus receptores. Ele nem sempre é uma autoridade reconhecida, mas possui carisma e alcança uma posição de conselheiro ou orientador da audiência.
Com os novos formatos da sociedade contemporânea, Osvaldo Trigueiro (2006) apresenta a definição de ativista midiático como substituto do comunicador de folk. Ele emerge nas redes de comunicação cotidiana, as chamadas folkmidiáticas, como sujeito que, além de ganhar uma condição de visibilidade, age motivado pelos seus interesses e do grupo social ao qual pertence.
No mundo globalizado, discorre Trigueiro (2006, p. 5), “não há espaços para antagonismo entre as culturas locais e as globais. O que existe são diferenças entre as duas esferas, movimentos de reconfigurações de uma nova realidade como consequência dos avanços das novas tecnologias das telecomunicações”. Atualmente, prevalece a atuação dos ativistas midiáticos como encadeadores de modificações e inovações para o consumo dos bens simbólicos e materiais nas redes de comunicação cotidianas dos grupos populares.
Neste sentido, Lucena Filho (2007) também apresenta uma nova abrangência aos estudos em Folkcomunicação: o Folkmarketing, tendo referências conceituais e ferramentas da comunicação mercadológica e do marketing. Segundo ele, as festas populares se convertem em conteúdo midiático de natureza mercadológica e institucional, via apropriação do universo simbólico da festividade, como estratégia comercial das organizações que são parceiras/gestoras e patrocinadoras.
Antonio Hohlfeldt (2002) complementa que o contexto social mudou, mas manifestações continuam existindo, só que agora elas se apresentam mais complexas. Ao contrário das previsões de que iria ocorrer o esgotamento gradativo das pesquisas em Folkcomunicação, trata-se de um campo de estudos que vem sendo reforçado e atualizado continuamente. Por isso, cabe aos pesquisadores da comunicação em objetivar a definição de campo e, ao mesmo tempo, lutar para que a denominação de Folkcomunicação se afirme de maneira menos ambígua no meio acadêmico.
Antes, porém, de discorrermos sobre a origem da Festa de São Tiago, é necessário abordarmos brevemente acerca da fundação da vila de Mazagão Velho, no Amapá. Segundo Ione Cabral, Tatiane Cardoso e Roberto Pena (2012), no século XVIII, a cidade denominada Mazagão estava localizada no território marroquino e, assim como o Brasil, era colônia de Portugal. Mas, em decorrência dos conflitos político-religiosos entre portugueses (cristãos) e muçulmanos (mouros), o rei de Portugal, Dom José I, decidiu transferir a cidade do continente africano para a região amazônica.
Portanto, em 23 de janeiro de 1770, as 160 famílias – aproximadamente 1.022 pessoas entre colonos portugueses e escravos – chegaram às margens do rio Mutuacá, no sul do Amapá, após uma longa viagem de barco com breve passagem por Belém (PA).
A transferência dessas famílias para a Amazônia foi uma verdadeira odisseia devido ao abandono por parte do rei. Medo e sofrimentos como dores físicas e psicológicas em todos os sentidos, a cidade está vazia e as péssimas condições que enfrentaram os mazaganenzes desde a saída para Lisboa, até a chegada ao Novo Mundo. (PASTANA 2017, p. 57)
À vista disso, sete anos depois a imigração forçada para a vila de Nova Mazagão (hoje, Mazagão Velho), dava-se início às celebrações dos santos Tiago e Jorge, como uma maneira de manter viva a tradição dos ancestrais que ficaram do outro lado do Oceano Atlântico e que também cultivavam a devoção ao guerreiro Tiago. Em Portugal, Marrocos e Mauritânia, também se reproduziam, através de um palco a céu aberto, a representação das batalhas religiosas ocorridas na África entre mouros e cristãos. De acordo com os relatos dos moradores locais descritos por Ione Cabral, Tatiane Cardoso e Roberto Pena (2012),
A festa de São Tiago tem sua origem na lenda que conta o aparecimento do missionário Tiago como soldado anônimo que lutou historicamente contra os mouros. Desde a conquista das terras africanas, os lusitanos, católicos fervorosos, tentaram converter os muçulmanos ao cristianismo e a aceitar a fé em Cristo e o batismo de sua religião. Isso provocou descontentamento nos seguidores de Maomé que, mais tarde, declarariam guerra contra os cristãos que eram liderados, na época, por Tiago e Jorge. (CABRAL; CARDOSO; PENA, 2012, p. 13)
Neste contexto, trazemos o conceito de tradução cultural de Stuart Hall (2011), que descreve aquelas formações de identidade compostas por pessoas que foram afastadas de suas fronteiras naturais e que, embora permaneçam os fortes vínculos com os lugares de origem e suas tradições, elas não têm a ilusão de um retorno ao passado. Ocorre, então, uma negociação com as novas culturas, mas sem perder totalmente suas identidades.
