Dossiê

Itinerários do folkmarketing: memórias, histórias e vivências

Folkmarketing itineraries: memories, stories and experiences

Itinerarios de folkmarketing: recuerdos, historias y experiencias

Eudo Jansen
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Suelly Maux
Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Itinerários do folkmarketing: memórias, histórias e vivências

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 44, pp. 13-29, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 23/05/2022

Aprobación: 03/06/2022

Resumo: Este ensaio pretende trazer um percurso memorialístico e das evoluções que a teoria do folkmarketing passou durante seus 24 (vinte e quatro) anos de existência. A partir de uma revisão bibliográfica buscamos entender como se deu o processo de construção da teoria e os estudos sobre as suas aplicabilidades em organizações públicas e privadas. Postulamos ainda, construir brevemente a bibliometria da teoria e a sua genealogia. O presente ensaio busca ao final deste caminhar, abrir novas possibilidades e instigar estudos sobre as aplicabilidades atuais da teoria.

Palavras-chave: Folkmarketing, Memórias, Turismo, Desenvolvimento Local.

Abstract: This essay intends to bring a memorialistic journey and the evolutions that the folkmarketing theory has gone through during its 24 (twenty-four) years of existence. Based on a bibliographic review, we seek to understand how the theory construction process took place and the studies on its applicability in public and private organizations. We also postulate, briefly build the bibliometry of the theory and its genealogy. The present essay seeks, at the end of this journey, to open new possibilities and instigate studies on the current applicability of the theory.

Keywords: Folkmarketing, Memoirs, Tourism, Local Development.

Resumen: Este ensayo pretende traer un recorrido memorialístico y las evoluciones que ha atravesado la teoría del Folkmarketing durante sus 24 (veinticuatro) años de existencia. Con base en una revisión bibliográfica, buscamos comprender cómo se dio el proceso de construcción de la teoría y los estudios sobre su aplicabilidad en organizaciones públicas y privadas. También postulamos, construimos brevemente la bibliometría de la teoría y su genealogía. El presente ensayo busca, al final de este recorrido, abrir nuevas posibilidades e instigar estudios sobre la aplicabilidad actual de la teoría.

Palabras clave: Folkmarketing, Memorias, Turismo, Desarrollo local.

Introdução

Ao descambar pelos estudos da comunicação, buscamos vislumbrar as melhores práticas, técnicas, estéticas e discursos, num esforço contínuo de encantar e convencer os públicos de que nossa marca merece estar no palco de sua memória. As mais modernas tecnologias são utilizadas para construção de peças comunicacionais que tragam este frescor, este contato, esta interação que fará nosso produto ou serviço se conectar com o consumidor de forma única.

Diante deste cenário, parece contraditório que tudo aquilo que vem do popular possa ser entendido como instrumento de comunicação e aproximação. Porém, os festejos, as vestimentas, os sotaques, as músicas, os sabores, os cheiros, as histórias (e estórias), as cores, os rituais, enfim todos os elementos da cultura popular e do folclore, parecem entrar no radar e despertar um interesse daqueles que pretendem encontrar a melhor estratégia para se comunicar.

Podemos citar como um exemplo recente, o fenômeno Juliette3. Participante do maior reality show em canal aberto do Brasil, o BBB 21, a paraibana tornou-se case de sucesso sobre como criar relacionamentos e influenciar pessoas, através da sua linguagem simples, contando histórias e encantando pessoas, utilizando apenas aquilo que lhe era disponível, a cultura de seu povo.

Neste jogo das estratégias de comunicação, a tênue ligação entre o folclore e comunicação foi estudada na década de 1960 por Luiz Beltrão, vislumbrando que as pessoas marginalizadas na falta de acesso aos meios de comunicação de massa, encontravam formas próprias de criar a sua comunicação e expressar as suas contingências vividas. Embora inovadora para época, sendo a primeira teoria da comunicação genuinamente brasileira, a Folkcomunicação passa a não dar mais conta de todos os processos comunicativos imbricados nos contextos de culturas populares. E nem pretendia isto, visto que seu autor a considerava uma picada aberta nesta mata do conhecimento comunicacional brasileiro.

