Dossiê
Triunfo (PE): Espaços de lugares, espaços de fluxos e produção de valor simbólico na cidade pequena1
Triunfo (PE): Spaces of places, spaces of flows and symbolic value production in the small town
Triunfo (PE): Espacios de lugares, espacios de flujos y valor simbólico en la pequeña ciudad
Triunfo (PE): Espaços de lugares, espaços de fluxos e produção de valor simbólico na cidade pequena1
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 44, pp. 124-142, 2022
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 23/05/2022
Aprobación: 09/06/2022
Resumo: Neste artigo, de abordagem qualitativa e em perspectiva de pesquisa aplicada, o objeto de estudo constitui-se no município de Triunfo. O objetivo é descrever a cidade em seus aspectos históricos e compreender a busca pela singularização do município em contexto de modernização genérica da rede urbana estadual. Adota-se o modelo de estudos da comunicação como cultura, tendo como disciplinas de apoio a sociologia urbana e a geografia cultural e o folkmarketing como especificidade temática. Argumenta-se pelas paisagens culturais construídas no município, o que inclui a refuncionalização do centro histórico em dois aspectos: a dotação de valor simbólico pela conservação da ideia de lugar e a transformação em espaços de fluxos de informações culturais e artísticas. Conclui-se que, no paradoxo entre espaços de lugares e espaços de fluxos, as paisagens culturais podem ser acionadas como recurso simbólico, e possivelmente transformadas em recursos econômicos.
Palavras-chave: Comunicação, Cultura como recurso, Espaços de lugares, Espaços de fluxos, Triunfo (PE).
Abstract: In the article, from a qualitative approach and in an applied research perspective, the municipality of Triunfo-Pernambuco. The objective is to describe the city in its historical aspects and understand the search for the singularization of the municipality in the context of generic modernization of the state urban network. The model of communication studies as culture is adopted, with the disciplines of cultural geography and folkcommunication as support and folkmarketing as thematic specificity. It is argued by the cultural landscapes built in the municipality, which includes the refunctionalization of the historical center in two aspects: the endowment o symbolic value for the conservation of the idea of place and the transformation into spaces o cultural and artistic information flows. It is concluded that, in the paradox between spaces of places and spaces of flows, cultural landscapes can be triggered as symbolic resource, and possibly as economic resources.
Keywords: Communication, Culture as a resource, Space of Places, Space of flows, Triunfo (PE).
Resumen: En este artículo, de abordaje cualitativo y en perspectiva de invetigación aplicada, se investiga el município de Triunfo- Pernambuco. El objetivo e describir la ciudad em su aspectos históricos y compreender la búsqueda de la singularización del município em un contexto de modernización genérica de la red urbana estatal. Se adopta el modelo de estúdios de la comunicación como cultura, teniendo a las disciplinas de geografia cultural y de la folkcomunicación como apoyo y al folkmarketing como especificidade temática. Se argumenta por los paisajes culturales construídos em el município, lo que incluye la refuncionalización del centro histórico em dos aspectos: lá dotación de valor simbólico por la conservación de la idea de lugar y la transformación en espacios de flujos de informaciones culturales y artísticas. Se concluye que, em la paradoja entre espacios de lugares y espacios de flujos, los paisajes culturales pueden ser activados como recurso simbólico, y posiblemente como recursos económicos.
Palabras clave: Comunicación, Cultura como recurso, Espacio de lugares, Espacios de flujos, Triunfo (PE).
Introdução
Pensar as cidades e suas complexidades tornou-se imperativo no mundo contemporâneo, dada a percepção em menor escala de que vivemos em um país, mas habitamos uma cidade. Inúmeros teóricos dedicam-se a refletir o contexto atual das cidades sob perspectivas distintas. O interesse de distintas áreas do saber emerge a partir da compreensão de que os espaços urbanos se transformam continuamente, em termos materiais e simbólicos. Tais mudanças deram-se, em grande medida, pela globalização da economia, que atua sob a lógica de expansão do capitalismo, promovendo impactos em todas as esferas da vida, sejam econômicas, sociais, políticas, culturais, afetando também a criação ou reformulação das redes urbanas.
Estudos sobre as redes urbanas tem privilegiado investigações que buscam compreender a dinâmica dos grandes centros urbanos. Essa tendência pode ser atribuída pela expressiva densidade demográfica dos centros metropolitanos, mas, sobretudo, pela complexidade das estruturas sociais e econômicas que são, nessas cidades, muito mais ampliadas, dinâmicas e complexas. Em outras palavras, as grandes cidades são atravessadas por múltiplos fluxos, por maior desenvolvimento científico/tecnológico, concentração de atividades industriais e financeiras e a grande distribuição de conhecimento e informação.
Nesse contexto, o presente trabalho sugere ser igualmente necessário pautar os problemas e desafios das cidades pequenas, localizadas hierarquicamente em posições subalternas nas redes urbanas, mas que também constituem nós dessas redes e são afetadas pelos processos de globalização, ainda que em desigual alcance e diferentes formas e meios, comparando-se às grandes cidades. A cidade pequena também evidencia, em sua constituição urbana, práticas sociais e culturais que caracterizam a cultura contemporânea, apresentando demandas sobre novas formas de representação no plano simbólico, de modo geral, e no campo comunicacional, de modo específico.
No campo comunicacional, acionamos o folkmarketing como suporte para compreendermos uma dimensão comunicacional da cidade através de seus recursos culturais. O folkmarketing é visualizado aqui na apropriação dos elementos culturais, notadamente o imaginário sertanejo, para divulgação de Triunfo (PE) como cidade turística. Em outras palavras, podemos dizer que a cidade recorre a estratégias de comunicacionais ligadas aos aspectos culturais, na medida em que utiliza seus recursos simbólicos como forma de se distinguir em meio a urbanização genérica que, de forma geral, caracteriza o desenvolvimento das cidades brasileiras.
