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A folkcomunicação imagética de Sebastião Salgado no retrato de políticas sociais e ambientais 12
Sebastião Salgado's folk-communication imagetic in the portrait of social and environmental policies
La folkcomunicación imagética de Sebastião Salgado en el retrato de las políticas sociales y ambientales
A folkcomunicação imagética de Sebastião Salgado no retrato de políticas sociais e ambientais 12
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 19, núm. 43, pp. 303-317, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 12/04/2021
Aprobación: 04/10/2021
Resumo: O discurso folkcomunicacional é amplamente diversificado. Afinal, ela se estabelece onde e quando os grupos marginalizados têm necessidade de voz. Entretanto, quando se pensa em folkcomunicação, tende-se a projetar tais discursos a manifestações tradicionalmente populares. Por isso, desenvolvemos este artigo, que tem como objetivo posicionar a fotorreportagem como um discurso folkcomunicacional, colocando o fotógrafo como agente folk. Para tanto, analisamos o contrato de leitura de Sebastião Salgado em duas de suas obras - Êxodos e Gênesis -, com um cariz formativo e reflexivo sobre o fotógrafo. Espera-se, com a conclusão deste artigo, que novos olhares sejam lançados aos fotorrepórteres, que ocupam através da imagem a função de tradutor do povo.
Palavras-chave: Comunicação, Fotografia, Fotojornalismo, Folkcomunicação.
Abstract: The folk-communicative discourse is widely diversified. After all, it establishes itself where and when marginalized groups need a voice. However, when thinking about folk communication, there is a tendency to project such speeches to traditionally popular manifestations. Therefore, we developed this article, which aims to position photoreport as a folk-communicational discourse, placing the photographer as a folk agent. For that, we analyzed Sebastião Salgado's reading contract in two of his works - Exodus and Genesis -, with a formative and reflective nature about the photographer. With the conclusion of this article, it is expected that new perspectives will be given to the photoreporters, who occupy through the image the function of the people's translator.
Keywords: Communication, Photography, Photojournalism, Folk-communication.
Resumen: El discurso folkcomunicacional es ampliamente diversificado. Después de todo, se establece dónde y cuándo los grupos marginados necesitan una voz. Sin embargo, al pensar en la folkcomunicación, hay una tendencia a proyectar tales discursos a manifestaciones tradicionalmente populares. Así que desarrollamos este artículo, que apunta a posicionar el fotorreportaje como un discurso folkcomunicacional, poniendo al fotógrafo como un agente folk. Para ello, analizamos el contrato de lectura de Sebastião Salgado en dos de sus obras - Éxodo y Génesis -, con un carácter formativo y reflexivo sobre el fotógrafo. Se espera, con la conclusión de este artículo, que nuevas miradas ser lanzado a fotorreportadores, que ocupan a través de la imagen la función de traductor del pueblo.
Palabras clave: Comunicación, Fotografía, Fotoperiodismo, Folkcomunicación.
Introdução
Sebastião Salgado possui um divisor de águas em sua carreira como fotógrafo. Em sua obra Êxodos, o brasileiro produzia registros relacionados aos seres humanos e as dificuldades vividas por grande parte da população mundial. Até então, a obra era pensada para atender aos desejos da audiência externa, que esperava encontrar o que Gobbi e Renó (2020) denominam como “registros do bizarro”, do diferente e sobre temáticas sociais.
Entretanto, a partir de Gênesis, o fotojornalista volta às suas origens pessoais e muda o olhar, passando a fotografar a natureza, as paisagens e os povos que tiveram pouco ou nenhum contato com a sociedade considerada civilizada. De maneira diferente às suas obras anteriores, em Gênesis a audiência se transformou nele mesmo, encontrando nisso um alento às cicatrizes psicológicas obtidas durante décadas fotografando o sofrimento humano.
Vale considerar que, desde a primeira obra (Outras Américas), Salgado exprime em suas fotos um discurso folkcomunicacional. Ele mesmo ocupa o lugar de agente folk, desprendido dos grandes meios de comunicação. Trata-se de um comunicador imagético que dá voz aos marginalizados, levando seus apelos através da imagem. Nas obras, os discursos, em sua maioria de cariz social, passaram a ocupar-se da temática ambiental.