Percorrendo estas picadas abertas por Luiz Beltrão, o pernambucano Severino Alves de Lucena Filho se interessou por estudar como os elementos do folclore e da cultura popular eram utilizados como instrumentos de comunicação organizacional, especialmente com objetivos aproximativos entre públicos e marcas. Seu estudo inaugurou uma nova abordagem dentro da teoria da Folkcomunicação, que foi a primeira teoria da comunicação genuinamente brasileira, se ocupando de entender como os aspectos e práticas atuais das culturas populares podem, e são, apropriadas como estratégia de marketing, o folkmarketing.

Por isso, este ensaio se pretende a um exercício memorialístico e de ressignificação desta teoria, com o intuito de rememorar os percursos feitos pelo seu autor e descrever as principais transformações ocorridas na teoria ao longo dos seus 24 anos de existência. Pretendemos ainda, de forma panorâmica, apresentar uma genealogia e bibliometria da produção sobre o tema.

Ciclo memorialístico

Do Azulão do BANDEPE ao São João de Campina Grande (PB)

O carnaval é muito mais que uma festa. Em se tratando de Brasil, ele permeia o imaginário popular como um momento de permissividade, um jogo festivo onde o cômico, o riso e a utopia se tornam realidade no tempo-espaço. É uma espécie de segunda vida que permite a ascensão das fantasias como simulacro de uma sociedade desejada (BAKHTIN, 2008).

No contexto social brasileiro, o carnaval faz parte da identidade e do processo de reconhecimento e pertencimento das pessoas. A relevância desta festividade como símbolo de nosso povo é retratada desde Gilberto Freyre, passando por Roberto da Matta, à Wills Leal. A visão destes autores, nos apresentam duas facetas do carnaval: a popular, como instrumento de expressão; e a da elite, como reprodução de uma visão economicista (FREYRE, 1981).

Como partícipe dos festejos carnavalescos de Pernambuco, Severino Lucena Filho, observou que a partir da década de 1980 as instituições públicas e privadas começaram a se interessar pelos festejos de Momo e a participarem de forma ativa deste processo. Ora esta participação se dava através de cotas de patrocínio, ora se dava na condição de agremiação carnavalesca (LUCENA FILHO, 1998).

Este foi o escopo da dissertação de mestrado do autor, no Programa de Pós-Graduação em Administração Rural e Comunicação Rural da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Seu objetivo foi analisar os blocos, troças, ursos, maracatus e turmas, que tivessem vinculação com qualquer tipo de instituição, no intuito de entender como estas manifestações se mostravam como estratégia de comunicação organizacional. Em seu percurso acadêmico, Lucena Filho (1998) aprofundou seu olhar para agremiação Azulão do BANDEPE.

O BANDEPE era um banco público do Estado de Pernambuco, fundado em 1966 com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico do Estado, sobretudo nas ações de expansão do parque industrial. Em 1998 sofreu intervenção do Banco Central, passando pelo movimento privatista da última década do século XX e sendo incorporado ao ABN AMRO BANK em 2006.

O bloco Azulão do BANDEPE surge como uma reunião dos contínuos (nome dado a função de office boy na época) do banco, mas extensivo a colaboradores de outros níveis. Sua primeira aparição nas ruas se deu em 1982, com apenas 32 (trinta e dois) foliões. O termo azulão, no nome do bloco, veio em alusão a cor do fardamento da instituição, que na época era um tom de azul escuro (LUCENA FILHO, 1998).

Mesmo sendo uma agremiação carnavalesca estruturada e gerida pelos colaboradores, a instituição, o BANDEPE, participava ativamente da manifestação com apoio financeiro, infraestrutura, dispensa de trabalho para organização do bloco, cessão de espaços publicitários e comodato da sede, que era patrimônio do banco. Além disso, fazia aquisição dos kits folia para distribuição com a imprensa, clientes especiais e autoridades locais.