Assim como em trabalhos anteriores sobre os recursos simbólicos e econômicos do município de Triunfo (PE) (SANTOS; GUSHIKEN; 2020; e SANTOS; GUSHIKEN, 2021), nos propomos a investigar e ampliar a perspectiva comunicacional, agora no aporte do folkmarketing (LUCENA FILHO, 2007;2012), as experiências dos lugares que constituem a cidade pequena em sua singularidade, em contraposição à cidade genérica, iguais às outras em sua modernização homogeneizante, o que já se torna indício de uma contradição. Compreende-se, simultaneamente, a cidade como espaço de fluxos e como espaço de lugares, no sentido proposto pelo sociólogo espanhol Manuel Castells na transformação da cidade informacional (CASTELLS, 1991).
O argumento de Castells (1991) é de que, embora a economia global agencie os espaços de fluxos, as pessoas ainda vivem nos espaços de lugares, e esta condição “esquizofrênica” da vida urbana evidencia uma contradição entre virtudes e falácias da modernização dos espaços de lugares, quando são pressionados a se transformar em espaços de fluxos. Paradoxalmente, conforme o autor, a singularidade do lugar se acentua na medida em que é atravessado pela maior circulação de pessoas, e este talvez seja o anúncio de como se atualiza a contradição entre espaço de lugar e espaço de fluxos. Dado o impasse, consideramos a categoria cidade pequena em sua variável de cidade histórica, marcada por assinaturas discursivas que, entre conflitos e apaziguamentos, busca manter sua característica de lugar, enquanto se vê moldada pelos fluxos informacionais que a pressionam a aventuras das transformações da modernidade.
Metodologia
No plano metodológico, buscamos pontuar um estudo interdisciplinar, a partir do campo comunicacional, sobre o município de Triunfo, localizado no sertão de Pernambuco. Na categoria de cidade pequena, Triunfo possui 15.232 habitantes, segundo estimativa do IBGE (2021) e está localizado a 400 km da capital Recife. Na ponta economicamente inferior na rede urbana estadual pernambucana, Triunfo se projeta no cenário estadual pela produção de um imaginário com base em suas paisagens. Em meio ao sertão pernambucano, a cidade está localizada em um brejo de altitude. “Os brejos são áreas de exceção dentro do domínio do Nordeste semiárido” (TABARELLI; SANTOS, 2004, p. 17). Ou seja, Triunfo localiza-se no alto, em contraposição aos baixios da caatinga, e assim a cidade localizada na parte alta do território se potencializa em termos imagéticos no campo do sensível.
O imaginário de Triunfo fornece um conjunto de imagens que ampliam os sentidos subjetivos, estéticos e simbólicos na percepção de uma cidade pequena que, ao menos hipoteticamente, tem uma representação econômica muito discreta na vida econômica e política no âmbito estadual e regional. Interessa-nos como essa cidade pequena se representa em um contexto em que a mesma fica de fora dos grandes espaços de produção capitalista industrial, bem como, do grande circuito de informação dos grandes conglomerados de informação e entretenimento. A comunicação extrapola barreiras geográficas, espaciais e culturais, alterando o cenário mundial e desenhando um panorama que exige e oportuniza estudos e pesquisas que investigam como se dão os processos comunicacionais na atualidade, sob várias vertentes teóricas. Em meio a esse panorama de pesquisa surge o desafio de pensar também os processos comunicacionais populares como um campo que fomenta olhares e perspectivas múltiplas de investigação.
A pesquisa tem uma abordagem qualitativa (DESLANDES, GOMES, MINAYO, 2005), preocupada com o universo de significados relacionados ao município de Triunfo (PE), buscando a compreensão da dinâmica cultural e comunicacional naquela localidade sertaneja.
A natureza da pesquisa é aplicada, considerando a caracterização histórica do campo comunicacional como ciências sociais aplicadas e o levantamento de questões de interesse local relacionadas à economia informacional e ao campo turístico. O objetivo da pesquisa é descritivo (na medida em que permite ver e perceber a realidade cotidiana do município em suas singularidades paisagísticas) e interpretativo (na medida em que pretende enfatizar os sentidos da cidade tal qual se apresenta à consciência como fenômeno). Adota como procedimento a pesquisa bibliográfica (na interface principalmente com ciências sociais e ciências humanas) e a pesquisa de campo (que constou de visitas individuais a campo nos meses de janeiro e fevereiro de 2017 e janeiro e fevereiro de 2018).
Nessa construção teórico-metodológica, visando um percurso interdisciplinar, o trabalho adere ao modelo de pesquisa como cultura, no qual “busca-se a compreensão (e não a formulação de leis) das representações e práticas culturais que expressam os valores e significados construídos na relação entre mídia e as demais instituições da sociedade urbana contemporânea” (LIMA, 2004, p. 47-48). Nesse modelo, comunicação se define em duas perspectivas: como sistema de significação, a ordem social é comunicada, reproduzida, experimentada e explorada, e, como processo simbólico, a realidade é produzida, mantida, restaurada e transformada (LIMA, 2004).
