Entrevista
Depoimento de Silvia Teresa Beltrão
Depoimento de Silvia Teresa Beltrão
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 16, núm. 37, pp. 292-296, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa


Há vida nas entrelinhas dos escritos
Os escritos desta edição especial da RIF sobre o centenário de Luiz Beltrão começaram em Recife pelo professor José Marques de Melo, durante a Conferência FOLKCOM, em maio de 2017. Entre as palavras verbalizadas e as memórias escritas veio a Jornada Beltraniana em agosto daquele ano no Centro Cultural Marques de Melo da Intercom em São Paulo, quando a jornalista e educadora Cremilda Medina reviveu a “Arte de Tecer o Presente”³ para destacar a história do “jornalismo interpretativo”⁴ de Luiz Beltrão. Depois do (re) encontro histórico afetivo entre Beltrão, Cremilda e Marques, o reforço preciso do professor: “temos que fazer mais”. A Jornada Beltraniana de 2018 celebra o centenário de nascimento de Luiz Beltrão. Podemos lançar um livro, premiar pesquisadores, revelar chaves conceituais das pesquisas folkcomunicacionais, editar uma edição especial da RIF.
Contudo, a sabedoria da vida está na certeza da incerteza do amanhã. Ao recuperar os escritos de Beltrão, o professor Marques de Melo nos revela a própria força intelectual. Sereno, paciente e humilde aponta com o olhar, sempre iluminado, as vertentes do conhecimento a ser compartilhado com o humano ser que busca o saber para o enriquecimento coletivo da ciência do mundo da vida. Na ação afetiva reforça o papel criativo da natureza familiar Nordestina, sua e de Beltrão, orgulho inabalável preservado mesmo depois das descobertas feitas nas andanças pelo mundo. Família que nasce com o laço matrimonial, espalha pelos filhos, netos, bisnetos e se expande nos laços fraternos com os estudantes, professores, pesquisadores, entre outros queridos chegados.
Como o professor Marques de Melo sempre teve em Silvinha sua energia criativa, afetiva e revitalizadora, Luiz Beltrão tinha na esposa Zita a energia incentivadora e estabilizadora.
Zita, nasceu Maria José Antunes Gonçalves, em Moreno, perto de Recife/PE, em abril de 1924 e faleceu em 2004. O casamento com Luiz Beltrão de Andrade Lima durou mais de quarenta anos (18/03/1944-24/10/1986). Zita e Beltrão tiveram cinco filhos, Celma, Luiz Antonio, Silvia Teresa, Paulo Henrique e Fernando, e mais de uma dezena de netos e bisnetos.
A jornalista Zita de Andrade Lima (primeira turma da Universidade Católica de Pernambuco) inova ao refletir sobre o radiojornalismo brasileiro, no início dos anos 1960. Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília, em 1970, Zita publica o primeiro livro que apresenta metodologia específica para análise da produção jornalística do rádio brasileiro, bem como destaca a importância da mulher no espaço profissional comunicacional, ainda restrito naquela época. Se Beltrão é o guerreiro desbravador da cultura popular, a esposa Zita é a incansável guerreira conciliadora. A inspiração mútua transparece nos escritos. Há uma conversa afinada nas entrelinhas de um e de outro, como “No Vale Dourado” dos “Pássaros Embriagados” em que Zita⁵ (1996, p. 23) cristaliza a energia do amor que emana da vida familiar ao transpor a barreira da criatividade de narradora para destacar a netinha Paula, filha Celma como autora.
Ao cair da tarde, quando o sol começa a deitar seus último raios sobre o vale e suas fulgurações tremem dentro da água do rio que desce em cachoeiras uns quinze metros, fazendo de véu de noiva, quando o poente é mais belo, quando os pássaros emudecem e o silêncio é presente, quando a brisa é mais suave, quando as sombras vêm caminhando devagar, começar a rolar os cânticos dos mantras, com toda a sua riqueza, profundidade, simplicidade e beleza, criando uma energia especial, com o propósito de conduzir à paz interior, à harmonia na consciência, à alegria pura, a dar graças pela vida.