Concentração do Bloco Revivendo o Azulão (Bloco criado pelos ex-colaboradores do BANDEPE em rememoração do Azulão)
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Concentração do Bloco Revivendo o Azulão (Bloco criado pelos ex-colaboradores do BANDEPE em rememoração do Azulão)
Blog Eu Trabalhei no BANDEPE.

Lucena Filho (1998) conclui ao final deste estudo, que a agremiação Azulão do Bandepe, configura-se numa estratégia de Relações Públicas, que se diferencia das demais estratégias comunicacionais, por fazer uso dos aspectos da cultura popular e do folclore no sentido de viabilizar um estreitamento das relações entre públicos e instituições. E mais, que os seus resultados desta estratégia parecem duradouros na medida que as conexões entre os públicos se dão via sentimentos de pertencimento e identidade.

Capa do Livro Azulão do BANDEPE
Foto 2
Capa do Livro Azulão do BANDEPE
Pesquisa Direta.

Estas conclusões chamaram atenção da Professora Salett Tauk Santos no momento da defesa da dissertação de Severino Lucena Filho, onde ela contribui com a assertiva:

Ao combinar o estudo de uma manifestação de Folkcomunicação, abandonando o aspecto residual das culturas populares e valorizando o que elas têm de atual, de contemporâneo, com a perspectiva de utilização da folkcomunicação como estratégia de Marketing institucional, o autor nos coloca diante de uma nova linha de estudo: o folkmarketing (TAUK SANTOS, apud LUCENA FILHO, 1998, Orelha de Livro).

Neste momento, temos a gênese do termo folkmarketing, que passa a partir de então, a ser o principal objeto de estudo do autor, especialmente em sua caminhada docente na Universidade Federal da Paraíba, onde fazia parte do Departamento de Comunicação Social.

Pernambucano, mas já enraizado nos afetos paraibanos, Severino Lucena Filho submete-se ao processo de seleção de doutoramento na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul com a ideia de defender a teoria do folkmarketing. Neste momento, a teoria que nascia com bases na imbricação de cultura popular e comunicação organizacional, passa a abranger as teorias do marketing e suas intersecções com a antropologia, sociologia, linguística, literatura, semiótica e até o turismo (LUCENA FILHO, 2007).

Para tal defesa, o carnaval não era mais o seu objeto. Com o paraibanar das horas, Lucena Filho (2007) faz um passeio pelas suas origens rurais e busca no São João de Campina Grande (PB) o lócus para pesquisar como os elementos da cultura popular e do folclore são apropriados como estratégias comunicacionais.

O olhar sobre uma festa da dimensão do São João de Campina Grande, considerado o maior do mundo, trouxe uma complexa teia de visões sobre os usos das imagens, ícones, cores, formas, sons, cheiros, para composição de discursos e narrativas com o intuito de promover marcas no campo institucional e mercadológico.

Lucena Filho (2007) lançou mão de uma metodologia denominada por ele de BID - Blocos Imagéticos Discursivos, que apoiada na Análise de Conteúdo e Análise do Discurso, compuseram um vasto arsenal de peças publicitárias coletadas nos vários espaços da festa e nos mais diversos meios de comunicação de massa.

Cartão Telefônico comemorativo do São João
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Cartão Telefônico comemorativo do São João
Acervo BID Severino Lucena Filho.

A análise destas peças publicitárias/comunicacionais reforçou o aspecto estratégico que tem o uso dos elementos singulares das identidades regionais e locais, para promover e mobilizar os sentidos de pertencimento e valorização dos saberes e culturas populares. Sendo assim, o folkmarketing se constitui numa:

[...] modalidade comunicacional, com base nas matrizes teóricas da teoria da Folkcomunicação e do Marketing, estrategicamente adotada pelos gestores comunicacionais dos mercados regionais, apresentando como característica diferenciada, no seu processo construtivo, a apropriação das expressões simbólicas da cultura popular por parte das instituições públicas e privadas, com objetivos mercadológicos e institucional (LUCENA FILHO, 2007, p. 90).

