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Apontamentos folkcomunicacionais sobre os desafios da comunicação em tempos da pandemia da Covid-19
Betania Maciel
Betania Maciel
Apontamentos folkcomunicacionais sobre os desafios da comunicação em tempos da pandemia da Covid-19
Folk communication notes on communication challenges in times of the Covid-19 pandemic
Notas de la Folkcomuniación acerca de los desafíos de la comunicación en tiempos de la pandemia de Covid-19
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 19, núm. 43, pp. 64-78, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: O protagonismo de grupos e pessoas que se manifestam através das expressões populares, em canais alternativos de comunicação, pode colaborar com o desafio comunicacional imposto pela pandemia da Covid-19 que se revela não somente no problema de circular informações de caráter científico de natureza incerta para a população geral, como de enfrentar a polarização ocasionada pela disseminação de informações falsas, calcadas no negacionismo científico. A partir desta premissa investigamos, em plano de ensaio, os fundamentos teórico-metodológicos segundo a ótica da comunicação que possam contribuir para a compreensão destes fenômenos e para sua superação em termos objetivos. Dessa forma, o saber popular em confluência com as redes sociais digitais, o papel dos agentes folkcomunicacionais, particularmente o ativista midiático, assim como uma concepção de Folkcomunicação Científica voltada para a “resistência” e a para “insistência”, marcada pelo envolvimento do receptor nos processos comunicacionais, estabelecem os referenciais para futuras pesquisas empíricas que evidenciem as práticas e estratégias comunicativas dos grupos vulneráveis e socialmente marginalizados num contexto pandêmico.

Palavras-chave:Folkcomunicação CientíficaFolkcomunicação Científica,Pandemia da Covid-19Pandemia da Covid-19,Agentes folkcomunicacionaisAgentes folkcomunicacionais,DesinformaçãoDesinformação.

Abstract: The leading role of groups and individuals who manifest themselves through popular expressions, in alternative channels of communication, can collaborate with the communication challenge imposed by the Covid-19 pandemic, which reveals itself not only in the problem of circulating scientific information of uncertain nature to the general population, as well as confronting the polarization caused by the dissemination of false information, based upon scientific denial. From this premise, we investigate, in essay mode, the theoretical and methodological foundations of a folkcommunication point of view that can contribute to the understanding of these phenomena and also their overcoming, in objective terms. Thus, popular knowledge in confluence with digital social networks, the role of folkcommunicational agents and, particularly, the media activist, as well as a conception of a Scientific Folkcommunication focused on "resistance" and "insistence", marked by the involvement of the receiver in communication processes, establish themselves as references for future empirical research that will evidence communicative practices and strategies of vulnerable and socially marginalized groups in the pandemic context.

Keywords: Scientific Folkcommunication, Covid-19 pandemic, Folkcommunication agents, Misinformation.

Resumen: El protagonismo de los grupos y personas que se manifiestan a través de expresiones populares, en canales alternativos de comunicación, puede colaborar con el desafío comunicativo que impone la pandemia Covid-19 y que se revela no solo en el problema de hacer circular información científica de naturaleza incierta a la población en general y al mismo tiempo confrontar la polarización provocada por la difusión de información falsa, basada en el negacionismo científico. A partir de esta premisa, investigamos, en un plan de ensayo, los fundamentos teóricos y metodológicos según la Folkcomunicación que pueden contribuir a la comprensión de estos fenómenos y su superación en términos objetivos. Así, el conocimiento popular en confluencia con las redes sociales digitales, el papel de los agentes de la folkcomunicación y, en particular, el activista mediático, así como una concepción de la Folkcomunicación Científica centrada en la “resistencia” e “insistencia”, marcada por la implicación del receptor en los procesos de comunicación, establecen las referencias para futuras investigaciones empíricas que evidencien las prácticas y estrategias comunicativas de los grupos vulnerables y socialmente marginados en un contexto pandémico.