A interface primordial de pesquisa nas ciências sociais e humanas e mais precisamente com a geografia (SPOSITO, 2017), através da categoria de paisagens e a sociologia urbana (CASTELLS, 1991), através das categorias de espaços de fluxos e espaços de lugares, que definem, neste artigo, o recorte do objeto relacionado à produção de valor simbólico como questão cultural, comunicacional e econômico. Nesta tessitura metodológica, buscamos a proposição dos estudos folkcomunicacionais (BELTRÃO, 1980), na especialidade do folkmarketing (LUCENA FILHO, 2012), como perspectiva que permite pensar a cidade pequena, a partir de seu patrimônio histórico (LUCHIARI, 2005, 2009; e PESAVENTO, 2008), no que as características culturais podem potencialmente servir como recursos simbólicos na economia contemporânea (YÚDICE, 2004, 2013, 2015).
Folkmarketing, como categoria analítica, origina-se na perspectiva da folkcomunicação, que por sua vez desenvolve-se na ampla área da comunicação (LUCENA FILHO, 2007; 2012). A construção do folkmarketing parte de suas observações de campo, ou seja, de uma evidência empírica a respeito da dinamicidade das manifestações folclóricas na região Nordeste do Brasil, em especial no estado de Pernambuco. Na interface com a comunicação organizacional, folkmarketing refere-se ao que Lucena Filho observa como apropriação das expressões simbólicas, no âmbito das culturas populares, por parte das empresas públicas e privadas, com objetivos mercadológicos e institucionais.
No modelo de estudos construído, buscamos, portanto, descrever e analisar as paisagens que constituem o patrimônio histórico com que o município de Triunfo busca singularizar-se na rede urbana estadual de Pernambuco. O município, como totalidade econômica, social, cultural e comunicacional é considerado em termos organizacionais e institucionais, operando as capturas de suas próprias memórias, alimentando-se de sua própria produção cultural, descontados os conflitos de ordem interna nessa luta pela apropriação cultural, de modo a atribuir sentido à sua própria paisagem e apresentá-la como recurso simbólico e econômico.
Comunicar a cultura na economia contemporânea
As políticas públicas mais recentes em Triunfo (PE) tentam seguir uma tendência da atualidade que diz respeito ao desenvolvimento ou fortalecimento do turismo, através de aspectos ou valores culturais locais. Segundo argumenta Marques de Melo: “No limiar do século XXI, vivemos um período marcado pelo reflorescimento das culturas locais e regionais” (MELO, 2008, p. 70). Esse redirecionamento das atenções para as culturas locais contribui para uma abordagem da cultura como processo dinâmico, que se vincula tanto ao social quanto ao econômico, e, portanto, podem ser trabalhadas com vistas a trazer benefícios para determinadas localidades.
Pensar a cultura atravessada por circuitos políticos, sociais e econômicos na era da globalização também é o argumento do pesquisador George Yúdice (2015), que propõe tratar a cultura como um recurso, direcionada ao desenvolvimento em todos os aspectos. Nessa perspectiva, cultura é entendida como um recurso com várias finalidades, localizada em relações complexas e atravessamentos decorrentes de um contexto globalizado. Para o autor:
A cultura, num sentido amplo, refere-se não só às artes e ao patrimônio construído, mas também às indústrias culturais, às práticas cotidianas da comunidade, enfim, aos saberes, significados e valores que fazem dela uma fonte de identidade, inovação e criatividade. (YÚDICE, 2015, p. 63).
Triunfo (PE), sem a experiência da industrialização ou da oferta de serviços mais complexos, passou a priorizar atividades e ações que promovem e fortalecem práticas de lazer (dirigidas à própria população do município) e ao turismo (voltado a moradores de outros municípios e outras regiões). Assim, eventos e expressões culturais populares ganham visibilidade dos setores governamentais que desenvolvem políticas públicas de modo a ampliar e financiar projetos culturais, além de gerenciar informações de modo a evidenciar expressões culturais como singularidades do lugar, ou seja, como um recurso simbólico e, como reflexo reverso, o que seria próprio da economia contemporânea, recurso econômico.
Yúdice (2004) argumenta que a cultura ganhou um protagonismo maior do que em qualquer outra época, e esse protagonismo é percebido pela maior distribuição de bens simbólicos no mercado mundial. Pode-se dizer que o gerenciamento do imaginário simbólico em Triunfo tem sido tratado como um recurso potencial para o desenvolvimento de atividades no campo econômico.
Este imaginário que se cria sobre Triunfo (PE) consiste principalmente na manutenção do patrimônio arquitetônico, que passa a ganhar novas funções no espaço urbano municipal. Aqui anotamos a contradição, propriamente moderna, das políticas públicas de restauração do conjunto de prédios com características coloniais: na medida em que se reforçam como espaço de lugares, transformam-se em espaços de fluxos.
A tessitura entre o antigo e o novo reflete transformações nas atividades econômicas e do mundo do trabalho, pois desenvolve a necessidade de se comunicar um imaginário paradoxal da cidade pequena em sua condição histórica: um imaginário que sugere tranquilidade, porque cidade pequena e antiga, e sugere também aventura, porque o antigo torna-se a diferença como singularidade da cidade histórica.
A paisagem que se constitui na produção deste imaginário permite acessar memórias e acionar afetos virtualmente potentes: o antigo como diferença no tempo, o novo como espacialidade que se renova na experiência de ver e perceber a cidade. Decorre daí uma reinvenção nas relações entre economia e trabalho, em uma cidade que ainda tem na produção agrícola a principal atividade econômica. Nesse trânsito, percebe-se que há uma emergência do chamado trabalho imaterial, que reflete em âmbito local as transformações na economia em escala global.