Ao concluir seu doutoramento, Lucena Filho nos aponta o que poderiam ser os principais caminhos a serem trilhados a partir dali, na teoria do folkmarketing. Pensando num mundo contemporâneo, cada vez mais rápido e líquido, o autor propõe pensar nas formas como esta teoria poderia ser aplicada no processo comunicacional, especialmente dentro das micro e pequenas empresas. Ressalta ainda, que seria pertinente investigar como a teoria se aplica nas ações comunicacionais no campo da religião e do turismo.

Capa do Livro A festa junina em Campina Grande
Foto 4
Capa do Livro A festa junina em Campina Grande
Pesquisa Direta.

Findo este ciclo compreendido entre a gênese do folkmarketing, no Azulão do BANDEPE e o seu aprimoramento na festa junina de Campina Grande, passamos a tratar do momento de internacionalização e intercâmbio da teoria com países de culturas semelhantes.

Do São João de Campina Grande às festas dos Santos Populares em Portugal

O olhar e as vivências no São João de Campina Grande, descortinaram para Severino Lucena Filho muitas dinâmicas e interfaces no contexto de folkmarketing. O universo imagético-discursivo das festas juninas mostrou muitos significados dados pelas organizações na busca por estratégias mercadológicas e institucionais.

Neste sentido, o pesquisador buscou numa nova trilha, entender como a edificação dos discursos organizacionais se davam em festejos de Santos Juninos em outras partes do mundo. A Universidade de Aveiro, em Portugal, abraçou a temática e as festas dos Santos Populares se tornaram o novo lócus de pesquisa para entender a dimensão comunicacional e mercadológica desta manifestação cultural.

Assim como em Campina Grande, os festejos dos Santos Populares em Portugal têm sua raiz no caráter religioso, mas sem se dissociar do simbolismo da festa como um acontecimento social, histórico, cultural e político. Este simbolismo remonta a nossa tradição rural, onde os rituais festivos estavam diretamente ligados aos ciclos de plantio e colheita, servindo como oferta aos santos na fé de um tempo bom de semeadura e no agradecimento pela fartura da colheita (LUCENA FILHO, 2012). Senão vejamos:

As Marchas Populares, que constituem o ponto alto dos festejos, são um evento aglutinado de centenas de pessoas, forças vivas da cidade constituídas pelas coletividades, marchantes, ensaiadores, coreógrafos, figurinistas, músicos e as estrelas anônimas dos bairros que, na sua dedicação e empenho permitem a continuidade deste acontecimento cultural popular. Trata-se enfim, de um conjunto de pessoas unidas pelo seu amor ao bairro onde vivem e o que cada Marcha representa (LUCENA FILHO, 2012, p. 61).

Como podemos perceber, ao longo do tempo estas festividades passam por um processo de ressignificação e de apropriação por parte da cultura massiva e adquirem uma performance urbana, transformando-se em vitrines comunicacionais e produto da Indústria Cultural. As marchas populares de Lisboa são um exemplo disso, quando em 1957 a RTP – Rádio e TV de Portugal4 passa a transmitir a manifestação em cadeia nacional (LUCENA FILHO, 2012).

Apresentação das Marcha Populares de Lisboa
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Apresentação das Marcha Populares de Lisboa
José Frade/EGEAC.

Mas, não são só os meios de comunicação de massa que se apropriam destas festas. As organizações também refuncionalizam, criam e recriam o evento como um meio para promover suas marcas e construir pontos de contato com seus mais diversos públicos. Nos festejos dos Santos Populares em Lisboa, assim como a festa de São João de Campina Grande no nordeste brasileiro, as instituições atuam como fomentadores e promotores destes espetáculos, refuncionalizando o evento como uma estratégia comunicacional e mercadológica.