Palabras clave: Folkcomunicación, Pandemia, Cultura e Inclusión Social, Formación, Desinformación.

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Dossiê

Apontamentos folkcomunicacionais sobre os desafios da comunicação em tempos da pandemia da Covid-19

Folk communication notes on communication challenges in times of the Covid-19 pandemic

Notas de la Folkcomuniación acerca de los desafíos de la comunicación en tiempos de la pandemia de Covid-19

Betania Maciel
ESUDA, Brasil
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 19, núm. 43, pp. 64-78, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 22/10/2021

Aprobación: 12/11/2021

Introdução

Ao redor do mundo, a pandemia da Covid-19 trouxe desafios que não foram somente relacionados à saúde pública, à epidemiologia, à medicina e à pesquisa científica. Mas possivelmente o maior desafio tenha sido o da comunicação, no sentido de “tornar comum”, remetendo à etimologia da palavra, todas informações relacionadas à enfermidade e especialmente como cada cidadão poderia contribuir para seu combate, com a adoção de cuidados para evitar o contágio. Entretanto, apesar de todo o esforço dos meios de comunicação, associados com governos, órgãos de saúde e instituições de pesquisa, outro inimigo surgiu, que não o novo coronavírus: o negacionismo, associado às informações falsas2, obscurecendo uma situação por si só complexa e marcada por incertezas. Se a novidade do vírus, com uma ciência em busca frenética por respostas, fazia com que os potenciais efeitos da primeira pandemia do século XXI fossem de certa forma desconhecidos, o comportamento coletivo e solidário necessário para frear a doença viu-se severamente prejudicado pela ação deliberada de indivíduos e grupos motivados por interesses próprios que polarizaram a população e dificultaram a adoção das medidas de prevenção.

Ainda no campo da comunicação, além dos meios tradicionais, uma imprensa independente3 foi necessária para cobrar e acompanhar as ações dos governos, empresas e mesmo dos cidadãos no combate à pandemia. Exercendo seu papel histórico nas sociedades democráticas, os meios de comunicação foram o ponto de encontro (e desencontro) para que os modos de enfrentamentos fossem discutidos pelos mais diversos atores sociais4.

Contudo, também é preciso indagar: em que medida estes meios de comunicação de massa, considerados hegemônicos e massivos, foram capazes de alcançar determinados segmentos da população e com isso circular estas informações tão necessárias no contexto de uma pandemia? Evidenciamos aqui os grupos rurais marginalizados, com seu isolacionismo geográfico, sua carência econômica e baixo nível de escolaridade; os grupos urbanos marginalizados, compostos de indivíduos situados nos estratos mais baixos da pirâmide social, constituindo as classes subalternas, desassistidas e, finalmente, aqueles grupos culturalmente marginalizados, urbanos ou rurais, que representam contingentes de contestação aos princípios, à moral ou a estrutura social vigente na realidade atual.

Diante dessa premissa, colocamos como propósito explorar o potencial da folkcomunicação para analisar e compreender o fenômeno da desinformação, no contexto da pandemia em grupos sociais situados em comunidades periféricas, especificamente jovens vulneráveis, que através da arte resistem, recriam, esquivam, subvertem ou superam as estratégias biopolíticas5 de controle que afetam seus corpos, sua saúde, suas ideias, suas subjetividades, suas vidas. Como etapa prévia e como objeto deste ensaio, buscaremos refletir sobre as estratégias da ressignificação da cultura marginal no cenário atípico de enfrentamento da pandemia da Covid-19, considerando que por intermédio da cultura pode-se alcançar a unidade do comportamento coletivo. Para isso analisaremos teoricamente quais elementos da teoria folkcomunicacional pode contribuir com este desafio, a partir dos eixos de análise da dinâmica do saber popular nas redes sociais digitais, do papel dos agentes folkcomunicacionais, com destaque para o ativista midiático, e finalmente, da concepção de Folkcomunicação Científica.

