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A voz e a dor da periferia brasileira em rimas e batalhas: a popularização do slam como recriação da poesia contemporânea
Luana Caroline Nascimento
Luana Caroline Nascimento
A voz e a dor da periferia brasileira em rimas e batalhas: a popularização do slam como recriação da poesia contemporânea
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 19, núm. 42, pp. 322-326, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resenhas & críticas

A voz e a dor da periferia brasileira em rimas e batalhas: a popularização do slam como recriação da poesia contemporânea

Luana Caroline Nascimento
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 19, núm. 42, pp. 322-326, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa




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Slam e cultura periférica

A Slam poetry, mais conhecida apenas como slam, é uma manifestação de poesia falada dentro da cultura do hip-hop e se estabelece como uma cena cultural crescente em todo o país. A expressão do slam tensiona as práticas culturais, orais, escritas e visuais em um novo lugar de limite entre a literatura, música, arte e ativismo social. A batalha de poesia falada possui algumas regras, que apesar de variarem de lugar em lugar, organizam a atividade: os textos apresentados devem ser autorais e inéditos, a apresentação dura aproximadamente três minutos e não tem suporte de adereços ou instrumentos musicais, as poesias são julgadas por um júri e pelo público com notas de zero a dez (FREITAS, 2020).

No presente texto serão analisados poemas de slam publicados em 2019 no canal do Youtube do programa "Manos e Minas". O canal no YouTube possui 204 mil inscritos e 21.228.867 visualizações. Cada vídeo dura entre um minuto e meio e dois minutos em média. A lista selecionada para esta análise conta com 44 vídeos de 15 poetas distintos e de diferentes lugares de origem, porém todos são de pele negra e falam das periferias brasileiras. O que também é característico nas batalhas de slam.

Cada vez mais se questiona o lugar de fala da população negra e periférica, afinal segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE em reportagem publicada pela Revista Piauí, o porcentual da população brasileira que se declara negra cresceu para 56,10%. A repórter Nathália Afonso (2019) também coloca que “dos 209,2 milhões de habitantes do país, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os negros – que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos – são, portanto, a maioria da população. A superioridade nos números, no entanto, ainda não se reflete na sociedade brasileira” (s/p).

Conforme Djamila Riberio (2017), a linguagem é uma forma de manutenção do poder, pois pode ouvir ou calar grupos sociais e reivindicar o lugar de fala e o direito de voz permite que a população negra reivindique a própria vida. Assim, a poesia de slam escrita por negros e negras brasileiros é o lugar de fala sobre a própria realidade e negritude deste grupo que é a maioria da população brasileira.

Temas recorrentes das poesias: a dor negra como assunto

Ao todo a lista analisada apresenta 44 vídeos e, a fim de tornar a análise mais pragmática, são observados os temas das poesias de forma ampla e geral, pois analisar poema por poema tornaria o ensaio longo demais. A maioria das poesias são apresentadas por mulheres jovens. Todos os poemas tratam de mais de um assunto em que a população preta é protagonista nas favelas brasileiras em situações racistas. Entre os temas mais abordados estão a morte de negros e negras executadas pela polícia militar e pelo Estado. Outro assunto recorrente nos vídeos é o racismo e o tratamento institucionalizado da raça branca com a raça negra em estruturas sociais que repercutem a noção de casa grande e senzala – como por exemplo, o quarto da empregada. A estatística de que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no país aparece em mais de um slam.

Os poemas também tratam da resistência da população negra marginalizada, os relacionamentos familiares entre filhos, mães e pais (em geral, pais ausentes). Também são pautados o machismo, o patriarcado e a mulher negra como protagonista. Já entre os assuntos menos pautados, mas ainda assim recorrentes, estão a religião, educação, escolaridade, fome, autoestima, escravidão, assédio e abuso sexual – um dos textos retrata um caso de estupro. Uma das slammer (Negabi, do Paraná) apresenta três poesias na Língua Brasileira de Sinais (Libras). A cor da pele dele e a identidade surda são assuntos nas poesias que apresenta e escreve.

Em diversas abordagens teóricas e epistêmicas temos a noção do diferente como essencial para a produção de significados e algumas reforçam que há sempre uma ralação de poder entre os polos da oposição binária (um polo é dominante).