Dessa forma, “mesmo invadida por turistas e da presença de forças inovadoras, a festa não perdeu, ou perde pouco, de sua antiga qualidade e de seus aspectos mais tradicionais” (PASTANA, 2017, p. 61), sendo mantida através do tempo e do espaço por um processo de narrativas orais, mas com novos significados e relações sociais. Atualmente, o evento é organizado pela Associação Cultural da Festa de São Tiago, em parceria com a Diocese de Macapá, tendo apoio da Prefeitura Municipal de Mazagão e do Governo do Estado do Amapá.
A Festa de São Tiago mistura cavalhada⁹, sincretismo religioso e teatro, no período de 16 a 28 de julho. O ponto alto na programação do evento acontece no Dia de São Tiago, em 25 de julho, com missa campal, círio e encenação teatral da guerra entre mouros e cristãos. “Os preparativos para a Festa de São Tiago consomem algumas semanas e essa preparação envolve todos os moradores, os quais são os protagonistas da festa” (PASTANA, 2017, p. 62).

Anualmente, um cavaleiro diferente tem a responsabilidade de representar São Tiago durante a festividade. A escolha acontece através de sorteio realizado no ano anterior, em 15 de agosto, Dia de Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Mazagão. No sorteio, também são escolhidas as figuras de São Jorge, Atalaia e Menino Caldeirinha10.
Marlon Pastana (2017) afirma que a Festa de São Tiago, como a maioria das manifestações populares no Brasil, é composta pelo lado sagrado, que engloba novenas, ladainhas, missas e procissões; e pelo lado profano, que se dá nos bailes dançantes, shows e arraiais. Cabe lembrar que as festas religiosas e profanas remetem às influências históricas do período colonial, tornando-se os principais elementos para o desenvolvimento do comércio regional e local, com saberes presentes também no artesanato e na culinária (LUCENA FILHO, 2007).

Na visão de Cristina Schmidt (2011, p. 37), o período de toda a preparação e execução de um festejo religioso ultrapassa as relações cotidianas, principalmente, dos grupos religiosos e devotos, no qual “os rituais são muito importantes na composição de suas vidas, tem sentido valorativo pessoal e coletivo, mas também um significado sobre-humano, pois nessas ocasiões o povo penetra no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância”.
O artigo pretende descrever de que forma os atores envolvidos com a Festa de São Tiago são representados no webjornalismo do Amapá. Para fazer a referida identificação, nos baseamos na sistematização das fontes de notícias categorizadas por Schmitz (2011): especialista, referência, testemunhal, institucional, notável, empresarial, oficial e popular. O quadro a seguir demonstra o conceito de cada classificação:
Portanto, no período de 1º a 31 de julho de 2017, levantamos 20 conteúdos que se referem direta ou indiretamente à Festa de São Tiago, sendo 10 do portal G1 Amapá e 10 do SelesNafes.com. Destes, segundo as tipologias de Schmitz (2011), 17 apresentam um ou mais definidor como fonte, totalizando 24 definidores. Assim, nos sites analisados durante a cobertura do evento, constatamos a presença das classificações “institucional”, “oficial” e “popular”.

Os conteúdos estudados sobre a cobertura do evento permitiram ponderar alguns aspectos pertinentes à utilização de fontes jornalísticas. Conforme observado na tabela acima, o definidor “oficial” aparece com mais frequência. Essa categoria é a preferida da mídia, mas, embora possa falsear a realidade para preservar seus interesses ou do grupo político aliado (SCHMITZ, 2011), avaliamos que as matérias não trouxeram investigação ou alguma informação complementar que confronte a declaração da fonte oficial.
Destacamos dois exemplos de matérias que se limitaram ao discurso político: “Peregrinação da imagem de São Tiago chega a Macapá; festa completa 240 anos”11 (G1 Amapá, 13 de julho de 2017) e “São Tiago: crescimento do público preocupa órgãos de segurança”12 (SelesNafes.com, 14 de julho de 2017). O primeiro conteúdo aborda sobre o translado das imagens dos santos Tiago e Jorge para o Palácio do Setentrião, sede do Governo do Amapá. O texto trouxe como entrevistados o chefe do Executivo, Waldez Góes, e o prefeito de Mazagão, Dudão Costa.
