Dossiê

A representação do carnaval virtual brasileiro na revista Vogue sob a perspectiva da folkcomunicação1

The representation of the Brazilian virtual carnival in Vogue magazine from the perspective of folkmarketing

La representación del carnaval virtual brasileño en la revista Vogue desde la perspectiva del folkmarketing

Suelly Maux
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Ana Lívia Macêdo da Costa
Universidade Federal da Paraíba, Brasil

A representação do carnaval virtual brasileiro na revista Vogue sob a perspectiva da folkcomunicação1

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 44, pp. 71-87, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 20/05/2022

Aprobación: 03/06/2022

Resumo: Em virtude da pandemia de Covid-19 e a proibição da realização das festividades do Carnaval, no ano de 2021, a internet foi um dos principais espaços utilizados para projetar o imaginário brasileiro. Neste contexto, a apresentadora e influenciadora digital Sabrina Sato foi utilizada como um ideal de representação da cultura popular brasileira, ancorada no uso de estratégias de folkmarketing. O presente artigo analisa a repercussão do “Carnaval da Sabrina” no principal veículo jornalístico de moda internacional e o reflexo transmídia com base na metodologia de análise de imagens midiáticas do Carnaval (MELO, 2008). Com isso, pôde-se observar o uso de referências estéticas, sobretudo de vestuário, para simbolizar a cultura nacional e os interesses mercadológicos da influenciadora.

Palavras-chave: Carnaval, Folkmarketing, Moda, Instagram.

Abstract: Due to the Covid-19 pandemic and the ban on Carnival festivities, in 2021, the internet was one of the main spaces used to project the Brazilian imagination. In this context, the presenter and digital influencer Sabrina Sato was used as an ideal representation of Brazilian popular culture, anchored in the use of folkmarketing strategies. This article analyzes the repercussion of “Carnaval da Sabrina” in the main journalistic vehicle of international fashion and the transmedia reflection based on the methodology of analysis of media images of Carnival (MELO, 2008). With this, it was possible to observe the use of aesthetic references, especially clothing, to symbolize the national culture and the influencer's marketing interests.

Keywords: Carnival, Folkmarketing, Fashion, Instagram.

Resumen: Debido a la pandemia de Covid-19 y la prohibición de las festividades de Carnaval, en 2021, internet fue uno de los principales espacios utilizados para proyectar la imaginación brasileña. En ese contexto, la presentadora e influencer digital Sabrina Sato fue utilizada como representación ideal de la cultura popular brasileña, anclada en el uso de estrategias de folkmarketing. Este artículo analiza la repercusión del “Carnaval da Sabrina” en el principal vehículo periodístico de la moda internacional y la reflexión transmedia a partir de la metodología de análisis de imágenes mediáticas del Carnaval (MELO, 2008). Con esto, fue posible observar el uso de referentes estéticos, especialmente de vestimenta, para simbolizar la cultura nacional y los intereses de marketing del influencer.

Palabras clave: Carnaval, Folkmarketing, Moda, Instagram.

Introdução

As comemorações do Carnaval de 2021 foram marcadas por uma nova dinâmica social: proibição das realizações das festividades de rua e a necessidade de manter o isolamento entre os indivíduos para frear o contágio pelo novo coronavírus4. A realização do Carnaval precisou passar por uma adaptação e ocupou sobretudo os espaços virtuais, seja através de redes sociais digitais ou de veículos jornalísticos on-line.

No Brasil, um dos eventos de maior destaque realizado virtualmente foi o “Carnaval da Sabrina”. A ação foi produzida pela apresentadora de televisão e influenciadora digital Sabrina Sato, durante três dias de festividade, entre 13 e 15 de fevereiro de 2021.

A página de Sabrina Sato no Instagram (@sabrinasato), com mais de 29 milhões de seguidores, foi utilizada para divulgar imagens da apresentadora com fantasias carnavalescas e recordações da festividade de modo a evidenciar aspectos da cultura popular brasileira, associando estratégias de folkmarketing.