Saber popular e as redes sociais digitais

Associado ao conceito de cultura, um primeiro ponto a ser considerado é como o saber popular dialogou com as informações de caráter científico-sanitário relacionadas à pandemia. Assim, o saber popular é criado pela concepção do mundo do povo, calcado na tradição e reelaborado em sua relação com a cultura erudita (AYALA; AYALA, 1984). Através das expressões e manifestações populares, o pensar é desafiado, e os problemas sociais dos grupos populares são refletidos, relidos, construídos, dando uma nova compreensão do contexto no qual são vivenciados.

Observa-se também que nos chamados grupos populares há o “saber ingênuo”, que além de ser caracterizado como um saber espontâneo, acumulativo e fragmentário, possui um caráter anônimo, ao não apresentar elementos de atribuição de autoria. Finalmente, este tipo de saber é caracterizado como um corpo de conhecimentos transmitido às diversas camadas sociais e gerações distintas, criando um autêntico patrimônio cultural do senso comum, constituindo assim a sabedoria popular de um povo.

Os grupos minoritários que utilizam a cultura como forma de expressar seus pensamentos sobrevivem às custas de conhecimentos práticos e tradições acumuladas ao longo do tempo. Apesar da evolução do conhecimento científico, faz-se necessário assim valorizar o saber popular; não podemos esquecer que, por séculos, o conhecimento popular e tradicional serviu para subsidiar nas necessidades mais cotidianas, mesmo que de modo ingênuo, tendo assim forte presença no imaginário.

Desta forma, os estudos da Folkcomunicação enriquecem a análise do fenômeno das informações falsas e da desinformação, criando alternativas de comunicação na construção de um diálogo transparente e ético que proporcione aos grupos que vivem em situação de opressão e exclusão social uma possibilidade de participar do processo público de debate e envolvimento em questões cotidianas, a exemplo da pandemia.

Já o universo das redes sociais multiplicou intensamente as produções culturais pelos mais diversos grupos, sendo sua divulgação caracterizada pelo consumo imediato, pelo debate e pela chamada “viralização”, com uma visão atualizada sobre informações veiculadas nas ruas e na mídia. As redes sociais digitais trariam neste momento uma contradição, pois na “estrutura das relações, estão na contramão da própria organização social vigente, pois elas proporcionam experiências relacionais distintas daquelas que os sujeitos experimentam na vida cotidiana” (VERMELHO; VELHO; BERTONCELLO, 2015, p. 874-875).

Observando-se o uso da cultura e o fortalecimento das manifestações populares, seja presencialmente como através de redes sociais digitais, os grupos sociais compartilham informações que se materializam muitas vezes em subprodutos de informação, edificando-se e difundindo-se no ciberespaço. Um exemplo do uso das redes sociais na perspectiva folkcomunicacional durante a pandemia foi a utilização de elementos da cultura popular como forma de superar a diminuição da circulação de informações através dos diversos canais de comunicação popular devido ao isolamento social. Buscando estabelecer uma conexão com o receptor, administrações públicas como a prefeitura de Salvador utilizaram expressões regionais em suas campanhas de comunicação. Por outro lado, o humor popular expresso através dos memes6 estabeleceu uma interpretação própria, mais crítica e contundente que a própria realidade, ao adotar a sátira como forma de contextualizar a tragédia (OLIVEIRA; SABBATINI, 2020).

Evidenciados os riscos de uma sociedade desinformada, ou pior, falsamente informada, a pandemia da Covid-19 mostrou que a comunicação salva vidas e que tanto os meios de comunicação de massa como as formas de expressão popular tornaram-se um dos componentes de um sistema mais amplo de comunicação pública da ciência, na busca de compreensões pautadas na ética e apresentadas de forma socialmente comprometida. Contudo, este cenário ideal não se materializou em totalidade, diante das informações falsas e do negacionismo, gerando resistência às campanhas de saúde ao desacreditar a ciência:

[…] sabemos que nossa mente não é especialmente talhada para se comportar de maneira racional. Somos levados espontaneamente a todo tipo de falácia lógica em nosso pensamento: conclusões indevidas, crença na autoridade e, acima de tudo, viés de confirmação. Se acreditamos em algo, nossa mente trabalha dobrado para valorizar informações que confirmem essa crença e invalidar informações que a contradigam (PINHEIRO, 2019, p. 90).