Apoiados nestas ideias, e considerando outras investigações sobre o próprio fotojornalista, apresentamos este artigo, que pretende desenvolver uma análise sobre a relação entre Sebastião Salgado e o contrato de leitura em dois momentos: a audiência passiva em Êxodos e o processo de auto-audiência em Gênesis. Esperamos, com a conclusão deste artigo, oferecer subsídios para compreender o papel da fotografia na construção do discurso folkcomunicacional de cunho político social e ambiental.
Métodos
Para o desenvolvimento deste estudo, definiu-se um complexo metodológico o qual viabiliza o cumprimento do objetivo de desenhar a mudança de relação folkcomunicacional entre Sebastião Salgado e sua audiência, tendo como base as obras Êxodos e Gênesis. O artigo trabalha com o conceito de conotação, de Roland Barthes, que é designada como “a dimensão simbólica, preenchida por códigos culturais, estruturados num sistema de linguagem, ganhando sentidos além da sua referencialidade” (DINIZ, 2018, p. 44). A conotação trabalha com o significado que é dado para a imagem, de acordo com o sentido que se deseja produzir. Para tanto, realizou-se um studium sobre o fotógrafo. Segundo Barthes (2018, p.29-30), o studium:
é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em mim mesmo, pois a cultura (com que tem a ver o studium) é um contrato feito entre os criadores e os consumidores.
A pesquisa bibliográfica é parte essencial deste trabalho, visto que “é um tipo de pesquisa que busca responder a um problema com a utilização de material bibliográfico, estudos e análises científicas [...]” (BASTOS; FERREIRA, 2016, p. 140). Portanto, a metodologia inicial empregada no artigo é de análise com base na pesquisa bibliográfica realizada.
Além disso, ao entender a relação entre criadores e consumidores, a pesquisa aborda o conceito de contrato de leitura, de Eliseo Verón, que é o responsável por criar “o vínculo entre o suporte e seu leitor” (VERÓN, 2004, p. 219). De forma prática, o contrato de leitura diz que o emissor fala o que o leitor quer ouvir, e o leitor fala o que o emissor quer saber através das diversas produções de sentido geradas na recepção. Dessa forma, esse conceito não deixa de lado o conteúdo da mensagem, parte importante neste artigo. Enfatiza-se que o conceito será aplicado nas obras fotográficas de Sebastião Salgado.
Sabendo das duas partes que compõem um contrato, a do emissor e a do receptor, o artigo também utiliza-se do conceito de mediação, proposto por Jesús Martín-Barbero, para poder realizar a análise das obras de Sebastião. Mediação
constitui-se nos usos sociais da comunicação. O uso, no caso a recepção dos produtos midiáticos, é atravessado pelos padrões culturais que formam o indivíduo e essa ‘carga’ finda por configurar a leitura/apropriação daquele produto. (DALMONTE, 2002, p. 85)
Segundo Nilda Jacks, a mediação também “deve ser entendida como um conjunto de influências que estrutura, organiza e reorganiza a percepção da realidade em que está inserido o receptor” (JACKS, 1996, p. 47).
Para completar os conceitos utilizados e trabalhados neste artigo, leva-se em consideração o conceito de hibridação, de Néstor Garcia Canclini, que trabalha a cultura como híbrida. “A hibridação é vista como processo criativo do contato entre antigos e novos padrões, resultando desse contato algo genuinamente novo” (DALMONTE, 2002, p. 83). Este conceito é oportuno, visto que Sebastião Salgado é brasileiro, porém aprendeu a fotografar na França, tendo, portanto, uma estética da cultura francesa.
Eis as teorias e a metodologia empregada neste artigo para analisar as obras Êxodos e Gênesis, de Sebastião Salgado.