O chamado trabalho imaterial, segundo Maurizio Lazzarato e Antonio Negri, refere-se a uma nova força de trabalho, mas que não está, exatamente, em situação antagônica e em relação dialética com o capital. Antes, está além dele. Nos dizeres dos autores, a relação que o trabalho imaterial institui é uma “alternativa constitutiva de uma realidade social diferente” (LAZZARATO; NEGRI, 2001, p. 36).
Nesse contexto, as novas formas de trabalho, que inclui o uso da internet como elemento modernizador do final do século XX, tecem cruzamentos com expressões culturais de âmbito local, em sua discreta existência. Ao menos potencialmente, estes cruzamentos reforçam subjetividades locais, embora não sem tensões, pressionadas pelos processos de modernização. Esta tessitura caracteriza o processo de globalização com seus dilemas e contradições que envolvem os espaços geográficos e todas as esferas da vida social.
No cenário de complexas redes de comunicação e aparatos tecnológicos, surge o desafio de pensar os processos comunicacionais em seus aspectos de culturas populares, localizando-os no estágio atual de mundo globalizado, de racionalidade capitalista e de uma lógica assimétrica de desenvolvimento e modernização. Para tanto, seguimos a perspectiva de abordagem da comunicação coligada à cultura:
Se considerarmos a comunicação em sua força paradigmática na constituição da cultura contemporânea, pode-se perceber como, nos movimentos sociais e culturais, o pensamento comunicacional e expressivo emerge ao modo de práticas de produção de linguagem em gêneros variados, que vão das artes eruditas ao artesanato, da linguagem oral à linguagem visual e musical, quando não do cruzamento entre elas (GUSHIKEN, 2008, p. 09).
Para compreender os processos comunicacionais dos contextos populares, que funcionam por canais e processos distintos das grandes mídias legitimadas no circuito da cultura mainstream, mas, que ao mesmo tempo mantém interação com os meios massivos, numa relação de influência mútua.
A imagem folk como recurso: folkmarketing
No Brasil, um dos mais importantes estudiosos dos processos comunicacionais populares foi o jornalista pernambucano Luiz Beltrão, que desenvolveu a perspectiva da folkcomunicação, teoria que “consiste no estudo dos agentes e dos meios populares de informação, de fatos e expressão de ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais.” (BELTRÃO, 1980, p.24). De forma genérica, entende-se que a folkcomunicação é comunicação dos grupos populares, a transmissão de informações e opiniões através das práticas culturais: artesanatos, danças, rituais, cantos e mitos, entre outros elementos constituintes da identidade sociocultural de cada lugar.
Entendemos, pois, que há uma constante permuta entre os universos da cultura folk e outras esferas da vida cultural, que se conectam, em distintos níveis de intensidade. Nesse ambiente cultural, os elementos simbólicos de uma esfera cultural e de outra sofrem e exercem influências ao incorporarem ou serem apropriadas. É essa direção que relacionamos a folkcomunicação com o processo comunicativo, nos quais organizações se utilizam de manifestações culturais com propósitos institucionais e/ou mercadológicos, materializados em estratégias que o pesquisador paraibano Severino Alves de Lucena Filho designou de folkmarketing, definindo-o como:
Uma modalidade comunicacional, com base nas matrizes teóricas da teoria da folkcomunicação e do marketing, estrategicamente adotada pelos gestores comunicacionais dos mercados regionais, apresentando como característica diferenciada a apropriação das expressões simbólicas da cultura popular, no seu processo constitutivo, por parte das instituições públicas e privadas, com objetivos mercadológicos e institucionais. (LUCENA FILHO, 2012, p. 35)
Marques de Melo apud Lucena Filho (2007, p.195) dá a seguinte conceituação para folkmarketing, “As ações comunicacionais de folkmarketing constituem em apropriações de canais, mensagens e códigos de comunicação popular tradicional pelos agentes mercadológicos, para vender produtos, ideias ou imagens institucionais”.
A especialidade do folkmarketing considera a possibilidade de uma aproximação das organizações com seus distintos públicos, num processo comunicacional em que se compartilha o que é comum ao ambiente cultural às pessoas de uma determinada região. Organizações fazem uso das potencialidades naturais, históricas, culturais, entre outras, com o objetivo de formar imagem institucional favorável. Assim, é importante salientar o pensamento comunicacional proposto por Lucena Filho (2007), quando afirma que, para a promoção local, é fundamental que as mensagens e instrumentos de divulgação estejam em sintonia com os valores regionais e/ou locais.
Lucena Filho (2012, p. 31) afirma que: “as estratégias comunicativas não existem como receita pronta, mas em processo de construção permanente. Trata-se de um paradigma que está em constante modificação em função do ambiente cultural, político e do cenário mercadológico, em especial”. Nessa perspectiva do folkmarketing, o município de Triunfo (PE), considerado aqui numa condição organizacional, criou, no sertão de Pernambuco, uma imagem com referências associadas ao seu potencial natural e cultural, transformando essas características em marcas identitárias da cidade, confirmando uma tendência da atualidade que diz respeito às potencialidades simbólicas dos lugares como recursos para o desenvolvimento.
Dessa forma entendemos que as ações comunicacionais de folkmarketing constituem em uma combinação de elementos massivos com elementos culturais regionais ou locais, essa configuração proporciona sentimentos identificação, de pertencimento e de valorização dos elementos culturais” (SANTOS; LUCENA,2016).
A partir de suas representações simbólicas, resultante das potencialidades das paisagens culturais e imaginários explorados, a cidade de Triunfo (PE) se insere com um perfil turístico na rede urbana estadual, ampliando fluxos e articulações com outros núcleos urbanos regionais, em Pernambuco, e mesmo com municípios de estados vizinhos. As paisagens culturais e os imaginários fornecem uma forma de Triunfo (PE) se singularizar dentro do contexto urbano genérico da rede urbana pernambucana.