A matéria do SelesNafes.com trata sobre a quantidade de policiais militares e bombeiros que atuaram no esquema de segurança montado para a Festa de São Tiago. Para isso, entrevistou-se o secretário estadual de segurança pública, Ericláudio Alencar, e o diretor de Operações da Polícia Militar, tenente-coronel Wellington Nunes.
O governador do Amapá também aparece na publicação “Encenação de batalha entre mouros e cristãos marca a Festa de São Tiago, no AP”13 (G1 Amapá, 25 de julho de 2017), com a seguinte citação:
Devemos criar espaços novos para estacionamento, camping, e novos espaços para o turismo receptivo. Vamos fazer um projeto padrão [de financiamento] para cá, para cada morador aderir, e construir um kit-net ou apartamento na sua casa onde, no entanto, no período da festividade ele poderá alugar, gerando renda e fazendo com que os visitantes tenham mais contato com a cultura local. (G1 AMAPÁ, 2017)
O texto ainda diz que, para o ano seguinte, Waldez Góes assegurou a restauração e recuperação do material histórico de Mazagão Velho. Contudo, apesar de constar fontes “populares” na matéria, nenhuma estava como contraponto às promessas políticas para a comunidade local.
No período coletado, ainda encontramos duas matérias bem elucidativas para compreender como são incorporadas características contemporâneas aos valores tradicionais da celebração (PASTANA, 2017). O texto “Família expõe artes Maracá e Cunani na Festa de São Tiago”14 (SelesNafes.com, 25 de julho de 2017) mostra que, pela primeira vez, o evento recebia uma estrutura organizada para a comercialização de artesanato local, montada pelo Governo do Estado.
A matéria “Sem filas, turistas aproveitam ponte sobre o rio Matapi para conhecer Festa de São Tiago, no AP”15 (G1 Amapá, 25 de julho de 2017) expõe que o acesso ao município era realizado por balsas. Assim, a inauguração da ponte da Integração Washington Elias dos Santos, sobre o rio Matapi, trouxe o aumento turístico para a celebração.
Neste contexto, observamos que a festa está incluída no processo de mercantilização do bem cultural. O poder público e as empresas montam uma estrutura com shows, atrações, decoração, comercialização de artesanato e serviços de comidas e bebidas, buscando atrair mais visitante à vila de Mazagão Velho. Flaviny Ribeiro (2013) elucida que essa transformação das festas tradicionais em “megaeventos” é uma tendência que atende à demanda de novos hábitos de consumo, geração de renda, políticas culturais e estímulo ao turismo.
Para Trigueiro (2005), na atualidade de coexistência entre as culturas tradicionais e modernas, a modernização não vai acabar com a cultura popular, por ser até mesmo uma de suas estratégias. Então, para inserir-se no contexto da sociedade do consumo e midiática, são modificados os processos de apropriação e incorporação de novos pilares estéticos populares.
É como se existissem duas festas, uma dentro da outra, ou seja, a festa central institucionalizada, de interesse econômico dos megagrupos empresariais, políticos e até religiosos, e a outra periférica, que continua sendo organizada através da mobilização da comunidade, pelas fortes redes sociais de comunicação, com a finalidade alegórica de rompimento com o cotidiano e com o mundo normativo estabelecido. Ou seja, a celebração para “quebrar a rotina”, em tempo de festa nos diferentes instantes da comunidade e outra no tempo do espetáculo organizado para consumo global. (TRIGUEIRO, 2005, p. 4)
Dessa maneira, ao se associar com os produtos culturais criados pelos grupos econômicos e o poder público, a cultura popular e o folclore deixam de ser elementos locais e passam a integrar um processo cultural cíclico. Sendo assim, a manifestação popular já não pertence apenas aos seus protagonistas, uma vez que outros grupos utilizam desta para se promoverem na folkmídias.
Retomando aos sites amapaenses, observamos três matérias sem fontes: “Linhas metropolitanas levarão público até festa de São Tiago”16 (SelesNafes.com, 16 de julho de 2017), “FOTOS: Festa de São Tiago bate recorde de público”17 (SelesNafes.com, 26 de julho de 2017) e “Festa de São Tiago completa 240 anos em Mazagão; FOTOS” (G1 Amapá, 25 de julho)18. A última publicação dedica-se somente a fotos. Mas cabe lembrar que, devido à importância histórico-cultural, faz-se necessário o tipo de fonte “especialista” e “referência” para esclarecer sobre a origem e o significado da festividade.