É possível verificar nos mais diversos espaços da festa dos Santos Populares de Lisboa a utilização dos elementos identitários da cultura junina. As vitrines das lojas, os rótulos dos produtos, a ornamentação das ruas e vielas, as varandas das casas, são vitrines comunicacionais que expressam o agir coletivo de valoração da cultura local. O que acaba por validar um olhar proposto pelo pesquisador Severino Lucena Filho, na análise da festa de São João em Campina Grande, que reza sobre a utilização da estratégia de folkmarketing aplicada à área do turismo.

Neste imenso tear cultural português, que são as festas dos Santos Populares, religião, ritos, histórias, festejos, procissões, espetáculos, compõem um espaço de encontros, vivências e memórias que se transformam em produto a ser consumido na lógica do turismo cultural. Ou seja, os festejos juninos, seja no Brasil ou em Portugal, expressam sua condição de elementos geradores de discursos, que no contexto estratégico das organizações, encontram um viés mercadológico (em empresas privadas) e institucional (em empresas públicas/governos), inclusive no setor do turismo.

Capa do Livro Festa Junina em Portugal
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Capa do Livro Festa Junina em Portugal
Pesquisa Direta.

Apesar das explícitas convergências e semelhanças entre o olhar do São João de Campina Grande e dos festejos dos Santos Populares em Lisboa, este segundo despertou uma nova dinâmica para o estudo do folkmarketing, a dinâmica do Desenvolvimento Local. Durante o período em que estas festividades acontecem, é possível perceber um aquecimento da economia local, sobretudo com a participação das pessoas do local, que se envolvem de forma incisiva para seu acontecimento.

São várias cadeias produtivas envolvidas. A produção das comidas típicas, a venda de tecidos para confecção das roupas de apresentações, a lenha para as fogueiras, a confecção de bandeiras e bandeirolas, os adereços, os conjuntos musicais, os fogos de artifício, são apenas alguns dos exemplos destas atividades produtivas movimentadas a partir da festividade (LUCENA FILHO, 2012).

Talvez este tenha sido o grande legado deste momento da teoria do folkmarketing, visto que as pesquisas que o sucedem, tratam das interfaces culturais que estes acontecimentos festivos têm com o desenvolvimento de localidades rurbanas, como veremos a seguir.

Estudos contemporâneos no contexto do folkmarketing

Como já mencionamos, a teoria do folkmarketing chega aos seus 24 (vinte e quatro) anos desde a sua concepção no estudo do Azulão do BANDEPE. Neste tempo, nossa sociedade se modificou bastante e com a incorporação das novas tecnologias estas mudanças são cada vez mais rápidas. As quebras de tempo-espaço impostas pela internet e suas redes sociais, fazem com que as estratégias de comunicação sejam cada vez mais sofisticadas, personalizadas e com ciclo de vida mais curto.

É neste novo panorama que se centram os estudos do folkmarketing. Cada vez mais, as marcas e produtos são ressignificados e se apropriam dos elementos da cultura popular, especialmente em contextos festivos, para criar um clima de proximidade, de relacionamento estreito e pertencimento com seus consumidores.

Grandes marcas como Vitarella, Coca-Cola, Guaraná Jesus, Ninho, São Braz, Schin, entre tantas outras, fazem uso do folkmarketing como estratégia organizacional e obtém resultados expressivos, seja de branding ou de vendas, com as ações. Seus principais produtos ganham novas embalagens e as ações de publicidade tem peças criadas especialmente para períodos festivos como a Paixão de Cristo, São João, Natal, Festival Folclórico de Parintins, carnaval etc.

Para além destes usos no contexto de produtos e serviços, diversas localidades começam a perceber que a construção de uma cultura de valoração de seus elementos identitários, passam a se constituir em bens e ativos de alto valor, capazes de fomentar de forma endógena o processo de desenvolvimento da localidade. São exemplos destes casos e que já foram estudados no contexto do folkmarketing, as Caretas de Triunfo (SANTOS, 2015), a Feira de Artesanato de Caruaru (SILVA, 2014), as Carrancas do São Francisco (BRANDÃO, 2016) e a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém (CONCEIÇÃO E LUCENA FILHO, 2017).