Há uma noção desenvolvida por Hall a partir do estudo psicanalítico. Aqui o outro é fundamental para a constituição do chamado self dos sujeitos para a identidade sexual. A partir de Freud (e o que ele chamou do complexo de Édipo) e da perspectiva psicanalítica que pressupõe que o self (ou a identidade) não possui um núcleo interno, estável e determinado. Psiquicamente, nunca seremos sujeitos totalmente unificados. Nossa subjetividade é formada por um diálogo problemático e inconsciente com o “outro”. É formada em relação a algo que nos completa, mas que por se encontrar fora de nós de certa forma sempre nos falta (HALL, 2016).

Na linha de pensamento de Hall, Frantz Fanon (1986 [1952]) usou da teoria psicanalítica na explicação do racismo argumentado que a maioria da estereotipagem racial e a violência surgem a partir da recusa do outro branco em reconhecer o ponto de vista do outro pessoa negra. Essa noção está bastante presente nos textos apresentados pelos poetas que reivindicam no slam e nas batalhas terem as próprias vozes ouvidas e as denúncias levadas a sério.

Slam e o lugar de fala dos marginalizados

Pelo lugar de origem dos poetas e poetisas compreende-se o slam como uma expressão da literatura marginal. Literatura marginal aqui é vista como a nomenclatura das obras escritas por autores negros das periferias brasileiras e interfere nos processos de produção e circulação das obras literárias, pois em uma acepção estrita as produções marginais são afrontosas ao cânone ao romper com as normas e os paradigmas estéticos vigentes e deslocar a função e relação da literatura com a sociedade (OLIVEIRA, 2011).

A literatura aborda a periferia, a pobreza e exclusão social em diversas obras, porém em grande parte são pessoas que não pertencem a essa realidade. A característica marcante, então, da literatura marginal é o indivíduo socialmente excluído tomar para si o lugar de fala na produção literária. “Na slam poetry, a poesia deixa o ambiente acadêmico, abandona os circuitos tradicionais de curadoria e produção de sentido, flerta com a canção popular e torna-se uma prática.” (FREITAS, 2020, p.3).

A socióloga e teórica Ribeiro (2017), ao tratar do conceito de lugar de fala, aborda aspectos sociais visíveis na literatura marginal, afinal os marginalizados são sujeitos políticos. A linguagem aqui pode ser compreendida como um mecanismo de manutenção de poder de um grupo maioritário sob outro minoritário. Ao tratarmos da literatura marginal, no ponto de vista da socióloga, a publicação de autores negros os coloca como sujeitos ativos da própria história da negritude brasileira.

Quem sabe falar sobre a experiência da marginalidade e da negritude são os negros e negras colocadas nestas situações sociais rimadas e denunciadas nos diversos textos analisados, afinal a vivência de um homem negro é diferente de um homem branco e ainda mais diferente de uma mulher negra. Refletir sobre o lugar de fala é uma postura ética reivindicada pela prática do slam e por isso Ribeiro (2017) afirma que “a reflexão fundamental a ser feita é perceber que, quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida” (2011, p. 45).

Ficha técnica:

Canal do YouTube Manos e Minas

Playlist com vídeos de slam publicados em 2019:

https://www.youtube.com/watch?v=Azlo4qfBJi4&list=PL16dU6TIO2nniE3IueYKOSz2Aok4k57JV

Material suplementario
Referências
AFONSO, Nathália. Dia da Consciência Negra: números expõem desigualdade racial no Brasil. Revista Piauí. Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2010. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/20/consciencia-negra-numeros-brasil/. Acessado em 01 de junho de 2021.
FREITAS, Daniela Silva de. Slam Resistência: poesia, cidadania e insurgência. SEÇÃO TEMÁTICA: Literatura além do livro. Estud. Lit. Bras. Contemp. (59), 2020.
HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, Apicari, 2016.
MANOS E MINAS. Disponível em: https://www.youtube.com/c/ManoseMinas/about. Acessado em 01 de junho de 2021.
OLIVEIRA, Rejane Pivetta de. Literatura marginal: questionamentos à teoria literária. In: Ipotesi, Juiz de Fora, v.15, n.2 - Especial, p. 31-39, jul./dez. 2011. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistaipotesi/files/2011/05/7-Literatura.pdf . Acessado em 01 de junho de 2021.
RIBEIRO, Djamila. Feminismos Plurais: O que é lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento, 2017.
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