Aqui também cabe considerar que “a internet fornece uma quantidade incomensurável de informações em todas as áreas do conhecimento sem que haja qualquer tipo de avaliação” (MENDONÇA, 2015, p. 12). Portanto, o excesso de informação em rede, associado às informações falsas, pode prejudicar a compreensão do cidadão no momento da busca e afetar a sua tomada de decisão sobre um assunto.

Além disso, numa era anterior às redes telemáticas digitais, todo conteúdo que seria publicado por meios de comunicação como a TV, o rádio e os jornais passava por atores centrais que exerciam poderes de moderação e assumiam a responsabilidade por ele diante de uma certa regulação legal da mídia e de uma própria deontologia interna. Esta lógica se quebra no âmbito das redes sociais digitais, conforme se faz uma horizontalização na relação emissão-recepção da comunicação. Neste sentido, a construção de fatos e de narrativas em torno da ciência e da pandemia ocorreu num contexto de uma era pós-factual marcada pela desinformação em saúde e pelo negacionismo científico (GIORDANI et al., 2021).

Numa linha de raciocínio similar, as informações falsas vicejariam devido ao fato das pessoas buscarem confirmar e validar suas próprias crenças7, trabalhando com mecanismos psicológicos que reforçam esta percepção. Isto traz um desafio ainda maior para a educação midiática, pois o problema não seria somente o de discernir e avaliar a qualidade de uma informação (AGUIAR; PENA, 2011). De uma ou outra forma, ao se considerar a comunicação pública da comunicação social na crise sanitária, cabe considerar:

Em primeiro lugar, são os atores oficiais ou não oficiais? Quando entidades oficiais estão envolvidas na elaboração e disseminação da desinformação, o processo goza de inúmeras vantagens, como suporte jurídico e grande aporte financeiro. Um ator não oficial geralmente não terá essas vantagens, e portanto, seu alcance é muito mais restrito (GIORDANI et al., 2021, p. 2869).

Nesta perspectiva, podemos citar o uso e aconselhamento de medicamentos que não foram comprovados cientificamente e que em diversos canais de informação tiveram seu uso incentivado. Passa-se pelo fato da informação estar relacionada a outras questões sociais, sejam elas políticas e/ou econômicas que em sua maioria partem da classe hegemônica, a partir um discurso elaborado e direcionado à informação, contrastando com o que se vê nas ruas, nas manifestações das camadas populares. Como exemplo,

[...] os debates sobre a cloroquina se distribuem a partir de um conjunto discursivo em torno de um processo de polarização política e politização da ciência atrelada à descrença sobre as instituições epistêmicas em que os sujeitos transparecem a incerteza inerente da ciência e põem em dúvida a existência de consenso científico em prol de vieses ideológicos e político-partidários (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2020).

Finalmente, também cabe considerar que as redes sociais digitais possibilitaram uma comunicação de resistência, conforme as demandas de diversos grupos sociais ganharam visibilidade.

Produtores e produtoras de conteúdo transsexuais, homossexuais, com deficiências, negros, indígenas e periféricos, tradicionalmente excluídos ou pouco representados nas mídias tradicionais, passaram a dialogar diretamente com o público. A representatividade aumentou, mas também a rejeição, o ódio e a desinformação para calar ou invisibilizar as diferenças, que fizeram da Rede um espaço de grande violência simbólica. Como compreender esse processo e deter essa tentativa de destruir o outro? (AGUIAR; PENA, 2021, p. 409).