Triunfo na rede urbana de Pernambuco
Os processos urbanos fazem-se notar principalmente pelos centros urbanos mais populosos, representados pelas categorias geográficas e urbanísticas de metrópoles, cidades globais ou simplesmente as grandes cidades. Nesses centros com alta densidade urbana concentram-se toda uma gama de elementos políticos-econômicos-culturais e científicos que as transformam em espaços de fluxos e de controle de capitais, que, associados a outras variáveis, as colocam no topo da hierarquia das redes urbanas.
Entretanto, o processo de urbanização desenhou também historicamente outro panorama que, embora aparente ser um fenômeno simples, comporta complexas tramas a serem desvendadas e compreendidas: os inúmeros centros urbanos de pequeno porte que se espraiam por todas as regiões do país, fenômeno que se reproduz na rede urbana em Pernambuco.
Em Pernambuco se reproduz sistemicamente o fenômeno da urbanização, com significativo percentual de pessoas residindo mais em espaços urbanos do que em áreas rurais. É o sétimo estado mais populoso do Brasil, com 9.674.073 habitantes, distribuídos em 184 municípios e o arquipélago de Fernando de Noronha. Segundo dados do Atlas de Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras, de 2014, aproximadamente 80% dos habitantes do Estado moram em zonas urbanas.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) classifica como cidade todo e qualquer aglomerado urbano que seja sede político-administrativa de um munícipio, sem utilizar, para tanto, parâmetros de quantitativos populacionais. No Brasil existem atualmente 5.570 municípios, dentre os quais alguns com milhões e muitos outros com menos de 50.000 mil ou mesmo menos de 10.000 habitantes. (IBGE, 2016).
É preciso ter em vista que cidades pequenas diferem dos grandes centros e de uma a outra por contingente populacional, localização na rede urbana, atividades econômicas, entre outros elementos que as diversificam. Os processos urbanos não se realizaram da mesma forma ou intensidade em todos os lugares, configurando-se em processos desiguais. As variações ocorrem tanto em escala global, ficando os países desenvolvidos à frente dos países subdesenvolvidos, como, também, nos países subdesenvolvidos, onde algumas áreas são privilegiadas em detrimento de outras e, mesmo dentro de cada região, existem áreas periféricas na hierarquia urbana.
De acordo com Sposito é importante compreender a rede urbana no seguinte aspecto: “as formas como se estabelecem os fluxos que articulam as cidades entre si. Essas conexões se concretizam através de uma malha de rodovias, ferrovias, comércio, como também incluem os fluxos comunicacionais e de informação, além do fluxo de pessoas, entre outros” (SPOSITO, 2017, p. 347).
Triunfo está localizado na microrregião do Alto Sertão do Pajeú de Pernambuco. O município faz divisa ao Norte com o Estado da Paraíba, ao Sul com a cidade de Calumbi-PE, a leste com a cidade de Flores-PE e oeste com Santa Cruz da Baixa Verde-PE. Possui dois distritos: Canaã e Iraguaçu (Jericó).
O perfil econômico do munícipio tem, como principais atividades, a agricultura, o comércio e o turismo. Como uma das atividades econômicas, Triunfo (PE) tem investido no setor do turismo, desenvolvendo políticas públicas que visam aproveitar o potencial turístico do município como uma alternativa para o desenvolvimento socioeconômico (IBGE, 2013).
A atividade turística, fenômeno caraterístico da economia capitalista globalizada, influencia no desenvolvimento de novas especializações produtivas, proporcionando uma reconfiguração da cidade pequena e a inserindo na rede urbana com um perfil funcional de cidade turística.
Podemos dizer que Triunfo (PE) está na base inferior da rede urbana estadual pernambucana, dependendo do município vizinho, Serra Talhada (PE), na oferta de serviços de saúde, educação superior, comércio e serviços. Triunfo (PE) também mantém dependência e vinculação com a capital Recife (PE) para serviços mais complexos. Buscamos, dessa forma, refletir a paisagem rurbana triunfense, considerando os recursos culturais que contribuem para projeção do município na rede urbana estadual.
Paisagens culturais como singularidades
O município de Triunfo (PE) está fincado no semiárido nordestino, onde as chuvas são irregulares e variam em concentração e ocorrência, situação que alimenta o imaginário de terras áridas e desérticas. A geografia serrana de Triunfo, no entanto, representa uma singularidade, considerando o entorno local e regional, justificando em alguma medida a alcunha de “oásis do sertão”, recorrentemente utilizada nas referências sobre o lugar.

As características naturais têm sido utilizadas em favor da cidade, e assim construiu-se um imaginário de cidade alta, de temperaturas amenas, um espaço de paisagens verdes e com espelhos d’água, embora a cidade, como todas as outras do sertão do Pajeú, também sofra com as condições impostas pela irregularidade das chuvas.
Devido à sua posição geológica caracterizada como brejo de altitude, Triunfo (PE) se constituiu como uma cidade serrana, situada a 1.004 metros acima do nível do mar. Não é uma elevação tão espetacular, considerando outros pontos altos no mundo, que ultrapassam o triplo da elevação de Triunfo (PE). No entanto, a localização da cidade ganha contornos especiais na região, baseada na sua elevação, considerando que os brejos de altitude propiciam condições naturais distintas na região dos sertões semiáridos do Nordeste. A cidade alta e suas paisagens serranas são uma espécie de singularidade no meio do sertão. A condição topográfica proporciona um clima mais ameno e mesmo uma constituição física distinta das áreas planas do entorno sertanejo.