Cabe ainda ressaltar, que estão em curso outros estudos sobre a teoria do folkmarketing que tratam de reflexões sobre as conexões entre o tema e as questões de afetos, neurociência e os fluxos de informação nas redes sociais da internet. Estes estudos estão sendo desenvolvidos no âmbito do Grupo de Pesquisa GRUJORDI - Jornalismo e Diversidade Cultural, abrigado no Departamento de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba.

Isto nos mostra, que findo este ciclo memorialístico, ainda restam muitas inquietações, questionamentos e olhares que podem ser debruçados sobre o folkmarketing, seja na missão de atualização da teoria, seja como forma de compreender os usos e práticas dela nos contextos das organizações públicas e privadas.

Itinerários do folkmarketing

Breve bibliometria da teoria

Nas Ciências Sociais Aplicadas, especialmente no campo da Ciência da Informação, a bibliometria configura-se num método estatístico, que visa estudar a produção científica de um determinado campo do saber, através de indicadores de produtividade, construção de redes de pesquisa e motivações (LUNDEBERG, 2006).

Para representar esta breve análise, utilizamos como base o termo folkmarketing e realizamos o levantamento de dados nas plataformas online do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no Portal de Periódicos da CAPES e na Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (Redalyc), escolhidas devido sua importância para o meio acadêmico. Como estamos buscando dados de todo o período histórico da teoria, não foi feito uso do filtro tempo para captação das informações.

Tabela 1
Número de Produções com o tema folkmarketing
Base de DadosTermo “folkmarketing” (Número de Publicações)
Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES11
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações3
Portal de Periódicos da CAPES24
Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal29
Pesquisa Direta.

Quando levamos em consideração a distribuição desta produção ao longo dos anos, percebemos uma certa linearidade, com um pequeno aumento de produções no ano de 2019. Já no que se refere as instituições que produzem sobre a temática, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) tem um considerável destaque, justificado pela existência de um programa de Pós-Graduação, o POSMEX - Extensão Rural e Desenvolvimento Local, que tem uma linha de pesquisa específica para estudos no campo da Folkcomunicação. Este programa está em processo de desativação.

Ao nos debruçarmos sobre as temáticas destas produções/publicações, percebemos que elas seguem uma lógica que acompanha a dinâmica exposta no ciclo memorialístico deste texto. As produções até 2012 se ocupam de entender o folkmarketing no contexto das organizações e suas estratégias de Relações Públicas, a partir de 2012 dá-se um foco maior a questão das aplicabilidades, sobretudo para o Desenvolvimento Local e as mais atuais estão focadas nas temáticas das redes sociais online e no uso como estratégia de branding e resultados de vendas.

Genealogia da Teoria

Complementar a bibliometria, a Genealogia Acadêmica, ou simplesmente GA, visa documentar e entender as relações de orientação para classificar e avaliar a atuação de grupos e indivíduos na academia. Através desta análise, é possível mensurar o impacto atual e predizer futuros possíveis, a partir das ações individuais e coletivas de pesquisadores de determinada área (MALMGREN et al., 2010).

No caso do folkmarketing, estamos considerando o professor e pesquisador Severino Alves de Lucena Filho como o pai desta teoria e a partir dele fizemos a coleta de dados na Plataforma Acácia, desenvolvida por um grupo de pesquisadores atuantes na área de Cientometria da Universidade Federal do ABC (UFABC). Cabe destacar, que os dados obtidos estão levando em consideração a última atualização do Currículo do pesquisador na plataforma Lattes, que data de 2018.

Grafo da Genealogia Acadêmica do folkmarketing
Figura 1
Grafo da Genealogia Acadêmica do folkmarketing
Pesquisa Direta.