A influenciadora utilizou-se de expressões simbólicas populares a fim de alcançar a publicização do seu projeto. Isso se prova também por meio das parcerias publicitárias realizadas com grandes marcas de cerveja, de beleza e de moda. Essas estratégias comunicativas adotadas por Sabrina, logo, repercutiram nos canais jornalísticos nacionais e internacionais.

Através da metodologia de análise de imagens midiáticas do Carnaval (MELO, 2008), o presente artigo analisa o impacto da matéria “HowSabrina SatoKept Carnaval’s SambaSpirit Alive” (“Como Sabrina Sato manteve vivo o espírito do samba do Carnaval”, tradução livre), publicada pelo portal on-line da revista Vogue, em 17 de fevereiro de 2021. A matéria foi repercutida em portais de notícias brasileiros e na página do Instagram da apresentadora5, alcançando mais de 11 mil curtidas e 300 comentários.

No contexto da folkcomunicação, a repercussão do “Carnaval da Sabrina” é um reflexo da adesão de novas formas de cultura da convergência, de consumo de produtos/carnavalescos que compõem o imaginário popular e narrativa transmídia, em que os usuários reivindicam a participação na produção de conteúdo, “mesmo entendendo que as grandes corporações de mídia também se apropriaram da tecnologia e continuam tendo seu espaço ideológico fortalecido” (RODRIGUES; JURY, 2019, p. 145).

O Carnaval como identidade brasileira

O Carnaval é uma manifestação cultural de origem europeia, derivada de tradições cristãs. A festividade obedece a um calendário específico de comemoração que tem início na sexta-feira e finaliza na Quarta-feira de Cinzas. No Brasil, essas tradições foram progressivamente incorporadas e inauguraram um novo aspecto de comemoração que se tornou nacional. Segundo Lopes Junior (2019, p. 193), “o Carnaval só se torna genuinamente brasileiro a partir do momento em que a cultura das camadas marginalizadas da população é utilizada nessas comemorações.”

Inicialmente, no país, as pessoas de classe média e alta brincavam em suas casas enquanto as pessoas escravizadas e de camadas mais baixas da população iam às ruas (AGOSTINHO, 2014). Assim, surgiram os primeiros clubes e as sociedades carnavalescas como alternativa à comemoração da data pelas classes abastadas que, posteriormente, também inovaram ao trazer os carros alegóricos de origem europeia para a festividade do carnaval carioca.

Para Góes (2002, p. 69), é preciso estabelecer que “o carnaval não tem um sentido único e totalizante, isto é, não tem o mesmo significado cultural e político para todos os foliões que, em última instância, são os sujeitos da festa.” Ainda atualmente, não é possível estabelecer uma só forma de comemoração do Carnaval, pois as festividades ganham diferentes roupagens e costumes de norte a sul do país, apesar de serem dados os maiores destaques para festividades nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Olinda, Recife e Salvador.

Ao incorporar características folclóricas e de adesão popular, o Carnaval integra um processo de Folkcomunicação, conforme a conceitualização de Beltrão (2001, p. 70), que a define como “o processo de intercâmbio de informações e manifestações de opiniões, ideias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore.” Não obstante, é próprio também da folkcomunicação a expansão, a socialização e a convivência com outras cadeias comunicacionais da cultura popular de modo que sofram as mudanças por efeito da comunicação massificada e industrializada bem como pela apropriação resultante desses complexos (HOHLFELDT, 2002).

Nesse aspecto, os veículos midiáticos utilizam-se das pautas sobre as festas populares e as convertem em “conteúdos midiáticos de natureza diversional, retroalimentando a própria agenda da mídia informativa ou educativa” (MELO; LUYTEN; BRANCO, 2002, p. 4). O Carnaval é uma das festividades populares que foram convertidas em um evento folkmidiático de grande referência. Tornou-se, em suma, uma hibridização das tradições populares e das expressões culturais da sociedade de massas para sintetizar o ideário da cultura nacional.