Triunfo (PE), entre águas e morros, assim vai construindo uma cadeia de imagens nas quais é visualizada com suas paisagens, transformadas historicamente em recursos culturais que mostram uma cidade cartão-postal, imagens que se projetam para serem vistas, desejadas e consumidas.“É este universo material e simbólico da produção cultural do espaço que tem se tornado objeto do olhar turístico, fenômeno que valoriza os bens de diferentes expressões culturais, fortalecendo a atratividade dos lugares”. (LUCHIARI, 2009, p.167).

Mesmo considerando as mudanças nas paisagens causadas pela ação antrópica que ocorre desde o processo de ocupação da área, aliado às mudanças no clima decorrente de uma problemática ambiental planetária, Triunfo (PE) mantém sua imagem de reduto da cidade serrana, alta e fria, das águas.
A cidade produz suas próprias referências simbólicas, que emergem não exatamente pelos padrões do capital industrial/financeiro, mas pelas suas características naturais, como a altura, o frio, as águas. Desse conjunto de imagens, que são elementos de distinção, resulta um imaginário característico sobre a cidade.
Patrimônio arquitetônico em Triunfo (PE): lugares e fluxos
O imaginário turístico da cidade exige o investimento na infraestrutura física, mas, principalmente, evoca a construção de uma imagem da cidade. Assim inventam-se cenários ou se reformulam espaços, recorrem-se às manifestações culturais, fabulam-se e incrementam-se narrativas e mitos destacando seus imaginários e valores culturais pretendendo assim se singularizar.
Em Triunfo (PE), as construções mais antigas são singularidades, compõem uma imagem de cidade histórica, distinta das cidades genéricas. Formula-se, pois, um imaginário arquitetônico que se torna um relevante recurso simbólico da cidade. Os exemplos que seguem são construções históricas, memórias do passado de Triunfo (PE), lugares que se atualizam no presente pela refuncionalização e que ampliam a circulação artística na cidade, bem como, intensificam os fluxos de informações culturais no município e na região.
Assim, evocamos Lucena Filho quando diz que elementos culturais são apropriados e refuncionalizados, gerando discursos folkcomunicacionais (LUCENA FILHO, 2012). As espacialidades das construções antigas, na refuncionalização que lhes atribui uma caracterização contemporânea, constituem o imaginário arquitetônico da cidade histórica que caracteriza Triunfo (PE). Mas essas espacialidades também se tornam, elas próprias, espaços de circulação de outras informações, outras imagens, redimensionando, assim, o imaginário da cidade.
Assim, mesmo um lugar fincado no imaginário dos sertões também é afetado pelos desencaixes entre passado, presente e futuro, o que é próprio da contemporaneidade. As construções seculares de Triunfo (PE), que ao longo do tempo perderam as funções originais e buscam se refuncionalizar, são reconfiguradas para o olhar turístico, marcadamente pelas experiências, memórias, ou seja, pelos valores imateriais que ao menos potencialmente proporcionam.
A cidade se vende, mas precisa contar com pressupostos de atração bem definidos. Um turismo cultural se faz com um elenco de espaços que contam histórias, de prédios capazes de se oferecerem à leitura, ligados a uma preocupação estética e de informação sobre o passado da cidade (PESAVENTO, 2008, p. 10).
As construções, adaptadas e reconfiguradas, passam a desempenhar novas funções que atendem à vocação turística. Os bens culturais são colocados no meio da disputa representativa dos tempos atuais, com suas estratégias de valorização urbana para práticas de consumo em atividades de lazer e turismo. Luchiari (2005, p. 12) confirma essa percepção: “O consumo dos bens culturais do patrimônio passa a ser objeto de discussão entre o valor simbólico (valor de uso) e o valor econômico (valor de troca)”.
No Centro Criativo de Cultura Padre Ibiapina, é possível encontrar artigos confeccionados por artesãs locais. Os artigos e produtos expressam a criatividade e modos de fazer de artesãos triunfenses. No prédio funciona também uma agência de turismo, onde pode-se, por exemplo, contratar o serviço de guias, além de informações sobre pontos turísticos. Essas práticas artesanais são mobilizadas enquanto práticas simbólicas e como recursos culturais da cidade, propensos a estimular ou fortalecer a promoção do turismo na cidade.

Ao utilizar aspectos do âmbito cultural, tais como crenças, produções artísticas, artesanatos, cria-se uma marca, uma identificação com o lugar e seu universo cultural. Estas expressões culturais são carregadas de sentimentos de identificação, pertencimento e valorização simbólica. Por isso, muitas vezes, tornam-se marcas sígnicas assimiladas pelas instâncias públicas e privadas para fins institucionais e/ou mercadológicos.
Nas palavras de Yúdice, “a cultura é hoje vista como algo em que se deve investir, distribuída nas mais diversas formas, utilizada como atração para o desenvolvimento econômico e turístico” (YÚDICE, 2013, p.11).
Outro exemplo de espaço refuncionalizado é o prédio da Fábrica de Criação Popular do Sesc-Triunfo, situada onde antes funcionava a Cadeia Pública Municipal, desativada em meados dos anos 2000. O prédio ficou fechado até ser cedido ao Sesc-Triunfo que reformou e inaugurou o espaço cultural em 2012.

A partir da renovação e refuncionalização da antiga cadeia, em que se ameniza as contradições sociais provenientes da história da violência, tornou-se possível produzir um local dedicado à circulação de produções artísticas e culturais, com a Fábrica de Criação Popular dotando o município de uma agenda de exposições, mostras, oficinas e cursos voltados para produções artísticas, de modo que a unidade do Sesc passa a incentivar a transformação da antiga cadeia num espaço de lugar e, assim, o espaço de lugar em espaço de fluxos.