A fotografia como discurso folkcomunicacional
A folkcomunicação pode marcar presença em qualquer ambiente comunicacional. Basta compreender o seu significado e adaptar às áreas e às linguagems. Ainda que seja incomum, quando se trata de fotorreportagem, o discurso fotográfico pode, sim, se aproximar dos conceitos folkcomunicacionais. A fotorreportagem que tenha um discurso solitário, autônomo, que não depende de um meio de comunicação para publicá-lo. Trata-se de uma narrativa que permeia a arte e pode ser comparado, inclusive, com a literatura de cordel. A diferença estética é que enquanto um tem o texto complementado pela xilogravura, o outro é apenas o desenho com a luz e a combinação de fotografias na construção de uma poética. Entretanto, ambos são autônomos e dependentes da interpretação da narrativa.
Essa interpretação narrativa, tanto pela literatura de cordel como na fotorreportagem, se dá pelo que Verón (2004) define como contrato de leitura entre o emissor e o receptor. Segundo o autor, o emissor fala aquilo que o receptor quer escutar, atendendo-o prontamente. Em complemento, o receptor recebe aquilo que o emissor quer falar. Dessa dubiedade de desejos atendidos que vem a ideia de contrato.
A obra de Sebastião Salgado possui características que nos levam à folkcomunicação, também reconhecida como os processos comunicacionais dos grupos marginalizados. Tais processos levam a mensagem do povo para o povo. Sebastião Salgado é o povo, que leva para o povo as aflições do povo. Através de suas obras, o fotógrafo assume o papel de “líder de opinião” – personagem quase sempre do mesmo nível social e de franco convívio com os que se deixavam influenciar, tendo sobre eles uma vantagem: estavam mais sujeitos nos meios de comunicação do que os seus liderados. Conheciam o mundo – isto é, haviam recebido e decodificado as mensagens dos meios, transmitindo-as em segunda mão ao grupo com o qual se identificavam (HOHFELDT & GOBBI, 2004, p. 44).
Através de suas fotorreportagens, Salgado construiu discursos populares que contemplam ou revelam questões sociais graves, sejam elas negativas (como na obra Êxodos), sejam em narrativas positivas (como em Gênesis). O fotógrafo assume o papel de liderança. Segundo Beltrão (HOHFELDT & GOBBI, 2004, p. 46), “essa conquista de liderança está intimamente ligada à credibilidade que merece no seu ambiente e à habilidade do agente comunicador de codificar a mensagem ao nível de entendimento dos seus receptores”.
Na folkcomunicação, podemos considerar que há constantes contratos de leitura. Quando o assunto é fé, ocorre essa dubiedade. O mesmo acontece quando o tema discursivo é político. Discursos sempre produzidos e recebidos pelos grupos marginalizados. Da mesma forma, a fotorreportagem fala por e para grupos marginalizados, não necessariamente econômicos, mas pelo agrupamento de ideias. Afinal, quando Sebastião Salgado produziu as suas fotorreportagens, o que o levava a fotografar era a necessidade de dar voz a grupos marginalizados, compartilhando o mundo sobre o que acontecia com tais grupos. Justifica-se, então, a definição do fotorrepórter como agente folkcomunicacional imagético.
Contrato folkcomunicacional em Êxodos
Êxodos é um livro que “conta a história da humanidade em trânsito” (SALGADO, 2000, p. 7). Nele, Sebastião narra, através de suas fotografias, a vida de seres humanos que precisam deixar sua terra natal, seu lar, por conta da pobreza, repressão ou guerras. Condições geradas e vividas em um mundo no qual predomina a desigualdade. “As pessoas arrancadas de seus lares são apenas as vítimas mais visíveis de uma convulsão global que decorre exclusivamente de nossos atos” (SALGADO, 2000, p. 8).
Segundo o documentário Sal da Terra, o qual conta a trajetória de Sebastião Salgado, Êxodos “tenta despertar a consciência mundial sobre o dia a dia de todos estes refugiados, da Índia, Vietnã, Filipinas, da América Latina, Palestina, Iraque e de muitos outros lugares.” (WENDERS; SALGADO, 2014, 64’52”). Para tanto, Sebastião percorreu quarenta países durante seis anos, convivendo com o sofrimento vivido pelos exilados e refugiados.
Assim, seu studium, sua intenção, foi o de tornar essa realidade visível, como ele mesmo diz na introdução da obra: “Muitos atravessavam os piores momentos de suas vidas. [...] Mesmo assim, aceitavam ser fotografados porque acredito, queriam que seu sofrimento fosse divulgado. Sempre que possível, eu lhes explicava que minha intenção era essa” (SALGADO, 2000, p. 7).