A informação de moda carnavalesca

Outra expressão cultural que deriva do Carnaval é a moda. Desde as roupas e os adereços utilizados pelos foliões de rua até as fantasias confeccionadas pelas costureiras nos barracões das escolas de samba, podemos defini-las como um aspecto expressivo da festividade no Brasil.

De acordo com Lorensoni (2013, p. 84), a vestimenta é “elemento de representação e convívio social da cultura.” Logo, no período carnavalesco, o vestuário desempenha o papel de perpetuar bem como ressignificar a representação cultural previamente estabelecida. É nesse local que, como aponta o autor, “a roupa conversa, propõe um diálogo social repleto de símbolos que comunicam e são interpretados” (LORENSONI, 2013, p. 96).

As fantasias carnavalescas são, pois, elementos expressivos da estética carnavalesca. A produção de moda é entendida de forma que “a concepção das fantasias tem como principal objetivo o impacto visual, tal a profusão de imensas alegorias de cabeça” (GOÉS, 2002, p. 76). Até mesmo no caso de corpos trajando poucas roupas, ou seminus, a emolduração estética adquire traços do imaginário carnavalesco.

No aspecto da moda das escolas de samba, o autor Araújo (2019) aponta a importância dada à aparência, visto que o desfile de carnaval é uma oportunidade de aparecer diante de um grande público e da mídia. A posição de rainha de bateria é, por exemplo, uma das mais cobiçadas das escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro, já que possuem uma avaliação específica de acordo com as suas fantasias e seu desempenho na avenida. Assim, “o corpo é o elemento crucial de marketing para esse tipo de negócio” (ARAÚJO, 2019, p. 29).

Em consonância com esse entendimento, os veículos midiáticos, sobretudo de jornalismo especializado de moda, produzem conteúdos com enfoque nos aspectos visuais da festividade de Carnaval. A moda do Carnaval torna-se representativa da identidade brasileira e, neste aspecto, reproduzida nas imagens midiáticas. Lorensoni (2013, p. 87) aponta que tais meios de comunicação de massa são importantes para disseminar notícias acerca do assunto de moda de tal forma que “essas informações influenciam no processo de escolha dos indivíduos e consequentemente na formação de sua identidade.”

Para Weidlich (2014), a internet, como veículo de comunicação, permitiu instauração de uma nova lógica de produção das notícias de moda. Assim,

A informação de moda, desde a época das ilustrações, está ligada a uma narrativa que se constrói com base na imagem de pessoas, hoje essa prática não está mais restrita a uma classe dominante, qualquer indivíduo pode produzir uma imagem de moda e compartilhá-la na rede. E o movimento do público, nesse sentido, não pode deixar de influenciar as diretrizes do sistema da moda, ainda mais quando as plataformas disponíveis representam ferramentas de comunicação instantânea (WEIDLICH, 2014, p. 187).

A reprodutibilidade dos códigos de moda tem se dado por meio de processos mais horizontais, os quais permitem a interação entre os diferentes sujeitos. No entanto, o uso intencional e carregado de significado do vestuário carnavalesco ainda passa pela mediação dos agentes midiáticos que se utilizam de mecanismos próprios para evidenciá-los ou não como representantes da cultura nacional.

O Carnaval do ano 2021

No ano de 2021, em virtude da pandemia da Covid-19, a festividade ganhou outros moldes de publicização, e se firmou com grande força no ambiente virtual. Um dos exemplos dessa ocorrência se deu por meio da apresentadora Sabrina Sato ao realizar o evento denominado “Carnaval da Sabrina”. Sato apresentou duas transmissões de shows musicais ao vivo, no sábado e no domingo de Carnaval. Além disso, publicou imagens trajando diversas fantasias em sua página no Instagram.

Através das imagens na rede social Instagram, a apresentadora mostrou características típicas da comemoração, como as fantasias da época de rainha de bateria, com muitas plumas e brilhos. Quanto à musicalidade do Carnaval, tão presente nas festividades, Sato divulgou diversos ritmos tais quais o samba, o sertanejo e até mesmo o “piseiro”6.