A modernidade se caracteriza pela instalação do novo, do atual, o que em muitos casos, significa suprimir o que não condiz com os padrões modernos. No entanto, essas predisposições culturais podem ser ressignificadas de modo a atender às demandas dessa mesma modernidade através da produção e do consumo simbólico e econômico.
Como cidade de vocação turística, Triunfo (PE) se vê cindida em ter que se adequar aos conflitos e embates das contradições sociais que se evidenciam em qualquer lugar: modernizar e ao mesmo tempo manter a singularidade que se estampa também nas antigas construções de seu patrimônio arquitetônico. Esses embates caracterizados pelos processos de modernização ilustram os dilemas e contradições da globalização, registrada inclusive nas pequenas cidades.

Yúdice (2004, p. 126) afirma que: “A maior atenção à economia da cultura pode contribuir para potencializar as atividades de todos os grupos sociais, dar-lhes um lugar econômico frente aos grandes capitalistas”. No caso de Triunfo (PE), as organizações públicas e empresas privadas lançam mão dos recursos culturais relacionados ao município e à região do Pajeú, valorizando a identificação com o local, e ao mesmo tempo em que reforçam a imagem institucional das mesmas junto à comunidade local. Lucena Filho (2007) argumenta que o folkmarketing opera uma estratégia diferenciada, pois movimenta sentidos relacionados a emoção, empatia, identificação, valorização cultural e reforço de pertencimento, ao utilizar recursos culturais que fazem parte do universo de um público para os quais atuam.
Outro exemplo é o Cine Teatro Guarany, inaugurado em 1922, um modelo arquitetônico eclético com características neoclássicas. Atualmente funciona como espaço cultural com apresentações teatrais, mostras de cinema e de música. O Festival de Cinema de Triunfo (PE), realizado em suas dependências, tornou-se um importante evento da agenda cinematográfica não apenas da cidade, mas extrapolou para o âmbito estadual, dando vazão ao calendário cultural de Pernambuco e acrescentando um evento até mesmo no circuito de festivais nacionais. Por meio da Secretaria de Cultura Estadual e pela Fundarpe, é realizado desde 2008 com exibições de filmes e participação de realizadores de todas as regiões do país.
O prédio, com a antiga visualidade e nova função, além de patrimônio material e histórico, torna-se também uma herança afetiva para a cidade. Centenária, a edificação é um registro da arquitetura do século passado que ainda se faz presente em Triunfo (PE), de modo que sua imagem é veiculada como um cartão postal da cidade. Tornou-se um recurso cultural pelo qual a cidade se divulga e manifesta a ideia “celeiro cultural”. Como cartão postal, o Guarany constitui o imaginário da cidade e incentiva os fluxos de pessoas do entorno no Sertão do Pajeú, do estado de Pernambuco, das regiões mais próximas e mesmo de outros estados. O Cine Teatro Guarany mantém a ideia original de espaço de circulação e consumo de cinema, mas ampliou sua atuação a um espaço cultural, aberto às manifestações culturais distintas. Carrega sensibilidades que mesclam passado e presente e está no imaginário da cidade como referência imagética e simbólica.
Os exemplos citados, nos quais as construções foram revitalizadas, indicam um apaziguamento entre a cidade e seus elementos históricos, no sentido em que o antigo, que supostamente deveria ser descartado para dar lugar ao novo, ganha novos usos e se reconfigura entre espaço de lugar e espaço de fluxos. A partir dos exemplos de refuncionalização e aproveitamento dos recursos arquitetônicos, Triunfo (PE) se firma como um centro cultural, e, sobretudo, se liga a contextos locais, regionais, nacionais, através desses fluxos culturais.
Considerações finais
Triunfo (PE), hierarquicamente, localiza-se na base inferior da rede urbana de Pernambuco, caracterizada como uma cidade local que não possui grandes empreendimentos industriais ou financeiros, mas, que como todas as cidades pequenas, também são atravessadas por transformações, embora em escala reduzida, relacionadas à experiência da globalização, pelo desenvolvimento científico, tecnológico e informacional.
À margem da modernização industrial e comercial de Pernambuco, o município busca produzir o seu lugar na rede urbana estadual como cidade histórica e, portanto, cidade turística. Nessa relação, dota-se de seus próprios espaços de lugares, que se tornam simultaneamente espaços de fluxos, dada a condição em que os lugares favorecem duplamente a permanência dos moradores no local e a produção, a circulação e o consumo de informações.
As paisagens naturais e culturais da cidade, condição de se produzir os espaços de lugares e a própria constituição imaginária da cidade, apresentam-se como recursos que potencializam uma imagem de Triunfo (PE) na rede urbana estadual, passando a demandar novas percepções sobre os sentidos atuais e potenciais sobre os sentidos da natureza e da cultura em seu potencial emancipador.
Triunfo (PE) se projeta na rede urbana de Pernambuco como cidade de apelos naturais (alta e fria) e culturais através de seus equipamentos e manifestações culturais. E, assim como em muitas cidades pequenas, os recursos culturais tangíveis e não tangíveis são ressignificados de modo a formular um imaginário identitário que caracterize o lugar, reconvertendo-se em potenciais recursos que possam ser consumidos, essencialmente, pela indústria do turismo.