Salgado fotografa uma realidade sofrida, fotografa a miséria, a pobreza, as dificuldades vividas por aqueles que estão se locomovendo através do planeta. Uma realidade completamente diferente da vivida por seus leitores, que buscam exatamente isso em suas fotografias: o que sai da normalidade para eles, o bizarro. “Fotos chocam na proporção que mostram algo novo” (SONTAG, 2004, p. 30). E é neste momento que percebemos o contrato de leitura da obra.
Podemos confirmar o receptor de Êxodos e, consequentemente, provar que esse era o contrato da obra, graças ao sucesso obtido por Sebastião em sua carreira. Antes, o fotógrafo não tinha grande visibilidade no mercado, porém, após Êxodos, ele se torna um fenômeno da fotografia social.
“As fotos do projeto ‘Êxodos’ correram o mundo. Milhares de pessoas puderam vê-las. Elas foram expostas em diversos museus e salas de exposição, revistas do mundo todo as reproduziram. Dei um número imenso de conferências.” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 95). Prova do sucesso da obra é o fato de que, mesmo após 20 anos de seu lançamento, Êxodos ainda tem suas fotografias exibidas em exposição5.
A fotografia do bizarro, aquela fotografia “do outro, como se esse outro fosse de outra espécie, ainda que não o seja” (GOBBI; RENÓ, 2020, p. 94), é um ponto forte de Êxodos e grande parte de seu sucesso, porém devemos também considerar a proximidade de Sebastião Salgado com o tema do exílio. Pensando na mediação, de Martín-Barbero, é necessário trazer ao contexto o fato de que Salgado viveu o exílio. Em 1969, Sebastião e sua esposa, Lélia, foram para a França, por conta da ditadura militar brasileira.
Jovens militantes, eles abandonaram a terra natal para atuar, do exterior, nos movimentos contra a ditadura. “Participamos de todas as manifestações e de todas as ações de resistência à ditadura [...]. Isso era muito perigoso, claro. Nosso grupo decidiu que os mais jovens, [...], deviam ir para o exterior para se formar e continuar agindo de lá” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 22). Essa virada na vida de Sebastião fez com que ele tivesse a sensibilidade para transmitir a mensagem dos refugiados, como ele próprio conta em entrevista, ao explicar porquê fotografou Êxodos logo após terminar a obra Trabalhadores.
Concluí que esse trabalho só poderia ser feito por alguém que tivesse, realmente, total identificação com o tema. […]. Com esse episódio, constatei, definitivamente, que se não houver identificação total com o tema, se ele não tiver nada a ver com seu comportamento de vida, a pessoa não conseguirá fotografar direito. (BONI, 2008, p. 240)
Com relação à estética das fotografias de Sebastião Salgado, e pensando no conceito de hibridação, de Canclini, consideramos que o fotógrafo aprendeu a escrever com a luz quando já estava na França. Dessa forma, segundo Renó (2020), “[...] ao contrário do que o próprio fotógrafo defende, a brasilidade de sua obra e, por sua vez, a latinidade (Francq, 2013), não se fazem presentes na estética, e sim na narrativa, na mensagem de sua obra, que proporciona uma maior voz às questões sociais.” (RENÓ, 2020, p. 191).
Portanto, a hibridação na obra de Sebastião se dá por ele possuir a estética francesa, porém, a narrativa latino-americana. “A fotografia brasileira tem mais luz. A fotografia brasileira tem mais cor. Salgado valoriza uma estética de inverno em suas fotos, com uma luz menos intensa, um céu escuro [...].” (RENÓ, 2020, p. 196-197).
A Figura 1 faz parte do livro Êxodos e apresenta ruandeses refugiados na Tanzânia, em 1994. Nela, podemos visualizar um campo de refugiados ainda sem organização ou orientação das Nações Unidas e das organizações humanitárias envolvidas no trabalho. Em um primeiro plano, vemos uma mãe com seu bebê, sentados; uma mulher olhando para baixo; um homem e uma mulher olhando para a câmera, ambos com aparência cansada. Ao fundo, podemos conferir barracas improvisadas e uma vastidão de pessoas, algumas sorrindo, outras apenas olhando para a câmera.