Ao cair da tarde, quando o sol começa a deitar seus último raios sobre o vale e suas fulgurações tremem dentro da água do rio que desce em cachoeiras uns quinze metros, fazendo de véu de noiva, quando o poente é mais belo, quando os pássaros emudecem e o silêncio é presente, quando a brisa é mais suave, quando as sombras vêm caminhando devagar, começar a rolar os cânticos dos mantras, com toda a sua riqueza, profundidade, simplicidade e beleza, criando uma energia especial, com o propósito de conduzir à paz interior, à harmonia na consciência, à alegria pura, a dar graças pela vida.
Conversei com Silvia, viúva do professor Marques para uma escrita mais familiar sobre Beltrão. Aproveito para homenagear Silvinha Marques pela participação atenta e dedicação incansável na elaboração desta edição especial da RIF. Presença querida em todos os encontros acadêmicos, culturais e sociais, Silvinha carinhosamente integrou a xará, filha de Beltrão, nesta ciranda Beltraniana de memórias afetivas.
Assim, entre uma pergunta e outra, Silvia Teresa Beltrão preferiu nos presentear com seu próprio escrito “Luiz Beltrão, meu pai”. Para que todos ouçam nas entrelinhas do texto as vozes do pai Beltrão, da mãe Zita e do professor Marques. Porque escritos são mais que um ajuntamento de palavras, são como peles que sentem o tocar de outros, transpiram e respiram, sorriem nas entrelinhas e expiram dores e amores vividos e a viver.

Luiz Beltrão, meu pai
Silvia Teresa Beltrão
Meu pai tinha paixão pelas diversas formas de comunicação. Gostava de observar como as pessoas se comunicavam, transmitiam seus conhecimentos umas para as outras, principalmente as pessoas mais humildes. Era fascinado pela cultura popular, pelo nosso folclore. Dedicou sua vida a estudar como a população mais pobre passava de geração para geração suas histórias, seus hábitos, suas crenças e mitos.
Gostava de papear com os amigos, e tinha muitos. Nossa casa era frequentada por jornalistas, escritores, professores. Quando falava as pessoas o escutavam com atenção, era culto sem ser pedante. Pela vida afora, não conversamos tanto como gostaria, mas seu exemplo de homem honesto, cumpridor de seus deveres, cordial, afetuoso, me acompanham até hoje.
José Marques foi um dos melhores alunos de papai, senão o melhor. Se tornou um amigo pessoal, foi como um filho para ele. Conquistou a amizade de toda família. Frequentava nossa casa. Mesmo depois que foi morar em São Paulo, sempre que vinha a Brasília fazia questão de ir visitar papai, o mesmo acontecendo quando papai ia a São Paulo.
Sempre que me lembro de papai, ele está em sua escrivaninha debruçado sobre a máquina de escrever. Muitas vezes chego a escutar o taque, taque das teclas. Ainda tenho essa máquina como recordação.
Meu pai era um homem apaixonado por minha mãe, Zita, e totalmente dependente dela para todas as coisas práticas. Não conseguia trocar uma lâmpada, arrumar um objeto quebrado, seu universo eram os estudos. Sempre que pedia para meu pai fazer alguma coisa, ele dava um sorriso e dizia “vá falar com Zita”, era minha mãe quem fazia o dia a dia funcionar.
Minha mãe era apaixonada por papai, fazia de tudo para agradá-lo, era sua maior fã. Gostava de acompanhar papai quando ia dar palestras, nas viagens em todos os cantos.
Os almoços de domingo eram uma farra. A casa de meus pais enchia: filhos, éramos cinco, noras, genros e netos, muitos... Conversas animadas, música, amigos e no cardápio macarronada, prato preferido de papai.
Se tivesse de descrever meu pai em uma única qualidade, diria que foi um homem generoso.
Notas