Entendemos que a ideia a acerca da cultura ampliou-se na contemporaneidade. A cultura, como os demais domínios, também é perpassada por uma lógica capitalista, podendo ser tensionada para o desenvolvimento ou ser ignorada na percepção da sociedade civil. Seguindo essa lógica contemporânea de consumo cultural e turístico, tornou-se uma tendência a refuncionalização dos bens culturais e, especialmente, dos espaços históricos.
A refuncionalização desses espaços, que ganham novo valor simbólico, mostra que se, por um lado, uma pretensa modernidade instiga a substituir o antigo pelo novo, um segmento da população entende que conservar e dar novos usos a edificações antigas, não necessariamente tombadas como patrimônio histórico, desdobram-se possibilidades de usufruírem dos bens dessa modernidade através do lazer local (ao modo de um turismo interno) e do turismo propriamente (tendo habitantes de municípios nos arredores, na capital Recife e mesmo nos estados que fazem divisa como público potencial).
Portanto, a cidade utiliza seus recursos para se singularizar e se firmar na rede urbana estadual. No entanto, a questão que se lança é se Triunfo (PE), assim como outras cidades pequenas, consegue lidar com a complexidade de um cenário pós-pandemia e os conflitos intensificados pela modernização impostos por processos globais.
Referências
BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 199l.
DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu; MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2005.
GUSHIKEN, Yuji. Usos midiáticos na constituição de circuitos culturais e comunicacionais populares urbanos. E-Compós, v. 11, n. 1, 2008. DOI: https://doi.org/10.30962/ec.244. Disponível em: https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/244.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Triunfo. Código 2615706. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html?view=municipio.
IPEA (Instituto de Planejamento Econômico Aplicado). Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: PNUD, Ipea, FJP, 2014. Disponível em: http://www.secid.ma.gov.br/files/2015/04/Atlas-do-Desenvolvimento-Humanonas-Regi-Metropolitanas.pdf.
LAZZARATO, Maurizio. NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial. Forma de vida e de subjetividade. Rio de Janeiro. DPA, 2001.
LIMA, Venício Artur de. Mídia: Teoria e política. São Paulo: Perseu Abramo, 2004.
LUCENA FILHO, Severino Alves de. Festa Junina em Portugal: Marcas culturais no contexto de folkmarketing. João Pessoa: Editora da UEPB, 2012.
LUCENA FILHO, Severino Alves de. A festa junina em Campina Grande-PB: uma estratégia de folkmarketing. João Pessoa, Editora Universitária UFPB, 2007.
LUCHIARI, Maria Tereza Duarte Paes. Patrimônio cultural, turismo e identidades territoriais um olhar geográfico. In: BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZTYN, Ivan (orgs.). Turismo de base comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Letra e imagem, 2009. Disponível em: http://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/TURISMO_DE_BASE_COMUNITxRIA.pdf.
LUCHIARI, Maria Tereza Duarte Paes. A invenção do Patrimônio arquitetônico no consumo das cidades. In: Anais [...], XI Encontro Nacional da Anpur. Salvador: Anpur, 2005. Disponível em: http://www.xienanpur.ufba.br/634.pdf.
MARQUES DE MELO, José. Mídia e Cultura popular: história, taxionomia e metodologia. São Paulo: Paulus, 2008.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História, memória e centralidade urbana. Revista Mosaico, v. 1, n.1, pp. 3-12, jan./jun. 2008. Disponível em: http://www2unesp.br/docentes/geo/GEOGRAFIA/Cidades/hist/urbanas.pdf.
SANTOS, Vera Lúcia Xavier dos; GUSHIKEN, Yuji. Paisagens culturais e imaginário como recurso da cidade pequena: Um estudo sobre Triunfo, sertão de Pernambuco. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, v. 7, pp: 01-22, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2446-6549.e202114. Disponível em: http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/interespaco/article/view/14150/9522.
SANTOS, Vera Lúcia Xavier dos; GUSHIKEN, Yuji. Paisagens culturais na cidade pequena/local: meio, mídia e mediações em Triunfo, Pernambuco. In: SARDINHA, Antônio; SILVA, Davi Junior de Souza; GUSHIKEN, Yuji (org.). Estudos de cultura: abordagens e perspectivas. Macapá: Editora da Unifap, 2020, pp. 270-292. Disponível em: https://www2.unifap.br/editora/files/2021/02/estudos-de-cultura.pdf.
SANTOS, Vera Lúcia Xavier dos; LUCENA FILHO, Severino Alves. Careta de Triunfo-PE: Folkmarketing e Desenvolvimento Local. ALAIC, Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación. V. 13, N 24, 2017. Disponível em: Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (pubalaic.org).
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Rede urbana. In: SPOSITO, Eliseu Saverio (org.). Glossário de Geografia Humana e Econômica, 2017, p. 347-367.
TABARELLI, Marcelo. SANTOS, André Mauricio Melo. Uma Breve Descrição Sobre a História Natural dos Brejos Nordestinos. In: Brejos de altitude em Pernambuco e Paraíba: história natural, ecologia e conservação. Orgs: Kátia C. Porto, Jaime J. P. Cabral e Marcelo Tabarelli. — Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004.
YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
YÚDICE, George. Os desafios da diversidade cultural no novo milênio. In: KAUARK, Giuliana; BARROS, José Márcio; MIGUEZ, Paulo (org.) Diversidade cultural: políticas, visibilidades midiáticas e redes. Salvador: EdUFBA, 2015.
YÚDICE, George. George Yúdice: A comunicação e a cultura atravessadas pela economia política. Entrevista a Paulo Jorge Ribeiro. Revista Eco-Pós, v. 7, n. 2, 2004. Disponível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/1124.
Notas