Interessante notar que Salgado, através de sua fotografia, mostra a infinitude de pessoas refugiadas nesse campo. A multidão se perde no horizonte da fotografia. Nessa imagem, Sebastião se faz agente da folkcomunicação ao retratar o grupo marginalizado na Tanzânia, dando voz à questão dos refugiados e ao motivo da fuga deles de Ruanda, seu país de origem. Na época, se instavala uma onda de violência causada entre Tutsis e Hitus, causando um dos maiores massacres já vistos no país.
Dessa forma, apresentamos o contrato de Sebastião Salgado em Êxodos, além de explicitar o papel dele como agente folkcomunicador com essa obra. O compromisso dele é o de mostrar o que é diferente da realidade vivida por seus leitores, mostrar o novo. Seu público se compromete em observar tais imagens, as histórias que elas possuem. Com estética francesa, ele consegue atingir sucesso com sua obra e, ainda, traz suas raízes brasileiras através da narrativa presente na mesma. Salgado possui, inclusive, forte conexão com o tema trabalhado em Êxodos, de forma a se comprometer primeiro com o assunto, depois com o público leitor.
Contrato folkcomunicacional em Gênesis
A obra Gênesis é carregada de significados para Sebastião Salgado, seja de forma pessoal ou profissional. Na vida particular, Gênesis é a concretização de um projeto que começou com o Instituto Terra, iniciativa promovida por Sebastião e Lélia, com o objetivo de reflorestar a fazenda Aimorés, no interior de Minas Gerais, a qual Salgado herdou de seus pais.
Também na vida particular, Gênesis foi a representação da cura da depressão que o fotógrafo viveu após terminar Êxodos. “No final da década de 1990, fiz uma longa série de reportagens sobre os movimentos, nunca antes vistos, dos povos através do globo. [...] Quando o projeto terminou, a minha esperança no futuro da humanidade tinha se perdido.” (SALGADO, 2013, p. 5). No livro Da minha terra à Terra, Sebastião conta como ele se sentiu durante e depois de Gênesis ter sido finalizado. “Esses anos foram magníficos, me proporcionaram alegrias imensas. Depois de ver tantos horrores, vi tanta beleza.” (SALGADO; FRANCQ, 2014, p. 103).
Já na vida profissional, a obra foi uma mudança radical no objeto fotografado por Sebastião. Ele rompe com a fotografia social conhecida e se dedica a fotografar a natureza. Ao invés de mostrar o sofrimento das pessoas, ele busca mostrar a solução para os problemas que enfrentamos no planeta.
Nessa fase, Salgado busca uma religação com o estado natural do mundo, um regresso às primeiras formas de vida, propondo uma reflexão sobre a ação humana no ambiente. Alguns críticos dizem que tomou essa decisão como estratégia profissional para desvirtuar sua responsabilidade em fazer uma obra ainda superior ao seu trabalho-auge Êxodos. Mas o fato é que sendo ou não para diferenciar o seu olhar, ele, após ver as mais diversas faces da tragédia humana, resolveu documentar alguns santuários, ainda quase intocados pelas mãos do homem. (PICOLI; BONI, 2018, p. 108)
Com isso, Sebastião Salgado deixa de se preocupar com o contrato de leitura. Ao fotografar Gênesis, por mais que tenha a intenção de mostrar às pessoas como é possível os seres humanos conviverem com a natureza, Sebastião retrata a sua cura, obtida através do Instituto Terra. Ele faz um contrato com ele próprio e encontra pessoas que se interessam por seu novo objeto fotográfico, o meio ambiente.
E Salgado atinge sucesso nesse novo rumo profissional. Recentemente, o fotógrafo foi premiado pelo Fórum de Davos, por seu trabalho permitir debate sobre as condições humanas e a sustentabilidade6.
Apesar da mudança do objeto fotografado, Sebastião não altera seu estilo de fotografia. “[...] continuam como elementos onipresentes, o jogo de luz e sombras, o controle da luminosidade, os densos contrastes entre o branco, o cinza e o preto total [...]. Com a diferença de que agora há a exploração de novos enquadramentos [...].” (PICOLI; BONI, 2018, p. 108). Portanto, no caso da hibridação em Gênesis, entende-se que ela permanece a mesma que a de Êxodos.