Nessa nova configuração virtual, Sato valeu-se do seu status de “musa do Carnaval” para promover uma festa que alcançasse o público através da internet e representasse todo o país. Contudo, é importante ressaltar que o público alcançado por Sato é ancorado em sua carreira tanto como apresentadora de televisão quanto como influenciadora digital do ramo da moda.

Dessa maneira, conforme posto por Mendes, Silva e Almeida (2009), pode-se considerar o uso de artimanhas comunicacionais quando Sato utiliza-se de uma linguagem específica e direcionada com o objetivo de conquistar o público, destacar-se na mídia, e promover relacionamentos apelando para o imaginário brasileiro e o simbolismo cultural.

A repercussão dada pela imprensa ao “Carnaval da Sabrina” torna-se um aspecto identificador da realização da festividade virtual no país. É, em outras palavras, uma “correia de transmissão da identidade brasileira no exterior” (MELO, 2008, p. 71).

Carnaval da Sabrina e o folkmarketing

Com base no exposto, a Folkcomunicação torna-se insuficiente para compreender a multiplicidade de elementos e de estratégias comunicacionais empreendidas por Sabrina Sato no “Carnaval da Sabrina”. Logo, pode-se também agregar a perspectiva do folkmarketing para o entendimento dessa realização.

O folkmarketing surge dos estudos do autor Lucena Filho para promover uma óptica interdisciplinar da sociologia, antropologia, folclore, comunicação social, turismo e, sobretudo, marketing. Segundo Lucena Filho (2008, p. 5), pode-se entender esse processo enquanto “a apropriação das expressões simbólicas popular por parte das empresas públicas e privadas, com objetivo mercadológicos e institucionais.”

Através de postagens no Instagram, Sabrina Sato traz as memórias do Carnaval para se comunicar diretamente com o seu público. Há um reforço explícito dos códigos da cultura popular, exaltando a saudade da realização das festividades, com o uso do cenário do Sambódromo da Marquês de Sapucaí (Rio de Janeiro) e Sambódromo do Anhembi (São Paulo).

Com isso, Sabrina empreende um processo de folkmarketing para a promoção do seu evento. De acordo com Lucena Filho (2008, p. 6):

O processo de Folkmarketing leva as organizações públicas e privadas a identificarem-se com seus públicos-alvo, falando a linguagem que eles querem ouvir e mostrando as imagens que eles querem ver, fazendo assim com que as percebam segundo um sentimento de valoração das culturas locais (LUCENA FILHO, 2008, p. 6).

A comunicação mercadológica e de marketing trazida por Sato relaciona os elementos da cultura popular carnavalesca com grandes marcas de cerveja e de beleza. A fim de vender esses produtos, a figura da influenciadora também é exaltada através do vestuário repleto de plumas, brilhos e adereços.

Na relação entre folkmarketing e a moda, é possível observar a expressão das culturas populares através das vestimentas. Para Silva e Lucena Filho (2016, p. 149), essa associação é vista no “emprego das figuras que compõem as estampas e remetem de forma clara as tradições locais e aos saberes do povo, reprocessadas como elementos comunicacionais de natureza mercadológica.”

Os autores Silva e Lucena Filho (2012) ainda apontam a existência da apropriação de símbolos da cultura popular por parte das marcas de moda. Dessa forma, as grifes constroem discursos que antes eram pautados por tendências de grandes marcas internacionais e hoje remetem a uma identidade tida como nacional.

Enquanto influenciadora do ramo da moda, Sabrina Sato utiliza as roupas carnavalescas, elaboradas por grifes estrangeiras, para caracterizar a realização do seu próprio Carnaval. Dessa maneira, as vestimentas são utilizadas como pauta para os veículos especializados. No caso do presente trabalho, analisamos a relação do “Carnaval da Sabrina” na revista Vogue.

Análise midiática

A Vogue é uma revista de moda feminina fundada nos anos 1890, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Atualmente, além da publicação principal norte-americana, o veículo está presente em 25 países. As edições da Vogue são mantidas em revistas impressas e em portais digitais sob o comando da empresa Condé Nast Publications, com sede em Nova Iorque.