Inclusão, identidade, interculturalidade, descolonização e violência são discutidos então nestas redes sociais, em contraposição à cultura de uma sociedade racista, etnocêntrica e machista, em modo de enfrentamento e de resistência8. E esta articulação em rede, apesar de todos os perigos e desafios associados à vigilância tecnológica praticado pelo conglomerado das megaempresas de tecnologia, também pode ser um canal das manifestações populares em torno das ações para o enfrentamento do vírus.

O ativismo midiático diante da pandemia

A Folkcomunicação, transitando entre a comunicação de massa e as expressões populares, pode ter um papel importante na divulgação das informações, no sentido do que deve e do que não deve ser feito no combate ao coronavírus. E neste ponto entra em cena o ativista midiático, fortalecendo vínculos dentro de sua comunidade, agindo motivado por seus interesses e pelos do grupo social ao qual pertence, formatando práticas simbólicas e materiais na interface do popular com o hegemônico. Narrando seu cotidiano e representando a identidade local ele se estabelece como porta-voz de seu grupo social e transita entre as práticas tradicionais e modernas. Frequentemente é um personagem que se apropria-se das tecnologias de comunicação para circular as narrativas populares nas redes globais.

O ativista midiático do sistema folkcomunicacional, aqui observado e analisado, é o que opera nos grupos de referência da comunidade nos espaços rurais, urbanos e rurbanos nas diferentes práticas sociais, como encadeador de transformações culturais para uma renovada ordem social, nos lugares onde se dão as interações mediadas de conveniências entre o local e o global, nos espaços da casa e da rua, melhor dizendo, no seu ambiente de vivência, de aprendizado que potencializa os seus produtos culturais nos meios de comunicação (TRIGUEIRO, 2006, p.5).

Relacionando à discussão da seção anterior, com a análise do conhecimento popular em articulação com as redes sociais digitais, Osvaldo Trigueiro irá atualizar o conceito de ativista midiático dos processos folkcomunicacionais. Esta figura ainda buscará a representatividade política, econômica e social das classes desprivilegiadas, mas agora usando também as mídias digitais. Neste sentido, é preciso considerar que há uma relação de mútua influência entre as tecnologias de informação, aquelas redes da oralidade cotidiana que caracterizam a Folkcomunicação. Neste conceito ampliado, o “agente midiático” pode tanto ser contrário às influências externas ou realizar a mediação e interpretação dos fluxos hegemônicos para a realidade local, sem atritos.

Particularmente em relação às informações falsas, Trigueiro acredita que por conta da proximidade e da afetividade que os agentes folkcomunicacionais estabelecem com os membros de sua comunidade, eles não participariam do processo de desinformação. Num contraponto, as ações educativas dos ativistas midiáticos junto a escolas e sindicados teriam bastante relevância no contexto do enfrentamento coletivo da pandemia (OLIVEIRA, 2021).

Também cabe destacar que neste cenário de incerteza comunicacional, os indivíduos se voltariam para as pessoas mais próximas e reconhecidas como detentoras de algum tipo de conhecimento dentro do grupo. E assim,

[...] nesta situação em que precisamos extrapolar nossos referenciais, pois nos encontramos numa realidade totalmente diferente da que estávamos acostumados vemos os grandes meios de comunicação na dianteira, mas também vemos esta “pessoa do meio”, que “faz a ponte”. Percebo isso quando saio a rua para fazer o essencial, quando noto estes personagens que filtram as informações e fazem seus pares questionar e falar sobre a crise. Importante notar que um líder de opinião não necessariamente e um líder ungido, a quem foi atribuído este papel. Geralmente são pessoas com capacidade natural de interpretar o mundo e que circulam por sua comunidade (OLIVEIRA; SABBATINI, 2020, p. 254).