Já no caso da mediação, precisamos ter em mente que o projeto Gênesis surgiu após o contato de Sebastião e Lélia com o reflorestamento da fazenda Aimorés, atual Instituto Terra. Essa aproximação é um novo padrão para o fotógrafo e que o incentiva na produção da obra. Ainda, devemos considerar que Salgado se apropriou de suas fotografias a ponto de se curar da depressão.
Na Figura 2, Sebastião Salgado nos apresenta um caçador da tribo dos Zo’é. Esse povo vive no interior da Flores Amazônica, no Pará. A fotografia de 2009 é composta por dois troncos de árvores, um indígena e várias folhas, provavelmente vindas das copas de árvores vizinhas aos elementos principais da fotografia. O índio parece um malabarista ou super-herói voando entre as árvores. Ele está caçando um macaco, seu alimento. Aqui, Salgado se faz agente da folkcomunicação ao apresentar o dia a dia de um grupo isolado da sociedade, buscando sua sobrevivência.
Considerações finais
A obra e a vida de Sebastião Salgado estão intimamente conectados, e todas elas suportadas em conceitos que nos permite classificá-lo como agente folkcomunicacional imagético. Desde o seu primeiro contato com a fotografia, graças ao exílio na França e à faculdade de sua esposa Lélia Wanick Salgado, até seus trabalhos mais recentes, Sebastião traz em suas fotografias sua história de vida, bem como suas crenças, como ele próprio confirma em Boni (2008)7.
Em Êxodos, ao eternizar as histórias presentes em suas fotografias, Sebastião traz consigo a identidade com àquelas pessoas, visto que precisou deixar o Brasil para não sofrer repressões ou algum tipo de violência - a mediação que está presente em seu trabalho. Seu contrato é mostrar o resultado de guerras, governos violentos, pobreza, miséria. Seus leitores são as pessoas que se interessam por ver esse resultado, o diferente de suas realidades, o bizarro. A hibridação se encontra na origem do fotógrafo e na origem de sua fotografia: brasileira e francesa, respectivamente.
Gênesis é a sua cura, sua mudança pessoal e profissional, que acontece por conta da depressão vivida após terminar de fotografar Êxodos. Mais uma vez, a mediação fica por conta da história pessoal de Sebastião. Ao reflorestar a terra recebida de herança, o fotógrafo, junto com sua esposa, organiza e realiza o projeto Gênesis. Já seu contrato deixa de ser exclusivo com a sociedade e passa a ser consigo mesmo. Ele firma esse contrato ao afirmar que Gênesis é a representação da sua cura da doença. A hibridação se mantém na combinação entre a origem brasileira do fotógrafo e a origem francesa de sua fotografia.
Portanto, considera-se que os contratos de Sebastião Salgado nas obras Êxodos e Gênesis estão relacionados com a história de vida do fotógrafo, porém, o que muda são seus leitores. Em Êxodos, Sebastião se preocupa em mostrar o que é diferente da realidade do público leitor, o qual, por sua vez, se compromete em consumir as fotografias. Já em Gênesis, Salgado rompe com seus leitores tradicionais e se compromete consigo mesmo, pois ele encontra a solução para seus problemas naquilo que fotografa. Apesar desse rompimento, Sebastião Salgado encontra quem quer ver essas soluções e, por isso, também tem sucesso com seus novos objetos fotográficos, sempre em busca de dar protagonismo e voz aos grupos marginalizados.
O discurso folkcomunicacional de Sebastião Salgado em Êxodos e Gênesis se apresenta ao mostrar a realidade de refugiados, migrantes, imigrantes, povos indígenas e povos que vivem de forma isolada da sociedade que conhecemos. Suas fotorreportagens permitem que seja visto o sofrimento, a tragédia; mas, também, a salvação, a vida em harmonia com a natureza. As imagens de Sebastião permitem reflexão sobre a realidade desses povos, tornando a fotografia um discurso folkcomunicacional e o fotógrafo como um agente folk.
Referências
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Notas