No grafo acima, observamos que o pesquisador Severino Lucena Filho tem dois ascendentes, que o orientaram em seu mestrado e doutorado, ambos sobre o folkmarketing, e possui 8 (oito) descendentes diretos, todos orientados em nível de mestrado. Como seus descendentes ainda não produziram relação de orientação para mestrado e doutorado, podemos dizer que o folkmarketing ainda se encontra na sua primeira geração, mesmo tendo diversos trabalhos sendo defendidos em nível de graduação pelo Brasil.

Considerações finais

Parafraseando Luiz Beltrão, toda pesquisa é uma obra inacabada que serve de porta para entrada de novos olhares no conhecimento. Sendo assim, a nossa proposta não é fechar um ciclo sobre a teoria do folkmarketing, mas sim ressignificar este itinerário percorrido pelo professor e pesquisador Severino Lucena Filho, que mesmo depois de 24 (vinte quatro anos) vivendo e estudando o tema, ainda o faz com sagacidade e tenacidade por onde caminha.

Os olhares sobre a cultura popular se abrandaram ao longo do tempo e mais, foram ganhando contornos de importância e valor, especialmente na lógica do consumo e do capitalismo, que em tudo vê oportunidade de lucrar. Ali está e sempre estará as estratégias de folkmarketing, que de forma simplificada são os usos que se fazem dos elementos desta cultura do povo, como meio de aproximar públicos e vender produtos e serviços.

Neste tecer das estratégias de comunicação, relacionamentos e marketing, que se encontram com os discursos e processos oriundos da cultura popular, ainda há muito que se olhar, entender, perceber e significar. E, cabe às próximas gerações de pesquisadores da comunicação e da cultura popular, seguir neste caminho aberto de uma construção compartilhada do conhecimento.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008, p. 325.

BRANDÃO, Ricardo Antonio Rocha. Carrancas do São Francisco: a dinâmica de uma manifestação folkcomunicacional no contexto do desenvolvimento local. Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local - Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 2016.

CONCEIÇÃO, S. M. da; LUCENA FILHO, S. A. de. Marca Paixão de Cristo de Nova Jerusalém: uma análise na perspectiva do folkmarketing e desenvolvimento local em Fazenda Nova/PE. Revista Internacional de Folkcomunicação, [S. l.], v. 15, n. 35, p. 241–260, 2018. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/folkcom/article/view/19108.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1996.

LUCENA FILHO, Severino Alves de. Azulão do BANDEPE: uma estratégia de comunicação organizacional. Recife: CEPE, 1998.

LUCENA FILHO, Severino Alves de. Festa Junina em Campina Grande: Uma estratégia de folkmarketing. João Pessoa: Editora UFPB, 2007.

LUCENA FILHO, Severino Alves de. Festa Junina em Portugal: marcas culturais no contexto do folkmarketing. João Pessoa: Editora UFPB, 2012.

LUDENBERG, J. Bibliometrics as a research assessment tool – impact beyond the impact factor. Karolinska Institutet, 2006. Disponível em: http://diss.kib.ki.se/2006/91-7140-965-3/thesis.pdf.

MALMGREN, R.D.; OTTINO, J.M.; AMARAL, L.A.N. The role of mentorship in protégé performance. Nature, v. 465, n. 7298, p. 622-626, 2010.

SANTOS, Vera Lúcia Xavier dos. Careta de Triunfo-PE: folkmarketing e desenvolvimento local. Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local - Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 2015.

SILVA, Maria Luciana Bezerra da. A xilogravura está na moda: vestuário, folkmarketing e desenvolvimento local na feira de artesanato de Caruaru – PE. Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local - Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 2014.

Notas

3 Juliette Freire é paraibana, advogada e maquiadora, tem 32 anos de idade, atua como cantora e influenciadora digital. Ficou conhecida nacionalmente após sua participação na edição 21 do BBB.
4 A RTP é um conglomerado de comunicação português atuante em rádio, TV e online. Com cerca de 80 anos de vida, a sua história e tradição se confundem com a história de Portugal.
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