Questiona-se, ainda, a falta de visibilidade dos atores envolvidos com o evento. Com exceção das duas entrevistas concedidas pelo presidente da Associação Cultural da Festa de São Tiago, Elton Jacarandá, a cobertura não deu voz aos outros personagens que participaram da organização, como os moradores que encenaram a batalha entre mouros e cristãos e as famílias que coordenam as ladainhas nas suas residências. As fontes “populares” apareceram apenas como espectadores da celebração.
Ao notar a maciça presença do poder público no conteúdo da web – tendo, inclusive, mais destaque do que os mazaganenses –, retomamos ao conceito de Folkmarketing (LUCENA FILHO, 2007). Logo, percebemos uma apropriação de caráter político na Festa de São Tiago, com objetivos comunicacionais que buscam visibilizar produtos e serviços para seus públicos-alvo.
Entretanto, “é importante que os profissionais da mídia saibam lidar com as expressões populares para que não modifiquem o real significado das culturas. Para muitos, a mídia precisa ouvir e aprender com os mestres detentores da cultura popular” (MACIEL; DA SILVA, 2013, p. 48). Mais importante do que o apoio político e o aumento do turismo na segunda quinzena de julho, está a representação da Festa de São Tiago enquanto preservação da cultura e da identidade na comunidade de Mazagão Velho.
Mas, para além do “apagamento” dos sujeitos e da politização no qual a celebração é demonstrada no webjornalismo, temos um processo de resistência cultural. As análises de Trigueiro (2001) sobre a televisão também são válidas para os meios de comunicação no meio online:
Assim como no passado, em que instituições poderosas não conseguiram eliminar as culturas tradicionais, na atualidade, por mais intenso que seja o poder da televisão, esta não consegue suprimir os repertórios das culturas tradicionais que continuarão sendo transmitidos e praticados por atores sociais, já que é impossível impedir manifestações individuais e coletivas. (TRIGUEIRO, 2001, p. 141)
O autor ainda ressalta que a massificação cultural é um processo antigo, lembrando que das manifestações culturais arcaicas ao sol presentes na cultura popular/folclórica e agora representadas nos sistemas simbólicos atualizados multimidiaticamente. Como resultado desta apropriação, ele ressalta o Natal, o Carnaval e a Festa de São João, que são celebradas até hoje por vários povos.
Embora a Festa de São Tiago esteja entrelaçada a cultura de massas e na interferência do poder público, a incorporação de bens simbólicos modernos na manifestação tradicional não elimina a cultura folk. No entanto, a transforma na forma e conteúdo e a insere no novo mercado de consumo midiático e do turismo.
Após as pesquisas apresentadas por Luiz Beltrão (2004), na década de 1960, surgiram estudos dando novas abordagens para a definição de Folkcomunicação. Com as mudanças tecnológicas, verificou-se que a mídia passou a se apropriar da manifestação popular. Assim, observamos que, embora a dinâmica cultural tenha sido impactada com a popularização dos meios de comunicação, não houve um desaparecido da cultura tradicional.
Em relação à Festa de São Tiago, que acontece na Vila de Mazagão Velho (AP), percebemos a inserção da manifestação cultural no webjornalismo amapaense. Com base nas tipologias definidas Schmitz (2011) – especialista, referência, testemunhal, institucional, notável, empresarial, oficial e popular –, levantamos um total de 24 definidores de fontes, nos portais G1 Amapá e SelesNafes.com, em julho de 2017.
No entanto, constatamos que os veículos online deram maior enfoque às fontes oficiais, não trazendo a voz da comunidade para abordar sobre a preparação e execução da festividade. Percebemos, então, que o aparecimento do poder público na cobertura da festividade está inserido no contexto do Folkmarketing (LUCENA FILHO, 2007, p. 88), no qual “grandes recursos são investidos pelas instituições públicas e privadas, que buscam alcançar maior evidência nos mercados locais, em especial, promovendo a dinamização no relacionamento com seus públicos e tentando conquistar sua credibilidade e simpatia”.
Por outro lado, apesar do surgimento de novos significados e relações sociais, o evento mantém seus aspectos tradicionais por meio das narrativas orais. Destarte, o valor histórico-cultural da Festa de São Tiago independe dos meios de comunicação e, assim sendo, a comunidade mazaganense busca continuar preservando sua identidade.