A presença mundial da marca Vogue tornou-a o veículo jornalístico de moda mais influente da contemporaneidade. De acordo com Pina (2016, p.13),

Ao se expandir para outros países é possível notar um acúmulo de reputação – quando ela começou a se tornar ícone do que é ― ter estilo, estabelecendo tendências de vestuário do mundo acompanhando a evolução da moda. Além de uma determinadora de moda, a Vogue se tornou um modelo de sucesso para as novas e sucessivas publicações, e é inquestionável o seu reconhecimento como uma revista de alto poder referencial e normativo.

Desse modo, a escolha da matéria do portal norte-americano da Vogue7 tem como justificativa a relevância do veículo jornalístico e o entendimento de fatores que possam contribuir com a paulatina desnacionalização da festividade do Carnaval brasileiro, além da caracterização sob uma possível “roupagem hollywoodiana” (MELO, 2008). Esses fatores podem ser potencializados também com uma nova dinâmica de celebração no ano de 2021, em que o Carnaval não ocupou as ruas. A ausência da tradição presencial infere no protagonismo dos brincantes populares, ou seja, aqueles que saem às ruas e não estão inseridos em espaços privados de comemoração.

A matéria escolhida, intitulada “HowSabrina SatoKept Carnaval’s Samba Spirit Alive” (“Como Sabrina Sato manteve vivo o espírito do samba do Carnaval”, tradução livre), de 17 de fevereiro de 2021, é assinada pela jornalista Janelle Okwodu. A matéria traz a reprodução de duas postagens do Instagram da apresentadora Sabrina Sato. A caracterização de Sato é feita como “uma das maiores fãs do Carnaval”, por ter sido rainha de bateria de escolas de samba das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo durante dezoito anos ininterruptos.

Por estar inclusa na coluna “Celebrity Style” (Estilo da celebridade, tradução livre), outro destaque da matéria é dado às vestimentas utilizadas por Sato. Entre as grifes citadas, estão as nova-iorquinas BCALLA e Area, além das marcas parisienses Balmain e Oliver Rousteing.

Matéria How Sabrina Sato Kept Carnaval’s Samba Spirit Alive
Figura 1
Matéria How Sabrina Sato Kept Carnaval’s Samba Spirit Alive
(VOGUE, 2021).

O uso da metodologia de imagens midiáticas do Carnaval (MELO, 2008) foi escolhido de modo a orientar a análise do material. Segundo a metodologia de Melo (2008), a matéria jornalística é investigada segundo três níveis de conteúdo, sendo eles: eixos temáticos, estratégias comunicacionais e referentes culturais.

Inicialmente, através de uma investigação direta no buscador do portal americano Vogue utilizando o termo "Carnaval", constatou-se que, em 2021, a matéria "How Sabrina Sato Kept Carnaval's Samba Spirit Alive" foi a única veiculada sobre o tema da festividade brasileira. Detectamos também que a média de publicações da Vogue sobre o Carnaval tem sido apenas de uma matéria anual, desde o ano de 2017. Logo, o assunto não se configura como expressivo na agenda midiática da revista, ainda que seja uma data sazonal considerada e pautada pelo veículo estudado.

Sobre os eixos temáticos, há uma predominância da inovação. Sabrina Sato é apontada como inovadora ao trazer a alegria carnavalesca para o ambiente virtual, sobretudo através do compartilhamento de vídeos e imagens usando a hashtag #CarnavaldaSabrina, no Instagram. Além disso, a matéria traz o destaque para as transmissões de shows ao vivo da dupla sertaneja Zé Neto & Cristiano e da denominada "lenda do samba" Zeca Pagodinho no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo. Ambas as livesforam apresentadas por Sato.

Ainda assim, a revista oferece uma visão genérica do Carnaval ao associar uma imagem da festividade voltada a "desfiles de samba famosos, carros alegóricos ornamentados e fantasias brilhantes"8 (tradução livre). Essa ideia é espetacularizada pelo veículo ao citar o Carnaval da Sabrina como "uma vibrante homenagem à cultura brasileira e o último grito antes da moralidade da Quaresma"9 (tradução livre). A visão oferecida pelo veículo é de uma uniformidade na celebração do Carnaval em todo o país através da figura da apresentadora Sabrina.