Esta constatação abre possibilidades para a pesquisa empírica em folkcomunicação, a partir do reconhecimento de agentes folkcomunicacionais até então não contemplados pela literatura. O fenômeno recente da economia de compartilhamento, utilizando mão de obra sem qualquer vínculo trabalhista com as empresas de base tecnológica, reflete-se na precarização do trabalho9. Justamente os entregadores dos aplicativos de comida e os motoristas dos carros de “carona” são indivíduos que tiveram muita importância durante o período de isolamento social e que atuaram conectando as mais diversas visões e concepções da pandemia, a partir do contato com seus clientes.

Folkcomunicação Científica

A divulgação científica tem sido considerada um importante meio de favorecer o desenvolvimento; entretanto, essa atividade ainda não tem beneficiado uma verdadeira democratização do acesso à informação científica, em virtude da limitação de ações nessa área e devido ao contexto de desigualdade social existente. Especialmente se considerarmos a realidade de diversos espaços marginalizados, ainda carentes de políticas públicas para a diminuição da pobreza e de uma comunicação pública e democrática.

A partir do reconhecimento de que cultura científica, entendida como o grau de incorporação de atitudes científicas em determinado grupo social, é um elemento fundamental do processo de desenvolvimento, estabelecemos relações entre o campo da comunicação pública da ciência e da tecnologia e a teoria da Folkcomunicação. Ao adotar o viés cultural como eixo de análise, propõe-se então a Folkcomunicação Científica (SABBATINI; MACIEL, 2012). Além da percepção pública da ciência e da tecnologia em grupos folkcomunicacionais, os canais desta vertente da divulgação científica adotariam também o folheto de cordel ‒ “jornal do povo” por excelência, abordando temas diretamente relacionados com a ciência e a tecnologia ‒ ainda que as fantasias de carnaval, a cantoria popular, a xilogravura e os ex-votos possam também abordar estes conteúdos (SABBATINI; MACIEL, 2013).

Na atualidade, o reconhecimento da diversidade de espaços para a comunicação científica busca superar o dilema cientista versus jornalista, ainda que existam relações conflitivas não superadas entre estes coletivos; o conceito de comunicação intercultural, área de atuação nativa dos folkcomunicadores, poderá auxiliar a descrição de problemas relacionados à transmissão do significado, com a ausência de um repositório semântico compartilhado pelas duas culturas, de estereótipos de grupo, com a percepção distorcida do comportamento, levando as denominadas “profecias autorrealizadas” e no confronto de diferentes convenções, normas e papéis (SABBATINI; MACIEL, 2012).

Entretanto, tanto a ciência passa por uma revisão epistemológica, como os modelos de sua comunicação necessitam ser reconsiderados, frente aos ideais de envolvimento, empoderamento e participação que são característicos das concepções de desenvolvimento. Como um todo, evidencia-se que possivelmente o principal desafio em relação aos conflitos entre ciência e sociedade diga respeito ao papel político deste processo comunicativo, com o reconhecimento de uma diversidade de interesses e de relações de autoridade e poder existentes. Estabelecer um nexo entre o desafio de se alcançar uma cultura científica generalizada, mais além dos limites de classe socioeconômica, de gênero ou de etnias, entendido como uma ferramenta de promoção do desenvolvimento, e a perspectiva da assimilação destes saberes não mais partilhados (no sentido de fragmentados), consiste a nosso ver o objeto de uma Folkcomunicação orientada ao campo científico e tecnológico (MACIEL; SABBATINI, 2013).

Já as “práticas de resistência” na divulgação científica também vêm sendo defendidas por pesquisadores da área, como Mariluce Moura, com o encontro real das ações de divulgação com as práticas culturais de um povo, levando a produtos culturais coletivos e potentes. Neste sentido, a forma de se combater a desinformação, que constrói controvérsia, fabrica dúvida e desconfianças, seria não utilizar mais informação, porém estabelecer relações, uma “conexão subterrânea, raízes que vão trazer as pessoas para dentro ou para cima da escada em que se encontra a ciência” (SANTOS; SANTOS; TONUS, 2021, p. 269). Por sua vez, Yurij Castelfranchi lança a ideia da coprodução de divulgação científica junto ao público que se pretende atender, numa ideia mais próxima da extensão do que a comunicação institucional. Nas palavras deste pesquisador:

Quando se fala em ciência, é necessário definir que ciência é essa da qual se fala? Como ela se constrói? Não está acima do bem e do mal e, por vezes, serve para aprisionar as pessoas em ideologias, para aprisionar por meio de determinadas teorias, como as teorias raciais, ou também pode servir como libertação de certos processos históricos. É algo fluido e que precisa estar presente dentro da sociedade e, quando se fala em democratização da ciência, é justamente possibilitar que as pessoas possam ser instrumentalizadas para desenvolver o seu pensamento (SANTOS; SANTOS; TONUS, 2021, p. 281).

Para Castelfranchi, a divulgação científica seria não somente de “resistência”, mas de “insistência”, conforme se aproximasse cada vez mais do público receptor e de tornar o processo comunicacional verdadeiramente democrático10.

Considerações

Informações imprecisas ou mesmo errôneas oferecem riscos reais quando se trata da comunicação relacionada a comportamentos de cuidados e prevenção sanitária. No caso da pandemia de Covid-19, as informações veiculadas pelas redes sociais, a desinformação e as informações falsas levaram a uma sociedade polarizada, com a adoção de comportamentos de risco e mesmo de enfrentamento. Como consequência, o aumento de tensões causadas pela crise social e sanitária na população provocou narrativas discordantes.

A complexidade deste cenário promoveu a reflexão sobre a influência dos meios de comunicação hegemônicos e a disseminação de informações falsas e teorias da conspiração sobre a pandemia, desta forma fortalecendo o negacionismo. Na disputa por espaços de credibilidade e legitimidade entre outras narrativas, podemos considerar que a ciência tem se tornado para os meios de informações um desafio concreto. Quanto a análise das manifestações populares como forma de conhecer o pensamento, buscamos conhecer as perspectivas destas pessoas que se encontram sem voz em meio ao debate sobre ciência, política e uso das informações falsas no cenário pandêmico. Daí a importância e a relevância de ouvir o povo, os excluídos, as classes subalternas, como as denomina Luiz Beltrão.

Entendemos que o foco dos estudos folkcomunicacionais são as produções simbólicas, o autoconhecimento, a libertação dos sujeitos, as reflexões sobre a realidade, as narrativas sobre questões sociais e cidadania, a mobilização da consciência crítica, a promoção das capacidades de organização e de participação. Entendemos que esta perspectiva não somente é possível, mas necessária no contexto da crise da comunicação intensificada pela pandemia da Covid-19. Assim, buscamos neste ensaio estabelecer as bases da discussão e os fundamentos para a pesquisa empírica posterior. Dessa forma, o saber popular, as dinâmicas dos grupos marginalizados nas redes sociais, o papel do ativismo midiático e a concepção de Folkcomunicação Científica calcada na “resistência” e na “insistência” são formas que relacionamos com o desafio de não somente combater as informações falsas, mas de efetivamente tornar realidade uma comunicação científica capaz de mobilizar ações coletivas, solidárias, respeitosas ao conhecimento científico. Este caminho passa pelo reconhecimento do público receptor e na transformação deste num ator ativo dentro do processo comunicacional.