O lugar do Carnaval tornou-se a rede social de Sato, que, apesar de privada e voltada aos grupos que interagem naquele ambiente virtual, o veículo procura potencializar a ideia de funcionar como um espaço de compartilhamento do espírito brasileiro. Ainda assim, os sujeitos da festa (GÓES, 2002), ou os foliões brincantes das ruas, não são citados na matéria, que privilegia os destaques de nomes de artistas, famosos e cantores que participaram direta ou indiretamente do "Carnaval da Sabrina". Os trabalhadores que possibilitam a realização da festividade, como costureiras, dançarinos ou funcionários de escolas de samba, são lembrados apenas em uma fala de Sato ao final da matéria.

A matéria da Vogue traz um tom saudosista com relação às festas pré-pandemia que promoviam empregos, movimentavam o turismo e provocavam a felicidade da população. E, apesar de apresentar uma forma de consideração da festividade virtualmente, traz a fala de Sabrina Sato para desejar que o Carnaval volte às ruas em 2022. Esse é um importante destaque, visto que desconsidera um Carnaval que aconteça exclusivamente on-line ao não proporcionar o contato entre a população e não permitir a realização de grandes desfiles carnavalescos nas avenidas de samba.

Quanto às estratégias comunicacionais, por se tratar de um veículo de moda, são centradas na espetacularização e na imagetificação. A narrativa jornalística bem como as imagens concentram-se na exposição de um visual de luxo, em que as vestimentas, o corpo e a própria sensualidade da apresentadora são evidenciadas. No texto, há menção às roupas de marcas estrangeiras usadas por Sato e reforçadas como ícones representativos do Carnaval. Já as fotografias presentes na matéria, retiradas do Instagram da apresentadora, também mantêm esse tom.

Logo, tratando-se dos referentes culturais, a matéria aponta uma identidade espetacularizada, em que os referenciais estrangeiros se confundem com a tradição nacional. Há uma tentativa da apresentadora Sabrina de evidenciar aspectos da cultura brasileira ao utilizar signos do carnaval, como as escolas de samba e os sambódromos, além das músicas do sambista Cartola e da banda Os Barões da Pisadinha, grupo que representa a ascensão de um ritmo marginalizado, vindo do interior do país. No entanto, não é esse o enfoque dado pela revista Vogue, a qual se ancora nas vestimentas estrangeiras usadas por Sato e na padronização de costumes cariocas para representar todo o país.

Contudo, a partir da matéria da Vogue, não é possível depreender o significado atribuído por um público mais amplo. A fim de analisar a recepção da matéria entre os usuários do Instagram, utilizou-se, no presente artigo, a publicação no perfil da própria Sabrina Sato. A apresentadora publicou em sua página um anúncio da matéria e agradeceu à revista por “entender a importância do carnaval para nós, brasileiros”10. O post alcançou mais de 11 mil curtidas e 300 comentários.

Post no Instagram de Sabrina Sato sobre a matéria da Vogue
Figura 2
Post no Instagram de Sabrina Sato sobre a matéria da Vogue
Instagram @sabrinasato.

A partir da apropriação do espaço simbólico da internet pelos usuários comuns, estes encontraram espaço nos comentários da publicação feita pela atriz Sabrina Sato. Espaço que não é encontrado na publicação da Vogue, sendo possível depreender dois motivos para essa ocorrência: ausência de caixa de comentários no portal on-line e também a matéria escrita na língua inglesa.

Ao publicar a imagem da matéria no seu perfil do Instagram, Sato traz a legenda traduzida, explicando ao público sobre o que se refere o conteúdo. Além disso, há espaço para que o público comente as suas impressões sobre o Carnaval de modo que, conforme aponta Schmidt (2005, p.63), "os processos culturais marginalizados coexistem com a internet, incorporam suas técnicas, linguagens e formatos.”