A crise atual poderá resultar uma rara oportunidade para que os estudos folkcomunicacionais adotem uma abordagem centrada no ser humano, dando conta de sua complexidade comunicacional, cultural, política e identitária frente a um cenário que desafia sua própria sobrevivência.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
2 Referenciada no senso comum como fake news, ou notícias falsas, na tradução livre do inglês. Por se tratar de um oximoro na concepção epistêmica do jornalismo, optaremos por utilizar o termo “informação falsa”. Entendida também como desinformação, é uma informação intencionalmente enganosa (FALLIS, 2015).
3 No cenário atual, o fortalecimento do jornalismo independente tem sido cada vez mais evidente, por serem criados em rede, caracterizado como fruto de projetos coletivos que não sejam ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas. São organizações que produzem primordialmente conteúdo jornalístico, mas a partir de uma lógica descentralizada (DEAK; FOLLETO, 2013).
4 Exemplificando, um dos maiores conglomerados da comunicação brasileira, o Grupo Globo, estabeleceu uma “aliança com especialistas e instituições dos campos da ciência e da saúde, acionados como fonte e certificação de seu próprio posicionamento em oposição à condução política de governantes, principalmente Bolsonaro e apoiadores, empenhados na negação das evidências científicas que sustentavam as medidas de enfrentamento”. Ao mesmo tempo, a “proliferação de informações falsas, incorretas e descontextualizadas, deliberadamente ou não” nas redes sociais fez necessário a criação de um serviço de checagem para proporcionar comprovação objetiva e factual da informação diante da polarização vivenciada (LERNER; CARDOSO; CLÉBICAR, 2021, p. 232).
5 De acordo com Neto (2007, p. 4), “o termo ‘biopolítica’ foi associado a um leque de significados, às vezes opostos entre si. Tem sido empregado, em grandes linhas, para qualificar as metafísicas dos genocídios, para caracterizar as políticas de exclusão de grandes parcelas das populações, para designar as forças que formatam nossos corpos, para rotular os modos alternativos de subjetivação de feministas, de homossexuais, de multidões nas academias de ginástica, de presidiários, como a face oculta e denunciada do Estado de direito, como a essência totalitária de toda forma de soberania, como a visão de mundo ocidental que sacraliza a vida individual, como a política de salvaguarda da dignidade da vida, como o movimento de resistência dos corpos aos processos de sua sujeição”.
6 Em relação aos memes, o professor Felipe Pena questiona: “Muitas vezes os meus alunos me perguntam se um meme é jornalismo? Essa é uma pergunta que deve ser levada muito a sério. Porque o meme pode ser jornalismo, sim. E o meme tem sido jornalismo nas redes bolsonaristas com muita facilidade porque comunica bem. Então por que não seria no jornalismo de resistência? Por que é superficial? Será que é superficial mesmo ou será que ele pode trazer tantos significados e com tanta possibilidade de êxito que convençam o público cuja cognição foi sequestrada?” (AGUIAR; PENA, 2021, p. 174).
7 Ainda mais grave, a “desinformação, por sua ressonância e potencial de afetação, é vetor de medo, ódio, indignação, mas também de esperança, ainda que falseada” (LERNER; CARDOSO; CLÉBICAR, 2021, p. 233).
8 Esta reconfiguração de forças proporcionada pelas redes sociais digitais estaria “respondendo a anseios humanos e podem ser elementos de tensão na sociedade atual. Manifestações organizadas pela rede são noticiadas com frequência, mostrando o potencial de mobilização social. A U-topia de Thomas Morus, do ‘lugar que não existe’, parece-nos em muito com o fenômeno das redes sociais digitais: ele existe, mas não podemos apanhá-lo” (VERMELHO; VELHO; BERTONCELLO, 2015, p. 880).
9 Também é cada vez mais recorrente a utilização do termo “uberização”, no sentido da completa terceirização do mercado de trabalho e fazendo referência a uma empresa que é um ícone desta gig economy.
10 Castelfranchi afirma: “Você pode alfabetizar para dar ferramentas ao povo, mas democratizar significa que eu deixo de decidir em nome das pessoas e as pessoas vão decidir se se vacinam ou não”. Neste sentido, uma cidadania científica contemplaria “construir gente que se sente pertencente à ciência, não se quer apenas alfabetizar cientificamente, mas cidadãos que tenham o direto de tomar decisões sobre a ciência em relação com o mercado, poder e política” (SANTOS; SANTOS; TONUS, 2021, p. 268).
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