Na concepção de cultura participativa de Jenkins (2009), os espectadores não são mais passivos aos meios de comunicação e desejam interagir sob um novo conjunto de regras. Para o autor, “nossa vida, nossos relacionamentos, memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia” (JENKINS, 2009, p. 45).

Sendo assim, os comentários permitem observar, em sua maioria, elogios e parabenizações à apresentadora Sabrina Sato tanto caracterizando-a como “rainha do Carnaval” quanto pelo aparecimento na revista norte-americana. A maioria dos comentários foi feito por usuárias do sexo feminino.

No entanto, há comentários que evidenciam aspectos negativos da representação gerada por Sato, tais quais: “O Carnaval tem a importância apenaspara encher o bolso dos ricos”, “Dá para você passar para o português, Sabrina.”, “Não entendi uma palavra, mas (só) o nome de Sabrina Sato” ou “Não sei ler em inglês”. Um desses comentários é respondido pela apresentadora, que confessa: “Nem eu (sei ler em inglês). Mas acho que é coisa boa.”

Considerações finais

A partir do caso estudado, é possível concluir que a apresentadora Sabrina Sato faz uso de estratégias de folkmarketing, numa miscigenação entre cultura popular, no tocante à linguagem e alguns itens de indumentária carnavalesca, para realizar a promoção virtual da sua imagem, enquanto uma entidade pública midiática, bem como consolidar o projeto “Carnaval da Sabrina”11.

O Carnaval espelhado pela apresentadora Sabrina Sato é um recorte específico das festividades privilegiadas do eixo Rio-São Paulo. Apesar da utilização de mecanismos de difusão simbólica e do exercício do uso de uma linguagem que perpassa por uma identidade popular, no tocante à identificação do não entendimento da língua inglesa, há um predomínio pela estética hollywoodiana, sobretudo ancorada no uso de vestimentas estrangeiras.

Desse modo, a revista Vogue reproduz um padrão genérico das comemorações do Carnaval virtual no ano de 2021 que não reconhece a pluralidade do território brasileiro e a presença de costumes diversos. Essa configuração é resultado também da operacionalização sob um modelo de distribuição de moda chamado “trickle down”, ou seja, de cima para baixo (PINA, 2016).

Através dos comentários da publicação de Sabrina Sato no Instagram, observa-se a reivindicação do usuário comum da rede social para partilhar dessa representação trazida pela revista. O status notório do veículo norte-americano no ramo da moda infere para a glamourização cultural e a aceitação dos referenciais de estética estrangeira, apesar do Carnaval ser referenciado como uma representação cultural das camadas populares.

No espaço da internet, a folkcomunicação, a cultura de massa e as narrativas transmídias se fundem, instaurando uma nova fronteira para a representação carnavalesca e a representação dos atores populares, aqueles que se utilizavam do espaço da rua para perpetuar a cultura popular.

Assim, o presente artigo configura-se como um esforço de apresentar a representação de um caso de celebração específico, mas suscita a investigação de outros fenômenos nas comemorações do Carnaval virtual em 2021.

Referências

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Notas

1 Trabalho parcialmente apresentado no GT3 (Folkcomunicação Midiática) da XX Conferência Brasileira de Folkcomunicação.
4 Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia mundial da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). No Brasil, apesar do início da vacinação em janeiro de 2021, o número de casos da doença ainda estava elevado.
5 Página do Instagram de Sabrina Sato, disponível em: https://www.instagram.com/sabrinasato/.
6 O gênero musical é uma das vertentes do forró criado no interior do nordeste do Brasil, no início dos anos 2000. No ano de 2020, o ritmo teve as músicas mais tocadas das principais plataformas de streaming do país.
7 Matéria disponível em: https:www.vogue.com/article/sabrina-sato-brazil-carnaval-2021-area-balmain.
8 Trecho citado da matéria: “Famous samba parades, ornate floats, and glittering costumes”.
9 Trecho citado da matéria: “A vibrant tribute to Brazilian culture and the last hurrah before the observance of Lent”.
10 Post disponível em: https://www.instagram.com/p/CLcRa_cFPk6/.
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